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A loucura e suas epocas

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A loucura e as épocas
 Isaias Pessoti
A história da loucura é pouco precisa e se funde com a história da espécie humana. Não se tem um consenso sobre suas conceituações e classificação. Sua compreensão varia de cultura para cultura.
 “a doença só tem realidade e valor de doença no interior de uma cultura que a reconhece como tal” (FOUCAULT)
 Vincular loucura com patologia não é uma norma dentro da história humana e encontramos algumas definições associadas ao senso-comum:
Perda da capacidade racional. (produto de desequilíbrios psíquicos)
Falência do controle voluntário sobre as paixões.
Aberração da conduta em relação aos padrões ou valores dominantes de determinada sociedade. (comportamentos desviantes)
Para entendê-la devemos pensar na reação do grupo social específico à conduta estranha e ao agente (louco), isto é, como os homens e as condutas marginais ao grupo dominantes são entendidos e interpretados.
Os autores que sustentam a influência do sobrenatural, no entendimento da loucura são agrupados sob o modelo mítico-religioso. Apontam em dois momentos diversos, inicialmente, na Grécia e Roma Antigas. Depois, reaparecem durante a Idade Média, sob as feições do demonismo.
 A primeira concepção de compreensão da loucura é considerada o modelo mítico-religioso, da Antiguidade Clássica onde a explicação da loucura é a partir de forças sobrenaturais, que retiram do ser humano a responsabilidade sobre suas condutas (sustentando a influência sobrenatural como causa da loucura).
 Na Antiguidade grega e durante muito tempo não existe uma concepção estruturada da “natureza humana”, o homem não se conhece, logo, as distorções dessa “natureza” são concebidas como algo externo ao ser humano. De maneira muitas vezes contraditória e fragmentada. Há registros de anormalidades psíquicas e de seres humanos com alguma diferença comportamental em relação aos demais. Isto pode ser constatado na obra dos clássicos, onde alguns dos personagens apresentam momentos, transitórios ou não, de insensatez, a exemplo da obra de Homero. Através de seus poemas podemos caracterizar o primeiro modelo teórico da loucura:
“Não fui eu quem causei essa ação e sim Zeus, o destino e as Erínias que caminhavam nas trevas: foram eles que colocaram uma atê selvagem no meu entendimento, naquele dia em que roubei, de minha iniciativa, o prêmio de honra de Aquiles. Mas que podia eu fazer? É a divindade que leva a termo todas as coisas. Sim é a venerada Atê, que ofusca a todos, aquela maldita! Ela...não se arrasta pelo chão, mas sobe à cabeça dos homens para obscurecer lhes a mente... e conseguiu, uma vez, enevoar a mente do próprio Zeus, como deveis saber “
 Ilíada, de Homero (Agamêmnon tenta desculpa-se por ter roubado a amante de Aquiles)
O homem é responsável e punível por seus atos, ao mesmo tempo, que entidades se apoderam da sua compreensão, mostrando a ambiguidade no conceito de responsabilidade (culpa). O homem homérico é apto a agir, sentir, querer, mas não é autônomo. Suas decisões, afetos e desempenho, são frutos dos caprichos dos deuses e qualquer descontrole mental é produto de alguma interferência sobrenatural. Os deuses são irritadiços, temperamentais, instáveis, vingativos e passionais e interferem sobre o pensamento e a ação dos homens. Interferência transitória que ao mudar o humor dos deuses seus efeitos desaparecem. Desta forma ela não acarreta nenhum estigma (acidente de percurso) e não há necessidade de cura já que não existe doença alguma.
 Em Homero a loucura é um estado de desrazão, de perda de controle sobre si mesmo, de insensatez e a origem é obra de Zeus ou de outros deuses e entidades. A etiologia da loucura é mitológica e pode levar à agressão, ao homicídio, à perda da vida, a transgressão das normas sociais e ao delírio. Os heróis homéricos não enlouquecem, são tornados loucos, por decisão das divindades embora as consequências aconteçam na realidade física e social.
