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Em que medida os avanços tecnológicos _________________________________________________________________________ podem influenciar na estrutura das cidades. Por: Ernani Maia Orientadora: Marta Bogea Faculdade de Belas Artes de São Paulo Lato Sensu São Paulo, Abril de 2002 2 Ernani Maia Os avanços tecnológicos e as cidades Monografia apresentada a Faculdade de Belas Artes de São Paulo como exigência para a obtenção do título de Especialista em Arquitetura e Cidade. São Paulo, Abril de 2002. 3 A vida é aquilo que acontece enquanto pensamos em outra coisa. O. Wilde 4 Agradecimentos Sou grato a meus pais pelo amor, trabalho e apoio, a Érika Abe pela existência, a Marta Bogea pela dedicação, paciência e competência, a Beto Corazza pela compreensão, e ao Prof. Wesley Santana pelas contribuições multidisciplinares (filosóficas, sociológicas, históricas e etílicas), além de todos aqueles os quais importunei obrigando-os a ouvir meus devaneios sobre a cidade do amanhã. 5 Resumo Esta monografia estuda as mudanças ocorridas nas estruturas das cidades em conseqüência da apropriação dos avanços tecnológicos pela sociedade. Pretende-se detectar as eventuais alterações sofridas nas cidades, sobretudo no período da revolução industrial, pois esta fase pode nos trazer subsídios preciosos para o enfrentamento de uma problemática semelhante, na medida em que os emergentes avanços das tecnologias da informação e da informática já começam a explicitar possíveis alterações na sociedade contemporânea. Este estudo procura resgatar os períodos de grandes mudanças sociais em virtude da evolução científica e tecnológica e analisar em que medida as cidades se reorganizaram e absorveram as evoluções técnicas da humanidade, além de analisar através de alguns modelos de cidades, como arquitetos e urbanistas se apropriaram dos avanços tecnológicos ao planejamento das cidades. Porém, não se pretende aqui, formular uma proposta para as futuras cidades, mais sim, identificar as possíveis condicionantes para um futuro projeto de cidade, que contemple as necessidades de uma nova sociedade, possivelmente virtual (quase transparente), que poderá substituir os deslocamentos e os contatos físicos, por um deslocamento e um contato subjetivo, mediado pelas novas tecnologias, especialmente o computador pessoal. 6 Abstract This theory studies the changes ocurred in the cities’ structures as a result of the appropriation in tecnological advance by the humaneness. The intention is to detect the possible modifications ocurred in the cities, eventhough during the Industrial Revolution, a period that could bring to us some valious subsidies for a best comprehension about a similar trouble, at the same time that the new information tecnology advances started to show their possibles changes that affects the contemporany society. This study looks for bring back the periods of a social changes caused by scientific evolution and tecnological analyzing wich point the cities was reorganized and absorved the human tecnical evolution, besides analyzing through some cities’ models, as architects and urbanists appropriated the tecnological advances about the cities’ master plan. However, there is not our intention to couch a new proposal for the futures cities, but to identify the possible conditionals for a future city master plan, wich contemplated the society needs, possibly virtual (almost transparent), that could substitute the dislocation and the physic contacts, for a subjective dislocation and contact, caused for new tecnologies, especially the personal computers. 7 Sumário Introdução........................................................................................................08 A revolução Industrial e os avanços tecnológicos...........................................13 A cidade e os avanços tecnológicos (novos problemas)..................................20 A cidade e a busca de novas soluções..............................................................36 Projetos, modelos e cidades.............................................................................51 As utopias do século XIX............................................................54 As cidades racionalistas...............................................................63 Novas utopias para novas tecnologias.........................................75 O retorno às cidades tradicionais.................................................94 As cidades caos............................................................................96 A sociedade pós-industrial...............................................................................99 A emergência do agente revolucionário.........................................................104 Especulações sobre a nova cidade..................................................................107 Bibliografia....................................................................................................117 Crédito das ilustrações...................................................................................120 8 Introdução. Os avanços tecnológicos presentes nas últimas décadas, sem dúvida vêm abalando consideravelmente muitos aspectos que pareciam consolidados na sociedade, um novo meio de inter-relação pessoal emerge com o advento dos computadores pessoais, sobretudo quando estes se conectam entre si, alterando com eficácia alguns costumes sociais. A suposição mais imediata é que em função dos avanços tecnológicos e principalmente com o aumento no chamado teletrabalho, a mobilidade territorial da sociedade tende a diminuir, o deslocamento físico perderia espaço para o deslocamento virtual possibilitado pelos computadores e pelas redes interativas de comunicação. Com isso, pretende-se neste trabalho analisar as alterações sofridas pelas cidades em virtude das descobertas científicas e avanços tecnológicos, 9 desde a revolução industrial, até a chamada revolução informacional que estamos vivenciando em nossos dias, através das mudanças ocorridas com a emergência das novas tecnologias da informática e da informação. Para podermos formular hipóteses de uma possível nova estruturação de cidade, analisaremos a história a partir do período da revolução industrial, pois através deste período teremos subsídios preciosos para uma eventual proposta de cidade para as próximas décadas, atentando para as especificidades poderemos traçar um paralelo entre as alterações comportamentais e geográficas ocorridas a partir da metade do século XVIII, com as que já estamos identificando em nosso cotidiano. Posteriormente ao resgate histórico analisaremos alguns modelos propostospara cidades a partir das modificações geradas pela evolução tecnológica e científica posterior ao período da revolução industrial. O primeiro modelo a ser analisado será o de Charles Fourier que na urgência de equacionar os problemas causados especialmente pelo aumento demográfico das cidades do século XIX, formula um pensamento urbanístico que em parte será resgatado no século XX pelos chamados urbanistas de vanguarda moderna, aqui apresentados através da obra de Le Corbusier. Em meados do século XX, a partir dos avanços e da difusão, sobretudo dos meios de comunicação de massa, na efervescência da guerra fria e da corrida espacial, surge um grupo de arquitetos e urbanistas ingleses que através de uma linguagem de história em quadrinhos e HQs de ficção científica, formulam uma série de propostas utópicas e futuristas para as cidades das décadas subseqüentes, é o chamado grupo Archigram que despregados das tradições e descomprometidos com a exeqüibilidade das propostas, conseguem 10 vislumbrar cidades móveis, sem território definido, com plena apropriação dos avanços tecnológicos especialmente os meios de comunicação de massa. Estas propostas são aqui apresentadas, pois, os idealizadores com muita propriedade souberam; primeiro, identificar a necessidade de implementação de novas idéias para uma sociedade em meio a mudanças profundas, e segundo porque estes autores apropriaram-se dos avanços tecnológicos e principalmente construtivos disponíveis em sua época, embora as utopias do Archigram não saíram do projeto. Contudo, podemos dizer que ao lado das transformações no povoamento humano devido à domesticação do fogo, da água e do vento, ao lado das transmutações do ambiente natural e construído, provocadas pelas novas energias, devemos acrescentar as transformações geradas pelas novas tecnologias informacionais. Conhece-se a evolução da paisagem rural causada pela distribuição da eletricidade, pela implementação das indústrias, pela organização ferroviária e rodoviária, assim como as mutações da paisagem urbana provocada pelo elevador e o metrô ou pelo automóvel e percebe-se ainda a influência das energias alternativas (energia solar e de outros tipos) sobre a moradia. Então, torna-se pertinente questionar: se não seria agora o momento de nos perguntarmos sobre as relações existentes entre os novos avanços tecnológicos proporcionados especialmente pela evolução da informática, e quais serão as possíveis alterações, sobretudo no ambiente geográfico? Como viver verdadeiramente se o aqui não o é mais e se tudo é agora? Como espacializar o amanhã na fusão instantânea de uma realidade que se tornou dividida entre o tempo da presença (físico / material) e o tempo da telepresença (virtual / transparente)? 