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CITINCITINCITIN � CURSO DE IMERSÃO EM TERAPIA INTENSIVA NEUROLÓGICA 5ª Edição / 2005 � DIRETORIA EXECUTIVA DA AMIB BIÊNIO – 2004/2005 Presidente: José Maria da Costa Orlando (SP) Vice-Presidente: Waldemar Henrique Fernal (MG) 1º Secretário: Marcelo Moock (SP) 2º Secretário: Luiz Alexandre A. Borges (RS) 1º Tesoureiro: Rosa G. Alheira Rocha (SP) 2º Tesoureiro: Afonso José Celente So ares (RJ) � CONsUlTOREs DO CURsO E INsTRUTOREs Nossos agradecimentos aos familiares, que souberam entender nossa ausência durante o árduo período de reuniões semanais para confecção desse curso. Muito obrigado aos nossos colaboradores, pela valiosa contribuição científica, e à direção da AMIB, pela confiança depositada e pelo convite formulado, que muito nos honraram. Comissão Científica Álvaro Réa Neto (PR) • Professor do Departamento de Clínica Médica da UFPR • Chefe da UTI - Adulto do Hospital de Clínicas da UFPR • Diretor do CEPETI – Centro de Estudos e Pesquisa em Terapia Intensiva Flávio M. B. Maciel (sP) • Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB e Consultor do FCCS • Chefe da UTI do Hospital Municipal Dr. Arthur Ribeiro de Saboya • Doutor em Medicina pela USP • Assistente da Disciplina de Imunologia da Faculdade de Medicina da USP Jorge luiz Paranhos (MG) - Diretor do Curso • Especialista em Neurocirurgia pela SBN e Terapia Intensiva pela AMIB • Membro do Comite de Terapia Intensiva do Depto de Trauma da SBN e Instrutor do FCCS • Chefe da UTI da Santa Casa da Misericórdia de São João del Rei – MG Rogério R. da silveira (RJ) • Especialista em Neurologia pela Academia Brasileira de Neurologia • Mestre em Neurologia pela UFF • Coordenador do Curso de Neurologia da Universidade do Grande Rio • Consultor em Neurologia na UTI do Hospital Cardiotrauma Ipanema e São Lucas – RJ – RJ Rose Plotnik (Rs) • Especialista em Medicina Interna pela SBCM e Intensivista pela AMIB • Responsável pela Rotina da UTI Neurocirúrgica do Hospital São José – Santa Casa POA • Mestranda do Serviço de Pneumologia da Universidade Federal do RS � Arthur lago Martinez Fº (RJ) • Especialista em Clínica Médica e Cardiologia; Intensivista pela AMIB • Rotina do CTI adulto do Hospital de Clínicas Mário Leoni – Duque de Caxias – RJ • Médico da Emergência do Hospital Cardiotrauma Ipanema e do Hospital Copa D’or RJ – RJ Almir Andrade (sP) • Chefe do Serviço de Neurotraumatologia da Emergência do Hospital das Clínicas de SP • Especialista em Neurocirurgia pela SBN e Diretor do Dpto. de Neurotraumatologia da SBN Antônio Capone Neto (sP) • Médico-Chefe do CTI-A Unidade Neuro-Intensiva Hospital Israelita Albert Einstein • Coordenador do Grupo de Neurotrauma do CTI- A Hospital Israelita Albert Einstein SP - SP Antonio Carlos Pires Carvalho (RJ) • Mestre e Doutor em Radilogia pela UFRJ • Professor Adjunto de Radilogia da FM da UFRJ Anselmo Dornas Moura (MG) • Especialista em Clinica Médica e Intensivista pela AMIB • Instrutor do ATLS e PHTLS • Coordenador Clínico da UTI do Hospital Mater Dei – BH -MG Antônio Eiras Falcão (sP) • Doutorado em Neurologia pela UNICAMP • Especialista em Neurologia pela ABN e Intensivista pela AMIB • Consultor em Neurologia e Terapia Intensiva Neurológica da UTI do HC da UNICAMP Cássio Morano Peluso (Es) • Mestre em Neurocirurgia pela UNIFESP • Diretor da Área de Saúde - Faculdade Novo Milênio - Vila Velha - ES • Diretor do Instituto de Tratamento Neurológico e Terapia Intensiva – INETI Cid Marcos Nascimento David (RJ) • Ex-Presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB • Consultor da Society Critical Care Medicine- SCCM, para o Curso FCCS • Intensivista com titulação pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira-AMIB • Professor Adjunto de Pós-graduação de Medicina Intensiva da UFRJ Claudia Camargos Carneiro (MG) • Título de Especialista em Terapia Intensiva pela AMIB • Especialista em Medicina Interna e Plantonista da UTI - Hosp. Público Regional de Betim - MG • Coordenadora da Rotina de Neurointensivismo da UTI PO do Hosp. Madre Teresa - BH - MG Frederico Bruzzi (MG) • Título de Especialista em Terapia Intensiva pela AMIB e Clinica Médica e Medicina de Urgência pela SBCM • Intensivista/diarista da UTI Hospital Mater Dei – BH • Coordenador da Rotina de Neurointensivismo da UTI PO do Hosp. Madre Teresa - BH - MG Hipolito Carraro Jr. (PR) • Coordenador do Serviço de Emergências Neurológicas do Hospital de Clínicas da UFPR • Médico Intensivista e Neurologista do Hospital VITA de Curitiba Jair leopoldo Raso (MG) • Coordenador do Serviço de Neurocirurgia do Hospital BIOCOR - BH – MG • Especialista em Neurocirurgia pela SBN e 1ª Secretário da SBN Jairo C. Bitencourt Othero (Rs) • Especialista em Terapia Intensiva pela AMIB • Coordenador da Comissão Nacional de Ética da AMIB • Professor de Emergência e Trauma do Curso de medicina da ULBRA/RS • Intensivista da UTI de Trauma do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre - RS José Fernando Guedes Corrêa (RJ) • Especialista em Neurocirurgia pela SBN • Professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro UNIRIO • Chefe do Serviço de Neurocirurgia do Hospital Sousa Aguiar - RJ Jorge Eduardo Paranhos (RJ) • Título de Especialista em Cirurgia Geral pelo CBC e AMB • Médico da emergência do Hospital Municipal Miguel Couto – RJ • Coordenador da UTI da Casa de Saúde São Sebastião – RJ COlABORADOREs � José Oliva Proença Filho (sP) • Chefe da UTI Pediátrica do Hospital Nossa Senhora de Lourdes • Título de Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB luiz Roberto Aguiar (PR) • Mestrado e Doutorado em Neurocirurgia pela UNIFESP • Doutor em Medicina pela Universidade Livre de Berlin • Prof. Titular de Neurocirurgia da PUC PR • Chefe do Serviço de Neurocirurgia do Hospital Universitário Cajuru - Curitiba - PR luiz Vicente Forte (Es) • Consultor em Neurocirurgia - Faculdade Novo Milênio - Vila Velha - ES • Diretor do Instituto de Tratamento Neurológico e Terapia Intensiva – INETI Maria luiza Procópio Amado (RJ) • Membro Titular da SBNC • Neurofisiologista da Rede D’Or – Rio de Janeiro • Neurofisiologista de referência de UTIs no RJ Marcos Freitas Knibel (RJ) • Presidente da Comissão de Qualidade em UTI da AMIB • Chefe da UTI dos Hospitais Cardiotrauma Ipanema e São Lucas – RJ • Intensivista pela AMIB e pós Graduação em Neurologia pela PUC – RJ Miguel Giudicissi Filho (sP) • Coordenador da Equipe Cenna (Neurocirurgia) do Hospital B. Portuguesa – SP • Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB • Especialista em Neurocirurgia pela SBN • Neurocirurgião da UTI do Hospital Municipal Dr. Arthur Ribeiro de Saboya - SP Nazah Cherif Mohamad Youssef (PR) • Especialista em Medicina Intensiva e Neurologia • Diretora Clínica da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital das Nações – Curitiba - PR • Coordenadora do Dpto. Neurológico do CEPETI - Centro de Estudos e Pesquisa em Terap. Int. Patrícia sousa Dias (MG) • Neurorradiologista do Serviço de Neurocirurgia da Santa Casa de BH • Neurorradiologista do Centro de Imagem - BH Paulo César Antoniazzi (sP) • Médico Assistente da Disciplina de Terapia Intensiva – Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP • Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB Paulo Melo (DF) • Professor Titular de Neurocirurgia da Universidade de Brasília • Coordenador da Comissão de Ensino da SBN Roberto Hirsch (sP) • Membro titular do Stroke Council da AHA, da American Academy of Neurology e Academia Brasileira de Neurologia • Chefe do Departamento de Doppler Transcraniano do HCFMUSP e do Hospital AlbertEinstein • Doutor em Neurologia pela FMUSP, médico do setor de Neurologia de Emergência do HCFMUSP Ruy Castro Monteiro da silva Filho (RJ) • Neurocirurgião da Rede D’Or de Hospitais • Membro Titular da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia • Membro Titular da Sociedade Brasileira de Coluna sérgio Diniz Guerra (MG) • Especialista em Terapia Intensiva Pediátrica pela AMIB e Soc. Brasileira de Pediatria • Coordenador do CTI Pediátrico do Hospital João XXIII – FHEMIG BH – MG • Preceptor da Residência em Terapia Intensiva Pediátrica do Programa Santa Casa – FHEMIG Thelma Ribeiro Noce (MG) • Mestre em Neurologia pela USP – Ribeirão Preto • Plantonista do CTI Pediátrico do Hospital João XXIII – FHEMIG BH – MG � � Primeiro Dia: 08:00 às 12:30 horas - Parte Teórica 08:00 - Filosofia do atendimento em Terapia Intensiva 08:15 - Fisiologia e metabolismo cerebral 08:40 - ABC e manuseio básico do paciente neurológico 09:05 - Exame do paciente em coma 09:35 - Monitoração geral do paciente neurológico grave 10:05 - Intervalo – Café 10:20 - Propedêutica neurológica complementar 10:50 - Monitoração neurológica intensiva 11:30 - Hipertensão intracraniana – conceitos e condutas 12:00 - Miscelânea I – EM Epiléptico, Delirium, Seda- ção & Analgesia 12:30 às 13:30 - Almoço 13:30 às 17:00 - Parte Prática Estação Prática 1330-1430 1430-1530 1530-1600 1600-1700 Síndromes Neurológicas A C Café B Neuroradiologia B A Café C Monitoração I C B Café A 17:00 - Discussão do pré-teste 17:30 - Encerramento & Avisos CITIN – CURsO DE IMERsãO EM TERAPIA INTENsIVA NEUROlóGICA CITIN – Curso de Imersão em Terapia Intensiva Neurológica Segundo Dia: 08:00 às 12:30 horas - Parte Teórica 08:00 - Hemorragia intraparenquimatosa (HIP) 08:30 - Acidente vascular encefálico isquêmico (AVEI) 09:00 - Hemorragia subaracnóide (HSA) 09:30 - Trauma craniencefálico (TCE) 10:10 - Intervalo – Café �0:�� - Trauma raquimedular (TRM) 10:55 - Pós-operatório em Neurocirurgia 11:25 – Infecção do SNC 11:45 - Morte encefálica 12:05 - Miscelânea II – Transporte do paciente, Ence- falopatia, e Doença Neuromuscular (DNM) 12:30 às 13:30 - Almoço 13:30 às 16:30 - Parte Prática Estação Prática 1330-1420 1420-1510 1510-1600 1600-1630 Doenças Cerebrovasculares A C B Café TCE caso clínico B A C Café Monitoração II C B A Café 16:30 às 17:30 - PROVA 17:30 - Encerramento & Avisos � � sUMÁRIO Capítulo Título .....................................................................................................................................Página 1 Filosofia do atendimento - conceitos e suporte intensivo ............................................................... 1 2 Fisiologia e metabolismo cerebral .................................................................................................. 3 3 Abc e cuidados básicos do paciente neurológico ...........................................................................11 4 Abordagem do paciente em coma ................................................................................................25 5 Monitoração geral do paciente neurológico grave .........................................................................31 6 Propedêutica neurológica complementar ......................................................................................43 7 Monitoração neurológica multimodal ..........................................................................................47 8 Hipertensão intracraniana ............................................................................................................59 9 Estado de mal epiléptico (eme) .....................................................................................................69 10 Delirium .......................................................................................................................................75 11 Hemorragia intraparenquimatosa (hip) ........................................................................................83 12 Acidente vascular encefálico isquêmico (avei) ...............................................................................91 13 Hemorragia subaracnóide (hsa) ..................................................................................................101 14 Traumatismo crânio encefálico ...................................................................................................109 15 Traumatismo raquimedular ........................................................................................................127 16 Pós-operatório em neurocirurgia .................................................................................................145 17 Infecções do sistema nervoso central...........................................................................................153 18 Morte encefálica .........................................................................................................................161 Doenças neuro musculares ..........................................................................................................167 Síndrome de guillain-barré (sgb) .................................................................................................167 Encefalopatia por disfunção tiroidiana .......................................................................................177 19 Transporte intra e extra-hospitalar .............................................................................................183 20 Encefalopatia hipóxica-isquêmica ...............................................................................................187 Apêndice Título .....................................................................................................................................Página 1 Escalas na avaliação clínica inicial ..............................................................................................193 2 Semiologia neurológica ...............................................................................................................197 3 Monitoração da temperatura cerebral.........................................................................................213 4 Algoritmos para suporte cardíaco avançado de vida ...................................................................217 Desfibrilação/cardioversão ..........................................................................................................228 5 Eletroencefalografia nas unidades de terapia intensiva ................................................................231 Oximetria cerebral transcraniana por espectrofotometria ...........................................................239 � Capítulo 1 Filosofia do atendimento - Conceitos e suporte intensivo “A preocupação com o homem e com seu destino deve sempre constituir a motivação principal de todos os esforços tecnológicos e científicos. Jamais esqueçam isto em meio a seus diagramas e equações. A mais bela e a mais pro- funda emoção que podemos experimentar é o sentido do mistério em benefício do homem. É aí que se encontra a semente de toda verdadeira ciência” (ALBERT EINSTEIN). O estigma da doença neurológica, dita incapacitante, e a falta de centros preparados para o manejo destes pacien- tes, acabam retardando o início do tratamento, que, em muitos hospitais, resume-se na simples observação clínica em um “canto” da enfermaria geral. É lá que o paciente, privado de suas funções encefálicas, permanece à própria sorte, perdendo a oportunidade de melhorar, ou mesmo reverter seu quadro. Posteriormente, também não é orien- tado quanto à importância da reabilitação para poder retornar, em melhores condições, ao convíviofamiliar. Esta situação pode e deve mudar. O tratamento inicial eficaz é fundamental para a diminuição da morbi-mortali- dade das doenças do Sistema Nervoso influenciando diretamente no prognóstico. A Terapia Intensiva Neurológica assim como a Medicina não podem ser subestimados como prática pessoal: “OS MÉDICOS SÃO PESSOAS QUE DÃO MEDICAMENTOS QUE MAL CONHECEM, PARA CURAR DOEN- ÇAS QUE CONHECEM MENOS AINDA, PARA SERES HUMANOS DOS QUAIS NÃO SABEM ABSOLU- TAMENTE NADA“ (François Marie Voltaire 1694-1778). A Terapia Intensiva Neurológica é uma conduta especializada na avaliação, diagnóstico precoce, monitoração ade- quada e tratamento precoce das doenças do Sistema Nervoso, central ou periférico, independente de sua etiologia (vascular, traumática, neoplásica, desmielinizante, congênita, metabólica, nutricional, degenerativa, inflamatória, infecciosa, etc). Deve-se priorizar o controle rigoroso do hemometabolismo cerebral. A manutenção das necessidades metabólicas cerebrais é fundamental para o tratamento de qualquer situação que altere a perfusão encefálica, evitando a pro- gressão do dano isquêmico. Como no Discurse de la Methode, precisamos medir, mensurar e monitorar: “EM CIÊNCIA, O QUE VALE NÃO SÃO SÓ OPINIÕES. HÁ QUE HAVER EMBASAMENTO E SUSTENTAÇÃO POR DADOS CONCRETOS. TUDO QUE FOR MENSURÁVEL DEVE SER REALIZADO PARA O BEM DA CIÊNCIA. PARA QUE SE FAÇA CIÊNCIA SÃO NECESSÁRIAS MEDIDAS CUJA VALIDAÇÃO SEJA INDUBITÁVEL. AFIRMATI- VAS NÃO SUSTENTADAS VIRAM OPINIÃO“ (René Descartes 1596-1650). A lesão isquêmica é o evento final mais comum para a destruição do tecido cerebral, quer por ação primária ou secundária, de forma difusa ou focal e ocorrendo em conseqüência de alterações permanentes ou temporá- rias no fluxo sanguíneo cerebral, potencialmente presentes em todas as doenças neurológicas. Apesar da sua extrema complexidade funcional, o encéfalo apresenta um metabolismo energético relativamente simples. Sua enorme avidez e dependência pelos nutrientes básicos, O2 e glicose, revelam sua vulnerabilidade aos processos isquêmicos. Quanto maior for a queda do fluxo sanguíneo e o tempo de isquemia, para um determinado estado metabólico, maior será a lesão cerebral primária ou secundária. O metabolismo encefálico depende da rela- ção adequada entre o consumo e a oferta de oxigênio e glicose. É através da rigorosa e intensiva monitoração destes parâmetros, que vamos conseguir preservar a função encefálica, agindo precocemente nas alterações do hemometabolismo cerebral. “EM CIÊNCIA O QUE VALE É O CONHECIMENTO ADQUIRIDO A PARTIR DE ANÁLISES CRITERIOSAS QUE SE SUSTENTAM PELA RAZÃO INDISCUTIVEL DA MEDIDA REALIZADA COM PRECISÃO. A