Este modelo predominantemente mitológico terá reflexos duradouros. Mas o significado de loucura vai se alterando e expandindo para significar também castigo e sua natureza remete a um comportamento errado. A loucura trágica (retirada dos textos trágicos) é desequilíbrio, destempero, exacerbação, cujo contrário é a prudência, moderação, temperança. Os personagens loucos das tragédias gregas (Eurípedes, Sófocles, Ésquilo) retratam diferentes formas de loucura( que seriam quadros clínicos atuais) mesmo que não houvesse a pretensão de explicar a psicopatologia humana e sim retratar a vida, os dramas e as aberrações daquela época.
O enfoque vai se transformando e o conflito que desencadeia a loucura vai se estruturando dentro do homem e não vivido apenas como uma imposição cósmica, teológica, transcendente como antes concebido. Reconhecem-se as frustrações dos desejos, a vergonha, a vingança, o ciúme, a impotência, a realidade hostil, o conflito das paixões e as normas sociais, fazendo parte da miséria humana e com consequências da perda de controle. Uma visão mais racional da realidade em toda sua desordem, mais livre das distorções irracionais do mito. Uma loucura que é essencialmente a perda da razão e do controle das paixões, mas que é entendida conscientemente, como um modo (patológico) de relacionar-se com a realidade, numa percepção distorcida do mundo e da vida. Perda de contato com a realidade circunstante e da consciência dos próprios atos entregando-se ao descontrole dos próprios atos.
Nas peças trágicas a interferência divina que antes era direta e permanente na vida dos homens cede gradualmente o papel de causa aos conflitos que passam a ser entendidas como o choque entre o desejo e a norma ética. Os conflitos se passam inteiramente no plano da vida pessoal, cotidiana. É a loucura se psicologizando na sua etiologia, sintomas e efeitos na vida humana, substituindo o modelo mítico-religioso por uma visão mais racional das contradições e limitações humanas. Uma concepção do homem como dotado de uma individualidade intelectual e afetiva que faz parte da sua natureza.
Em Hipócrates esse distanciamento do mito aumenta porque ele entende a loucura como um desarranjo da natureza orgânica, corporal, do homem cuja consequência leva aos processos de perda de razão ou controle emocional descritos em detalhes mesmo que hipotéticos. Ele se recusa a uma explicação mitológica da vida e dos estados do homem, das doenças físicas e mentais, mas suas ideias sobre fisiologia e anatomia eram em grande parte supersticiosas, mágicas. A desrazão, o descontrole emocional eram na doutrina hipocrática, consequências de disfunções humorais. Segundo ele, o corpo humano possui quatro humores (secreções) fundamentais: sangue, pituísta, bílis amarela e bílis verde. A saúde seria a harmonia neste sistema humoral e o equilíbrio deste com o ambiente externo. A doença física e mental (nesta época a epilepsia era entendida como loucura) resulta de crise no sistema humoral, orgânico, logo, ele inaugura a teoria organicista da loucura, que florescerá na medicina dos séculos XVIII e XIX. Hipócrates recusa o caráter sagrado da loucura e considera que a ingenuidade popular favorece explicações mágicas, teológicas.
A doutrina hipocrática com sua convicção organicista, que mina a medicina sacerdotal e mágica, também enfraquece a mudança operada na época das tragédias gregas, onde se inicia uma concepção psicológica da alienação, ocorrendo um retardo do desenvolvimento de uma explicação “psicológica” da loucura (e consequentemente do seu tratamento). No final do século V a.C, época da exaltação da racionalidade como critério da verdade, era natural que, o pai da medicina, não considerasse concepções que invocassem eventos afetivos ou conflitos morais como causa da loucura. Estes processos afetivos e conflitivos deveriam continuar privativos de filósofos, poetas ou sacerdotes, pois o cérebro, lesado por desequilíbrios humorais, é o órgão daloucura. 