11 A idéia deste trabalho não é (ainda) propor um efetivo modelo de cidade para os próximos anos, onde a informática e a informação possivelmente mudem muitas coisas em nosso viver, porém, pretendo que este trabalho subsidie uma tese posterior que como arquiteto e urbanista me sinto na obrigação de desenvolver, para não deixar que os avanços tecnológicos e científicos, que se manifestam com extrema rapidez, nos peguem (mais uma vez) desprevenidos. Pretende-se neste trabalho, resgatar os períodos de grandes mudanças sociais em virtude da evolução científica e tecnológica e analisar em que medida as cidades se reorganizaram e absorveram as evoluções técnicas da humanidade, além de analisar através de alguns modelos de cidades, como arquitetos e urbanistas se apropriaram dos avanços tecnológicos ao planejamento das cidades. 12 figura 01 – A chegada (1914) de Cristopher Nevinson, anuncia o auge da idade do progresso e a madrugada do milênio industrial. 13 A Revolução Industrial e os avanços tecnológicos. Segundo os historiadores, houve pelo menos duas Revoluções Industriais: a primeira começou pouco antes dos últimos trinta anos do século XVIII, caracterizada por novas tecnologias como a máquina a vapor, a fiadeira, o processo Cort em metalurgia e, de forma mais geral, a substituição das ferramentas manuais pelas máquinas; a segunda, aproximadamente 100 anos depois, destacou-se pelo desenvolvimento da eletricidade, do motor de combustão interna, de produtos químicos com base científica, da fundição eficiente de aço e pelo início das tecnologias de comunicação, com a difusão do telégrafo e a invenção do telefone. Entre as duas há continuidades 14 fundamentais, assim como algumas diferenças cruciais. A principal é a importância decisiva de conhecimentos científicos para sustentar e guiar o desenvolvimento tecnológico após 1850. É precisamente por causa das diferenças que os aspectos comuns a ambos períodos da revolução industrial 1 , podem oferecer subsídios preciosos para se entender a lógica das revoluções tecnológicas. Primeiramente, em ambas “revoluções”, testemunhamos um período de “transformações tecnológicas em aceleração e sem precedentes” em comparação com os padrões históricos. Um conjunto de macroinveções preparou o terreno para o surgimento de microinvenções nos campos da agropecuária, indústria e comunicações. Foram de fato, revoluções no sentido de que um grande aumento repentino e inesperado de aplicações tecnológicas transformou os processos de produção e distribuição, criou uma enxurrada de novos produtos e mudou de maneira decisiva a localização das riquezas e do poder no mundo, que, de repente, ficaram ao alcance dos países e elites capazes de comandar o novo sistema tecnológico. Nesta fase nota-se com clareza que a história da humanidade é cíclica e em alguns aspectos até repetitiva, sempre na história o grupo social ou a civilização que se apropria com mais velocidade dos novos meios técnicos, 1 Na primeira Revolução Industrial na Grã-Bretanha, havia uma interface entre ciência e tecnologia. Segundo Charles Singer em A História da Tecnologia, “o aperfeiçoamento decisivo promovido por Watts na máquina a vapor projetada por Newcomen ocorreu em interação com seu amigo e protetor Joseph Black, professor de química da Universidade de Glasglow, onde, em 1757, Watts foi nomeado o “Criador de Instrumentos Matemáticos da Universidade” e conduziu seus próprios experimentos em modelo da máquina de Newcomen. Assim sabe-se que o condensador desenvolvido por Watts para a máquina a vapor, separado do cilindro em que o postom se movimentava, era intimamente associado e inspirado nas pesquisas científicas de Joseph Black, professor de química da Universidade de Glasglow”. - Deane, Phyllis – A Revolução Industrial – Zahar Editores – pág. 203. 15 sobretudo, as técnicas de guerra consegue invariavelmente dominar a humanidade. E, essa é precisamente a confirmação do caráter revolucionário das novas tecnologias industriais. A ascensão histórica do chamado Ocidente, limitando-se de fato à Inglaterra e a alguns países da Europa Ocidental, bem como à América do Norte e à Austrália, está fundamentalmente associada à superioridade tecnológica alcançada durante as duas Revoluções Industriais. Nada na história universal cultural, científica, política ou militar antes da Revolução Industrial poderia explicar a indiscutível supremacia (anglo- saxônica/alemã e francesa) do Ocidente entre 1750 e 1950. A tecnologia, expressando condições sociais específicas, introduziu nova trajetória histórica na segundametade do século XVIII. A industrialização fornece o ponto de partida da reflexão sobre nossa época. Com a ascensão da burguesia específica, concomitantemente à industrialização, nasce o capitalismo concorrencial e com isso a riqueza deixa de ser imobiliária, as terras escapam aos feudais e passam para as mãos dos capitalistas urbanos. Neste período de nossa história coincidem três tipos de mudanças: descoberta de novas fontes energéticas, uma nova divisão do trabalho e uma nova organização do poder – com isso a humanidade fica diante de um salto de época. São estes três tipos de mudanças que trazem consigo uma nova epistemologia, um novo modo de ver o mundo. Alguns historiadores insistem que os conhecimentos científicos necessários à primeira Revolução Industrial já estavam disponíveis cem anos antes, prontos para serem usados sob condições sociais maduras; ou, como afirma outros, aguardando a engenhosidade técnica de inventores autodidatas como Newcomen e Watts, capazes de transformar a tecnologia disponível, 16 combinada com a experiência artesanal, em novas e decisivas tecnologias industriais. Porém, a segunda Revolução Industrial, mais dependente de novos conhecimentos científicos, mudou seu centro de gravidade para os EUA e a Alemanha, onde ocorreu a maior parte dos desenvolvimentos em produtos químicos, eletricidade e telefonia. As descobertas tecnológicas ocorreram em agrupamentos, interagindo entre si num processo de retornos cada vez maiores. Sejam quais forem as condições que determinaram esses agrupamentos, a principal lição que permanece é que a inovação tecnológica não é uma ocorrência isolada. Ela reflete um determinado estágio de conhecimento; um ambiente institucional e industrial específico; uma certa disponibilidade de talentos para definir um problema técnico e resolvê-lo; uma mentalidade econômica para dar a essa aplicação uma boa relação custo/benefício; e uma rede de fabricantes e usuários capazes de comunicar suas experiências de modo acumulativo e aprender usando e fazendo. Os efeitos positivos, a longo prazo, das novas tecnologias industriais no crescimento econômico, na qualidade de vida e na conquista humana da natureza hostil (refletidos no aumento impressionante da expectativa de vida, que não tivera uma melhoria constante antes do século XVIII) são indiscutíveis nos registros históricos. Porém, não vieram cedo, apesar da difusão da máquina a vapor e das novas máquinas e equipamentos. No início, o consumo per capita e a qualidade de vida aumentaram pouco (no início do século XVIII), mas as tecnologias de produção mudaram drasticamente várias indústrias e setores, preparando o caminho para o crescimento da segunda metade do século XIX, todavia, os registros históricos parecem indicar que, em termos gerais quanto mais próxima for a relação entre os locais de 17 inovação, produção e utilização das novas tecnologias, mais rápida será a transformação das sociedades e a sua efetiva apropriação das inovações tecnológicas. Apesar de ambas as Revoluções Industriais, terem causado o surgimento de novas tecnologias que na verdade formaram e transformaram um sistema industrial em estágios sucessivos, no âmago dessas revoluções havia uma inovação fundamental em geração e distribuição de energia. R.J. Forbes, famoso historiador de tecnologia, afirma que “a invenção da maquina a vapor podia ser levada aonde fosse necessária e na extensão desejada”2. E, embora insista no caráter multifacetado da Revolução Industrial, também acha que “não obstante os protestos de alguns historiadores econômicos, a maquina a vapor é ainda amplamente considerada a invenção mais requintada da Revolução Industrial”. A eletricidade foi a força central da segunda revolução, apesar de outros avanços extraordinários como produtos químicos, aço, motor de combustão interna, telégrafo e telefonia. Isso porque, apenas mediante geração e distribuição de eletricidade, os outros campos puderam desenvolver suas aplicações e ser conectados entre si. Um caso especial foi o do telégrafo elétrico que, utilizado experimentalmente de 1790-99 e em pleno uso desde 1837, só conseguiu desenvolver-se em uma rede de comunicação, conectando o mundo em larga escala, quando pôde contar com a difusão da eletricidade. O uso difundido da eletricidade a partir de 1870 mudou os transportes, telégrafos, iluminação e, não menos importante, o trabalho nas fábricas mediante a difusão de energia na forma de motores elétricos. Na verdade, 2 Forbes, R.J. – The Industrial Revolution, 1750-1850, Londres, editora Oxford University Press, 1958. 