ORIENTAÇÃO DA CIÊNCIA PELO BOM SENSO É PE- RIGOSA, POR SER DÁDIVA DE DEUS, E TODOS A POSSUEM!!! FOI A PARTIR DO BOM SENSO � QUE SE CONCLUIU QUE A TERRA ERA PLANA E QUE O SOL EM TORNO DELA GIRAVA“ (René Descartes 1596-1650). Obviamente que além desses cuidados extremamente específicos, as medidas para evitar a lesão cerebral estendem- se ao controle clínico rigoroso, sendo de importância fundamental o suporte ventilatório e hemodinâmico adequa- do, a fisioterapia precoce, o controle hidroeletrolítico e nutricional e a prevenção de infecções. Assim, os pacientes, através de medidas intervencionistas, têm a chance de uma melhor recuperação, pelo controle e prevenção precoce das complicações clínicas e neurológicas. O ponto central é a preocupação constante de oferecer as melhores condições de tratamento com o menor custo. Isto envolve uma otimização e humanização do atendimento, com atenção especial aos seguintes pontos: recursos humanos, técnicos, de informática e ambientais. “MEDICINA NÃO É SÓ ARTE, É CIÊNCIA E COMO TAL DEVE SER APLICADA. DEVE SER SUSTENTADA POR CONHECIMENTOS E PERCEPÇÃO ADEQUA- DA. PARA SABER AGIR E DIFERENCIAR-SE DO PRÁTICO QUE DEPENDE DO BOM SENSO!!! DEVE SER SUSTENTADA POR EVIDÊNCIAS DE BENEFICÊNCIA“ (Euryclides Zerbini 1912-1993). Na Terapia Intensiva Neurológica estimulamos uma visão global das necessidades do paciente, o atendimento in- tervencionista, a adoção de medidas preventivas e o trabalho em equipe, onde cada um contribui com seu potencial máximo para o tratamento. Tudo isto dentro de um ambiente de trabalho adequado e agradável. Regularmente são realizados cursos de reciclagem, com ênfase na discussão dos aspectos psicológicos envolvidos com o manejo de pacientes confusos e desorientados. A Terapia Intensiva Neurológica dispõe de protocolos próprios e enfatiza a profilaxia de escaras, trombose venosa e lesões laringo-traqueais. Empregar equipamentos que garantam uma monitoração completa de nosso paciente, com ênfase especial no controle do hemometabolismo cerebral. A soma dos recursos humanos, científicos e técnicos proporciona as condições ideais para realizarmos um diagnós- tico precoce e, com ele realizado, poder iniciar o tratamento adequado. É preciso ter no inconsciente essa seqüên- cia de examinar, diagnosticar, monitorar e tratar, conseguindo informações adequadas de forma rápida, segura e dinâmica. A Terapia Intensiva Neurológica seria a expansão sem especialização desta filosofia de trabalho multiprofissional, que é a Medicina Intensiva, respaldada em conhecimento científico geral e especializado, munida de equipamentos de monitorição, e cuja terapêutica converge para o bem estar do paciente. Assim, além de tratar da sua doença de base, preocupamo-nos com uma série de medidas preventivas e, sobretudo, com a prevenção da Lesão Secundária. O estetoscópio, a lanterna, o martelinho, nossas mãos, nossos ouvidos ainda são excelentes recursos e fundamentais na avaliação de nossos pacientes. Entretanto, não vamos esquecer que a mensuração adequada e intensiva do maior número possível de parâmetros, é o que torna nossa medicina ciência, e que, enquanto for somente arte e bom senso será frágil frente às surpresas desagradáveis da evolução de um paciente neurocrítico. “O GRANDE MISTÉRIO DA MEDICINA ESTÁ EM APLICÁ-LA COM ARTE E RIGOR TECNICO, JÁ QUE, FUNDAMENTADOS NO ESPÍRITO DE HUMANIZAÇÃO, EMPREGAMOS CIÊNCIA DA MAIOR QUALIDADE VISANDO O BEM ESTAR DO HOMEM” (Sir Willian Osler 1849-1919). � Capítulo 2 Fisiologia e metabolismo cerebral INTRODUÇãO Muitos pacientes criticamente doentes se apresentam com doenças neurológicas graves ou desenvolvem complica- ções neurológicas. Uma grande parte destas complicações resulta de hipoperfusão cerebral. Por isso, o conheci- mento da fisiologia do fluxo sanguíneo e do consumo de oxigênio cerebral é importante para aqueles que trabalham em unidades de terapia intensiva. Qualquer lesão neurológica pode ter conseqüências devastadoras. Lesão neurológica definitiva do tecido cerebral com seqüela permanente pode ocorrer no momento da injúria primária. Mas o risco de injúria neurológica adicio- nal por alterações da dinâmica intracraniana também é alto e dependente de hipertensão intracraniana e de vários outros fatores potencialmente deletérios. Um grande número de alterações clínicas pode afetar a dinâmica cerebral e o cérebro secundariamente, ampliando a lesão primária. Muitas dessas alterações podem ser prevenidas ou trata- das precocemente, aumentando a chance de recuperação neurológica desses pacientes. Nisso reside a importância do conhecimento da fisiologia e da monitoração neurológica e as suas conseqüentes intervenções efetivas. Alguns dos fatores envolvidos na lesão neurológica relacionada às alterações da dinâmica cerebral incluem hiper- tensão intracraniana, regulação do fluxo sanguíneo cerebral, formação de edema cerebral e alterações no líquor. Uma compreensão fisiopatológica plena dos princípios subjacentes à dinâmica cerebral é essencial para o manejo adequado dos pacientes neurológicos graves. As alterações fisiológicas que mantêm o fluxo sanguíneo cerebral (FSC) e acomodam as alterações no volume ce- rebral são relativamentecomplexas, mas fáceis de se entender. Grandes avanços no atendimento dos pacientes com graves doenças cerebrais têm se desenvolvido nos últimos dez a quinze anos e baseiam-se fundamentalmente na compreensão das regras fisiológicas básicas e do processo fisiopatológico subjacente. O cérebro é capaz de suportar apenas períodos muito curtos de isquemia, diferentemente dos rins, do fígado e dos músculos, por exemplo. Então o FSC deve ser mantido para assegurar uma oferta constante de oxigênio e glicose, além de retirar os produtos do metabolismo cerebral. A manutenção do FSC depende de um equilíbrio entre a pressão dentro do crânio, a pressão intracraniana (PIC) e a pressão arterial média do sangue (PAM). É importante manter um FSC relativamente constante. Assim, quando a PAM diminui, alguns mecanismos fisiológicos são ati- vados para manter o FSC e evitar isquemia neuronal. Da mesma forma, se a PAM se eleva, o FSC também deve ser mantido senão o cérebro incharia pelo aumento do FSC e a PIC se elevaria. Este processo é denominado de auto-regulação e será melhor explicado posteriormente. PREssãO INTRACRANIANA O crânio possui, nos adultos, um compartimento rígido preenchido com 3 componentes: tecido cerebral, sangue e líquor. De acordo com a doutrina de Monro-Kellie, todos os três componentes estão em um estado de equilíbrio dinâmico. Se o volume de um dos componentes aumenta, o volume de um ou mais dos outros componentes deve diminuir ou a pressão intracraniana irá aumentar. Dentro dos ventrículos, a pressão intracraniana normalmente deve ser menor que 15 mmHg. Os principais elementos dentro do crânio são o encéfalo (80%), o sangue (10-12%) e o líquor (8-10%). O volume total é de cerca de 1600 ml. Como o crânio pode ser visto fisiologicamente como uma caixa rígida cheia de líquido, se o volume de um de seus constituintes aumentar, a pressão dentro do crânio deverá aumentar, a não ser que algum de seus elementos líquidos possa escapar. E este não pode ser o encéfalo, mas o sangue ou o líquor. Se o encéfalo aumenta de volume (tumor, hematoma, edema, etc.), alguma quantidade de sangue ou líquor deverá � escapar de dentro do crânio para que a pressão não se eleve. Quando isto não puder mais ocorrer, a PIC irá se elevar acima de seu valor normal (5-15 mmHg). Normalmente, a resposta inicial é uma redução no volume de líquor do crânio. O líquor é desviado do crânio para dentro do saco espinhal. Desta forma, a PIC é inicialmente controlada. Se o processo patológico inicial progride com mais aumento de volume, o sangue venoso dos seios e eventualmente mais líquor podem ser forçados a sair do crânio. Quando este mecanismo de compensação é exaurido, qualquer aumento maior de volume intracraniano irá causar um rápido aumento da PIC. As relações entre as variações de volume e de pressão dentro do crânio são representadas na figura 1. Ela indica que um aumento no volume com pouca mudança de pressão ocorre até certo ponto, quando pequenos aumentos de volume acarretam grandes aumentos de pressão. Este ponto geralmente indica que os mecanismos de compensação se tornaram exauridos e uma fase de aumento da PIC compensada foi sucedida por uma fase descompensada. Fig. 1. Curva de Langfitt que expressa a relação entre pressão e volume intracraniano. É interessante notar que esta curva clássica representa as alterações de pressão quando um único compartimento dentro do crânio varia, neste caso, o líquor. Na prática, quando o aumento do volume cerebral ocorre por um tu- mor ou hematoma, a curva é menos íngreme. Gradientes de pressão se desenvolvem dentro da substância cerebral e, dependendo da complacência e da compressibilidade das estruturas adjacentes e do desenvolvimento de hérnias cerebrais, a curva se torna geralmente menos abrupta. Aumentos de volume cerebral localizados podem levar a her- niações cerebrais internas ou externas, acarretar torções do tronco cerebral e lesão cerebral irreversível (figura 2). Fig. 2. Principais herniações cerebrais. � A complacência intracraniana é de grande importância para a manutenção da dinâmica intracraniana. Compla- cência intracraniana é a capacidade do crânio de tolerar aumentos no volume sem um aumento correspondente na pressão intracraniana. Quando a complacência é adequada, um aumento no volume do tecido cerebral, de sangue ou de líquor não produz inicialmente aumento na pressão intracraniana. Quando a complacência é diminuída, mes- mo um pequeno aumento no volume de qualquer componente intracraniano é suficiente para causar uma grande elevação na pressão intracraniana. A extensão da elevação da PIC decorrente do aumento do volume intracraniano é determinada pela complacência ou compressibilidade do conteúdo intracraniano. Quando a complacência é baixa, o conteúdo é pouco compres- sível e a PIC irá se elevar bastante mesmo que com pequenos aumentos de volume. A complacência também afeta a elastância ou a distensibilidade da parede dos ventrículos. Quando a elastância é reduzida, a distensibilidade da parede dos ventrículos é reduzida e, portanto, mais rígida. Conseqüentemente, haverá uma maior variação de pres- são para uma mudança de volume. Se um cateter estiver inserido dentro de um dos ventrículos laterais, esta com- placência poderá ser avaliada pela injeção cuidadosa de 1 ml de solução salina isotônica e subseqüente verificação da variação de pressão. Se a elevação de pressão for maior que 5 mmHg, então o paciente está numa fase avançada à direita da curva pressão-volume intracraniano, de baixa complacência e sem mais capacidade de compensação. O volume de sangue contido dentro dos seios venosos é reduzido a um mínimo como parte do processo de com- pensação. Entretanto, se o fluxo livre de sangue venoso for impedido, mesmo que por algumas razões corriqueiras (tosse, aumento da pressão intratorácica, veias jugulares obstruídas), este aumento no volume de sangue venoso num cérebro criticamente inchado irá levar a um rápido aumento na PIC. Na prática é imperativo assegurar que estes pacientes mantenham a cabeceira da cama elevada a 30º e a cabeça seja mantida numa posição neutra. Isto melhora a drenagem venosa sem interferência significativa da pressão arterial. A drenagem venosa é passiva e ma- ximizada se garantida que nenhuma interferência existe no fluxo livre através das jugulares. PREssãO DE PERFUsãO CEREBRAl A pressão de perfusão cerebral (PPC) é definida como a diferença entre a pressão arterial média (PAM) e a pres- são venosa jugular (PVJ). Como esta última é difícil de ser medida e é influenciada pela PIC, a PVJ geralmente é substituída pela PIC na avaliação da PPC. A PAM é a pressão arterial diastólica mais um terço da pressão de pulso (diferença entre a pressão sistólica e diastólica). A PAM então está entre as pressões diastólica e sistólica, mais pró- xima da diastólica. Ela é usada como uma estimativa da “cabeça de pressão” que perfunde o cérebro. PPC = PAM – PIC A PPC normal é de cerca de 80 mmHg, mas quando reduzida abaixo de 50-60 mmHg aparecem sinais evidentes de isquemia e atividade elétrica reduzida. Existem alguns estudos em pacientes com trauma craniencefálico (TCE) que mostram um aumento da mortalidade ou de seqüelas neurológicas quando a PPC cai abaixo de 60 mmHg. A moni- toração da saturação do bulbo jugular (SjO2) pode ser usada para avaliar a adequação do fluxo sanguíneo cerebral (FSC). A SjO2 é a saturação venosa do sangue que deixa o cérebro na base do crânio e sua variação normal é entre 55-75%. Se o FSC está diminuído abaixo de um nível crítico, o sangue venoso que deixa o cérebro irá demonstrar também uma diminuição na SjO2. Mais especificamente, quando a PPC é inadequada para o consumo de oxigênio cerebral, a SjO2 cai demonstrando uma maior extração de oxigênio pelo cérebro. FlUXO sANGUÍNEO CEREBRAl O cérebro recebe aproximadamente 750 ml/min de sangue arterial ou cercade 15% do total do débito cardíaco em repouso, e tem cerca de 20% do consumo de oxigênio corporal. Sob condições normais, este suprimento sanguíneo permanece relativamente constante. O fluxo sanguíneo cerebral (FSC) é definido como o volume de sangue que circula através da circulação cerebral num determinado tempo. Uma vez determinado o FSC, é possível calcular a oferta e o consumo de oxigênio ce- rebral a partir do conteúdo de oxigênio arterial e venoso. O FSC normal é de 50-60 ml/100 g/min, variando desde 20 ml/100 g/min na substância branca até 70 ml/100 g/min em algumas áreas da substância cinzenta (figura 3). � Crianças entre 2 e 4 anos têm fluxos mais altos, ao redor de 100-110 ml/100 g/min, e que se “normalizam” ao longo da adolescência. Se o FSC cair, ocorrerá primeiro uma diminuição da função neuronal e, posteriormente, lesão ir- reversível. Se, entretanto, o FSC se elevar acima de limites fisiológicos, edema cerebral e áreas de hemorragia podem aparecer. Desta forma, o FSC deve ser mantido dentro de valores normais apesar das flutuações da PPC. Fig. 3. Fluxo sanguíneo cerebral normal e seus limites funcionais. De acordo com a lei de Ohm, o fluxo é diretamente relacionado com a pressão de perfusão e inversamente rela- cionado com a resistência cerebrovascular. Os principais vasos de resistência cerebral são as pequenas artérias e as arteríolas, as quais são capazes de alterar em até 300% seu diâmetro normal. O FSC é mantido e regulado pelas variáveis presentes na lei de Poiseuille, a qual relaciona o fluxo fisiológico com as variáveis do sistema cerebrovas- cular: Q = Δ P π r4 / 8 λ η Desta forma, o fluxo (FSC ou Q) é diretamente proporcional ao gradiente de pressão (ΔP ou PPC) e à quarta po- tência do raio dos vasos de resistência (r4), e inversamente proporcional ao comprimento da árvore vascular (λ) e à viscosidade do sangue (η). A viscosidade é primariamente afetada pelo hematócrito. Uma boa oferta de oxigênio (equilíbrio entre conteúdo arterial de oxigênio e uma adequada reologia) parece ocorrer com um hematócrito entre 30 a 34%. Quando a resistência e o hematócrito estão estáveis, a PPC (PAM - PIC) é o estímulo primário para as alterações de auto-regulação, mediada principalmente pelos vasos de resistência. Em pacientes com uma lesão intracraniana, essencialmente três padrões de fluxo podem ser vistos: hiperêmico, normal e oligoêmico. Hiperemia pode causar edema na área envolvida e predispor a sangramento. Também pode causar isquemia de áreas adjacentes pelo fenômeno de roubo do fluxo. Oligoemia aumenta a vulnerabilidade da área envolvida à isquemia. O consumo de oxigênio pelo encéfalo é de aproximadamente 35% da oferta de oxigênio. Em pacientes com SaO2 normal, isso acarreta uma SjO2 normal de cerca de 65%. Sob circunstâncias normais, 30 a 40% do oxigênio consu- mido pelo cérebro é necessário para manutenção da sua integridade celular, enquanto o restante é utilizado para realizar trabalho eletrofisiológico (figura 3). A energia necessária para a manutenção da integridade celular do neu- rônio é diretamente relacionada à temperatura cerebral (figura 4). Em geral, um declínio de 10º C está associado a uma queda na taxa de consumo de oxigênio cerebral em 50% (isto significa um Q10 de 2, ou seja, a mudança no � consumo de oxigênio associada com a alteração na temperatura cerebral). Na prática clínica, isso significa que a depressão metabólica produzida pela hipotermia pode fornecer alguma proteção cerebral em pacientes adequa- damente selecionados. Da mesma forma, uma elevação na temperatura pode aumentar o risco de lesão cerebral permanente. Modificações no nível de atividade elétrica do cérebro também alteram o consumo de oxigênio (figura 4). Depressão profunda da atividade, como a produzida por doses elevadas de barbitúricos ou benzodiazepínicos, suficiente para gerar eletroencefalogramas com atividade suprimida, podem diminuir até a metade o consumo de oxigênio. Pelo contrário, agitação psicomotora e crises convulsivas aumentam bastante o consumo de oxigênio cerebral. A diminuição da taxa metabólica pode fornecer proteção contra a injúria isquêmica, enquanto o aumento da taxa metabólica pode precipitar isquemia se o paciente não for capaz de aumentar o fluxo sanguíneo cerebral para satisfazer o aumento adicional de demanda metabólica. Fig. 4. Efeitos da atividade cerebral e da temperatura sobre o fluxo sanguíneo e o consumo de oxigênio cerebral. AUTO-REGUlAÇãO O FSC é mantido num nível relativamente constante, mesmo frente às flutuações normais na PAM, pelo mecanismo de auto-regulação. Este é um mecanismo vascular fisiológico de vasoconstrição e vasodilatação, ainda dependendo de uma melhor compreensão dos seus mecanismos fisiopatológicos intrínsecos. Uma queda da PPC é compensada com vasodilatação, assim como uma elevação da PPC é compensada por vasoconstrição, dentro