 “É preciso que os homens saibam que não é senão do cérebro que nos vem às satisfações, as alegrias, os sorrisos, as hilariedades, bem como as dores, as aflições, as tristezas e os prantos. É com ele, sobretudo que compreendemos e pensamos, vemos e ouvimos, e distinguimos entre as coisas belas e as feias, más e boas, agradáveis e desagradáveis, distinguindo algumas segundo o costumes, outras sentindo-as segundo o que é útil, e discernindo com isso os prazeres e os desprazeres conforme os momentos, não gostamos sempre das mesmas coisas. É com ele que enlouquecemos e deliramos e nos defrontamos com terrores e medos, alguns de noite, outros mesmo de dia, e insônias e enganos inoportunos e preocupações inconvenientes, e perda de conhecimento do estado ordinário das coisas e esquecimentos...” Hipócrates
O cérebro é o órgão cuja normalidade assegura todas as funções comportamentais, afetivas, intelectuais. A saúde mental é a saúde do encéfalo e segundo ele, enlouquecemos por causa da umidade, isto é, quando o cérebro se torna mais úmido do que lhe é natural move-se (variando o que se ouve, se vê e o que se fala) e é preciso que esteja estável para o homem manter o entendimento normal. As diferentes formas de loucura correspondem variações neste processo de umidificação cerebral.
 “A alteração do cérebro ocorre pela ação da fleugma ou pela bílis. (...) Os que enlouquecem pela fleugma são tranquilos e não gritadores ou perturbadores, enquanto os que enlouquecem pela bílis são gritalhões, perversos e não pacíficos e que sempre cometem algum inconveniente.” Hipócrates.
Já que as loucuras resultavam de um acumulo indevido de humores no cérebro à terapia ideal era aquela que assegurava a diluição, expulsão destes: terapia de limpeza do organismo, desde regime alimentar até alterações no modo de vida cotidiano.
 “Ao doente faremos beber heléboro, lhe expurgaremos a cabeça e depois de expurga-la lhe daremos um medicamento que lhe faça evacuar por baixo. (...) se não estiver fraco, fará pouquíssimo uso de alimentos, que serão frios, relaxantes, nada azedo, salgado, gorduroso ou doce. Não se lavará com agua quente.(...) excluída a ginástica, excluídos os passeios. Com esses meios, a doença se cura com o tempo, mas se não for tratada, terminará junto com a vida.” Hipócrates
Na cultura grega a psyque tradicional, entendida como alma, era totalmente alheia as questões da vida prática, fisiológica, afetiva ou social. Para Platão (427-348 a.C) a psyque ou mente é parte essencial do ser humano, o que constitui o homem em si. Para ele, no homem, a alma é formada por partes (três almas) que se inter-relacionam: uma alma superior, racional, o logos, que reside na cabeça (altas funções da mente: conhecimento) e outras duas almas, inferiores, com sede no coração (afetiva-espiritual) e vísceras, abaixo do diafragma, (apetitivas, exigências imperativas das funções corporais, instintivas). Platão considera a loucura como um desarranjo do sistema da psyque, quando ocorre um desvio dessas incumbências específicas. Na sua explicação, a interação entre as partes endossa a teoria humoral da vida mental e da loucura, de tradição hipocrática.
 “Quando os humores se transportam para as três regiões da alma, segundo qual seja a que cada um ataca, elas produzem os sofrimentos e abatimentos de toda espécie, a audácia e a lassidão sob todas as suas formas, e até o esquecimento e a estupidez. (...) Temos que concordar em que a perda da razão é uma doença da alma, e que dessa doença há duas espécies, uma das quais é a loucura, a outra a ignorância (...)” Platão em Timeu
Aristóteles (384-322 A.C.) altera a “anatomia” platônica, situando as duas partes da alma, a racional e a irracional, no coração e não no encéfalo e que o cérebro não tem participação nas sensações. Para ele quanto mais à alma se aquece melhor funciona, e variações grandes na intensidade do frio (depressões) e do calor (excitações) explicam as formas de loucura.