18 embora as fábricas sejam associadas à primeira Revolução Industrial, por quase um século elas não foram concomitantes com o uso da máquina a vapor, bastante utilizada em pequenas oficinas artesanais, enquanto muitas das grandes fábricas continuavam a usar fontes melhoradas de energia hidráulica (daí a razão de, por muito tempo, terem sido conhecidas como moinhos). Foi o motor elétrico que tanto tornou possível quanto induziu a organização do trabalho em larga escala nas fábricas industriais. Portanto, atuando no processo central de todos os processos – ou seja, a energia necessária para produzir, distribuir e comunicar – as duas Revoluções Industriais difundiram-se por todo o sistema econômico e permearam todo o tecido social. Fontes móveis de energia barata e acessível expandiram e aumentaram a força do corpo humano, criando a base material para a continuação histórica de um movimento semelhante. 19 figuras 02,03 –Uma roda de fiar podia fazer às vezes de mil fusos era uma regra da Revolução Industrial. Em cima uma cena tradicional de casa de campo. Em baixo, (maquinas de fiar algodão 1835) 20 A cidade e os avanços tecnológicos (novos problemas). A grande era das invenções modernas, como já vimos, divide-se em duas fases distintas. A primeira entre 1700 a 1850 foi dominada pelo carvão, o ferro e o vapor, e testemunhou a transição da oficina para a fábrica e de empresa individual para a companhia por ações. A segunda, coincidindo com a aparição das grandes firmas e monopólios de 1850 em diante, está associada, acima de tudo com o aço, a eletricidade, o motor de combustão interna e a síntese de novas substancias. Ambas as fases demonstram que embora o avanço em tecnologia não possa por si próprio levar ao progresso industrial, pode conseguir-se, em pouco tempo um impressionante ganho para a 21 sociedade se empresários e artífices habilidosos tiverem a vontade e a capacidade de reconhecer e aplicar novas idéias e invenções úteis. **** Com o desenvolvimento da locomotiva (1814), e com a implementação das linhas ferroviárias, a cidade expande seu crescimento através destes caminhos, a estrada de ferro traz definitivamente o progresso: em primeiro lugar garante o transporte de mercadorias, depois, o de pessoas, assim, as distâncias se encurtam e as relações comerciais entre diversas localidades e países se estreitam, de modo a impulsionar o crescimento econômico- comercial dos países que se apropriarão com mais rapidez, da evolução deste meio de transporte. Não são apenas os bens de consumo trazidos pelos trens, mas, sobretudo o dinheiro de várias partes do globo. Os reflexos desta grande evolução gerada pelos trens e ferrovias são rapidamente sentidos pelas cidades, que mais uma vez têm uma geratriz condicionando seu crescimento eestruturando-a até então sem racionalização. As ferrovias, por muitas vezes, criam resíduos urbanos, segmentam a paisagem, segregam a cidade, por se tratar de uma linha marcante que cicatriza e intransponibiliza, formando assim, dois lados normalmente estanques. Porém, para servir de suporte para a estrutura ferroviária, são edificados grandes galpões e armazéns, tais quais: as docas dos navios a vapor 3 , como também, estações que rapidamente tornam-se ícones do progresso da cidade industrial (neoliberal). Um exemplo da 3Nota do autor: Na primeira metade do século XIX os sistemas de transporte e de comunicação desencadearão as primeiras inovações como os primeiros barcos a vapor (1807), que como os trens com as estações, trás consigo, a necessidade da edificação de docas e portos que se tornam pontos de atração para os imigrantes, sedentos por trabalhos e recém saídos do campo, com isso, a cidade além da transformação no assentamento da 22 importância das estações ferroviárias é o fato de que sempre em suas torres, instalavam-se os relógios, que tinham a função de mostrar e marcar a hora de seus trens, também serviam como símbolo da doutrina industrial difundida sobre a massa trabalhadora, na maioria das vezes explorada. Ademais as estações ferroviárias, nota-se que a paisagem dessas cidades começam a ser remodeladas, o horizonte das cidades industriais são cortados com as chaminés das fábricas, adquirindo assim, cada vez mais um aspecto árido e sombrio, pois estas chaminés lançam ininterruptamente suas fumaças sobre a cidade. Figura 04 – Estação de caminho-de-ferro de Paris, a Gare Saint-Lazare pintada por Monet, 1877. população, iniciada pela implantação das fábricas, dissipa seu crescimento, através das adjacências dessas estruturas comerciais e de serviços, referente ao transporte fluvial. 23 Além das grandes cidades que são obrigadas a abrigar a malha férrea, outras pequenas e médias cidades foram surgindo ao redor da ferrovia, assim, esta se torna condicionante para a consolidação geográfica, e para a implantação de novas fábricas, pois invariavelmente, a matéria que as fábricas necessitavam para sua produção, como a que a fabrica produzia, era transportada pelos trens. Juntamente com as fábricas vinha a mão de obra para viabilizar sua operacionalização, e a partir de então, a classe mais desfavorecida era expurgada para as periferias das novas cidades, formando subúrbios, com problemas de habitabilidade (o que será posteriormente abordado). Com isso, a ferrovia e as locomotivas tornam-se, indubitavelmente, uma das invenções mais transcendentes da revolução industrial, tanto é, que via de regra, as teorias urbanísticas do século XIX, contemplavam a ferrovia como meio de transporte determinante para o desenvolvimento das cidades, que apesar das diferenças entre as propostas pode-se notar traços comuns, desde os “Falanstérios de Charles Fourier, até as “Cidades Jardins” de Ebenezer Haward, passando pelas “Cidades Industriais” de Tony Garnier, todos consideravam a ferrovia como meio de transporte eficiente e determinante para o desenvolvimento racional das cidades. 4 Mais tarde, a invenção do motor a explosão (1885) permite usar o petróleo para mover navios, automóveis e, depois, os aviões. Especialmente, os automóveis trazem à cidade uma mudança considerável, pois as ruas, os cruzamentos, os acessos, a própria casa que necessita a partir de então, um 4 Ver: – Choy, Françoise – O Urbanismo - editora perspectiva – paginas 61 a 66, 163 a 170 e 219 a 228. 24 compartimento que abrigue o automóvel, toda a estrutura dos arruamentos tem de ser alterada. O automóvel muda o enfoque da estruturação da cidade, que se antes pensava no pedestre,- ou no tropeiro -, tem que necessariamente atender esta nova forma de circulação, até se chegar ao lamentável ponto, em algumas cidades modernas, de priorizarem exclusivamente os automóveis. A cidade mais uma vez ganha barreiras intransponíveis. As grandes avenidas do século XX que aos poucos vão tomando os lugares mais nobres das cidades são como as ferrovias do século XIX, e fragmentam definitivamente a cidade, que por mais planejada que seja, com o tempo, passa a conviver com os engarrafamentos. A aridez das cidades industriais atinge o cume, com a obrigatória pavimentação das ruas. Neste momento é a rodovia que estrutura o espaço geográfico, tal qual a ferrovia, a rodovia impõe em meados do século XX as diretrizes para o desenvolvimento das cidades. Figura 05 – A Locomotiva de William Hetley. Wylam Dilly,l construída em 1813. 25 Figura 06 – Locomotiva – um exemplo de arte de engenharia, 1848. Figura 07 – Atento as insuficientes fontes de carvão da Itália e ao entusiasmo pelos caminhos de ferro, um inventor patriótico idealizou a “Impulsoria” de 1853. 26 Através desta analogia entre ferrovia e rodovia, podemos estabelecer uma comparação semelhante com os bondes e os trens metropolitanos. A partir das primeiras iniciativas no campo da eletricidade como a descoberta da lei da corrente elétrica (1827), foi possível desenvolver meios de transporte como o bonde, tão presente nas cidades no século XIX, que com a modernização dos meios de condução de energia como o de construção civil, deu seu lugar aos trens metropolitanos que hoje são reconhecidos como o meio de transporte mais eficiente para as grandes cidades, principalmente quando da ocupação dos subsolos. Figura 08 – O carro elétrico de Siemens (O Bonde) na Expo. Elétrica de Paris 1881. 