de limites fisioló- gicos. Estes ajustes são regulados principalmente pela demanda metabólica, pela inervação simpática e parassimpá- tica e pela concentração de algumas substâncias como adenosina, óxido nítrico, PaO2 e PaCO2. Normalmente, a auto-regulação mantém o FSC normal entre uma PAM de 60 a 140 mmHg. O FSC normal de 50- 60 ml/100 g/min a uma PAM de 80-100 mmHg pode ser mantido às custas de vasodilatação (quando a PAM cai até o limite de 60 mmHg) ou vasoconstrição arteriolar cerebral (quando a PAM se eleva até o limite de 150 mmHg), o que protege o cérebro de isquemia ou hiperemia, apesar das flutuações fisiológicas da PPC (figura 5). Nos pacientes com hipertensão arterial crônica, tanto os limites inferiores quanto superiores são mais elevados. Nesta situação, o uso agressivo de anti-hipertensivos pode diminuir a PAM para valores “normais”, mas abaixo da capacidade de auto-regulação destes pacientes, podendo comprometer significativamente o FSC. Pacientes com TCE, isquemia cerebral ou agentes vasodilatadores (anestésicos voláteis, nitroprussiato de sódio) po- dem ter diminuição ou perda da auto-regulação cerebral. Neste caso, o FSC torna-se dependente da PAM. Então, se a PAM se eleva, o FSC também se eleva e pode causar um aumento no volume cerebral. Se a PAM cai, o FSC também diminui, reduzindo a PIC, mas podendo acarretar isquemia e necrose (figura 5). � Fig. 5. Auto-regulação cerebral normal e alterada patologicamente. Uma queda na PAM ou na PPC também pode ser deletéria em pacientes com TCE, mesmo com preservação da auto-regulação. A isquemia decorrente da queda da PPC elicita uma vasodilatação como resposta auto-regulatória. Se o encéfalo estiver sem complacência, isto acarreta uma elevação da PIC e maior queda da PPC, acentuando a isquemia e a hipertensão intracraniana. Esta seqüência de eventos é chamada de cascata isquêmica ou vasodilata- tória e contribui significativamente para injúria neurológica secundária por isquemia (figura 6). A forma de corrigir estes eventos deletérios é elevar a PPC ou qualquer outro estímulo primário para a vasodilatação. Fig. 6. Auto-regulação cerebral normal e alterada patologicamente. ACOPlAMENTO METABólICO Acoplamento metabólico refere-se ao equilíbrio da oferta e demanda de oxigênio e glicose cerebrais. Normalmente, estas funções estão intimamente relacionadas e se alteram proporcionalmente. Durante a ativação cortical, o au- mento no consumo de oxigênio e de glicose é compensado por um aumento concomitante no FSC regional (figura 4). O contrário ocorre durante sedação, anestesia e hipotermia. Vários mediadores têm sido imputados na mediação entre consumo e demanda metabólica. Os principais vasodi- latadores são o íon hidrogênio, o ácido lático, a concentração extracelular de potássio, a prostaciclina, a adenosina como produto de degradação do ATP e o óxido nítrico. O tromboxane A2 é um importante vasoconstritor. � DIóXIDO DE CARBONO O dióxido de carbono (CO2) causa vasodilataçãocerebral. O aumento da PaCO2 causa vasodilatação arte- riolar cerebral, aumento do FSC e pode elevar a PIC (figura 7). O contrário ocorre com a diminuição da PaCO2 e a conseqüente vasoconstrição arteriolar cerebral. Desta maneira, hiperventilação pode levar a uma redução na PIC, mas às custas de uma diminuição no FSC e de um potencial de isquemia cerebral. O FSC é diretamente proporcional à PaCO2 entre 20 e 80 mmHg. Dentro destes limites, uma variação de 1 mmHg na PaCO2 se acompanha de uma variação de 1 a 3 % no FSC. Uma boa regra prática diz que uma elevação da PaCO2 de 40 para 80 mmHg duplica o FSC e, uma queda da PaCO2 de 40 para 20 mmHg, diminui para a metade o FSC. O efeito de vasodilatação ou vasoconstrição parece ser mediado pela concentração do H+ na parede da arteríola cerebral. Portanto, a vasoconstrição hipocápnica aguda dura apenas algumas horas. Quando a hipocapnia é mantida por mais tempo, existe uma gradual correção do pH sérico e um retorno do FSC aos valores normais. Se a PaCO2 for “normalizada” agudamente após algumas horas, isso poderá levar a hipe- remia cerebral e aumento da PIC. OXIGÊNIO Valores muito baixos da PaO2 também podem ter profundos efeitos no FSC (figura 7). Quando a PaO2 cai abaixo de 50 mmHg, existe um rápido aumento no FSC e no volume de sangue intracraniano por vasodila- tação. Valores muito altos de PaO2, geralmente acima de 300 mmHg, podem acarretar vasoconstrição. Hipóxia cerebral é um sério risco em pacientes hipoxêmicos, principalmente quando a PaO2 é menor que 50 mmHg, devido à diminuição na oferta de oxigênio cerebral, mas também por causa da marcante vasodila- tação. Vasodilatação cerebral põe o cérebro em risco adicional por duas razões. Primeiro, a vasodilatação leva a hiperemia e predispõe ao edema cerebral nas áreas lesadas e também nas regiões normais. Segundo, o aumento no FSC e no volume cerebral eleva a PIC e pode diminuir significativamente a PPC, causando isquemia cerebral global e lesão neuronal secundária. Fig. 7. Relação entre o FSC e a PaCO2 e a PaO2. Em muitos pacientes com doença neurológica grave, o prognóstico neurológico a longo prazo pode depender criti- camente da adequação do FSC global ou regional. O progresso da monitoração neurológica e o desenvolvimento recente de tratamentos eficientes somente estão se tornando realidade devido ao conhecimento fisiológico e fisiopa- tológico bem caracterizado das últimas décadas. �0 REFERÊNCIAs BIBlIOGRÁFICAs 1. Rossberg MI et al: Principles of cerebroprotection. In: Murray MJ et al. Critical care medicine: perioperative management. 2. ed. Philadelphia: Lippincott: Williams & Wilkins, 2002. 225-235p. 2. Prough DS, Rogers AT. Physiology and pharmacology of cerebral blood flow and metabolism. In: Prough DS. Crit Care Clinics 1989;5:713-28. 3. Castillo MA. Monitoring neurologic patients in intensive care. Curr Opin Crit Care 2001;7:49-60. 4. Stávale MA. Hemodinâmica encefálica na hipertensão intracraniana. In: Stávale MA. Bases da terapia intensiva neurológica. São Paulo: Santos, 1996. 1-12p. 5. Ullman JS. Cerebrovascular pathophysiology and monitoring in the neurosurgical intensive care unit. In: An- drews BT (ed.) Intensive care in neurosurgery. New York: Thieme, 2003. 29-46p. 6. Marshall WK, Arancibia CU, Williams CL. Monitoring intracranial pressure. In: Lake C, Hines RL, Blitt CD. Clinical monitoring: practical applications for anesthesia and critical care. New York: W.B. Saunders Company, 2001. 103-117p. 7. Mizumoto N. Regulação do fluxo sanguíneo cerebral. In: Stávale MA. Bases da terapia intensiva neurológica. São Paulo: Santos, 1996. 1-12p. 8. Power I, Kam P. Physiology of the nervous system. In: Power I, Kam P. Principles of physiology for the anaesthe- tist. London: Arnold Publishers, 2001. 33-62p. 9. Robertson C. Management of Cerebral Perfusion Pressure after Traumatic Brain Injury. Anesthesiology 2001; 95(6):1513-1517. �� Capítulo 3 ABC e cuidados básicos do paciente neurológico OBJETIVOs 1. ABC (Recomendações do ATLS, ACLS e FCCS) 2. Controle de sangramentos 3. Profilaxia da TVP, da Úlcera de Pressão e da Úlcera de Stress 4. Hidratação e Nutrição 5. Distúrbios ácido-básicos e hidroeletrolíticos 6. Sondas e cateteres 7. Alterações Cardiovasculares do Paciente Neurocrítico I. INTRODUÇãO O paciente portador de lesão neurológica grave requer um tratamento minucioso. O resultado positivo depende de uma série de detalhes. A antecipação e o diagnóstico precoce constituem medidas fundamentais e devem nortear a atitude dos médicos envolvidos no tratamento deste grupo de pacientes. A extrema dependência da atenção e dos cuidados externos tornam o paciente vulnerável a várias complicações clínicas. A equipe envolvida no tratamento deve se antecipar e instituir medidas de profilaxia e manter um monitoramento constante para o diagnóstico pre- coce das complicações mais prováveis. Podemos afirmar que os cuidados básicos com o paciente neurológico constituem parte fundamental do tratamen- to. A prescrição médica de um paciente com quadro grave corrobora esta afirmação. Pelo menos um terço dos itens estão voltados para orientações posturais e cuidados básicos. A equipe de atendimento deve estar preparada para receber o paciente portador de lesão neurológica. As diretrizes devem ser de conhecimento de todos e implantadas após discussão ampla. Os cuidados básicos começam na sala de emergência com a adoção das diretrizes e recomendações do ATLS, ACLS e FCCS. Merecem destaque especial os itens: • Manutenção das vias aéreas • Ventilação e oxigenação • Acesso venoso e controle de sangramentos Não podem ocorrer rupturas no tratamento e os cuidados básicos devem continuar na UTI. Os critérios e cuidados observados no transporte do paciente dentro do hospital e preparo do leito na UTI devem estar padronizados. A imobilização, a ventilação mecânica prolongada, as alterações nutricionais, as infecções e a presença de diferentes cateteres, comumente presentes no paciente grave, são os maiores responsáveis pelas diversas complicações clínicas. Desta forma devemos agir de forma vigorosa na profilaxia de certas condições: • Mobilização passiva precoce • Trombose venosa profunda �� • Úlceras de decúbito ou pressão • Úlceras de “Stress” • Sondas e cateteres • Desidratação • Desnutrição • Distúrbios hidroeletróliticos e ácido-básicos As diretrizes do atendimento inicial visam manter a perfusão e oxigenação adequados e evitar as lesões secundárias. O conhecimento das técnicas e ações é fundamental. A seguir, descreveremos, sucintamente, as medidas de atendi- mento inicial, já que elas são mais amplamente discutidas em protocolos básicos como ATLS, ACLS e FCCS. II. ABC (MANUTENÇãO DAs VIAs AÉREAs, VM E ACEssO VENOsO) Manutenção das vias aéreas As técnicas e dificuldades do processo de entubação não são o objetivo primário desse curso. Como já foi dito, o CITIN segue, e recomenda, nesse aspecto, as normas do FCCS e detalhes das técnicas estão expostos no anexo. Diferentes formas de acesso podem ser utilizadas, tais como: • Tubo orotraqueal • Tubo nasotraqueal • Cricotiroidomia • Traqueostomia A escolha sobre a via a ser utilizada dependerá de vários fatores: urgência do procedimento, material disponível, experiência profissional e o tempo disponível para o estabelecimento de uma via aérea segura. Ventilação e oxigenação Não temos como objetivo nesse curso abordar a ventilação mecânica (VM), apenas ressaltar alguns pontos impor- tantes em relação à ventilação do paciente neurocrítico. Existem basicamente duas situações; a primeira, relaciona- da aos pacientes em pós-operatório de neurocirurgia eletiva, que geralmente são ventilados por curtos períodos de tempo, de maneira simples sendo rapidamente desmamados e extubados. Em segundo lugar está o manejoventila- tório do paciente mais grave, onde se deve dar atenção às seguintes recomendações: 1. Manter ventilação e oxigenação adequados, mantendo saturação arterial de oxigênio sempre acima de 92% - 94%. 2. Atentar para o fato que a VM interfere de modo direto na pressão intracraniana e conseqüentemente na PPC, pois com a variação do pH extra-celular e da pressão parcial arterial de CO2 (PaCO2) ocorre o controle do flu- xo sanguíneo cerebral. A acidose decorrente da hipercapnia acarreta hiperfluxo cerebral, levando a hipertensão intracraniana, já a alcalose respiratória acarreta a vasoconstrição cerebral devido à hipocapnia. Sendo assim, a recomendação é de manter a PaCO2 entre 35 e 40 mmHg, pois o hipofluxo cerebral acarretado pela hipocapnia pode levar a piora da isquemia cerebral, inclusive perfusão de luxo, que ocorre quando o fluxo sanguíneo é direcio- nado para as áreas isquêmicas devido a vasoconstrição da região saudável. A hiperventilação mantida, objetivando hipocapnia, está contraindicada pelo risco de isquemia e porque, após cerca de 12 horas ocorre reequilíbrio do pH perivascular, apesar da hipocapnia. Existe apenas um momento em que a hiperventilação se faz necessária, que ocorre quando há sinais de hipertensão intracraniana e o provável tratamento cirúrgico e definitivo da causa básica está planejado ou próximo a ser iniciado. Nessa situação, a hiperventilação com manutenção da PaCO2 em torno �� de 30 mmHg ou até um pouco mais baixa pode ser utilizada emergencialmente, sendo desmamada gradativamente assim que possível. O CITIN, nessas raras situações, preconiza a hiperventilação otimizada, com cateter de bulbo da jugular instalado. Podemos levar a PaCO2 para 30 mmHg ou um pouco menos, desde que a saturação venosa do bulbo da jugular (SjO2) se mantenha em seus valores normais, entre 55% e 65%. O objetivo desse controle rigo- roso é evitar que a hipocapnia, que inequivocamente diminui a PIC, leve a quedas indesejáveis do FSC. Portanto, o CITIN não admitirá reduções da PIC às custas de diminuição exagerada do FSC, hipofluxo e piora da perfusão cerebral de nossos pacientes. 3. Atentar para as lesões derivadas da VM, lesão pulmonar aguda e SARA. Evitar ventilar o paciente com altas pressões de plateau, iniciando a ventilação por uma a duas horas com “baixos” volumes correntes (6 ml/kg peso), de tal maneira a manter a pressão de plateau < 30 cmH2O. A seguir, se a complacência pulmonar permitir, volumes correntes mais altos (8 a 10 ml/kg) serão permitidos se a pressão de plateau se mantiver < 30 cmH2O. Uma PEEP mínima de 5 cmH2O deve ser ajustada no início da VM para prevenir colapso alveolar no fim da expiração. Alguns “experts” titulam a melhor PEEP à beira-do-leito baseada na curva PV ou no método da melhor complacência. Iniciar a VM com fração inspirada de oxigênio de 100% e ir diminuindo progressivamente até 40% para manter a SaO2 acima de 92%-94%. 4. Evitar que o paciente “brigue” com o ventilador, o que pode causar elevações abruptas da pressão intracraniana, fazendo uso da sedação, de acordo com protocolos pré-determinados de seu hospital; a intensidade da sedação deve ser avaliada de acordo com escalas de sedação. Tanto sedação em “bolus” quanto infusão contínua podem ser utilizadas, com interrupção ou diminuição da intensidade da sedação diária para avaliação neurológica e, se necessário, re-titulação da dose (ver capítulo de sedação/analgesia). O bloqueio neuromuscular deve ser evitado, mas quando necessário deve ser preferido seu uso intermitente. 5. Sempre que possível manter o trabalho da musculatura respiratória, utilizando os modos assistidos, como a pressão de suporte (PSV), pois tanto a utilização de ventilação mecânica prolongada associada a bloqueio muscu- lar, quanto o catabolismo celular elevado, levam a atrofia muscular precoce, dificultando o desmame ventilatório, perpetuando o suporte ventilatório e aumentando o risco de infecções. 6. Em casos de falência neuromuscular, o suporte ventilatório é especial e será comentado em outro capítulo. É importante lembrar que em situações de agitação psico-motora deve-se identificar e tratar a causa básica da agi- tação, evitar sedar o paciente em demasia, pois isso dificulta o exame neurológico. Sempre aventar a possibilidade de traqueostomia precoce. Quando do momento da retirada do suporte ventilatório, certificar que as condições que levaram à utilização da VM estejam resolvidas, e que existe adequado nível de consciência para a extubação, boa força muscular, ausência de distúrbios hidroeletrolíticos e estado nutricional satisfatório. Realizar o desmame gradativamente, sempre atentando para sinais de fadiga do paciente. Acesso venoso O acesso venoso inicial deve ser obtido, de preferência, por duas veias periféricas de bom calibre, enquanto se ava- liam as indicações e contra-indicações do acesso venoso profundo. Idealmente, puncionam-se duas veias calibrosas, de preferência em membros superiores, para rápida reposição volêmica e hidroeletrolítica, administração de trom- bolítico e demais medicações inerentes à patologia. Veias Profundas Os pacientes neuro-críticos caracteristicamente permanecem muitos dias internados, apresentam com freqüência instabilidade hemodinâmica que leva ao uso vasopressores e drogas inotrópicas, hidratação vigorosa e monitoração da pressão venosa central para manter normovolemia. Portanto, o acesso venoso profundo é a linha de infusão preferencial. O CITIN recomenda apenas três opções: veia subclávia, veia jugular interna e veia femoral. As principais contra-indicações de punção de veia central são: intenção de administrar trombolítico, distúrbios de coagulação, durante a reanimação cárdio-respiratória, infecção ou queimadura no local de punção, e recusa do �� paciente. A escolha do local de punção depende da experiência do operador, futuro uso da veia jugular para moni- toração da saturação venosa de oxigênio do bulbo jugular (SjO2), predição de complicações em determinados sítios de punção, e uso de colar cervical. As complicações são freqüentes: punção arterial inadvertida, sangramento no local de punção, pneumotórax, perfuração de traquéia, punção acidental do ducto torácico, embolia gasosa, mau posicionamento do cateter, formação de trombos, e infecção do cateter. O pneumotórax é mais freqüente na catete- rização da veia subclávia (<5%) do que da veia jugular interna (<2%), sendo as técnicas supraclavicular e posterior menos relacionadas a complicações, respectivamente. III. CONTROlE DE sANGRAMENTO O paciente portador de doença cérebro-vascular aguda apresenta freqüentemente distúrbios de coagulação, che- gando a 10% nos casos de hemorragia intracraniana. Alguns aspectos podem ser ressaltados no que tange ao con- trole e prevenção de sangramentos, levando em conta a gravidade do doente em questão: 1. Uso prévio de anticoagulantes: Pacientes em uso de cumarínico e que apresentem doença cerebral isquêmica de pequena monta podem ser obser- vados caso o INR esteja em torno de 3,5. Acima deste valor, considerar administração de vitamina K intravenosa 10 mg em infusão lenta e, se houver urgência, plasma fresco congelado na dose de 5-8 ml/Kg. O uso de cumarínico em doentes com evento cerebral hemorrágico ou isquemia volumosa e INR > 1,5 demanda reversão imediata da anticoagulação com plasma fresco congelado na dose já citada. As heparinas não-fracionadas podem ter seu efeito revertido com Protamina, sendo que 1 mg desta reverte 100 UI de Heparina; lembrando que após 1 hora sem infusão da droga em pacientes com metabolização renal preservada, apenas uma pequena fração da droga estará ativa, fato que deve ser considerado. As heparinas fracionadas não são facilmente antagonizadas com Protamina e possuem meia-vida bem mais elevada que seu antídoto. Caso necessário pode-se administrar plasma fresco congelado. Levar emconta também o tipo de evento cerebral, conforme já foi citado para os cumarínicos. 