Galeno (131-200 D.C.), célebre na medicina grego-romana, possui uma obra sobre todos os campos da medicina, e uma abordagem mais neuro-anatômica e neuro- fisiológica da loucura, estabelecendo que as doenças do sistema nervoso residem no cérebro e que são desarranjo no equilíbrio humoral. Sua teoria da loucura é mais rica e menos ingênua que da escola hipocrática, combinando conceitos humoralistas tradicionais e categorias mentalistas (componentes emocionais) mesmo que a visão organicista prevaleça.
Até o século II d.C a loucura pode ser vista: obra da intervenção dos deuses (de Homero até a tragédia grega, modelo mitológico), depois como um produto dos conflitos passionais do homem( entre os trágicos, modelo psicológico ou psicogênico) e por fim, como efeito de disfunções somáticas mesmo que eventualmente causadas por eventos afetivos(de Hipócrates a Galeno, modelo organicista). Nestas três concepções a loucura apresenta-se em duas formas, a agitada ou furiosa (mania) e a triste e medrosa (melancolia), recebendo já no século V essa denominação. Esses três modos de conceber a loucura são recorrentes ao longo dos séculos e deles se desenvolvem diversas teorias. 
Nos primeiros séculos do cristianismo, entende-se que há dois reinos opostos, o do bem e o do mal, este último, o presente onde se vive, antes da volta do Cristo. Para muitos existiriam dois mundos em conflito, o do bem criado por Deus e o do mal pelo Demônio. Quem não comungasse das crenças de Deus seria presa ou instrumento do demônio, admitindo-se inclusive a ideia de incorporação dentro do homem que seria levado ao pecado e a depravação. Também se acreditava que a influência demoníaca a tudo que parecesse magia, bruxaria ou questões incompreensíveis. Para outras pessoas o demônio é entendido como uma tendência ao mal que existe dentro de nós (tendência ao pecado dentro do homem) que luta contra a tendência do bem, que prevalecerá com a ajuda de Deus e confiança em Cristo. Agostinho reformula a doutrina demonológica cristã, considerando que o universo é obra de Deus e naturalmente bom, e que a ação do demônio é permitida para aperfeiçoamento humano. O mal real é o pecado cometido por livre escolha dos homens e inclusive os acidentes naturais à obra do demônio (perda de colheitas, abortos naturais, tempestades, desastres na vida pessoal, eram vistos como acontecimentos suspeitos). O demônio é responsável pela indolência, tristeza, tédio, solidão, isolamento, desinteresse pela vida, ou comportamentos incomuns, vistos pela moral cristã, como pecado.
A concepção mitológica da patologia retornará, com mudanças, na Idade Média, com a roupagem de possessão diabólica reabilitando o sacerdote na função de “terapeuta” da loucura, na figura do exorcista. A atribuição da influência cósmica como causa da loucura é retomada então quando os comportamentos bizarros não são mais desígnios dos deuses e sim do demônio (havendo uma associação da loucura com a possessão demoníaca). A mitologia demoníaca se desenvolve e se consolida, com efeitos políticos e morais, onde os hereges são vistos como instrumento do demônio, legitimando a intolerância religiosa e a perseguição às dissidências. Exorcistas e os teólogos, especializados na demonologia, têm autoridade e competência para dogmaticamente, definir diagnósticos e terapêuticas, aplicados a uma grande variedade de distúrbios orgânicos e mentais entendidos como mera evidencia de possessão demoníaca. Admite-se que Deus pode tirar a razão dos mortais quando quiser, como castigo ou sob a forma de doenças (que também pode ser naturais, distintas das ações do demônio). A desrazão não é, necessariamente, a essência da loucura para a teologia medieval, também é considerada a avareza, a luxúria, a ambição, o descontrole dos instintos, a paixão e o desejo sexual desmedido, o desrespeito ao que é sagrado. Diferentes demônios explicariam as diferentes manifestaçõespatológicas produzidas. O louco passa a ser visto como perigoso, porque a possessão só ocorre com pessoas em falta, livrando os bons. Através da literatura demonológica cristã, a loucura é estigmatizante, o que não ocorre no modelo mítico-teológico que a precede.