27 Todavia, ainda no setor dos transportes, não podemos esquecer a aeronáutica, que a partir dos dirigíveis, tem papel de extrema importância não só no desenvolvimento dos transportes, como no das cidades. A evolução da indústria química também se tornou um fator importante para a compreensão dos avanços tecnológicos e suas interfaces, 5 viabilizou, entre outras coisas, a construção dos primeiros dirigíveis aéreos, e com isso, a conquista do espaço aéreo pelo homem. As cidades precisaram adequar-se mais uma vez ao novo advento, com grandes hangares e locais para o pouso destas enormes estruturas voadoras, e assim, espaços imensos precisariam ser destinados a mais uma conquista da humanidade. Posteriormente, com a já mencionada invenção do motor à explosão e o desenvolvimento da engenharia aerodinâmica, o avião toma a cena, e define-se como principal meio de transporte para grandes distâncias. O aeroporto passa a ser preponderante e é implantado em geral em lugares mais afastados das cidades, liberando o espaço aéreo nas adjacências, porém com o crescimento da cidade, o aeroporto, passa com o tempo a ser envolvido pela cidade, muitas vezes ficando em uma posição desaconselhável para os padrões de segurança. O avião nos trás a possibilidade de ver a cidade de outro ângulo, em outra perspectiva, além de possibilitar o acesso à cidade por outro caminho que não, o terrestre, assim faz do aeroporto uma outra porta de entrada da cidade, com isso os aeroportos passam a ter valor estratégico para a imagem da cidade. 5 Nota do Autor: A indústria Química também se tornou um importante setor de ponta no campo fabril, a obtenção de matérias primas sintéticas a partir dos subprodutos do carvão(nitrogênio e fosfato), corantes fertilizantes plásticos, explosivos, etc. 28 Figura 09 – Os símbolos das conquistas da técnica, um balão, um dirigível e um biplano parecem meditar sobre esta cena. Vista da Ponte de Sèvres (1908), de Rousseaou. **** Além do papel fundamental da eletricidade no desenvolvimento dos transportes metropolitanos, a eletricidade associada à lâmpada elétrica (1876) possibilitou iluminar a cidade, as casas, e dar margem a uma série de outras invenções. Para o propósito da discussão em pauta, devemos salientar a iluminação pública que não só tornou a cidade mais segura e passível do frequentamento noturno, mas alterou definitivamente o cotidiano, expandindo o dia produtivo através da noite, o aproveitamento produtivo, sobretudo nas fábricas, duplicou criando assim, os turnos de trabalho. A iluminação de nossas ruas criou além do trânsito noturno, a possibilidade do lazer noturno, que entre outras coisas, necessita de estrutura própria. Nasce então, uma outra faceta em algumas cidades, a de explorar a noite comercialmente como entretenimento. As cidades sofrem com isso mudanças do ponto de vista geográfico, pois a setorização torna-se fundamental, as áreas que exploram o 29 comércio e os serviços noturnos não podem (ou não poderiam), de maneira alguma, chocarem-se com as áreas residenciais, que por sua vez não deveriam estabelecer relações físicas com áreas industriais, assim, as cidades começam a ser subdivididas, de modo a cada vez mais necessitarem de transportes eficientes, tanto coletivos como individuais. 6 Figura 10 – A invenção do motor de combustão interna, deu origem à moderna industria automobilística. – Karl Benz ao volante do seu automóvel (1887). 6 Nota do Autor: A energia elétrica passou a exercer sobre a humanidade uma influencia vital, e só tomamos consciência disso, quando estamos prestes a perde-la. A crise de energia enfrentada por diversos paises, sobretudo o Brasil, revela nossa total dependência desta energia. Precisamos de eletricidade para manter a temperatura fria no verão e quente no inverno, para cozinhar grande parte de nossa comida e congelar o que pretendemos comer depois. Dependemos dela para transporte, comunicação, diversão, para levar vidas que não têm qualquer relação com o nascer e o pôr do sol. 30 A revolução industrial primeiramente restringiu-se aos locais de trabalho e produção partilhada, até que o motor elétrico limpo e relativamente pequeno possibilitou a adoção de sua utilidade no lar: refrigeração, limpeza automatizada, esfriamento de ambientes, melhor aquecimento, diversão, armazenagem de dados em massa, assistência médica doméstica e transporte pessoal mais confortável. É verdade que muitas dessas “bênçãos” já se achavam presentes no lar graças a tecnologias mais simples – o encanamento com base na gravidade, por exemplo, ou o fluxo de ar convectivo (renovação mecânica do ar) -, mas foi o motor elétrico que as levou a toda parte. A transformação do estilo de vida ocidental foi profunda e mudou completamente nossas expectativas de como nossos corpos devem se encaixar em nosso ambiente. **** A invenção do processo Bessemer (1856) facilita a difusão do aço, que permite construir novas máquinas mais eficientes e novas estruturas nunca vistas no passado: grandes coberturas sem suportes intermediários (a rotunda da Exposição Universal de Viena, de 1873, com o diâmetro de 102 metros, a sala das máquinas da Exposição Universal de Paris de 1889, de 115 por 420 metros), pontes suspensas cada vez mais longas (desde a Ponte do Brooklyn de 1873, de 488 metros, à Ponte de Washington sobre o Hudson, de 1928, de 1.050 metros), arranha-céus cada vez mais altos (dos primeiros de Chicago, no fim do século XIX, de 20-30 andares, aos de New York nos primeiros decênios do século XX, com mais de 100 andares;. A invenção do dínamo (1869) permite usar a eletricidade como força motriz, e tornam possíveis 31 infinitas aplicações: como por exemplo, os elevadores e os sistemas de comunicação (telefones e interfones) – pois de nada adiantaria construir edifícios de 100 andares se não tivéssemos uma forma de deslocamento vertical mecânico para acessá-los. No final do século XIX, com a solução dos complexos problemas técnicos e estruturais que as novas tecnologias resolveram, foram criadas as condições para a construção de arranha-céus, que mudariam definitivamente a paisagem da maioria das cidades do mundo, muitas vezes com várias centenas de metros de altura. Tinham de ser consideradas não só as medidas de proteção contra incêndios, como também as dificuldades inerentes à sua exploração. Mas, por muito grande que seja o fascínio estético exercido por estes edifícios de grande porte, considerados obras-primas da arquitetura do ferro, eles não foram construídos meramente por motivos estéticos. Pelo contrário, foram os motivos econômicos que provocaram quase obrigatoriamente um crescimento contínuo em altura dos edifícios. A subida dos preços dos terrenos nos centros econômicos, em ascensão na América, conduziu a que cada metro quadrado de solo tivesse de ser utilizado de modo conseqüente. Depois de terem sido dominados os problemas técnicos dos prédios em altura, principalmente com o advento do elevador, as motivações econômicas desenvolveram-se em uma crescente: quanto mais gigantescas eram as somas obtidas no mercado imobiliário. Para além de Nova Iorque, centro econômico pulsante, foi, sobretudo em Chicago que este novo movimento arquitetônico mais se desenvolveu. O violento incêndio de 1871 em Chicago reduziu uma grande parte a escombros. Mas, por mais terríveis que as conseqüências do grande incêndio tenham sido, serviu simultaneamente, como rastilho da reconstrução de uma cidade nova e 32 moderna, na qual os “arranha-céus” se foram elevando, andar a andar, tornando-se a componente mais importante da imagem da cidade. Assim, surgiram, espantosamente cedo, projetos de edifícios gigantescos como o Marshall Field Wholesale Store de Henry Hobson Richardson (1885-1887), ou o primeiro com um esqueleto em aço, o Jome Insurance Building projeto de William Le Baron Jenney igualmente concretizado em Chicago (1883-1885). Em paralelo, Louis Sulivan tornou-se o protagonista mais importante da cultura dos edifícios em altura dessa época e no representante insigne da chamada “Escola de Chicago”. Figura 11 - Woolworth Building, (Cass Gilbert) Nova Iorque, 1913. 33 Figura 12 – Chrysler Building, (William van Alen) Nova Iorque, 1930. 34 **** Os telégrafos (1836) tornaram a informação mais rápida, assim reunia- se fisicamente a informação e a organizavam de formas inteligível, abrindo caminho para uma série de outras invenções no campo da comunicação. O telefone dava novos contornos a comunicação (Bell, 1876). Hoje não conseguimos imaginar a civilização moderna sem o telefone. A partir da difusão em larga escala do telefone, imaginou-se que o deslocamento em muitos casos passaria a ser secundário, já que se poderia comunicar via telégrafo ou telefone. Assim, as expectativas quanto ao crescimento da malha viária ou ferroviária das cidades poderia sofrer uma retração, visto que, o deslocamento supostamente diminuiria. No entanto em concomitância a expansão do telefone, ocorreu à propagação dos automóveis, que logo, tornar- se-ia o sonho de consumo da civilização industrial e pós-industrial, com isso, torna-se fundamental abrir estradas, alargar ruas, criar a infra-estruturamínima para a eminente expansão da industria automobilística. Esta interface entre a difusão do telefone e a possível retração na configuração viária das cidades, deve ser retomada nesta análise, na medida em que se discuta os novos meios informacionais, e as possíveis alterações nas cidades do amanhã. Como já foi colocado anteriormente, um dos benefícios trazidos pela difusão dos meios de comunicação, sobretudo o telefone, foi a de ajudar na viabilidade de edificar os edifícios altos, criando condições de comunicações entre os diversos andares e integrando os andares mais distantes ao resto da cidade, sobretudo ao