2. Recomendações para a utilização de plasma fresco congelado: • Reversão urgente dos efeitos cumarínicos na dose já citada • Correção de sangramentos microvasculares associados à tempo de protrombina ou tempo de tromboplastina maior que 1,5 vezes o normal com administração de 10-15 ml/Kg. 3. Recomendações para terapia com concentrado de plaquetas: • Transfusão profilática é inefetiva e raramente indicada em casos de destruição aumentada de plaquetas como acontece na Púrpura Trombocitopênica Idopática. • Concentrado de plaquetas deve ser obrigatoriamente administrado quando a contagem plaquetária for < 5.000/ mm3, independente da presença ou não de sangramento; com contagens entre 5.000 e 30.000/mm3 e risco de san- gramento presente, a transfusão plaquetária deve ser considerada; procedimentos que cursam com sangramentos insignificantes podem ser realizados com contagem plaquetária de 50.000/mm3 ou maior. • Antes de cirurgia neurológica, deve-se alcançar níveis acima de 100.000 plaquetas/mm3. A dose usual é de um concentrado para cada 10 Kg de peso do doente. • Contagem plaquetária aparentemente normal não contra-indica transfusão, caso se suspeite de disfunção plaque- tária ou haja sangramento microvascular. IV. TROMBOsE VENOsA PROFUNDA As recomendações da Sociedade de Cirurgia Vascular, apoiada em estudos multicêntricos, são a base para as orien- �� tações do tratamento dos pacientes neurológicos. A indicação da profilaxia nos pacientes com lesões isquêmicas está bem estabelecida, porém em portadores de hemorragias ou no pós-operatório recente de neurocirurgia, a indi- cação deve ser estudada em cada caso. As principais complicações da TVP são tromboembolismo pulmonar (TEP) e a síndrome pós-TVP, onde a recanali- zação incompleta do trombo junto ao plano valvar do sistema venoso profundo causa estase venosa e insuficiência valvar. Nos Estados Unidos, a TVP acomete mais de dois milhões de americanos/ano, e 600.000 desenvolvem TEP, com óbito em 8 a 10% dos casos na primeira hora do evento. A TVP recorre em 30 % dos pacientes até 8 anos do primei- ro evento e os que evoluem com hipertensão pulmonar terão prognóstico mais reservado. A profilaxia da TVP é a melhor forma de prevenção do TEP. Quando adequada, reduz o risco de TVP e TEP em 70% a 80 % dos casos, sendo raras as complicações hemorrágicas. O fato de sua incidência ser subestimada (a maioria é assintomática), dúvidas quanto à eficácia e medo de sangramento são fatores que contribuem para sua subutilização. Profilaxia A profilaxia da TVP pode ser realizada por medidas não-farmacológicas, farmacológicas ou ambas. Vários fatores de risco, clínicos ou cirúrgicos, para TVP, foram identificados e temos proposto que se atribua a cada um deles um peso diferenciado. Como mostrado na tabela I, cada fator de risco recebe uma pontuação, cuja somatória deve ser aplicada à tabela III. O paciente é classificado de risco baixo quando a soma desta pontuação for menor ou igual a 1, risco moderado, quando entre 2 e 4, e de risco alto quando acima de 4 pontos. A profilaxia será realizada de forma individualizada conforme o risco encontrado. Quanto mais fatores de risco estiverem presentes, maior será a estratificação do risco do paciente e, portanto mais intensa a profilaxia. Tabela I: Trombose venosa profunda: fatores predisponentes FATORES DE RISCO PONTOS FATORES DE RISCO PONTOS 01. Idade ≥ 40 anos 01 15. IAM complicado 02 02. Idade ≥ 60 anos 02 16. AVCI 02 03. Tabagismo 01 17. Antecedente TVP/ TEP 02 04. Obesidade 01 18. Edema, varizes, úlcera MMII 01 05. Estrógenos ou anticoncepcionais 01 19. Diabete mellitus 01 06. Neoplasia 02 20. ICC 02 07. Gravidez e puerpério 01 21. História familiar TVP/ TEP 02 08. Imobilização 02 22.Cirurgia de grande porte nos últimos 6 meses 01 09. Deficiência proteínas C, S, AT-III 01 23. Queimaduras extensas 02 10. Síndrome nefrótica 01 24. Anticorpo antifosfolípide 02 11. Policitemia 02 25. Infecções 01 12. Doença auto-imune 01 26. Cirurgia geral ≤ 60 min 01 13. Leucenias 02 27. Cirurgia geral > 60 min 02 14. IAM não complicado 01 28. Cirurgias do quadril, joelhos, prótese, fraturas osso longo ou múltiplas, politrauma 04 TOTAL DE PONTOS = ............(aplique na tabela III) Weinmann et al classificam os pacientes em três níveis de risco: 1. Baixo risco; 2. Risco moderado e 3. Risco alto, conforme a incidência de TVP e TEP naqueles não submetidos a profilaxia da TVP (tabela II). Nessa tabela foi adaptada a pontuação do paciente conforme o seu risco. �� TABELA II: Risco de evento tromboembólico sem profilaxia Risco Baixo ( ≤ 1 ponto) Risco Moderado (2-4 pontos) Risco alto (> 4 pontos) TVP distal (%) 2 10 – 40 40 – 80 TVP proximal (%) 0,4 2 – 8 10 – 20 TEP sintomático (%) 0,2 1 – 8 5 – 10 TEP fatal (%) 0,002 0,1 - 0,4 1 – 5 (modificado de Weinmann et al.) Um indivíduo com menos de 40 anos submetido a ato operatório com duração de 60 min. e sem nenhum outro fa- tor de risco é classificado como de risco baixo. Entretanto, se a idade for maior do que 40 anos e o tempo cirúrgico acima de 60 min, o risco será moderado. Conforme a tabela III, a profilaxia para os diversos níveis de risco deve ser diferenciada. No primeiro exemplo, o paciente deveria ser submetido a profilaxia não-farmacológica (meias elásticas e deambulação precoce); no segundo, à profilaxia farmacológica (heparina de baixo peso molecular ou a não fracionada), além das meias elásticas e deambulação. TABELA III: Profilaxia conforme o número de pontos Risco Baixo ( ≤ 1 ponto) Risco moderado (2-4 pontos) Risco alto (> 4 pontos) Não Farmacológica: realizar movimentação ativa dos membros inferiores, deam- bulação precoce, uso de meias elásticas de média compressão até a coxa ou compressão pneu- mática intermitente. Nadroparina: 0,3 ml SC (1x/dia) Enoxaparina: 20 mg SC (1x/dia) Heparina: 5.000 UI SC (2x/dia) Devem-se associar as medidas não-farma- cológicas. Nadroparina: 0,6 ml SC (1x/dia) Enoxaparina: 40 mg (1x/dia) Heparina: 5.000 UI SC (3x/dia) Devem-se associar as medidas não- farmacológicas. Nadroparina = Fraxiparina ®; Enoxaparina = Clexane ®; Heparina-Liquemine ® As principais contra-indicações para a profilaxia farmacológica são sangramento ativo e os distúrbios hemorrági- cos graves (congênito ou adquirido). Profilaxia não-farmacológica Meias elásticas: as de compressão gradual aumentam em 36% a velocidade de fluxo da veia femoral. É a primeira medida a ser adotada além de deambulação precoce. Compressão pneumática intermitente dos membros inferio- res: a insuflação seqüencial de cuffs do tornozelo à coxa aumenta em 240% a velocidade de fluxo na veia femoral e também a atividade fibrinolítica endógena. Filtro de veia cava inferior: indicado quando a profilaxia farmacológica não pode ser realizada (p. ex. sangramento ativo), na vigência de alto risco de TEP. Complicações: migração do filtro, estase venosa crônica e TEP através de vasos colaterais. Filtros especiais para uso temporário (duração de até 14 dias), com retirada após comprovação de ausência de trombo, é outra opção profilática. Profilaxia farmacológica Heparina não fracionada (HNF) (Liquemine®): polissacáride extraído da mucosa intestinal de porco ou de pul- mão bovino. Interage com a antitrombina III inativando os fatores da coagulação XIIa, Xla, Ixa, Xa e IIa (trom- bina). Heparina de baixo peso molecular (HBPM) (Nadroparina-Fraxiparina®), (Enoxaparina-Clexane®): obtida pela despolimeração da heparina, tem maior capacidade em inibir o fator Xa. Em relação à HNF, tem maiores biodisponibilidade e meia-vida plamática além de determinar menor incidência de plaquetopenia. O Dextran 40 �� reduz a adesividade e a agregação plaquetárias quando utilizado nas doses de 500 mlEV durante 6 e 24 horas e mantido por alguns dias. Em resumo, a profilaxia deve ser realizada em todo paciente de risco. Procure estratificar este risco para que a pro- filaxia seja a mais adequada possível. Não subestime o risco de seu paciente. Recomendações especiais Nas cirurgias neurológicas de grande porte recomenda-se a compressão pneumática intermitente ou as doses in- dicadas para a profilaxia de risco moderado. Durante a internação, manter a profilaxia farmacológica enquanto persistirem os fatores de risco. Iniciar a não-farmacológica quando o paciente deambular ou retornar às atividades normais. Após a alta hospitalar, tomar as seguintes medidas: (1) manter a profilaxia farmacológica (3 a 4 semanas) nos pacientes de alto risco e (2) não-farmacológica (3 a 4 semanas) nos de baixo risco até retornarem às suas ati- vidades normais. Nos portadores de cateteres centrais, a prevenção da trombose da veia subclávia-auxiliar poderá ser feita com war- farin (Marevan®) 1 mg/dia. Nas obstruções de cateteres venosos, utilizar o fibrinolítico uroquinase (Abbokinase Open-Cath®), na dose de 5.000 UI, injetadas dentro do cateter. Aspirar após 30 min e repetir a dose caso não tenha havido sucesso. No trauma medular, a incidência de TVP é maior nas duas primeiras semanas e rara após o terceiro mês. Utilizar HNF ou HBPM (pelo menos três meses) associada às medidas não-farmacológicas. A profilaxia deve ser realizada também nos pacientes domiciliares. O risco deve alguma forma ser estratificado. V. ÚlCERAs DE DECÚBITO OU PREssãO Pessoas que não conseguem se movimentar e ficam acamadas ou sentadas por muito tempo, na mesma posição, podem apresentar feridas conhecidas por escaras ou úlcera de pressão. Estas feridas podem ocorrer em qualquer parte do corpo onde haja saliência óssea, mas são mais comuns nas nádegas, calcanhares e nas regiões laterais da coxa. Se o paciente não tem controle dos esfíncteres urinário e fecal e apresenta, associadamente, diferentes graus de desnutrição, o problema pode se agravar. Entretanto, algumas medidas preventivas podem ser usadas para di- minuir o problema: 1. A pele deverá ser limpa no momento em que se sujar; evitar água quente e usar um sabão suave para não causar irritação ou ressecamento da pele; a pele seca deve ser tratada com cremes hidratantes de uso comum; 2. Evitar massagens nas regiões de proeminências ósseas; ao observar eritemas, manchas roxas ou bolhas, prestar atenção, pois estes sinais indicam o início da escara e a massagem vai causar mais danos; 3. Se não há controle do esfíncter urinário, usar fraldas descartáveis ou absorventes e trocar as roupas úmidas assim que possível; o uso de pomadas neutras (como hipoglós) também ajuda a formar uma barreira contra a umidade; 4. O uso de um posicionamento adequado, o uso de técnicas corretas para transferência da cama para cadeira e mudanças de decúbito podem diminuir as feridas causadas por fricção; o paciente precisa ser alçado ao ser movi- mentado e, nunca, ser arrastado contra o colchão; 5. Os pacientes precisam de adequado suporte nutricional; 6. A mudança de decúbito deve ser feita pelo menos a cada duas horas, se não houver contra-indicações relaciona- das às condições gerais do paciente; um controle horário por escrito deve ser feito para evitar esquecimentos; 7. Travesseiros ou almofadas de espuma devem ser usados para manter as proeminências ósseas (como as dos joe- lhos) longe de contato direto uma com a outra; os calcanhares devem ser mantidos levantados da cama usando um travesseiro debaixo da panturrilha; 8. Quando o paciente ficar na posição lateral, deve-se evitar o apoio diretamente sobre o trocanter do fêmur; �� 9. A cabeceira da cama não deve ficar muito tempo na posição elevada para não aumentar a pressão nas nádegas, o que leva ao desenvolvimento da úlcera de pressão; 10. Se a pessoa ficar sentada em cadeira de rodas ou poltrona usar sempre uma almofada de ar, água ou gel, mas jamias aquelas almofadas que tem um orifício no meio (roda d´água ou pneu), pois elas favorecem o aumento da pressão e o início da ferida; 11. Usar aparelhos como o trapézio, ou o forro da cama para movimentar o paciente (ao invés de puxar ou arrastar); lembrar que o paciente normalmente não consegue ajudar durante a transferência ou nas mudanças de posição; 12. Usar um colchão especial para redução da pressão, como colchão de ar ou colchão d’água; o colchão caixa de ovo aumenta o conforto, mas não reduz a pressão; para os pacientes que já apresentam a úlcera de pressão, o adequado é o uso do colchão de ar ou água; 13. Evitar que o paciente fique sentado ininterruptamente em qualquer cadeira ou cadeira de rodas; os indivíduos que são capazes devem ser ensinados a levantar o seu peso a cada quinze minutos, aqueles que não conseguem de- vem ser levantados por outra pessoa ou levados de volta para a cama; 14. Diariamente deve-se examinar a pele da paciente na procura de escaras iniciais; se o paciente apresentar o início de uma escara, não deixar a pessoa sentar ou deitar sobre a região afetada e procurar descobrir a causa do proble- ma para que não se agrave; 15. Para tratamento da úlcera, normalmente é necessária uma avaliação multiprofissional do estágio da ferida; porém, em todos os casos, lavar somente com soro fisiológico ou água, não usar sabão, sabonete, álcool, mertiolate, mercúrio cromo, iodo ou povidine; não deixar o paciente deitado ou sentado sobre a ferida e verificar se a equipe multiprofissional da UTI está adotando as medidas de prevenção citadas. VI. ÚlCERAs GÁsTRICAs E DUODENAIs DE “sTREss” Os pacientes que se encontram em unidade de terapia intensiva apresentam elevado risco de sangramento gastro- intestinal, principalmente aqueles com patologias encefálicas. A profilaxia dessas lesões do trato digestivo alto pode ser não farmacológica (dieta oral precoce) e farmacológica (bloqueadores H2 e inibidores da bomba de prótons). As indicações de profilaxia farmacológica são: VM por insuficiência respiratória, HIC, instabilidade hemodinâmica, distúrbios da coagulação e história pregressa de hemorragia digestiva alta. Os bloqueadores H2 são melhores que sucralfate e são os agentes preferidos. Os inibidores da bomba de prótons não foram comparados diretamente com os bloqueadores H2 nos pacientes neurocríticos e, portanto, sua eficácia é desconhecida. Foi, no entanto, demons- trada uma equivalência entre as duas drogas na capacidade de aumentar o pH gástrico. Seguem algumas recomen- dações da utilização da profilaxia de úlceras de estresse: 1. Pacientes com queda abrupta do hematócrito ou hemoglobina são mais propensos à complicação; 2. Não existe necessidade da profilaxia em pacientes com alimentação via oral; 3. Pacientes com alimentação abaixo do piloro devem realizar profilaxia; 4. Bloqueadores H2 são a droga de escolha, sendo os bloqueadores da bomba de prótons reservados para episódios de sangramento ou como no ítem 01; 5. A ranitidina pode elevar a concentração plasmática de: amoxacilina, diltiazen, midazolan, warfarin, teofilina, e fenitoína; 6. O omeprazol pode elevar a concentração de: ampicilina, carbamazepina, claritromicina, diazepan, fenitína e midazolan; 7. O clearence de creatinina deve ser medido, pois interfere na concentração da ranitidina, cimetidina e famotidina. O omeprazol não tem a concentração alterada. �� VII. HIDRATAÇãO E NUTRIÇãO O paciente neurocrítico deve ser mantido sempre com a volemia ideal, isto é, devemos evitar a desidratação, pois ela propicia hipoperfusão cerebral, aumento do risco de vasoespasmo em determinadas situações, além de outras complicações sistêmicas. A hidratação deve ser feita preferencialmente com cristalóides e deve ser guiada tanto pela clínica do paciente, como pela utilização de monitoração hemodinâmica, e acompanhamento de diurese horária, que serãomelhor elucidados abaixo. A reposição volêmica do paciente neurocrítico deve começar rapidamente, não havendo necessidade de se aguardar a internação na UTI. Devem ser usadas alíquotas de 500 a 1000 ml de cristalói- des ou 300 a 500 ml de colóides a cada 30 minutos, repetidas ou não, com base na resposta satisfatória ou evidência clínica de hipervolemia. O lactato sérico elevado é o melhor indicador de hipoperfusão cerebral em pacientes nor- motensos. Durante as primeiras seis horas de reposição volêmica, os objetivos a serem alcançados são: • PVC entre 8 e 12 mmHg e entre 12 e 15 mmHg para pacientes sob VM • PAM > 80 mmHg • Débito urinário ≥ 0,5 ml/kg/h • SvO2 (veia cava superior, no cateter de PVC ou mistura venosa, no CAP) ≥ 70% Se esses objetivos não forem alcançados em 6 horas de reposição volêmica, então deve-se transfundir concentrado de glóbulos para atingir um hematócrito ≥ 30% e/ou infundir dobutamina até o máximo de 20 µg/kg/min até se alcançarem os objetivos acima descritos. A nutrição deve ser a mais precoce possível. Como o paciente neurocrítico geralmente apresenta-se com o sensório diminuído, dá-se preferência pela via enteral, que tende a diminuir o risco de translocação bacteriana e a possibilidade de infecção. Em relação ao tipo de dieta utilizada, a recomendação é que se evite o uso de carboidratos em demasia, pois isto acarreta uma produção elevada de CO2, interferindo grandemente no fluxo cerebral e no pH intravascular. No mais não há maiores recomendações, pois o paciente raramente apresenta-se desnutrido, visto que, na maioria das vezes, nossas patologias são agudas. Porém, em situações em que ocorre agravamento