Ainda assim, no contexto do século XV e XVI a loucura é mantida em liberdade. Os loucos podem vagar pelas cidades, tratados pela caridade igual aos pobres (os diferentes fazem parte da sociedade) o que salva as almas bondosas. Nesta época os segregados são os leprosos
O enfoque médico
Para os médicos dos séculos XV e XVI, (de formação galenista complementada no campo psicológico, com noções filosóficas platônicas ou aristotélicas) e os mais cultos desta sociedade, a presença da ação diabólica na maioria dos casos de doença mental (ou não) ou de eventos inexplicados causa desconforto e perplexidade. O cidadão urbano relativamente inculto ou o baixo clero, é que liam as obras que referenciavam tal doutrina e nelas pautavam seu entendimento. A prática exorcista, como rituais e cerimoniais mágicos, foi difundida neste meio da população. Para os médicos a teoria da loucura é elaborada sob a influência do organismo pneumático do galenismo e da doutrina sobre as faculdades da alma ou da mente (razão ou raciocínio, imaginação e memória) de extração platônica.
A influência platônica transparece nas mais famosas classificações da alienação mental do século XVII. Zacchias (1651) distingue demência e amência como perda parcial ou total da razão devida à diminuição, depravação ou perda da função mental. Esses desarranjos correspondem à imbecilidade (fatuitas), delírio (delirium) ou a loucura (insânia). Para ele a loucura deve ser avaliada e tratada pelo médico, visto ser uma doença que enquanto afecção do espírito pode resultar de causas extranaturais e até possessão demoníaca. Outro exemplo de classificação é o encontrado em Plater, que inaugura, na nosologia o conceito de alienação mental se aproximando mais do galenismo por uma visão a partir da perspectiva médica, a doença mental é lesão de inteligência, que reúne a razão, a imaginação e a memória, os três sentidos internos, que podem ser resultado de um déficit(fraquesa mental ou abolição da mente) ou de uma depravação (esgotamento,estafa mental, a alienação, a perda da inteligência). A loucura enquanto uma alienação mental é um estado de alteração isolada em um dos três sentidos ou simultâneo de mais de uma delas sendo um processo mental que e pode traduzir em comportamentos e idéias. Assim, a loucura pode derivar de causas físicas, passionais ou internas. A doutrina de Plater comparada a dos exorcistas é tida como superior, pois reduz drasticamente a incidência da atuação diabólica. Em 1882, Paracelso é responsável pela primeira doutrina que nega a origem sobrenatural (demoníaca ou não), das doenças mentais (loucura). Sua ideia mestra é que as doenças são basicamente alterações dos sais contidos no corpo (enxofre, mercúrio,sal siderico), sua etiologia é natural.
A progressiva dominação médica no terreno da explicação da loucura recebe um impulso decisivo da fisiologia de Decartes e sua doutrina sobre os espiritus (sopro,halito, vento) animais. O termo spiritus trará uma ambiguidade conceitual que ocupara os teorizadores dos séculos XVIII e XIX, ora aparecendo como partículas concretas, matérias, ora como imateriais, um organicismo metafísico, levando a dificuldade teórica do pensamento medico que tentava encontrar uma base natural, anatomofisiologico para a loucura. O principio crescente que governa as formulações teóricas é o que a loucura é uma doença, natural, orgânica, corporal com ampla rejeição da explicação sobrenatural das concepções mitologias ou mágicas. A referencia d e alma, não invalida essa afirmação pois é um conceito hipotético, sem caráter religioso ou moral, equivalente a mente, entendida como função orgânica, do sistema nervoso central.