mundo. O telefone, de certa forma, altera as noções de distancia tão fortemente estabelecidas, possibilitando a informação ou a comunicação entre os 35 diferentes lugares do mundo e entre os diversos povos e culturas, em tempo real. Podemos talvez (por que não?) dizer, que o telefone é o primórdio da globalização e o início da comunicação virtual, uma vez que possibilita a intercomunicação em tempo real, e facilita o intercâmbio entre povos de diferentes culturas, possibilita a comunicação sem a mediação física. Por isso, alguns historiadores consideram que a revolução industrial, ainda segue até os nossos dias, por se tratar de um avanço contínuo da ciência e da tecnologia, as descobertas e os avanços abrem precedentes para uma série de outras invenções que muitas vezes mudam o comportamento do mundo. Com a invenção do rádio (1898), abre-se um novo período na história da humanidade, surge a comunicação de massa. Diretamente as cidades não sofrem alterações, porém com o tempo os costumes são alterados, a mídia associada ao regime capitalista influencia e altera o comportamento social, que conseqüentemente tem reflexos nas cidades, surgem os grandes espaços comerciais embalados pelo consumismo crescente, as praças antes exclusivas para o lazer são invadidas por diversos usos ligados ao consumo, a própria configuração da moradia é alterada, em virtude de modelos vinculados na mídia. O radio é o inicio deste fulminante ataque da mídia que conhece seu ápice com o surgimento da televisão. 36 A cidade e a busca de novas soluções. Depois da metade do século XVIII, a revolução industrial muda o curso dos acontecimentos, na Inglaterra e mais tarde em todo o resto do mundo.Os principais fatos que influenciam a ordem das cidades e do território são os seguintes: - O aumento da população, devido à diminuição do índice de mortalidade, que pela primeira vez se distancia decididamente do de natalidade (Na Inglaterra o índice de natalidade permanece quase constante ao redor de 37 por mil, o índice de mortalidade diminuiu de 35 por mil por volta de meados do século XVIII, para 20 por mil na metade do século XIX). Por isso cresce o número de habitantes. 37 - O aumento dos bens e dos serviços produzidos pela agricultura, pela indústria e pelas atividades terciárias, por efeito do progresso tecnológico e do desenvolvimento econômico. O aumento da população e o aumento da produção se ligam para formar um círculo ascendente: os habitantes mais numerosos exigem bens e serviços mais abundantes, que permitem um aumento ulterior da população; os bens e os serviços disponíveis em quantidade e em qualidade superior fazem aumentar a qualidade de vida das classes sociais, e produzem a busca de outros bens mais abundantes e mais diversos. - A redistribuição dos habitantes no território em conseqüência do aumento demográfico e das transformações da produção. Os camponeses cultivadores diretos se tornam assalariados, ou operários da indústria, e se transferem para onde existe disponibilidade de força motriz para os estabelecimentos industriais, isto é, nas proximidades dos cursos de água e depois, após a invenção da máquina a vapor, nas vizinhanças das jazidas de carvão. Os estabelecimentos tendem a concentrar-se em redor das cidades; deste modo as cidades crescem mais rapidamente do que o restante do país, porque acolhem seja o aumento natural da população, seja o fluxo migratório dos campos. - O desenvolvimento dos meios de comunicação: as estradas de pedágio, os canais navegáveis, construídos na Inglaterra de 1760 em diante; as estradas de ferro, introduzidas em 1825 e difundidas rapidamente na Inglaterra e em todos os outros países; os navios a vapor que no mesmo período têm condições de substituir os navios a vela. Estes meios permitem uma mobilidade incomparavelmente maior: todas as mercadorias mesmo as pesadas e pobres, podem ser transportadas para 38 os locais onde são solicitadas; as pessoas de todas as classes sociais podem fazer longas viagens, ou morar num lugar e trabalhar em outro, deslocando-se a cada dia ou a cada semana. - A rapidez e o caráter aberto destas transformações, que se desenvolvem em poucos decênios (dentro do arco de experiência de uma vida humana) e não levam a um novo equilíbrio estável, mas deixam prever outras transformações cada vez mais profundas e mais rápidas. Nenhum problema jamais é resolvido definitivamente, e arranjo nenhum pode valer por tempo indeterminado, mas somente por um período que se deve aprender a calcular. Um edifício não mais é considerado uma edificação estável, incorporada no terreno, mas um manufaturado provisório, que pode ser substituído mais tarde por outro manufaturado. Torna-se possível assim, considerar um terreno edificável um bem independente com seu requisitos econômicos devidos à posição, à procura, aos vínculos regulamentares etc. Na primeira metade do século XIX, os defeitos da cidade industrial parecem por demais numerosos e incomuns para que possam ser eliminados completamente. Entre a realidade e o ideal a diferença parece impossível de ser preenchida. O crescimento espantoso das cidades na época industrial produz a transformação do núcleo anterior (que se torna o centro do novo organismo), e a formação ao redor deste núcleo, de uma nova faixa construída: a periferia. O núcleo tem uma estrutura já formada, na Idade Média; contem os principais monumentos – igrejas, palácios – que muitas vezes dominam ainda o panorama das cidades européias. Mas não pode sem mais se tornar o centro de um aglomerado humano muito maior; as ruas são demasiadas estreitas para 39 conter o transito em aumento, as casas são demasiadas diminutas e compactas para hospedar sem inconvenientes uma população mais densa. Assim, as classes abastadas abandonam gradualmente o centro e se estabelecem na periferia: as velhas casas se tornam casebres onde se amontoam os pobres e os recém imigrados. Os muitos edifícios monumentais da cidade histórica – palácios e conventos etc. – são abandonados por causa das revoluções sociais, e são divididos em pequenas moradias improvisadas, as zonas verdes compreendidas no organismo antigo – os jardins por trás das casas em fileira, os jardins maiores dos palácios, os hortos – são ocupadas por novas construções, casa e barracões industriais. Este ambiente desordenado e inabitável é o resultado da superposição de muitas iniciativas públicas e particulares não-regulamentadas e não- coordenadas. A liberdade individual, exigida como condição para o desenvolvimento da economia industrial, revela-se insuficiente para regular as transformações de construções e urbanismo produzidas justamente pelo desenvolvimento econômico. As classes pobres sofrem mais diretamente os inconvenientes da cidade industrial, mas as classes ricas não podem pensar em fugir deles por completo.Por volta de 1830 o cólera se espalha pela Europa, vindo da Ásia, e nas grandes cidades se desenvolvem as epidemias, que obrigam os governantes a corrigir pelo menos os defeitos higiênicos, isto é, a se chocar com o principio da liberdade de iniciativa, proclamado na teoria e defendido obstinadamente na prática na primeira metade do século. Leonardo Benévolo descreve da seguinte forma a situação higiênica da comunidade das grandes cidades do século XVIII e XIX: “As carências higiênicas relativamente suportáveis no campo tornam-se insuportáveis na cidade, pela contigüidade e o número enorme das novas habitações. Enquanto cada casa tinha muito espaço á sua volta, os dejetos líquidos e sólidos podiam ser eliminados com facilidade, e as diversas atividades que se 40 realizavam ao ar livre – criação dos animais, tráfego dos peões e dos carros, os jogos das crianças – podiam processar-se sem interferirem demasiado entre si. Mas agora, o adensamento e a extensão sem precedentes dos bairros operários tornam quase impossível o escoamento dos detritos; ao longo das ruas correm os regos dos esgotos a descoberto, e qualquer recanto afastado está cheio de amontoados de imundícies”.7 Figura 13 – Vista de Sheffield em 1858 – Pode-se notar com clareza a imagem da cidade industrial sua paisagem recortada pelas chaminés das fábricas pela linha férrea e na periferia os casebres dos operários. A atração que as fábricas produziam sobre a população que até então se organizava em simples estruturas espaciais, como vilarejos e pequenas cidades rurais, é evidente, mudando assim, completamente e definitivamente a ocupação do território. A população começa a se aglomerar em volta das fábricas, que necessita de mão de obra para sua operacionalização, está aglomeração tornam-se com o tempo; cidades, que invariavelmente sofrem 7 Benévolo, Leonardo – As Origens da Urbanística Moderna – Editora Presença - pag. 23. 