do quadro clínico, motivado por infecções ou por complicações da doença de base, devemos avaliar cada caso e a decisão deve ser individualizada. VIII. DIsTÚRBIOs ÁCIDO-BÁsICOs E HIDROElETROlÍTICOs Os distúrbios ácido-básicos são importantes no paciente neurocrítico, porque eles modulam uma das propriedades próprias da vasculatura cerebral, a vasoreatividade ao PaCO2. Portanto, é muito importante que o pH seja mantido em seus valores normais e a PaCO2 entre 35 e 40 mmHg. Maiores detalhes no capítulo 2, Fisiologia e Metabolismo Cerebral. Durante a condução e evolução do paciente neurocrítico, o aparecimento de distúrbios hidroeletroíticos é freqüente e a sua interpretação e manuseio são de grande importância. sódio O sódio é o íon mais importante e fundamental na manutenção do volume intravascular. Suas variações influen- ciam grandemente o funcionamento do sistema nervoso central e o controle da água e volumes encefálicos. Hiponatremia A hiponatremia é o distúrbio mais comum, sendo a hipernatremia menos freqüente. A hiponatremia dilucional é a forma mais comum deste distúrbio, geralmente causada por diminuição da excreção de água ou iatrogenia (excessos de infusão de volume). Suas manifestações iniciais são inespecíficas, podendo pas- sar despercebidas por serem discretas, como delirium, confusão, sonolência, e cefaléia. Com a progressão, ocorrem náusea, vômitos, e, de acordo com a diminuição do nível sérico, pode-se evoluir para insuficiência respiratória, convulsão, coma e até morte por herniação cerebral. Os sinais e sintomas aparecem com Na sérico abaixo de 125 �0 mEq/L, e, quanto mais rápida a queda dos valores, maior será a sintomatologia, devido à instalação de edema cere- bral. Quando a instalação da hiponatremia é crônica, ela é melhor tolerada, e apresenta sintomas somente quando os valores encontram-se abaixo de 110-115 mEq/L. Outras causas importantes de hiponatremia no paciente neurocrítico são a secreção inapropriada de hormônio an- tidiurético (SIADH) e síndrome cerebral perdedora de sal (SCPS). A explicação mais tradicional para a hiponatre- mia após lesões encefálicas é a SIADH, entretanto ela não é tão freqüente. Como a restrição hídrica é o tratamento de escolha para SIADH e esse tratamento pode provocar vasoespasmo e produzir isquemia, o que é absolutamente indesejável aos nossos pacientes, devemos estar atentos para fazer com precisão o diagnóstico diferencial entre SIADH e SCPS. A CSPS é comum no paciente neurocrítico e pouco diagnosticada; seu tratamento é diametral- mente oposto e consiste na hidratação e reposição do Na perdido. Portanto, precisamos melhorar nossa acurácia diagnóstica e tratar corretamente nossos pacientes com hiponatremia. A SIADH foi descrita por Schwartz e colaboradores em 1957, quando foi entendido que o ADH é um peptídeo liberado pelo hipotálamo em resposta às alterações da osmolaridade: se a osmolaridade sérica aumenta, aumenta a secreção de ADH e aumenta a absorção de água pelo rim; ao contrário, se diminui a osmolaridade sérica, diminui a secreção de ADH e diminui a absorção de água pelo rim. Assim, a liberação excessiva de ADH nessa síndrome pro- duz hiponatremia dilucional. A lesão encefálica dos nossos pacientes neurocríticos causaria, portanto, um reajuste (“downregulation”) dos osmorreceptores, levando à liberação de ADH com níveis mais baixos de osmolaridade. Resumindo, a SIADH é um estado hipervolêmico e seu tratamento é a restrição de líquidos. A SCPS foi descrita por Cort em 1950. Ela é uma explicação menos tradicional para a hiponatremia de nossos pacientes com lesão encefálica, mas provavelmente é mais freqüente que a SIADH (principalmente nas hiponatre- mias mais tardias, que ocorrem no final da primeira semana e durante a segunda semana após a agressão ao SNC). O peptídeo natriurético cerebral (BNP) e/ou o peptídeo natriurético atrial (ANP) aumentam sua concentração e levam primariamente a um aumento na excreção renal de sódio, causando hiponatremia e depleção do fluido ex- tracelular. O BNP e o ANP são hormônios primariamente excretados pela parede ventricular e atrial, mas também podem ser secretados pelo cérebro. Em condições normais, sua secreção é estimulada por aumento do volume e/ou da pressão das câmaras cardíacas e eles tem propriedades natriuréticas, vasodilatadoras e de inibição da aldoste- rona. Em condições normais, o BNP não atravessa a BHE e, talvez isso aconteça na HSA e em outras condições em que haja lesão da BHE, situações comuns em nossos pacientes neurocríticos. Resumindo, a SCPS é um estado hipovolêmico e hipontrêmico e seu tratamento é a administração de sódio e água. De acordo com a avaliação clínica, e para fins de abordagem terapêutica, a hiponatremia é classificada em hipo, hiper ou normovolêmica. O tratamento se dá de acordo com a instalação do distúrbio, se é agudo e grave, com sintomatologia importante, deve-se repor imediatamente com solução salina 3%, se a instalação é crônica ou com sintomatologia frustra, a reposição deve ser mais lenta e guiada pela melhora dos sintomas. O importante é que a reposição não deve ultrapassar 8-10 mEq/L/dia, e o aumento no valor de sódio sérico não deve ultrapassar 10-12 mEq/L em 24 horas, pelo risco de mielinólise pontina. A reposição deve ser acompanhada ou de oferta volêmica com solução salina ou com restrição hídrica, de acordo com a causa da hiponatremia. Cada perda de 1 mEq/L de sódio equivale a uma queda de 1,7 mmHg na pressão arterial intravascular. Hipernatremia A hipernatremia apresenta grande correlação com o nível de desidratação. As causas mais comuns são desitrata- ção e diabetes insipidus. Além de hipovolêmicos, os pacientes encontram-se sonolentos, agitados, confusos, e com tremores. Em casos mais severos pode haver crises convulsivas, e o coma pode advir quando a osmolaridade sérica passa de 350 mOsm/L. A hipernatremia não pode isoladamente acarretar danos neurológicos, dependendo para isso da causa básica, porém em casos com hipernatremia severa, acima de 160 mEq/L, a mortalidade se eleva. O tratamento da hipernatremia se dá com a administração de água livre ou solução glicosada a 5% ou solução salina 0,45%, objetivando a diminuição gradativado sódio. Nos casos comprovados de diabetes insipidus, a va- sopressina deve ser utilizada. O dDAVP tem disponível uma solução de uso nasal, bastante prática, que deve ser �� administrada na dose de 10 µg intra-nasal, com duração do efeito de 12 a 24 horas. Existem formulações de 100 µg/mL, com embalagens de 2,5 e 5,0 mL. Há também a vasopressina aquosa (Pitressina 20 U/mL), administrada tanto na forma IV (na dose de 1,6 a 2,0 mU/kg/h) quanto na forma SC (5 a 10 U SC cada 4 ou 6 horas). Potássio Íon de grande importância, com 99% de seu total no espaço intracelular. Os níveis séricos são mantidos sob rígido esquema de regulação, através da bomba de sódio e potássio, da secreção de insulina, do equilíbrio ácido básico, e do próprio nível de potássio sérico. A participação renal é importantíssima, visto que grande parte de sua excreção e absorção ocorre na porção distal do túbulo renal, tendo ainda participação da aldosterona e da hipercalcemia, que regulam a sua excreção. A hipocalemia se define como valores abaixo de 3,5 mEq/L, porém o grande volume de potássio intracelular pode regularizar rapidamente, e mascarar uma grave hipopotassemia. A investigação dos níveis de potássio deve ser sempre acompanhada pela verificação do pH intravascular. A hipopotassemia pode ser causada por ingesta dimi- nuída, perda excessiva, hipomagnesemia, hiperinsulinemia, acidose, cetoacidose, e hipotermia. Os sintomas da hi- pocalemia raramente ocorrem com valores maiores que 3,0 mEq/L. São fraqueza, cãimbras, paralisias, parestesias, insuficiência respiratória, arritmias, distúrbios da repolarização, e alcalose metabólica. O tratamento pode ser via oral, quando não houver sintomatologia ou se os valores séricos não forem muito baixos. A reposição endovenosa pode ser feita de diversas maneiras, porém o importante é que a velocidade de infusão não ultrapasse 0,5 mEq/kg/ h. Existem várias maneiras de se estimar a quantidade de potássio sérico depletado, porém o mais importante é se determinar os valores séricos periodicamente durante a reposição. Isto porque, devido à grande quantidade de potássio intracelular, a hipopotassemia pode ser rapidamente revertida. A hipercalemia é definida como valores séricos acima de 5,0 mEq/L. Pode ocorrer devido à administração exces- siva, lise celular, insuficiência renal, hipovolemia, drogas, e acidose metabólica. Os sintomas mais freqüentes são parestesias, cãimbras, hiperreflexias, hipoventilação, arritmias, distúrbio de repolarização, ondas T apiculadas, e QRS alargado. Quando ocorrerem distúrbios de condução, estamos diante de emergência médica e devemos rapi- damente recuperar a estabilidade da membrana celular através da administração intravenosa de 1 g de gluconato de cálcio, em 10 minutos, e uso de solução polarizante (100g de glicose com 10 UI de insulina regular). Outras opções terapêuticas são o uso de bicarbonato de sódio, diurético de alça intravenoso, e hemodiálise. Cálcio Íon de grande importância, o cálcio participa de inúmeros processos intra e extracelulares, principalmente contra- ção muscular, transmissão de impulsos nervosos, e a coagulação, entre outros. Cerca de apenas 0,1% do total de cálcio corpóreo tem relevância clínica, o chamado cálcio iônico plasmático; o restante do cálcio plasmático encon- tra-se ligado à albumina, e a outras globulinas. As decisões clínicas devem basear-se nos valores do cálcio iônico, porém, se não houver disponibilidade de sua medida, pode-se utilizar o cálcio plasmático correlacionado ao valor da albumina para cálculo estimado. A cada 1g/dL de aumento ou diminuição da albumina, o valor do cálcio se alte- ra em 0,8 mg/dL, proporcionalmente. É importante lembrar da importância do paratormônio (PTH) e da vitamina D na manutenção e controle do cálcio corpóreo. A hipocalcemia é definida com cácio iônico abaixo de 1,1 mmol/L ou total abaixo de 8,5 mg/dL. Apresenta-se em situações de deficiência de vitamina D, diminuição da ação do PTH e aumento do seqüestro de cálcio. Geralmente é assintomática e predispõe ao aparecimento de arritmias e hipotensão. Os sintomas iniciais são hiperexcitabilidade, convulsão, hiperreflexia, fraqueza muscular, e letargia. O tratamento consta de reposição rápida, 100 a 200 mg de gluconato de cálcio em 10 minutos, seguida de infusão contínua de 10 mg/kg a cada 6 horas, até que se alcance a normalização dos valores. A hipercalcemia define-se com cálcio iônico acima de 1,3 mmol/L ou total acima de 11 mg/dL, e está geralmente as- sociada à desidratação, sendo causada por hiperparatiroidismo primário, distúrbios endocrinológicos e neoplasias. Pode ter manifestações múltiplas, como letargia, hiporreflexia, confusão mental, fraqueza muscular, constipação, �� hipertensão arterial e arritmias. O tratamento tem por objetivo interromper o mecanismo de reabsorção do cálcio no túbulo contorcido proximal e na alça ascendente de Henle. Recomenda-se: 1. hidratação generosa com solução salina 0,9% visando balanço hídrico de 2000 ml; 2. Diurético de alça; 3. Pamidronato 60 – 90 mg EV; 4. Corticóides, 20 a 60 mg de predinisona, 2 vezes ao dia, principalmente em casos de neoplasia. 5. Fosfato. Fósforo Cerca de 80% do fósforo plasmático encontra-se na sua forma livre no plasma, fazendo com que a albumina te- nha pouca influência na sua medição. A hipofosfatemia é definida por valores menores que 2,5 mg/dL e pode ser causada por alcalose respiratória, hiperglicemia, diminuição da absorção intestinal, ou por aumento das perdas (hiperparatiroidismo, alcalose metabólica e TCE). Os sintomas, na sua maioria, ocorrem devido à diminuição do 2-3 DPG, que diminui o ATP intracelular e a oferta de oxigênio aos tecidos, por desviar a curva de dissociação da hemoglobina para a esquerda. Os sintomas são variados, com irritabilidade, confusão, náuseas, estupor, coma, convulsão, parestesia, e hipoventilação (desmame difícil). O tratamento consta da reposição do eletrólito, por via oral quando moderada e não sintomática e endovenosa quando sintomática. A reposição deve girar em torno de 2,5 mg de fósforo/Kg, em solução salina a 0,9%, devendo ser mantida até se atingir um nível sérico de 1,75 a 2,0 mg/dL. Pacientes com hipofosfatemia geralmente apresentam deficiência de potássio e magnésio, devendo, portanto, se verificar também estes eletrólitos. A hiperfosfatemia ocorre quando o fósforo encontra-se acima de 4,5 mg/dL, e pode ser causada por lise tumoral, rabdomiólise, aumento da absorção intestinal, piora da função renal, hipoparatiroidismo, e hipovolemia. Os sinto- mas geralmente são os mesmos da hipocalcemia, que geralmente acompanha o distúrbio do fósforo. O tratamento deve ser feito com restrição de fósforo na dieta e aumento de sua excreção, utilizando-se diurese salina. Magnésio O magnésio, assim como o cálcio, apresenta boa parte da sua concentração ligada à albumina, tendo, portanto, seu nível sérico diretamente relacionado a ela. Considera-se como hipomagnesemia valores abaixo de 1,7 mg/dL ou 1,3 mEq/L. Grande parte dos sintomas estão condicionados a hipopotassemia e hipocalcemia associadas. A hipomag- nesemia leva ao hiperaldosteronismo hiperreninêmico, acarretando hiperpotassemia e diminuição da liberação do PTH, com conseqüente hipoparatiroidismo e hipocalcemia. Outra alteração comum são as arritmias, que ocorrem devido à perda do potencial de estabilização de membrana, normalmente gerado pelo magnésio. Os sintomas são letargia, estupor, coma, tremores, hiperreflexia, convulsões, sinais de Chevostek e Trousseau, taquiarritmias, e vaso- espasmo. O tratamento pode ser por via oral, quando não existe sintomatologia. Quando houver hipomagnesemia grave ou sintomatologia, o tratamento deve ser intravenoso, com reposição de 2 a 4 g de MgSO4 em 20 minutos, e depois manter a reposição diária de acordo com o nível sérico. A hipermagnesemia é definida comníveis séricos acima de 2,7 mg/dL, e os sintomas raramente ocorrem com valo- res abaixo de 4,0 mg/dL. Os sintomas são letargia, hiporreflexia, bradicardia, e bradipnéia, O tratamento envolve pronta ação perante as alterações cardio-respiratórias, hidratação salina generosa, diuréticos de alça e gluconato de cálcio a 10%. IX. sONDAs E CATETEREs O paciente neurocrítico, devido à sua gravidade e complexidade, permanece na unidade de terapia intensiva por tempo prolongado, necessitando de monitoramento completo: diurese, catéter venoso central, monitoração da pressão intracraniana, saturação venosa de bulbo jugular (SjO2), sensor de temperatura intracerebral e da PIC, �� pressão arterial invasiva, drenagem ventricular externa, ventilação mecânica e monitoração hemodinâmica com ca- teter de Swan Ganz, entre outros. Como se pode observar, este grande número de cateteres e sondas são instalados no paciente com o objetivo de monitorá-lo, porém, com a presença deles, o risco de infecção aumenta muito. Por- tanto é fundamental a atenção com a sua manipulação e, assim que possível, a retirada precoce deve ser estimulada. Obviamente, a infecção, assim como as tromboses e isquemias, também relacionadas ao uso de sondas e cateteres, pioram o prognóstico do paciente neurocrítico. X. AlTERAÇÕEs CARDIOVAsCUlAREs Lesões cerebrais graves podem acarretar importantes alterações secundárias no sistema cardiovascular, inclusive naqueles pacientes sem cardiopatia prévia. A explicação para estes eventos pode estar no aumento do tônus simpá- tico ou nas disautomias decorrentes do dano cerebral. Resumimos as alterações em arritmias, isquemia miocárdica, hipertensão arterial e edema pulmonar neurogênico. Várias arritmias são descritas em associação com lesão cerebral aguda, como taquiarritmias, fibrilação e flutter atrial, e extra-sístoles ventriculares e atriais. Comumente observamos distúrbios inespecíficos de repolarização como desnivelamentos do segmento ST, inversão ou achatamento de onda T, QT longo, ondas U, entre outras alte- rações. A presença de arritmias parece piorar o prognóstico dos pacientes neurológicos, provavelmente por levarem a baixo fluxo cerebral, porém, aparentemente, quanto pior o quadro neurológico, pior a arritmia. Este fenômeno se dá provavelmente pelo aumento do tônus simpático. A hemorragia subaracnóidea é a patologia dos pacientes neurocríticos que apresenta maior correlação com as arritmias. Para tratamento, veja os apêndices do ACLS. A isquemia miocárdica, manifestada através de alterações eletrocardiográficas, pode aparecer em até 70% dos casos de hemorragia subaracnóidea, podendo ou não vir acompanhada de alterações enzimáticas. Estas alterações ten- dem a se normalizar em duas semanas, pois a maioria dos pacientes com evento neurológico não apresenta lesão em artérias coronárias. O tratamento fica bastante limitado devido à presença do evento neurológico, pois, nestas situações, o uso de trombolíticos está contraindicado, sendo então realizadas apenas medidas de suporte. Outras alterações podem estar presentes, como hemorragias no endocárdio e no miocárdio, porém elas são menos freqüen- tes. O motivo do aparecimento destas alterações é a grande liberação de catecolaminas como resposta metabólica ao trauma neurológico ocorrido. O edema pulmonar neurogênico é outra alteração relativamente freqüente e de difícil diagnóstico, visto a sua gran- de semelhança com outras patologias como edema pulmonar cardiogênico, tromboembolismo pulmonar, SARA, e pneumonia aspirativa. A provável explicação para esta complicação é o aumento da permeabilidade capilar pulmonar durante o trauma neurológico, quando há liberação de mediadores inflamatórios e ocorre hipertensão pulmonar tran- sitória durante a descarga simpática. O edema pulmonar neurogênico costuma ser observado pouco após a lesão do sistema nervoso central (em minutos), mas também