Tal como Hipocrates pregara, a loucura é uma doença, natural, como as outras doenças. O século XVII inicia a caminhada para uma abordagem cientifica do desvario e do descontrole emocional. Os exageros organicistas dessa época tem o mérito de afungentar para longe as concepções mágicas da loucura. É um século que medicaliza e naturaliza a loucura ao mesmo tempo em que a institui como processo mental, como patologia das funções nervosas superiores.
As classificações do século XVIII 
Após as doutrinas demonistas dos séculos XV e XVI até as classificações do seculo XVIII o conceito de loucura passa por mudanças importantes. Ao longo desse período a etiologia diabólica é progressivamente descartada, a explicação humorista perde importância. Como consequência, no século XVIII será priorizada a conciliação dos critérios neurofisiológicos com os de natureza sintomática ou comportamental para efeito de classificação dos distúrbios mentais. Mas a pesquisa médica se dispersa em uma pluralidade de linhas de pensamentos, muitas vezes inconciliáveis, apresentando uma psicopatologia desorientada por uma visão organicista sem fundamentação experimental da fisiologia nervosa. Na falta da base empírica, a nosografia fundamenta-se em critérios pessoais de determinadas autoridades médicas, apresentando variadas descrições e categorizações, levando a numerosas classificações das formas ou tipos de loucura, se distanciando das categorias filosóficas que definem as faculdades da alma ou da mente. A neurofisiologia desse tempo é precária na explicação organicista tradicional da loucura, baseada nos conceitos hipocráticos, pois não aponta substratos orgânicos específicos para as diversas formas de loucura. Aos poucos o modo de pensar evolui e busca nas especificidades do desempenho comportamental, verbal e intelectual os critérios para compor e diferenciar os quadros clínicos da loucura, permanecendo a visão organicista, que a define como uma afecção do encéfalo, um distúrbio orgânico, tal como pensava Hipocrates. As mudanças na psicopatologia implicarão numa atenção as condições sociais e físicas do ambiente capazes de produzir ou desencadear a mania ou a melancolia ou a demência. Ainda que a historia afetiva ainda não seja considerada, os episódios afetivos passam a merecer a atenção do clinico.
A essência orgânica da patologia mental só será questionada na obra de Pinel, o Traité, que essas tendências se organizarão numa concepção teórica e terapêutica nova, no inicio do século XIX. 
A Loucura segundo a psiquiatria do século XIX.
O Tratado Médico-Filosófico sobre a Alienação Mental, ou Traité, de Pinel, foi publicado em 1801 e republicado em 1809. Essa obra inaugura a Psiquiatria como especialidade médica. Pinel admite uma etiologia afetiva para a loucura e não acredita na possibilidade de se identificar correlatos orgânicos para a alienação:
 “Seria equivocado considerar a alienação mental, objeto particular deste trabalho, perdendo-se em nebulosas discussões sobre a sede do intelecto sobre a sede do intelecto e a natureza das lesões, assunto obscuro e impenetrável” (Traité,1801)
 Pinel considera que deve haver um estudo aprofundado das lesões do intelecto e da vontade, que se manifestam no exterior com mudanças no comportamento, na gestualidade, no modo de falar e em distúrbios físicos. Isso necessita uma observação demorada e atenta da conduta do paciente para a ordenação da massa caótica dos sintomas que se apresentam ao clínico.
Na concepção teórica de Pinel a loucura é entendida como um comprometimento do intelecto e da vontade, e se manifesta no comportamento do paciente, nos sintomas, sob as mais variadas formas.
As formas clássicas da loucura, mania, melancolia, demência e idiotia, foram redefinidas na sua etiologia e são consideradas em bloco, sob a designação geral de “alienação mental”. A natureza da loucura é objeto da segunda seção do tratado, Caracteres Físicos e Morais da Alienação Mental, onde são descritas as primeiras características da alienação. Enquanto “alterações de sensibilidade física”se apresentam a sensação de fraqueza, dor, movimentos convulsivos, loquacidade ou mutismo, gritos, ímpetos de ira, calor interno, falta de sono, mudanças no apetite, aumento da força muscular e excesso de excitação sexual. Outra alteração também descrita é a “percepção dos objetos externos” que se apresentam transformações no olhar, das expressões faciais e das palavras do paciente frente a um acesso de furor. A extensa galeria de perturbações demonstra o quanto a loucura é lesão de funções mentais.