41 com problemas estruturais, tais como, saneamento, déficit habitacional, insuficiência de transportes públicos, etc. 8 A partir de então nasce efetivamente o urbanismo como disciplina, com a incumbência da resolução dos graves problemas presentes nas cidades e no planejamento e racionalização das cidades a serem implantadas. Os chamados urbanistas sanitaristas são os primeiros a aparecem como salvadores, como quem tem o desafio de sanar os problemas do ponto de vista sanitário, principalmente equacionando o esgoto das cidades, que inchou bruscamente e que sofre com epidemias e pestes até então desconhecidas. Do ponto de vista estrutural, nas velhas cidades da Europa a transformação dos meios de produção e transporte, assim como a emergência de novas funções urbana, contribui para romper os velhos paradigmas, da cidade medieval e da cidade barroca, uma nova ordem é criada, segundo o processo tradicional da adaptação da cidade à sociedade que a habita. Nesse sentido, Haussmann, no desejo de adaptar Paris às exigências econômicas e sociais do Segundo Império, faz uma obra realista. E o trabalho que realiza, se prejudica a classe operária, incomoda os pequenos burgueses expropriados, contraria os hábitos, é em compensação, a solução mais imediatamente favorável aos capitães de indústrias e aos financistas que constituem então um dos elementos mais ativos da sociedade. É o “urbanismo” a serviço do capitalismo. Na França a revolução de 1848 põe em crise tanto os movimentos de esquerda, como os regimes liberais da primeira metade do século, que se 8 Nota do autor: Especialmente em países subdesenvolvidos como o Brasil podemos notar que estes fatores ainda hoje são detectados, em uma estrutura pós-industrial que não equacionou velhos problemas surgidos no século XVIII. 42 demonstram indefesos contra esta ameaça. Neste panorama a burguesia vitoriosa estabelece, assim, um novo modelo de cidade, no qual os interesses dos vários grupos dominantes – empresários e proprietários – estão parcialmente coordenados entre si, e as contradições produzidas pela presença das classes subalternas são parcialmente corretas. Este modelo tem um sucesso imediato e duradouro: permite reorganizar as grandes cidades européias e antes de todas outra Paris surge como modelo de ocupação e gestão pública naquele instante. Na França a política econômica de Luis Napoleão mostrou que se podia estimular empresários particulares para esforços maiores do que anteriormente. A reorganização do sistema ferroviário, a reconstrução de Paris central, a construção de obras públicas em cidades da província, a edificação de novos portos, os empréstimos do governo as industrias, o encorajamento de novos bancos de crédito para a industria e para a agricultura, a reforma radical das tarifas, a realização de duas grandes exposições internacionais em Paris, tudo isso ajudou a promover o crescimento da industria francesa em seu reinado. O Imperador era servido por administradores competentes como Eugene Rouher, G.E, Haussman, P.I. Bairoch e Franqueville. Napoleão III compreendeu a importância das comunicações na promoção do desenvolvimento industrial e resolveu equipar a França com um sistema de caminhos de ferro eficiente. No entanto não podemos nos esquecer que um dos pontos fundamentais estabelecidos pela gestão do Barão Haussman, (principalmente como prefeito de Paris), era a expulsão dos pobres do centro de Paris e substituir as ruas tortuosas e “sem vida”, por longas avenidas, os bairros sórdidos porem animados, por bairros aburguesados, estas mudanças foram conhecidas como “Estratégia de Classe”. 43 A sociedade européia estava fascinada e perturbada por este ambiente novo, contraditório. A técnica moderna produziu, finalmente, uma nova cidade, mas em vez de resolver os antigos problemas, abriu outros, inesperados. Figura 14 – O Palácio de Cristal, construído para abrigar a Grande Exposição do Príncipe Alberto em 1851. 44 Figura 15 – A demolição de parte do Quartier Latin no descurso da reconstrução de Paris. Figura 16 – Esquema dos grandes trabalhos de Haussmann em Paris: em preto as novas ruas, em tracejado quadriculado os novos bairros, em tracejado horizontal os dois grandes parques periférico: o Bois de Boulogne (à esquerda) e o Bois de Vincennes (à esquerda). 45 Especificamente no que tange as cidades pré-industriais e industriais os avanços tecnológicos tem papel fundamental no equacionamento dos problemas presentes nos organismos espaciais. Como já mencionados, a eletricidade possibilitou, entre outras coisas, iluminar ruas, edificar verticalmente e transformar a condição temporal estabelecida (já que as cidades iluminadas, tornam-se, passiveis de aproveitamento noturno, sobretudo, na alteração dos turnos de trabalho das fábricas, propulsoras do “desenvolvimento”), a cidade moderna se põem em funcionamento pela eletricidade, temos como exemplos os trens metropolitanos, os semáforos, as usinas elevatórias de água e esgoto e a própria iluminação pública. Neste momento aparece um dos primeiros diálogos entre o desenvolvimento tecnológico e a cidade industrial, com a implantação da rede de encanamentos de água potável e esgotos. Sem o serviço de águas, as condições de adensamento do mundo moderno seriam absolutamente inviáveis. A nova cidade, por mais feia e incomoda que seja, é aceita como modelo universal porque, não se têm alternativas: os intelectuais recordam saudosamente a cidade do passado longínquo e os políticosrevolucionários não tem interesse em descrever a cidade de um futuro distante. Neste cenário, os elementos da civilização industrial finalmente tomam vulto e podem ser confrontados entre si. Os novos problemas abertos se tornam às tarefas a enfrentar no futuro próximo. Ainda hoje emana um forte fascínio dos arranha céus das metrópoles americanas que dominam majestosamente a linha do horizonte das grandes cidades e tornaram-se os símbolos do poder econômico e da prosperidade dos 46 cidadãos. A arquitetura da vanguarda moderna é à busca de um novo modelo de cidade, alternativo ao tradicional, e começa quando os artistas e os técnicos iniciam com colaboração na gestão da cidade pós-liberal se tornam capazes de propor um novo método de trabalho, libertado das anteriores divisões institucionais. Os novos sistemas de construção tornam cada vez mais difícil ajustar separadamente a aparência dos novos edifícios (com os estilos históricos ou com os novos inventados pelos arquitetos de vanguarda). O trânsito mais intenso e as novas instalações urbanas - o gás, a eletricidade, o telefone, os transportes públicos sobre trilhos, na superfície ou subterrâneos – devem ser comprimidos nos espaços públicos insuficientes da cidade pós-liberal. As cidades crescem cada vez mais velozmente. Estas mudanças enfraquecem as formas de gestão tradicionais, e fazem nascer também das camadas inferiores à procura de uma renovação do ambiente construído. Os artistas, encarregados de apresentar e de corrigir a imagem da cidade pós-liberal, são os primeiros a reagir contra o aspecto desagradável: criticam o cenário que vêem à sua volta, e começam a atacar os mecanismos que produzem. Os técnicos, que trabalham fechados em suas especializações, não estão em condição de controlar as conseqüências de seu trabalho, mas modificam o ambiente da vida cotidiana de maneira cada vez mais rápida e mais profunda, portanto tornam mais difíceis as formas de controle tradicionais. A partir de então os avanços tecnológicos tomam papel fundamental na nova apropriação dos espaços públicos e privados, então através deste domínio da tecnologia as bases da nova cidade são consolidadas. 47 Apesar dos urbanistas de vanguarda moderna conceberem um novo modo de espacialização da cidade, podemos dizer que, abdicaram da apropriação plena dos avanços tecnológicos já disponíveis, e não realizaram completamente a revolução técnica, que constituía um dos fundamentos de sua teoria. No final do século XVI e início do século XX, uma série de técnicos, arquitetos e engenheiros imaginaram cidades realmente novas (radicalmente novas), se apropriando das novas técnicas construtivas, dos avanços tecnológicos e do novo estilo de vida do homem. Intitulados como “Tecnotópicos” por Françoise Choay em O Urbanismo, estes urbanistas estavam atentos quanto as novas funções da cidade naquele momento, conforme à tradição do urbanismo progressista. Dois aspectos são destacados: problemas relacionados ao aumento vegetativo em todas as grandes cidades, que necessariamente clama por especificidades relacionadas com o adensamento, e na exigência resultante na mudança no ritmo de vida, em função dos progressos técnicos (da automação, da mecanização do trabalho, dos transportes, etc...). “Do ponto de vista construtivo, a pesquisa recai particularmente em estruturas físicas complexas (estruturas suspensas ou triangulares, superfícies oblíquas auto- sustentáveis) e em materiais que implicam o seu emprego: redes e entrelaçamentos metálicos, membranas elásticas e plásticas, folhas de concreto. À geometria elementar sucede uma dinâmica mais complexa. As técnicas de condicionamento climático também exercem um grande papel na elaboração dos novos projetos”.9 Esta concepção “tecnologista” produz propostas surpreendentes de modelos de cidades, que embora não tenham sido concretizadas são passíveis 9 Choay Françoise, O Urbanismo, editora Perspectiva, 1965 – pág 35. 