pode ocorrer mais tardiamente. Freqüentemente, a monitoração hemodinâmica se faz necessária para a realização de diagnóstico diferencial e tomada de decisão terapêutica. Por último, citamos a hipertensão arterial, que decorre dos mesmos mecanismos relacionados anteriormente. Talvez seja a menos grave de todas as complicações, pois salvo nas elevações extremas da pressão arterial, geralmente o que ocorre é uma tentativa do organismo de manter boa perfusão cerebral. Isto acontece bem claramente nos casos de sangramento cerebral, que cursam com hipertensão intracraniana, onde a manutenção da pressão arterial elevada é uma medida terapêutica, o que é chamado de reflexo de Cushing. A hipertensão tende a desaparecer em cerca de duas semanas, com a pressão arterial voltando a seus patamares prévios. É de grande importância que tenhamos em mente que, quando ocorrer sangramento cerebral ainda não tratado, aneurisma não clipado, por exemplo, devemos evitar grandes elevações pressóricas, pois estas podem levar a novo sangramento. Nesses casos, mantêm-se a pressão arterial média abaixo de 100 mmHg, com a pressão sistólica abaixo de 160 mmHg. Nos casos de hemorragia intra parenquimatosa e AVE isquêmico, podemos ser mais maleáveis, mantendo a pressão arterial sempre abaixo de 220 x 120 mmHg. Nos casos de TCE, não há indicação de diminuir a pressão arterial, principalmente naqueles que cursam com hipertensão intracraniana. O tratamento deve ser realizado com drogas de meia vida curta e de fácil manuseio, como o nitroprussiato de sódio. O uso do beta bloqueador intravenoso, nesses casos, também está bem indicado. �� �� Capítulo 4 Abordagem do paciente em coma O termo coma deriva da palavra grega “koma”, que significa sono profundo, e descreve uma situação clínica de inconsciência com extrema irresponsividade, durante a qual o paciente é incapaz de reagir ao ambiente. O estado de coma é o comprometimento mais grave da consciência. A consciência tem dois componentes princi- pais: conteúdo e despertar. Eles têm substratos anatômicos diferentes, o conteúdo localizado difusamente no córtex cerebral e o despertar dependente dos neurônios da substância reticular ativadora ascendente (SRAA), localizada no tronco cerebral. As lesões corticais localizadas acarretam perda de uma ou algumas funções cerebrais, mas não levam ao coma. O comprometimento cortical bilateral ou difuso é necessário para a perda completa da consciência. O maior papel da SRAA é despertar e manter o córtex alerta e capaz de interpretar e reagir aos estímulos ambientais. Desta forma, um paciente pode perder a consciência por dois mecanismos diferentes: comprometimento difuso do córtex cere- bral ou lesão da SRAA no tronco cerebral. O estado de coma situa-se num extremo das alterações do nível de consciência. Dependendo do seu conteúdo e da capacidade de despertar, o nível de consciência pode ser classificado desde o estado acordado e alerta até o estado de coma, passando pelos estados de sonolência, obnubilação e torpor (tabela 1). CLASSIFICAÇÃO DO NÍVEL DE CONSCIÊNCIA Alerta Acordado e com resposta adequada às perguntas Sonolência ou Letargia Sonolento, acorda ao chamado e responde às perguntas normalmente Obnubilação Sonolência mais profunda, responde às perguntas com voz alta e/ou após estímulo moderado (balançar) Torpor ou Estupor Sonolência profunda, responde parcialmente somente a estímulo doloroso (abre olhos, emite grunhidos) Coma Não abre os olhos nem emite sons verbais sob estímulo verbal ou doloroso Tabela 1. Classificação do nível de consciência As causas que podem levar um paciente ao coma podem ser classificadas como metabólicas, supratentoriais e infratentoriais. As causas metabólicas levam ao coma por causar uma disfunção ou injúria neuronal cortical difusa (tabela 2). A maioria destas causas pode ser reversível ou não dependendo da intensidade da disfunção ou da injúria neurológica acarretada. As causas supratentoriaise infratentoriais que causam coma são pra- ticamente as mesmas. As lesões infratentoriais causam coma por acarretarem distúrbio direto no funciona- mento dos neurônios da SRAA, seja por lesão direta ou por compressão e isquemia. As lesões supratentoriais só levam ao estado de coma se produzirem um comprometimento difuso dos dois hemisférios cerebrais. Em geral, este comprometimento pelas lesões supratentoriais decorre de 2 mecanismos: aumento da pressão intra- craniana e/ou herniação cerebral. O aumento da pressão intracraniana pode causar uma diminuição crítica da pressão de perfusão cerebral (ver capí- tulo de hipertensão intracraniana) e isquemia difusa. As síndromes de herniação cerebral geralmente cursam com aumento da pressão intracraniana e podem contribuir para o coma por causar distorção, isquemia e hemorragia de extensos territórios encefálicos. �� CAUSAS DE COMA LESÕES ENCEFÁLICAS DIFUSAS (“METABÓLICAS”) Intoxicação exógena • sedativos, alcool, drogas de abuso, venenos Alterações metabólicas • glicemia, sódio, PaCO2 Insuficiências orgânicas • renal, hepática, tireóide Isquemia cerebral difusa, hipoxemia Trauma craniencefálico Meningite, menigoencefalite Crise epiléptica Hipotermia ou hipertermia LESÕES SUPRATENTORIAIS Infartos cerebrais Hemorragias cerebrais Contusão cerebral, hematomas Tumores ou abscessos cerebrais Hidrocefalia LESÕES INFRATENTORIAIS Infartos de tronco ou cerebelo Hemorragias de tronco ou cerebelo Contusão, hematomas Tumores ou abscessos Tabela 2. Causas de coma Os neurônios corticais são muito sensíveis a uma grande variedade de alterações metabólicas ou tóxicas, como, por exemplo, hipoxemia, hipercapnia, hiponatremia, hipernatremia, hipoglicemia, hipotermia, hipotensão arterial, drogas, etc., enquanto o tronco cerebral é mais resistente a estes mesmos estímulos. Portanto, causas metabólicas tendem a comprometer muito mais precocemente o córtex cerebral que o tronco encefálico. O EXAME DO PACIENTE EM COMA O coma é uma condição clínica freqüentemente encontrada na prática clínica e somente algumas vezes sua causa é evidente. Entretanto, muitas vezes a etiologia não é conhecida, mas um exame neurológico sistematizado pode levar ao diagnóstico correto. a) Exame geral: o exame inicial do paciente em coma obrigatoriamente começa com a avaliação das condições respiratórias e hemodinâmicas gerais. Antes de prosseguir no exame neurológico, o paciente em coma deve estar ventilando, oxigenando e perfundindo adequadamente. Da mesma forma, medidas para garantir uma via aérea pa- tente, com boa ventilação e oxigenação e perfusão sistêmica adequada devem estar sendo tomadas concomitante ou prioritariamente ao exame neurológico. O exame neurológico do paciente em coma deve ser realizado na seguinte seqüência: nível de consciência (aplicação da escala de Glasgow), padrão da respiração, tamanho e reatividade da pupila, movimento dos olhos e resposta motora. b) Respiração: vários padrões anormais da respiração são conhecidos. A respiração periódica ou Cheyne-Stokes é caracterizada por períodos de aumento na freqüência e na profundidade da respiração, intercalados com períodos de respiração mais lenta e superficial até sua parada completa (apnéia), a qual dura de poucos até trinta segundos. Disfunções cerebrais difusas metabólicas ou lesões cerebrais supratentoriais são as causas mais freqüentes. Na hiperventilação neurogênica central a respiração é rápida, profunda e regular. Este padrão geralmente identifica lesões mesencefálicas ou pontinas altas. A respiração apnêustica é caracterizada por uma fase inspiratória lenta seguida de uma fase expiratória rápida e aparece nas lesões da ponte. E a respiração atáxica é completamente irre- gular com períodos de respiração normal ou hiperventilação, intercalados por períodos de apnéia. c) Pupilas: uma resposta pupilar normal à luz indica que o nervo óptico e as vias simpáticas e parassimpáticas que �� governam a atividade pupilar estão intactas. Em geral, as condições metabólicas não alteram a função pupilar até estágios muito avançados. Algumas exceções são pupilas puntiformes e reativas nas intoxicações opióides e pupilas dilatadas e fixas nas intoxicações anticolinérgicas (p.ex. atropina). Uma lesão do III par (n. óculo-motor) acarreta dilatação pupilar não reativa à luz. Este é um sinal importante nas lesões supratentoriais porque indica uma prová- vel hérnia temporal com compressão do III par ipsilateral. As lesões mesencefálicas podem apresentar pupilas na posição média e não reativas à luz. As lesões pontinas bilaterais acarretam pupilas puntiformes. d) Movimento dos olhos: o movimento dos olhos pode ser observado com a rotação rápida da cabeça para um lado e para o outro, e o movimento da cabeça para cima e para baixo. No paciente comatoso os olhos devem se mover para o lado oposto ao do movimento da cabeça (reflexo óculo-cefálico). Quando a cabeça é mantida na posição neutra, os olhos devem rapidamente retornar à posição de repouso. Desvios conjugados dos olhos ocorrem por lesões do SNC. Nas lesões destrutivas hemisféricas os olhos são desvia- dos para o lado da lesão (contrário à hemiplegia). Lesões hemisféricas irritativas desviam os olhos para o hemisfé- rio cerebral sadio. As lesões destrutivas do tronco cerebral podem desviar os olhos para o lado contrário da lesão e para o lado da hemiparesia. Desvio conjugado para baixo e persistente pode aparecer nas lesões mesencefálicas. Durante o teste do reflexo óculo-cefálico, uma falha na abdução de um olho é indicativa de lesão no n. abducente do mesmo lado e uma falha na adução sugere o envolvimento do fascículo longitudinal medial também do mesmo lado. Informações adicionais a respeito do movimento dos olhos podem ser obtidas com o teste calórico. Nos pacientes inconscientes, o estímulo com água gelada é seguido pelo desvio tônico dos olhos para o lado irrigado, desde que a função do tronco cerebral esteja íntegra (reflexo óculo-vestibular). O reflexo óculo-vestibular é pesquisado injetan- do 5 a 10 ml de água gelada no canal auditivo externo (o qual deve estar desobstruído) com o paciente na posição supina e a cabeça fletida a 30o. e) Resposta motora: a resposta motora deve ser estimulada com dor no paciente em coma (beliscão na região cer- vical, roçar das articulações interfalangeanas no osso esterno ou estímulo doloroso nos membros). Toda a resposta motora pode estar inibida no coma profundo. Nos comas mais superficiais, qualquer resposta deve ser observada e anotada. Se um lado do corpo não se move ou se move nitidamente menos, uma hemiparesia é diagnosticada. Uma flexão dos membros superiores acompanhada de extensão dos membros inferiores é característica da atitude de decorticação e é indicativa de lesões no nível mesencefálico. E uma resposta com extensão dos membros superiores e inferiores é característica da atitude de descerebração e é um sinal de lesões pontinas. TRATAMENTO DO PACIENTE EM COMA Desde que a causa do coma pode rapidamente levar à lesão cerebral grave e irreversível (p.ex. hipoglicemia, hiper- tensão intracraniana, herniação cerebral, meningite, etc.), as abordagens diagnósticas e terapêuticas iniciais devem ser realizadas concomitantemente! O primeiro passo na abordagem de um paciente em coma é assegurar as funções vitais com o ABC de qualquer emergência médica, assegurando uma via aérea aberta, uma ventilação e oxigenação adequadas e uma boa cir- culação do sangue com perfusão cerebral e sistêmica otimizadas. Em todo paciente em coma, uma possível lesão cervical deve ser sempre presumida e uma proteção da coluna cervical deve ser instituída rotineiramente em todos os pacientes e somente retirada após certeza do seu não comprometimento. A abertura e proteção das vias aéreas nos pacientes em coma geralmenteexigem uma intubação orotraqueal. Aspi- ração brônquica é um problema comum nestes pacientes e é uma razão para a proteção das vias aéreas. Além disso, estes pacientes devem ter um controle da PaCO2, já que hipercapnia causa vasodilatação cerebral e pode aumentar perigosamente a PIC e a hipocapnia causa vasoconstrição, podendo acarretar isquemia cerebral global ou em áreas susceptíveis. Rapidamente deve-se iniciar também o controle do sistema circulatório e a manutenção de uma PAM mínima ao �� redor de 80 mmHg (PPC maior que 60 mmHg após conhecimento da PIC). Um acesso venoso calibroso deve ser instituído e uma amostra de sangue para exames de rotina deve ser prontamente colhida. Hipotensão arterial deve ser prontamente tratada com fluídos e vasopressores. Hipertensão arterial deve ser cuidadosamente avaliada. Pa- cientes com hipertensão intracraniana frequentemente têm hipertensão arterial reflexa para manutenção da pressão de perfusão cerebral, e uma diminuição rápida desta hipertensão pode acarretar isquemia e piora da lesão cerebral. Hipoglicemia deve ser uma preocupação constante no início da abordagem de qualquer paciente em coma. Se uma glicemia capilar não puder ser imediatamente obtida (e hipoglicemia afastada), o paciente deve receber um bolus de 25 a 50 g de glicose IV com 100 mg de tiamina (para profilaxia da encefalopatia de Wernicke), após a coleta de sangue para o laboratório. Os exames iniciais propostos para pacientes em coma sem uma causa definida são: hemograma, glicemia, uréia e creatinina, eletrólitos e gasometria arterial. Posteriormente, e somente quando houver suspeita clínica, avaliação da função hepática e da tireóide, coleta de culturas, exame do líqüor, coagulograma, exames toxicológicos, etc. devem ser solicitados na dependência de cada caso. A avaliação clínica, após a instituição do ABC e da estabilização das funções vitais do paciente, deve incluir a his- tória clínica, o exame físico geral e o exame neurológico. Na história clínica devem-se ressaltar dados sobre trauma, epilepsia anterior, medicações, drogas e álcool em uso e diabetes mellitus, entre outros. Também é útil conhecer sintomas e sinais imediatamente antes do coma (paresia, ce- faléia, febre, etc.) e o modo de instalação da perda de consciência. Uma instalação súbita sugere etiologia vascular ou epilepsia, enquanto uma instalação aguda ou insidiosa sugere uma causa metabólica ou infecciosa. O exame físico geral deve focar nas alterações vitais e na procura de sinais clínicos de doença sistêmica (doença hepática ou endócrina, infecção, trauma, etc.). E o exame neurológico deve enfatizar os elementos já descritos: nível de consciência através da escala de Glasgow, padrão respiratório, exame das pupilas, reflexos de tronco e a resposta motora à dor. Embora estes 5 elementos sejam fundamentais para a análise inicial da causa do coma, vários outros elementos do exame neurológico também são importantes, como a avaliação dos reflexos e a busca de sinais menin- goradiculares (ver exame neurológico nos apêndices). A avaliação clínica auxilia a caracterização de um padrão de etiologia do estado de coma. A apresentação das lesões supratentoriais, infratentoriais e encefálicas difusas têm protótipos clínicos diferentes e estão descritos na tabela 3. PADRÕES ETIOLÓGICOS (tabela 3) LESÃO SUPRATENTORIAL • Hemiplegia contralateral, desvio ocular para a lesão cerebral • Respiração normal ou Cheyne-Stokes • Pupilas normais ou hérnia uncal e deterioração rostro-caudal • Outros reflexos de tronco normais LESÃO INFRATENTORIAL • Hemiplegia ipsilateral ou tetraparesia • Hiperpnéia ou respiração irregular • Alterações pupilares e reflexos de tronco alterados LESÃO ENCEFÁLICA DIFUSA (METABÓLICA) • Sem sinais de localização • Reflexos de tronco íntegros Tabela 3. Padrões etiológicos no exame do paciente em coma. Após esta avaliação clínica inicial, segue-se uma avaliação clínica seqüencial. Tanto para complementar a avaliação inicial, como pelo fato do paciente em coma ser bastante dinâmico, é fundamental revisar freqüentemente a ava- liação inicial e prosseguir na avaliação posterior. Assim, esta avaliação seqüencial inclui repetir frequentemente a avaliação inicial (revisar o ABC e o exame clínico e neurológico) e solicitar outros exames complementares. A revisão do ABC e dos exames clínico e neurológico visa certificar-se de que a otimização da ventilação, oxige- nação e perfusão estão em curso e que o paciente não apresenta piora neurológica (piora da consciência aferida �� pelo Glasgow, alterações pupilares, aparecimento de novos sinais motores, etc.). Todo paciente em coma deve, após estabilização do ABC, ser submetido a uma avaliação tomográfica para confirmar ou afastar as suspeitas clínicas. Outros exames poderão ser úteis neste momento também, como coleta de líqüor para avaliar suspeita de meningite e eletroencefalograma se houver suspeita de um estado de mal não-convulsivo. As alterações metabólicas, coagulo- patias e disfunções orgânicas devem ser prontamente corrigidas ou tratadas. HERNIAÇÕEs A presença de uma síndrome de herniação num paciente em coma torna esta situação de extrema emergência clínica. Poucos minutos podem ser suficientes para deixar um paciente com uma herniação cerebral com seqüela neurológica grave ou levá-lo ao óbito. Portanto, as síndromes de herniações devem ser prontamente suspeitadas e reconhecidas clinicamente (tabela 4). HERNIAÇÕES Sinais inespecíficos de PIC aumentada » Cefaléia » Náusea e vômitos » Bradicardia, hipertensão arterial e bradipnéia » Paralisia de pares cranianos, princ. do VI par » Papiledema (tardiamente) Hérnia de Uncus » Piora do nível de consciência » Midríase ipsilateral à lesão » Hemiplegia contralateral à lesão Hérnia Central » Piora do nível de consciência » Respiração de Cheyne-Stokes seguida de hiperpnéia » Pupilas médias e não reativas » Postura de decorticação seguida de descerebração Hérnia de Amígdalas » Piora do nível de consciência » Tetraplegia flácida » Irregularidade respiratória ou apnéia Tabela 4. Síndromes das herniações. Tão logo uma síndrome de herniação cerebral seja reconhecida, 3 condutas simultâneas devem ser tomadas: 1. Providencie uma