Para Pinel, sendo a loucura uma doença essencialmente mental, sua causa é a “imoralidade”, entendida como excesso e desvio, e sua terapia é chamada de tratamento moral de afecções morais a ser corrigido pela mudança de hábitos. A causa da loucura é vaga e imprecisa e discutida em várias sessões: a hereditariedade, educação inadequada, desregramento na forma de viver com mudanças no modo de vida e hábitos, grandes paixões (aqui entendidas como dor, susto, ódio, temor, arrependimento, ciúmes, inveja...), conflitos, vícios, frustrações. 
A psicoterapia de Pinel para eliminar a alienação mental é ter um diretor espiritual e um regime físico e moral para o restabelecimento da ordem através de uma severa pedagogia. A psiquiatria é uma reeducação moral, essencialmente repressiva, dirigida segundo as normas dos bons costumes.
Apesar das imprecisões, o Tratado de Pinel, marca uma atitude científica nova, na evolução da psicopatologia. A contribuição teórica mais importante é a definição de loucura que passa a ser essencialmente o desarranjo das funções mentais em contrapartida das explicações organicistas. Possui um método de diagnostico que implica a observação prolongada, rigorosa e sistemática das transformações na vida biológica, nas atividades mentais e no comportamento social do paciente e de sua historia de vida, implicando a convivência e interação com o paciente, instituindo uma visão clinica do paciente e da loucura (clinica psiquiátrica). O método e a classificação de Pinel se afastam das ideias dominantes e dos padrões de cientificidade vigentes na medicina, no inicio do século XIX, trazendo mudanças para a prática terapêutica e no campo da teoria.
Depois de Pinel
 Do critério antigo sobre a natureza básica da loucura como perda da razão sem febre, visto como insuficiente na doutrina hipocrática que via nessa desrazão um desarranjo humoral, passou-se para um progresso da anatomia e da medicina na busca dos substratos orgânicos específicos para explicação. Após as doutrinas organicistas, a teoria da loucura já bastante confusa e sem ideia clara sobre sua etiologia, passa a buscar sua definição através das diferenças e semelhanças empíricas entre quadros clínicos amplos. No século XIX houve uma multiplicidade de classificações da loucura que como consequência apontou uma dificuldade teórica básica na definição loucura distinguindo-a de outras alterações na vida mental. Boa parte da pesquisa do século XIX gira em torno da importância etiológica relativa que se deve atribuir a fatores orgânicos ou a experiência pessoal do paciente. Com Pinel e sua teoria merecedora de críticas, a ideia de causa é bastante vaga e ampla onde ao lado de condições orgânicas crônicas ou episódicas, atuam na produção da loucura, experiências afetivas, desejos frustrados, índole melancólica, leitura de romances, traços étnicos, etc. Mas a introdução da observação clinica sistemática, como método para um diagnóstico médico, é crucial e definitiva e principalmente na mudança de atitude metodológica da medicina ante o paciente alienado. 
Após o Tratado de Pinel, que com sua práxis terapêutica eventualmente eficaz nos propósitos de reinserção do paciente na vida social, também proliferou uma confusão doutrinaria sobre a classificação e definição da loucura em suas varias formas, gerando uma confusão teórica que dominou o pensamento psicopatológico gerando também uma profusão de absurdos terapêuticos, documentados em obras de consulta obrigatória para médicos e pesquisadores da época. Convivem nas ultimas décadas do século XIX uma visão organicista radical, equivalente à velha postura humoral de Hipocrates, com uma incipiente doutrina psicodinâmica, que considera o impedimento da busca/necessidade biologicamente natural do prazer.

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