48 de análise, já que se realizadas poderiam mudar definitivamente o rumo da evolução das cidades. São vários os expoentes seguidores deste conceito revolucionário, Eugène Hénard, Iannis Xenakis, P. Maymont, J. Fitzgibbon, Y. Friedman, K. Kikutake, que de certa forma concentravam-se em conceitos muito parecidos, com características comuns: todas contemplam grandes concentrações humanas, liberando a superfície terrestre pelo avanço no subsolo, no mar, na atmosfera; é o motivo por que se fala, a propósito delas, de urbanismo espacial ou tridimensional. Depois com a apropriação destas teorias utópicas pela literatura de ficção científica, pôde-se ilustrar a plasticidade destas cidades. Segundo Françoise Choay a exposição “A arquitetura Visionária” organizada em 1960 no Museu de Arte Moderna de Nova York, que compreendia um certo número de exemplos de “urbanismo visionário” foi o sinal precursor do interesse que o público ia adquirir pela “cidade do futuro”. As maquetes e ilustrações mostradas na exposição e que até hoje são vinculadas pelos meios de comunicação, nos passam uma impressão de sonho, de mistério, às vezes de poesia, que nos faz esquecer da cotidianidade. Essas visões tranqüilizam- nos quanto às expectativas para o futuro. Na medida em que a “Tecnotopia” procura resolver problemas reconhecidos, abre margem para a pesquisa, que caminha em paralelo com hábitos mentais, que invariavelmente só nos atrasa. Por exemplo, o urbanismo subterrâneo apresenta contribuições notáveis para o planejamento urbano, que quase nunca, atenta para estes conceitos. Podemos então nesta breve análise verificar que o processo evolutivo da cidade industrial para a pós-industrial, estabelece uma relação dialógica com o 49 progresso tecnológico, e só se torna viável a cidade moderna por estar sendo constantemente beneficiada pelos grandes avanços da tecnologia. Outro expoente desta tipologia visionária é o grupo inglês Archigram, que abordaremos separadamente no capítulo subseqüente. Na proporção em que a cidade cresce em população e em problemas, gerados por uma eventual superlotação, a tecnologia eminente soluciona problemas de habitabilidade, comunicação, deslocamento, saneamento, enfim, organiza espacialmente de maneira racional e na maioria das vezes eficiente. Os progressos tecnológicos também determinam seus influencias no próprio desenvolvimento social, a partir do século XVIII a tecnologia se apropria também da estrutura do trabalho, fundamentando e exigindo a apropriação tecnológica como ponto determinante do desenvolvimento individual. **** O progresso científico e técnico do fim do século XVIII e o fim do século XIX, isto é, sobretudo descoberta da eletricidade às aplicações da energia a vapor e elétrica. Finalmente, a partir do início do século XX e com uma forte aceleração da Segunda Guerra Mundial em diante, as descobertas da física atômica e subatômica, a abertura do campo molecular em biologia, o desenvolvimento dos meios de transporte e comunicação de massa, a produção de novos materiais, a rápida ascensão da eletrônica, da informática e da telecomunicação contribuíram para o salto da sociedade. Essa formidável aceleração do progresso científico e técnico não poderia ter existido sem a maciça substituição do pesquisador isolado pelo 50 trabalho em equipe e sem a maior velocidade com que as descobertas científicas já se traduzem em aplicações práticas. A agricultura precisou de nove milênios para dar vez a industria. À indústria bastaram apenas dois séculos para parir a nova sociedadeem que estamos agora metidos até o pescoço. Como vimos, a analise do período da revolução industrial é fundamental para poder entender nossa condição atual, tanto social como econômica, nos possibilitando, assim, projetarmos nosso futuro perante aos emergentes avanços tecnológicos atuais. No que diz respeito as possíveis influencia que as cidades podem sofrer com os novos avanços científicos, sobretudo na área da informática e da informação, o período entre a segunda metade do século XVIII, até o da primeira metade do século XX, é de vital importância para o entendimento das conseqüências que esses progressos tecnológicos já começam a trazer para a espacialização das cidades. O período da revolução industrial nos fomenta com subsídios preciosos, que certamente ajudará a não só entender o atual momento como aprender com ele, e deixar de cometer possíveis erros já detectados no passado, em um período que guardadas as proporções se assemelha muito com o que vivemos. 51 Projetos, Modelos e cidades. Para entendermos de que maneira as cidades ao longo do tempo foram se organizando e se reorganizando, a partir de evoluções tecnológicas, temos que obrigatoriamente analisarmos três períodos marcantes para o planejamento das cidades, através do pensamento de Charles Fourier no século XIX, Le Corbusier na primeira metade do século XX e através da ousadia dos projetos do grupo Archigram na segunda metade do século XX. Estes de certa forma, sintetizaram um pensamento em seus respectivos períodos, sobretudo no que se refere às alterações sociais e econômicas (de produção e comportamento), e em que medida estas alterações influenciariam um possível novo modelo de cidade. Após o ultimo modelo efetivamente abordado, (iconizado pelo Archigram), pode-se notar que a humanidade não 52 mais se preocupou com tanto afinco as questões das interfaces entre cidades e as novas tecnologias, passando pela tentativa de um modelo pós-moderno que propunha o resgate integral dos aspectos antigos, sugeria-se um retorno à cidade pré-industrial reavendo todas as características culturais e tradicionais do território, que o modelo modernista (aqui apresentado pela obra de Le Corbusier), rompeu em prol do homem moderno, estandardizado, tal qual o sistema de produção da época. A grande ebulição da era industrial acompanha uma série de mudanças sociais, a primeira grande preocupação é o aumento demográfico nas grandes cidades que absorveram as fábricas, este acumulo populacional, gerou uma série de dificuldades ligadas à salubridade urbana, graves problemas sanitários se apresentavam e tornavam a cidade nos pontos de grande concentração populacional, focos de varias doenças e pestes, que assombravam toda a sociedade além do grande déficit habitacional que se fazia presente na nova cidade transformada pela era da máquina. Neste contexto social urbano, foram surgindo algumas tentativas para a resolução dos problemas apresentados pela nova ordem industrial, que por sua vez, possibilitava através dos avanços tecnológicos viabilizados pela industria, uma série de alternativas que poderiam ser úteis no momento em que os pesquisadores se apropriassem de maneira plena das conquistas tecnológicas. O primeiro modelo urbanístico, que em meu modo de ver, mais se apropriou destas conquistas técnicas, foi indubitavelmente, o intitulado por Françoise Choay de modelo Pré-Progressista 10 , que tinha como grande representante Charles Fourier. Amparado em teorias ideológicas, na evolução das técnicas construtivas e na iminente necessidade de reorganização urbana, 10 Choay Françoise, O Urbanismo, editora Perspectiva, 1965, páginas 61 a 114. 53 Fourier propõem, de certa forma, uma ruptura brutal com os padrões urbanos tão fortemente estabelecidos pela história das cidades européias. Toda a concepção espacial de cidade “Fourierista” estava associada com uma nova idéia de mundo, de relação social, de produção e distribuição de riquezas, assim como posteriormente o modelo intitulado como Progressistas 11 , que tem como estandarte a obra de Le Corbusier. Le Corbusier traz também, intrínseco ao seu ideal, uma nova concepção econômica-social, no entanto, amparado por um estilo estético emergente (o Cubismo), e a modernização do homem e de todas as coisas, a idéia de que o homem deveria habitar, trabalhar e se divertir, tal qual o produto das máquinas. Nestes dois períodos, poderemos notar uma interface extremamente nítida, no que se refere, a apropriação dos métodos novos de construção, na interação social entre os cidadãos, na imobilidade espacial das funções urbanas, (guardando as devidas proporções) na tipologia construtiva, sobretudo na tentativa de ruptura aos modelos vigentes, tão fortemente estabelecidos pela história. Também na tentativa de rompimento brutal com os paradigmas, (no ponto de vista urbano), veremos os modelos idealizados pelo Archigram e os chamados Metabolistas japoneses, que surgem na segunda metade do século XX, em meio a todos os avanços nos meios de comunicação de massa, a ebulição da tecnologia aeroespacial, o inicio da informática, a nova cultura de ficção científica e a ameaça da guerra fria sob a sombra da bomba atômica. Tanto do ponto de vista conceitual, quanto do gráfico, o Archigram e os 11 Choay Françoise, O Urbanismo, editora Perspectiva, 1965, páginas 164 a 202. 