consulta neurocirúrgica imediatamente. Geralmente, uma herniação decorre de uma lesão in- tracraniana com efeito de massa e uma neurocirurgia descompressiva é o tratamento definitivo; 2. Solicite e realize uma tomografia de crânio (TC) o mais rápido possível. É a TC que confirmará a lesão, que de- verá ser tratada cirurgicamente. Se isto se confirmar, Imediatamente após a TC o paciente deverá ir para o centro cirúrgico. Lembre-se que o paciente deve receber o ABC inicial antes de ser transferido para a TC. 3. Inicie um tratamento de emergência para controlar a hipertensão intracraniana: administre manitol 0,5 a 2,0 g/Kg em bolus e/ou instale uma hiperventilação otimizada para diminuir a PaCO2 para 25-30 mmHg. Os pacientes com herniação desenvolvem lesão neurológica secundária rapidamente e devem ter a PIC diminuída, mesmo sem que esta esteja sendo aferida acuradamente. Se tumor ou abscesso intracraniano for a provável etiologia da lesão primária, está indicado administrar dexametasona na dose de 10 mg IV e manter 4 mg IV de 4/4 h. REFERÊNCIAs: • Henry GL et al. Altered States of Consciusness and Coma. In: Henry GL et al. Neurologic Emergencies, 2nd ed. McGraw-Hill, 2003, p. 49-78 • Plum F and Posner JB. The Diagnosis of Stupor and Coma, 3rd ed. Philadelphia, FA Davis, 1982. �0 �� Capítulo 5 Monitoração geral do paciente neurológico grave OBJETIVOs 1. Rever os princípios dos sensores biológicos e monitores 2. Neuro-Check (exame neurológico seqüencial) 3. Salientar as indicações, complicações e interferências da oximetria de pulso e da capnometria 4. Reconhecer as limitaçõesdos medidores automatizados de pressão arterial 5. Rever as indicações de punção arterial, locais de punção e complicações 6. Rever os fatores determinantes do débito cardíaco e do transporte de oxigênio 7. Salientar as indicações e complicações de punções venosas profundas 8. Reconhecer as limitações da pressão venosa central como medida da pré-carga de ventrículo esquerdo e volume intravascular sistêmico 9. Conhecer e saber interpretar as informações obtidas a partir do cateter de artéria pulmonar e suas complicações I. INTRODUÇÀO Alguns pacientes em Terapia Intensiva, mesmo apesar de estáveis no momento da internação, têm o potencial de piorar rapidamente seu estado clínico. Nosso exemplo será uma senhora de 82 anos, admitida na Emergência por causa de febre, queda da pressão arterial e hemiparesia esquerda. Nesse capítulo mostraremos a necessidade da monitoração, pois as patologias em Terapia Intensiva são dinâmicas e a melhor tomada de decisão clínica só pode ser escolhida baseada nessas variações da monitoração. A Sra. Lolita tem 82 anos de idade, reside em uma clínica de idosos e foi transferida hoje ao Pronto Socorro por causa de uma hemiparesia esquerda aguda, pressão arterial baixa e febre. Já esteve internada em outras ocasiões e é uma diabética insulina-dependente, portadora de insuficiência cardíaca moderada. Ela é ativa na clínica, mas possui algum grau de limitação, devido a uma antiga osteoartrose. Ao exame de entrada, a paciente estava orientada, Glasgow 15, com temperatura = 39,3° C, pressão arterial = 95 x 64, freqüência cardíaca de 114 e respiratória de 18, eupneica. Os exames laboratoriais foram hematócrito de 39%, contagem de leucócitos de 18.000/mm3, com predominância de neu- trófilos (15% de bastonetes), e urina com leucocitúria e numerosas bactérias. Foi passada uma sonda vesical, colhidas uro e hemoculturas, prescritos antibióticos e 500 ml de soro fisiológico e a paciente foi internada na UTI. Essa paciente, embora estável no momento da internação, tem grande potencial de piorar seu estado clínico. Se a sua infecção do trato urinário progredir para uma resposta inflamatória sistêmica (SIRS), e um desequilíbrio entre o transporte e o consumo de oxigênio ocorrer, ela pode apresentar lesão neuronal secundária piorando seu quadro de isquemia cerebral e desenvolver insuficiência de múltiplos órgãos e sistemas (IMOS). Portanto, a monitoração dos sinais que possam mostrar essa evolução deve ser parte muito importante de seu plano de cuidados. II. PRINCÍPIOs GERAIs Os sinais vitais ou biológicos são as variáveis que tentamos monitorar com os sensores biomédicos. Esses sensores podem ser simples como os dedos do médico medindo o pulso do paciente, um termômetro medindo a temperatura ou o estetoscópio para ouvir os pulmões e o coração. Porém, os sensores/monitores também podem ser bem mais �� complexos, como o monitor multiparamétrico de beira de leito com circuito integrado, capaz de realizar complexos cálculos a partir de dados “on line” obtidos em tempo real do paciente ou o “doppler” de beira-de-leito. Entretanto, como regra geral, todo processo de monitoração, simples ou complexo, é regido pelos mesmos princípios e regras práticas: • Os sensores devem detectar o sinal com a devida acurácia. Variáveis fisiológicas, mecânicas, eletrônicas ou outras que afetem ou interfiram na acurácia devem ser controladas pela equipe de manutenção do hospital antes da inter- pretação dos dados para a correta tomada de decisão clínica. Monitores mais complexos geralmente incorporam um sensor primário acoplado a um amplificador de sinal, que por sua vez faz conexão com um processador eletrô- nico do sinal e uma tela. As variáveis interferindo em cada componente desses monitores mais complexos devem ser compreendidas pelo usuário. • Os sensores podem detectar e mostrar na tela as variáveis de maneira intermitente (por ex., temperatura a cada 4 horas, medidas de pressão arterial a cada 5 minutos, etc.) ou contínua. Idealmente, eles devem coletar os dados, processá-los e mostrá-los como uma curva de tendência ao longo do tempo. • Os monitores nunca são terapêuticos e, raramente são diagnósticos da razão que causou a mudança na tendência dos dados medidos. A informação proveniente do monitor contribui para a compreensão geral do médico ou da enfermeira, mas deve sempre ser interpretada em conjunto com todos os outros dados. • A relação custo-benefício de cada sistema de monitoração deve sempre ser apreciada. Estratégias de monitoração mais invasivas, como venosas centrais, artéria pulmonar ou artérias periféricas devem fornecer novos dados capazes de orientar modificações terapêuticas importantes para, de uma certa maneira, compensar os riscos substanciais que essas técnicas trazem ao paciente. • A manutenção do sistema de monitoração é um trabalho de equipe multi-profissional, realizado pelas enfermei- ras, fisioterapeutas, médicos beira-de-leito, e outros. Requer ainda a colaboração de pessoal da manutenção, com- pras e suprimentos, para assegurar manutenção preventiva, consertos e atualização do equipamento. O médico da Sra. Lolita, portanto, ao iniciar a monitoração de sua paciente, necessita de vários profissionais envol- vidos na manutenção e calibração dos aparelhos. Alguns sensores biomédicos mais freqüentemente usados serão discutidos nas sessões seguintes. III. NEURO-CHECK O neuro-check é uma avaliação neurológica rápida e não substitui o exame neurológico completo. Inclui o registro seriado da escala de coma de Glasgow (ECGl), tamanho, simetria e fotorreação das pupilas, tipo de respiração e deficits neurológicos focais. A ausência de anormalidades nesse rápido “screening” tranqüiliza o intensivista e su- gere boa evolução. Qualquer variação nessa rápida avaliação neurológica deve ser interpretada como sinal de piora do paciente neurocrítico e seguida de exame neurológico completo, medidas diagnósticas para esclarecer a causa da piora e medidas terapêuticas. A freqüência do neuro-check (de 15 em 15 minutos até de 4 em 4 horas) varia de acordo com a patologia e com a evolução clínica do paciente. Como está descrito no capítulo de PO de Neurocirurgia, a freqüência do neuro-check deve ser maior no PO imediato (15 em 15 minutos), podendo diminuir após a extubação (tabela 1). Tabela 1. Freqüência do neuro-check Glasgow Pupilas Respiração Déficit focal Paciente intubado Cada 15 min Cada 15 min Paciente extubado (primeiras 6 horas) Cada 30 min Cada 30 min Cada 30 min Cada 30 min Paciente extubado (após 6 horas) Cada 1 hora Cada 1 hora Cada 1 hora Cada 1 hora �� Outra situação que requer freqüência maior do neuro-check é o TCE, pois se trata de patologia dinâmica, em que o paciente apresenta piora progressiva após a liberação dos mediadores inflamatórios locais. A freqüência do neuro- check também deve ser de 15 em 15 minutos do início do tratamento até a instalação da PIC ou até a realização do procedimento cirúrgico. Com a melhora do paciente, a freqüência do neuro-check também pode diminuir. O primeiro neuro-check deve ser escrito no prontuário do paciente, em seguida ele deve ser checado a intervalos regulares, sempre registrado no prontuário. IV. TEMPERATURA A temperatura corporal central esofágica, timpânica ou retal deve ser medida de maneira contínua e, em caso de ocorrer febre, o paciente deve receber antitérmicos (dipirona e/ou paracetamol) e medidas gerais de resfriamento (compressas frias, dietas frias, temperatura do Box a 18°C), pois a hipertermia é causa importante e controlável de lesão neuronal secundária. O combate à hipertermia deve ser agressivo, para prevenir essa lesão secundária, e é também importante a procura e tratamento da causa primária da hipertermia (infecção, abscessos, tumores, doen- ças autoimunes, etc.). A temperatura cerebral também deve ser medidano paciente grave de forma contínua. Em condições fisiológicas, não há consenso se a temperatura cerebral é 1° a 2° C abaixo ou acima da temperatura corporal. Em condições patológicas (por exemplo, em processos inflamatórios cerebrais com liberação local de mediadores inflamatórios ou isquemia cerebral) ela aumenta 1° a 2° C. Nos pacientes com morte encefálica e com isquemia aguda, por diminui- ção do metabolismo cerebral, e redução do fluxo sangüíneo cerebral, a temperatura cerebral cai. Temperaturas cere- brais maiores que 38° C são indicativas de pior prognóstico e causadoras de graves lesões encefálicas secundárias. Do ponto de vista térmico, devemos imaginar o corpo humano como dois cilindros superpostos, o mais externo contendo o cilindro interno (Figura 1). O cilindro externo é formado pela pele e tecido celular subcutâneo (TCSC) e, o cilindro interno é formado por ossos, músculos e vísceras. As temperaturas desses dois cilindros podem apre- sentar grandes diferenças entre si, sem significado patológico, desde que a temperatura no cilindro interno (tempe- ratura central) seja mantida entre 36° e 37° C. A temperatura central abaixo de 35° C é definida como hipotermia e protege o SNC e a temperatura central acima de 37,5° C é definida como hipertermia e é extremamente prejudicial ao SNC, levando a grave lesão neuronal secundária. Como animais homeotérmicos, produzimos energia para aquecer o cilindro interno e mantê-lo no estreito intervalo de T (36° a 37° C) em que nosso organismo funciona melhor, com ótima atividade protéica e enzimática. Para que tenhamos a sensação subjetiva de frio, é preciso que uma diferença de temperatura (∆T) seja criada entre o cilindro externo e o cilindro interno. O mecanismo é mediado pelo centro de controle de temperatura e compreende uma aferência sensitiva e uma eferência motora. Os sensores de temperatura da pele percebem que a temperatura ambiente está baixa e enviam essa informação para o tálamo; de lá parte uma ordem motora de vasoconstrição periférica e a temperatura do cilindro externo cai, porque ocorre perda de calor para o ambiente. Quando essa temperatura chega a 35° C, o ∆T é criado com o cilindro central e temos a sensação subjetiva de frio. Com isso, nos protegemos do frio externo, e, se ele for muito intenso, começamos a apresentar calafrios e contrações musculares involuntárias para produzir calor e aquecer o cilindro interno. Em condições extremas de temperatura, podemos ter o cilindro externo a 0° C, sem problema algum, desde que o cilindro interno esteja a 36° - 37° C. Essa fisiologia do ∆T foi entendida nos anos 80, através de estudos epidemiológicos realizados no Canadá e na Suécia, em que pacientes idosos, morando sozinhos, faleciam no inverno. Imaginem a situação de um ambiente domiciliar aquecido a 18 – 20° C e temperaturas exteriores abaixo de 0° C, comuns nesses países. Se o sistema de aquecimento para de funcionar, por falta de óleo ou lenha na caldeira, a temperatura ambiente cai lentamente, essa queda da temperatura é “sentida” pelos sensores de temperatura da pele, enviada ao centro de controle talâmico e, de lá, parte uma ordem motora de vasoconstrição periférica. Como os pacientes idosos são portadores de ateros- clerose, a vasoconstrição não se realiza e a temperatura dos cilindros externo e interno vai caindo lenta e progres- sivamente. Como não é criado o ∆T, os idosos não apresentam a sensação subjetiva de frio, não percebem a lenta �� queda de temperatura, não se protegem do frio ambiente e morrem de hipotermia. Assim, de nada adianta medirmos a temperatura de maneira convencional (axilar), pois a temperatura da pele pode cair a valores mais baixos, dependendo da climatização e refrigeração da UTI, sendo essa medida irrelevante. Precisamos monitorar de forma contínua a temperatura central (esofagiana, retal ou timpânica) e, nos pacientes neurológicos com lesões graves, a temperatura cerebral. A temperatura axilar isolada, portanto, não fornece subsí- dio adequado e/ou suficiente para a tomada de decisões terapêuticas. Cilindro Interno: Ossos, músculos e vísceras T de 36 a 37° C Cilindro Externo: Pele e TCsC T ≅ T ambiente Figura 1. Os cilindros “externo” e “interno”; a sensação subjetiva de frio depende de ∆T entre os dois cilindros. V. OXIMETRIA DE PUlsO A. Princípios e Indicações O oxímetro de pulso é um dispositivo simples e não invasivo, com algumas complicações, que estima a saturação funcional da oxihemoglobina. Ele é bastante utilizado na monitoração de pacientes nas mais diferentes condições. A transmissão de luz vermelha e infravermelha através dos leitos capilares cria diferentes sinais ao longo do ciclo cardíaco pulsátil. Esses sinais medem a absorção pelos tecidos ou pelo sangue arterial e venoso da luz transmitida. Cálculos feitos a partir do processamento dessas medidas fornecem uma estimativa das quantidades de hemoglobi- na oxigenada e da porcentagem de saturação da hemoglobina pelo oxigênio (SaO2). Deve-se notar que esse número é diferente da pressão parcial de oxigênio (PaO2) no sangue. As medidas da PaO2 e da SaO2 estão relacionadas atra- vés da curva de dissociação da hemoglobina (Figura 2). A oximetria de pulso estima uma SaO2 que geralmente está dentro de um intervalo de 2% de diferença do valor real determinado por um cooxímetro. Sensores da oximetria podem ser aplicados aos dedos das mãos, dos pés, lobo da orelha, septo nasal, boca ou qualquer superfície cutânea onde um sinal confiável possa ser obtido. O valor mostrado pelo oxímetro é comumente chamado de saturação periférica de O2 (SpO2), para distingui-lo da medida determinada diretamente através da amostra de gasometria (SaO2). Os estudos realizados mostram que para assegurar uma PaO2 de 60 mmHg, pacientes com pele clara devem manter a SpO2 em torno de 92%, e pacientes com pele escura em torno de 94%. �� Figura 2. A curva de dissociação da hemoglobina relaciona a pressão parcial de oxigênio (PaO2) à saturação da oxihemoglobina. Saturações sub-máximas de hemoglobina ocorrem a uma PaO2 de 60 mmHg (60 torr). Níveis de PaO2 acima desse ponto acrescentam muito pouco na saturação de oxihemoglobina. Note-se, entretanto, que uma queda muito acentuada da saturação de oxihemoglobina ocorre com uma pequena variação da PaO2 abaixo de 60 mmHg (60 torr). B. Fontes de Erro Erro nos dados ocorre pelas seguintes razões: • Fatores fisiológicos ou anatômicos interferem na detecção do sinal: pele escura, unhas postiças, esmalte, lumi- nosidade excessiva do ambiente, hipotermia local ou sistêmica causando vasoconstrição, hipotensão, má perfusão periférica, hiperbilirubinemia e hiperlipidemia. A anemia não reduz a acurácia até um nível de hematócrito acima de 15%. VI. sENsOREs DE PREssãO ARTERIAl NãO INVAsIVA Sensores de pressão arterial não invasiva são freqüentemente usados para obter medidas intermitentes da pressão arterial. Esses dispositivos usam uma de diversas técnicas disponíveis para medir a PA sistólica e diastólica, e daí calculam a pressão arterial média (PAM). Os braços são o local preferencial de medida em adultos. Lugares alter- nativos são as panturrilhas, as coxas, e os antebraços. O manguito não deve ser colocado numa extremidade que esteja sendo usada para infusão intravenosa ou numa área susceptível a comprometimento circulatório. O tamanho apropriado do manguito é condição fundamental para obtenção de medidas acuradas. Os monitores de pressão arterial não invasiva têm acurácia menor em muitas das situações clínicas comumente encontradas no paciente neurocrítico: choque, ventilação mecânica, arritmias, e pacientes que necessitem de oti- mização da pressão de perfusão cerebral (PPC). Mal funcionamento do aparelho pode ainda desviar a atenção do profissional para com o paciente. Medidas invasivas da pressão arterial devem ser preferidas quando o pacienteapresenta instabilidade hemodinâmica. A. MEDIDA DA DIURESE A medida da diurese é dado muito simples na sua obtenção e dado muito importante para avaliar a pressão de perfusão renal. Sua monitoração é absolutamente fundamental no paciente neurocrítico, tanto no sentido de ava- liar essa hipoperfusão renal (débito urinário abaixo de 0,5 ml/Kg/h por mais que 2 horas define oligúria), como no sentido da poliúria (débito urinário acima de 2 ml/Kg/min por mais que 2 horas) ser um dos primeiros sinais sugestivos de secreção inapropriada de ADH ou CSW (“cerebral salt wasting”). Essas duas síndromes apresentam �� osmolalidades urinárias elevadas, portanto esse marcador não pode