54 Metabolistas souberam de maneira absoluta se apropriar das tecnologias disponíveis. Apesar das distâncias cronológicas entre os modelos apresentados, pode-se notar, que todas as propostas apresentam semelhanças conceituais; a apropriação dos avanços tecnológicos, a ruptura com o tradicional, a procura na resolução dos problemas habitacionais, etc. Assim podemos traçar uma inter-relação entre o Familistério de Fourier, a Unidade de Habitação e a Cidade Radiosa de Le Corbusier e a Plug-in-City de Peter Cook. Contextualizando historicamente as propostas, podemos sem dúvida perceber que as mudanças sociais e tecnológicas influenciaram, (até por uma necessidade iminente de transformação), totalmente estes projetos de cidades, com isso, estas propostas parecem utópicas e futuristas. As utopias do século XIX. Como já mencionamos anteriormente do ponto de vista quantitativo, a revolução industrial é quase imediatamente seguida por um impressionante crescimento demográfico das cidades, por uma drenagem dos campos em benefício de um desenvolvimento urbano sem precedentes. O aparecimento e a importância desse fenômeno seguem a ordem e o nível de industrialização dos países. Do ponto de vista estrutural, nas velhas cidades da Europa, a transformação dos meios de produção e transporte, assim como a emergência de novas funções urbana contribuiu para romper os velhos quadros freqüentemente justapostos, da cidade medieval e da cidade barroca. No momento em que a cidade do século XIX começa a tomar forma própria, ela provoca um movimento novo, de observação e reflexão. Neste 55 instante surgem algumas novas idéias para uma cidade ideal, discutiremos a que parece ser mais pertinente, o modelo de cidade proposto por Charles Fourier. Charles Fourier (1772-1837) começou a expor o seu sistema num longo tratado, que apareceu anonimamente em 1808. Considera imoral e absurda uma sociedade baseada na competição dos interesses individuais ou de classe, e propõe como alternativa,a união dos esforços, para alcançar um estado de harmonia universal; isto se torna possível eliminando as restrições e os contrastes que limitam, no mundo presente, a satisfação das paixões, e reformando a sociedade de modo a garantir a livre satisfação das tendências individuais, no respeito dos direitos dos demais. Na teoria de Fourier a realização da harmonia universal deve ocorrer gradualmente, através de sete períodos históricos; segundo Fourier a humanidade encontrava-se na transição entre o quarto período(barbárie) e o quinto (civilização). A civilização seria caracterizada pela propriedade individual descontrolada, enquanto o período seguinte (garantismo) estabeleceria uma série de limitações. Assim, a desordem e a anarquia da cidade, deveria dar lugar a uma ordem minuciosa. Segundo Fourier, eis a organização de uma cidade do sexto período: Devem traçar-se três cinturas: a primeira contendo a “cité” ou cidade central, a Segunda contendo os subúrbios e as grandes fábricas, a terceira contendo as “avenues” e a periferia. Cada uma das três zonas adota diferentes dimensões para as construções, nenhuma das quais pode ser feita sem a aprovação de uma comissão de construtores, que vela pela execução das normas garantistas, cuja exposição se segue. As três zonas são separadas por cercas, sebes e plantações que não devem obstruir a visibilidade. Cada casa da “cité” deve ser dotada de espaços livres, para pátios ou ajardinamentos, equivalentes pelo menos à área construída; estes espaços serão duplos na segunda zona e triplos na terceira. 56 Todas as casas devem ser isoladas, possuindo fachadas regulares de todos os lados, com ornamentos escalonados segundo as três zonas, e desprovidas de empenas nuas. A distância mínima entre dois edifícios deve ser de três braças(...). As cercas terão de ser formadas por muros baixos, encimados por grades ou paliçadas que deixem livres à vista pelo menos dois terços da altura dos edifícios. A distância será sempre calculada em projeção horizontal, mesmo nos terrenos inclinados, e deverá ser pelo menos igual a metade da altura da fachada mais próxima, quer seja dos lados ou da parte detrás. Os telhados deverão formar pavilhão, salvo na presença de frontões ornados nos lados, e ser providos de caleiras que conduzam a água para debaixo dos passeios. Do lado da rua, a altura das construções até à goteira do telhado não poderá exceder a largura da rua. A distância entre os lados será pelo menos a 1/8 da largura da fachada que dá para a rua (...), precaução necessária para evitar as aglomerações num só ponto. As ruas deverão ter como fundo uma vista campestre ou um monumento de arquitetura pública ou privada: será banido o monótono tabuleiro de xadrez. Algumas ruas serão curvas e serpenteadas para evitar a uniformidade. As praças deverão ocupar pelo menos 1/8 da superfície. Metade das ruas deverão ser plantadas com árvores de diversas espécies. A largura mínima das ruas é de nove braças; para regularizar os passeios, e no caso de se tratar de simples vias para peões, podem reduzir-se a três braças mas conservando as outras seis como canteiros. 12 Esta descrição antecipa de modo surpreendente o conteúdo dos regulamentos da construção oitocentista, atribuindo-lhes um valor resolutivo que será desmentido pela experiência posterior, e constitui talvez a contribuição mais importante de Fourier para a prática urbanística que lhe seguiu. Mas para o autor este sistema de regras é apenas um elemento de transição para a harmonia universal, que seria realizada no sétimo período. Numa cidade deste gênero, não se poderia construir casas pequenas, mas sim casas coletivas, que forneceriam a concentração dos serviços e por isso as relações mútuas. 12 C. Fourier, Traité de l’Association Domestique-Agricole, in Oeuvres Complètes, Paris 1841, II ed., t.IV, pp 500-502. 57 Neste modelo de cidade o problema da superpopulação seria reformulado na raiz, contrapondo à comunidade indeterminada um grupo funcional racionalmente composto, a Falange, e à cidade indiferenciada um dispositivo arquitetônico unitário, chamado Falanstério. Fourier descreve o Falanstério da seguinte forma: O edifício destinado à Falange não tem qualquer semelhança com as nossas construções, da cidade ou do campo (...). Os alojamentos, as plantações e os estábulos de uma sociedade que funciona com base em séries de grupos devem diferir prodigiosamente das nossas aldeias ou subúrbios ocupados por famílias que não têm qualquer relação societária e agem contraditoriamente; em lugar deste caos de casitas dos nossos povoados, que rivalizam entre si em sujidade e diversidade, numa Falange instala-se um edifício regular tanto quanto o terreno o permita (...). O centro do Palácio ou Falanstério deve destinar-se às funções públicas, às salas de jantar, da bolsa, do conselho, da biblioteca, de estudo. Neste centro estão situados o templo, a tour d’odre, o telégrafo, os pombos-correios, o carrillon das cerimônias, o observatório, o jardim de Inverno ornamentado com plantas sempre verdes e situado por detrás do pátio principal. Uma das alas deve reunir todas as oficinas ruidosas, como o carpinteiro e o serralheiro, e todas as assembleias de jovens, que são geralmente bastante barulhentas (...). A outra ala deve conter as buliçosas salas de baile e de relações com os forasteiros, para que não estorvem o centro do palácio e não perturbem as relações domésticas da Falange. O Falanstério deve conter, para além dos apartamentos individuais, muitas salas de relação públicas que se chamarão (Seristérios), ou locais de reunião e de realização de séries passionais(...). Para não conferir ao Palácio uma frente demasiado extensa, convirá duplicar os corpos das alas e do centro, e deixar no intervalo entre os corpos paralelos contíguos uma distância de pelo menos 15-20 braças, o que formará três pátios alongados e atravessados em cada 50 braças por corredores sobre colunas ao nível do primeiro piso, fechados com vidraças e aquecidos ou ventilados segundo o costume de Harmonia (...). O Palácio deve ser atravessado a distâncias regulares, como a galeria do Louvre, por passagens para viaturas, conservando ou interrompendo o nivelamento. Para poupar construção de pedra e cal e terreno, e fomentar as relações, convirá que o Palácio ganhe em altura, ficando pelo menos com três pisos e o sótão, para além do andar térreo e da sobreloja, onde estarão situados os alojamentos e as salas de reuniões das crianças e dos velhos, isolados da rua- galeria, que é o espaço principal do Palácio (...). Uma Falange é verdadeiramente uma pequena cidade, mas não possui ruas exteriores e descobertas, expostas às intempéries; todas as partes do edifício têm acesso por uma ampla galeria situada no primeiro piso (não poderia ficar no andar térreo, que é atravessado em diversos pontos pela passagem das viaturas); nas extremidades desta via, corredores, colunas e subterrâneos com bons acabamentos estabelecem por toda a parte do 58 edifício e das suas dependências uma comunicação protegida, elegante e temperada em qualquer estação do ano, pela caldeira ou pelos ventiladores. A rua-galeria não recebe luz dos dois lados, pois segue encostada a cada um dos corpos do edifício; todos os corpos têm duas filas de divisões, uma das quais recebe luz do exterior e a outra da rua-galeria; esta deve ter a altura dos três pisos que para ela estão voltados. As portas de entrada de todos os aposentos do primeiro, do segundo e do terceiro piso abrem para a rua-galeria, com escadas
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