distingui-las uma da outra. A Sra. Lolita continuou apresentando hipotensão, apesar de várias infusões de cristalóides. Ela está agora confusa, e sua SpO2 diminuiu para 90%, apesar da suplementação adicional de oxigênio com máscara. Sua PA, medida não inva- sivamente, mostrou repetidamente uma sistólica < 105 mmHg e uma PAM de ~ 60 mmHg. Houve piora do Glasgow para 12 e progressão da hemiparesia para hemiplegia. Você está preocupado com a piora neurológica, a possibilidade de choque distributivo devido à SIRS, por sepsis. Sua função miocárdica não está bem avaliada no momento e uma preocupação adicional é a sua ICC prévia. Você discute e avalia com a UTI as maneiras de uma melhor monitoração de algumas variáveis fisiológicas. VII. CATETERIZAÇãO ARTERIAl A. Indicações e Colocação As duas indicações primárias para a colocação de uma cânula arterial são a necessidade de se obter múltiplas amos- tras de sangue arterial e a medida contínua, batimento a batimento, da PA. A freqüência de complicações com a colocação de um cateter na artéria radial é menor que as complicações de quatro punções arteriais. Além disso, o cateter arterial é o único método disponível para se obter monitoração contínua, batimento a batimento, da PA. Os locais mais comuns de inserção dos cateteres arteriais são: artérias radial, femoral, axilar, e pediosa dorsal. A escolha do melhor local é baseada na palpação dos pulsos, estado hemodinâmico geral, e fatores anatômicos ou fisiológicos próprios de cada paciente. A artéria pediosa dorsal é a menos segura para a monitoração da PA (diâ- metro pequeno, maior probabilidade de complicações isquêmicas e grande distância do coração). B. Complicações As complicações potenciais devidas à colocação do cateter arterial estão mostradas na Tabela 2. Elas podem ser reduzidas pelo uso cuidadoso da correta técnica de inserção, escolha de cateteres apropriados ao tamanho da ar- téria, cuidados no local da punção e um sistema de lavagem (“flush”) contínuo. A forma correta da curva arterial mostrada no monitor é um dado de segurança. A extremidade dos membros cateterizados deve ser examinada freqüentemente, na busca de evidências de isquemia. Ao encontro de qualquer sinal isquêmico distal ao cateter, o mesmo deve ser imediatamente removido. Tabela 2. Complicações dos cateteres arteriais • Formação de hematoma • Hemorragia • Trombose arterial • Embolização proximal e distal • Pseudo-aneurisma arterial • Infecção C. Medidas A medida da pressão arterial obtida de um cateter arterial, devidamente instalado, deve ser sempre comparada à tradicional, obtida com o manguito, e também ao formato da curva de pressão, mostrado no monitor. Muitos fa- tores, tanto técnicos quanto anatômicos, podem afetar a acurácia das medidas de pressão obtidas pelo sistema do cateter arterial. Nesse aspecto técnico, são de especial importância as curvas “achatadas”, quase sempre indicativas de problemas na transmissão do sinal da pressão (hidráulico ou eletrônico), e que devem logo ser corrigidas para aumentar a confiabilidade da medida. As distorções são sempre maiores para as pressões sistólica e diastólica, enquanto a média é menos afetada. A pressão arterial da Sra. Lolita, medida por um cateter radial direito confirma a medida manual de 98/42 mmHg e a pressão arterial média de 59 mmHg. Uma gasometria arterial mostra pH 7,3, PaCO2 33 mmHg, PaO2 68 mmHg e HCO3 18 mEq/L. O formato de sua curva arterial é normal. Ela está mais confusa (Glasgow 11), levemente agitada, hemiplégica a esquerda e com as extremidades inferiores frias. Sua preocupação, relativa à capacidade da Sra. Lolita �� perfundir seus tecidos e fornecer o transporte de oxigênio necessário para suprir o aumento no consumo de oxigênio de suas células, tecidos e órgãos, aumenta. VIII. ECG A monitoração eletrocardiográfica contínua é imprescindível e o intensivista deve dominar o diagnóstico e trata- mento das arritmias cardíacas. O CITIN aceita e adota todas as medidas do ACLS (Advanced Cardiac Life Sup- port) nessas situações (Apêndice 1). IX. CAPNOGRAFIA A monitoração contínua da capnografia é de fundamental importância no paciente neurocrítico, uma vez que a antiga manobra da hiperventilação está proscrita pelo CITIN e pela evidência atual. A PCO2 deve ser mantida em seu valor normal, 35 mmHg, assim como o pH em 7,40. Em situações excepcionais de aumento da PIC acima de 20 mmHg, refratárias ao tratamento convencional, a hi- perventilação otimizada é a melhor estratégia. Nessa situação, podemos manter a PCO2 entre 30 e 35 mmHg, com controle simultâneo do bulbo da jugular (manter SjO2 entre 55% e 75%), estando sempre muito atentos para evitar a hipóxia oliguêmica, resultante da excessiva redução do fluxo sangüíneo cerebral (FSC). Dessa maneira, as manobras anteriores em que fazíamos hiperventilação às cegas estão proscritas. Elas tinham incrível eficiência para diminuir a PIC, mas em contrapartida eram acompanhadas de diminuição do FSC, por vasoconstrição. Assim, o resultado final era a diminuição da PIC às custas de grande diminuição da oferta de O2 às células, sendo o resultado final muito prejudicial ao paciente. X. sATURAÇãO VENOsA A saturação venosa central (sangue venoso do cateter de PVC = SvcO2) e a saturação venosa mista (sangue venoso distal do cateter de artéria pulmonar = SvO2) devem ser mantidas ≥ 70%. Deve-se notar que nas situações de insta- bilidade hemodinâmica, especialmente no choque séptico, a correlação entre as duas medidas não é boa, sendo a SvcO2 quase sempre menor (5% ± 5,1%) que a SvO2. Apesar de haver uma queda em paralelo das duas medidas e as tendências de subida e descida dos valores se correlacionarem, não se deve usar a SvcO2 para cálculo das variáveis derivadas do oxigênio, transporte (DO2) e consumo (VO2) de O2, sob pena de incorrermos em erros grosseiros e inaceitáveis de cálculo. XI. DETERMINANTEs DO TRANsPORTE DE OXIGÊNIO O objetivo primário do tratamento da Sra. Lolita, como em todos os pacientes, é assegurar que o oxigênio reque- rido por suas células e tecidos, a assim chamada demanda ou consumo de oxigênio (VO2), seja fornecido. O VO2 é variável de tecido para tecido e muda de acordo com o metabolismo das células, na medida em que o estado basal ou ativado esteja presente, em resposta a diferentes estímulos locais ou sistêmicos. O transporte de oxigênio (DO2) deve se acomodar a essas diferenças para assegurar a homeostase celular. Para termos condições de medir o DO2 e o VO2, a colocação de um cateter de artéria pulmonar é necessária. O CITIN reconhece as recentes preocupações da literatura referentes ao uso do cateter, e estimula uma investigação continuada a respeito. Entretanto, à luz dos conhecimentos atuais, o CITIN e muitos intensivistas experientes continuam a defender o uso imprescindível do cateter em situações selecionadas. O DO2 é determinado pela equação: DO2= DC x CaO2 x 10 onde DC é o débito cardíaco e CaO2 é o conteúdo arterial de oxigênio em mL/dL. Os fatores determinantes do DC são: pré-carga, pós-carga (impedância), freqüência cardíaca e contratilidade miocárdica. Valores normais de DO2 vão de 900 a 1000 mL/min. O CaO2 é definidocomo: �� CaO2 = (Hb x 1,37 x SaO2) + (0,003 x PaO2) Valores normais para o CaO2 são 22 mL/dL. Portanto, estimando a magnitude de apenas sete fatores (Hb, SaO2, PaO2, freqüência cardíaca, pré-carga, pós-carga e contratilidade), todas as variáveis que influenciam o DO2 podem ser avaliadas. Para determinar se o DO2 é adequado para satisfazer as necessidades dos tecidos, uma medida independente do VO2 é necessária. O VO2 é calculado pela fórmula: VO2 = DC x (CaO2 - CvO2) x 10 Onde CvO2 é o conteúdo de oxigênio da mistura venosa de sangue retornando dos tecidos ao coração. O CvO2 é (Hb x 1,37 x SvO2) + (0,003 x PvO2), onde PvO2 e SvO2 são obtidos do sangue aspirado lentamente de um cateter em repouso na artéria pulmonar. O valor normal de VO2 é 250 mL/min. A diferença entre DO2 e VO2 deve, portanto, ser de aproximadamente 750 ml/min de oxigênio a mais que o consu- mido, mostrando uma reserva considerável de oxigênio na circulação. Como o débito cardíaco está presente em am- bas as equações, e será o mesmo quando as medidas arterial e venosa forem simultâneas, a mesma diferença entre oferta e consumo de oxigênio pode ser expressa pela diferença artério-venosa de oxigênio (CaO2 - CvO2), também conhecida como C(a-v)O2, que é normalmente 4 a 6 mL/dL. Portanto, para compreender completamente o equilíbrio fisiológico entre DO2 e VO2 da Sra. Lolita, algumas medidas diretas são feitas, e, a partir delas, outras variáveis são calculadas, usando fórmulas fisiológicas padrão. Os parâmetros necessários para avaliar a relação entre transporte e consumo de oxigênio da Sra. Lolita e de todos pacientes graves serão detalhados a seguir. A. saO2, PaO2, Hb Essas medidas são diretamente obtidas através de uma amostra de gasometria arterial, retirada do cateter da artéria radial. B. Pré-carga A pré-carga é uma medida ou estimativa do volume ventricular ao final da diástole. Esse volume é geralmente esti- mado a partir da medida direta mais facilmente obtida da pressão, isto é, a pressão diastólica final dos ventrículos esquerdo e/ou direito (PD2) e representam os volumes diastólicos finais dos ventrículos esquerdo e/ou direito (VD2). A pressão venosa central (PVC), obtida de um cateter posicionado em uma grande veia do tórax, estima a PD2 do ventrículo direito e a pressão de oclusão da artéria pulmonar (POAP) estima a PD2 do ventrículo esquerdo. Essa relação volume/pressão é admitida na ausência de doença valvular, hipertensão pulmonar, tamponamento cardíaco e “shunt” intracardíaco. A equivalência idealizada entre pressões e volumes nas câmaras esquerdas freqüentemente não é correta, e depen- de da complacência ou distensibilidade do ventrículo. Durante isquemia miocárdica aguda ou crônica, sepsis e outras doenças similares, os ventrículos podem diminuir muito a complacência, tornando-se rígidos e não relaxar completamente durante a diástole. Essa disfunção diastólica reduz o volume da câmara no final da diástole e um VD2 menor é representado por uma PVC ou POAP relativamente maior. Nessas circunstâncias, a pré-carga não é adequadamente representada pela PVC ou POAP. Muitos estudos mostram que a PVC e a POAP não podem ser precisamente preditas pelo exame físico. Da mesma forma, o conhecimento da PVC também não permite uma predição da POAP, especialmente em pacientes com ICC. Igualmente, mudanças na PVC não necessariamente predizem que a POAP vá se alterar na mesma intensida- de, e muito menos na mesma direção. Entretanto, de uma maneira geral, uma PVC baixa geralmente corresponde a um baixo volume intravascular, e �� normalmente está associada a uma POAP baixa e a uma pré-carga baixa. Medidas de PVC normais ou altas, no entanto, devem ser avaliadas muito criteriosamente, já que raramente são boas preditoras de POAP ou pré-carga. Os valores normais para as pressões medidas a partir de um cateter da artéria pulmonar estão mostrados na Tabela 3. B. DÉBITO CARDÍACO A medida do débito cardíaco usando a técnica da termodiluição deve ser feita com muita atenção a vários detalhes técnicos. Quantidades precisas do líquido termodiluidor (à temperatura ambiente ou gelado) devem ser injetadas suave e uniformemente através da via proximal do cateter da artéria pulmonar durante 4 segundos, a intervalos de 90 segundos, para produzir pelo menos quatro medidas seqüenciais. Sistemas de injeção comerciais simplificam esse processo, mas os médicos, a enfermagem e o pessoal de laboratório encarregado das medidas devem estar familiari- zados com curvas de aparência anormal e outros detalhes do procedimento. A acurácia do método da termodilui- ção na medida de um débito cardíaco conhecido através de um simulador de pulso cardíaco é de 10% a 15%. Tabela 3. Valores normais obtidos de um cateter da artéria pulmonar Valor Intervalo Normal PAD (PVC) 2 a 8 mmHg PVD Sistólica, 20 a 30 mmHg; Diastólica, ≤ PAD PAP Sistólica, 20 a 30 mmHg; Diastólica, 5 a 15 mm Hg POAP 2 a 12 mmHg; deve ser menor que a PAP diastólica DC 4 a 6 L/min (adultos) SvO2 65% a 75% PAD, pressão se átrio direito; PVD, pressão de ventrículo direito; PAP, pressão da artéria pulmonar; POAP, pressão ocluida da artéria pulmonar; DC, débito cardíaco; SvO2, saturação de oxihemoglobina da mistura venosa. C. Pós-CARGA A pós-carga é a força da parede ventricular esquerda necessária para vencer a resistência (impedância) à ejeção do sangue durante a sístole. Corriqueiramente, a pós-carga é considerada como a resistência ao fluxo de saída e é representada pela resistência vascular sistêmica (RVS). A RVS é calculada a partir da equação: RVS = PAM – PVC x 80 DC O intervalo normal da RVS é de 800 a 1200 dinas.seg/cm5. A RVS, que é a representação do tonus vascular (vasodi- latação/vasoconstrição), em determinadas situações pode se alterar primariamente produzindo choque distributivo (nessa categoria estão o choque séptico, o choque anafilático, a insuficiência adrenal aguda e o choque neurogênico) ou secundariamente, em resposta a baixo desempenho cardíaco, onde a vasoconstrição ajuda a manter uma pressão de perfusão sistêmica adequada. D. CONTRATIlIDADE CARDÍACA A contratilidade cardíaca é a medida da potência e da velocidade de encurtamento das fibras miocárdicas durante a sístole. Como foi mostrado por Frank e Starling, a contratilidade é altamente dependente da pré-carga e da pós- carga, e é difícil de ser medida como uma variável independente. Os métodos incluem a ecocardiografia, a medida da fração de ejeção, e o cálculo do trabalho sistólico do ventrículo esquerdo (TSVE): TSVE = VS x (PAM – POAP) x 0,0136 onde VS é o volume sistólico, isto é, o débito cardíaco dividido pela FC. O valor normal do TSVE é de 70 a 120 gramas/min ou 40 a 68 gramas/min/m2. �0 A presença de contratilidade baixa sugere três possíveis opções terapêuticas: aumentar a pré-carga, diminuir a pós- carga ou considerar o uso de um agente inotrópico. Um cateter de artéria pulmonar foi colocado na Sra. Lolita via subclávia E. A PVC era de 8 mmHg, a POAP era de 12 mmHg, o débito cardíaco de 7,0 L/min, e a RVS estava baixa. Seu TSVE era supra-normal, indicando boa contratili- dade, apesar de sua história de ICC. Seu VO2 era discretamente baixo e seu DO2 era supra-normal. Assim, sua neces- sidade tissular aparente de O2 estava garantida pelo seu transporte. Essas alterações eram, portanto, compatíveis com um estado hiperdinâmico, que freqüentemente acompanha a SIRS de causa infecciosa. A PA da Sra. Lolita respondeu muito bem a uma infusão adicional intravenosa de fluidos. XII. CATETERIZAÇãO VENOsA CENTRAl As indicações da colocação de cateter venoso central estão listadas na Tabela 4. A confirmação radiográfica da boa posição do cateter venoso é sempre recomendável Tabela 4. Indicações para cateterização de veia central Medida da pressão venosa central Acesso a veias mais calibrosasDificuldade para manutenção de acesso venoso de longa permanência Administração de drogas irritativas e/ou hiperalimentação Hemodiálise Colocação de marcapasso temporário Colocação de cateter de artéria pulmonar As indicações para a colocação de um cateter de artéria pulmonar estavam estabelecidas no caso da Sra. Lolita, isto é, dados hemodinâmicos de medida direta e calculados eram necessários e não poderiam ser obtidos de uma maneira menos invasiva. A condição da Sra. Lolita se estabilizou após o tratamento adequado de sua infecção do trato urinário, e do correto manuseio de suas condições hemodinâmicas decorrentes da SIRS. Por causa da monitoração adequada e precoce, ela reverteu a hemiplegia esquerda, não precisou de entubação, não deteriorou seu estado clínico para IMOS, e não sofreu ataque secundário de isquemia miocárdica. PONTOs CHAVE: MONITORAÇãO HEMODINÂMICA 1. Qualquer aparelho de monitoração requer que seus usuários estejam familiarizados com sua operação e compli- cações potenciais. A monitoração requer a colaboração colegiada de vários profissionais em equipe. 2. A oximetria de pulso é um método não invasivo que estima a oxigenação arterial e deve ser aplicado a todo pa- ciente com qualquer tipo de instabilidade em sua fisiologia. 3. Os monitores de pressão arterial não invasiva tem uma acurácia menor nas situações clínicas comumente encon- tradas no paciente neurocrítico, como trauma, choque, ventilação mecânica e arritmias. 4. As duas indicações primárias de cateterização arterial são múltiplas amostras de sangue arterial e registro con- tínuo da pressão arterial. 5. A função primária do sistema cardiorespiratório é assegurar que as demandas de oxigênio e nutrientes das células sejam supridas pelo transporte de oxigênio e nutrientes. 6. A análise dos componentes do equilíbrio entre transporte e consumo de oxigênio, e os determinantes de cada um deles são o foco principal da terapêutica. 7. O clínico que inicia o alto nível de monitoração e tratamento quando da colocação do cateter de artéria pulmo- �� nar, deve compreender completamente as inter-relações dos processos hemodinâmicos medidos e as complicações do cateter, ou deve buscar consultoria e assistência apropriadas. lEITURA sUGERIDA 1. Amin DK, Shah PK, Swan HJC: Deciding when hemodynamic monitoring is appropriate. J Crit Illness 1993; 8:1053. 2. Curley FJ, Smyrnios NA: Routine monitoring of critically ill patients. In: Rippe JM, Irwin RS, Fink MP, et al (Eds). Intensive Care Medicine. Third Edition. Boston, Little, Brown, 1996, p 275. 3. Knobel E: Condutas no paciente grave. 2a edição. São Paulo, Editora Atheneu, 1998. 4. Shoemaker WC, Parsa MH: Invasive and noninvasive physiologic monitoring. In: Shoemaker WC, Ayres S, Grenvik A, et al (Eds). Textbook of Critical Care. Third Edition. Philadelphia, WB Saunders, 1995, p 252. 5. Terzzi RGG, Araújo S: Monitorização hemodinâmica e suporte cardio-circulatório no paciente crítico. 1a edi- ção. São Paulo, Editora Atheneu, 1995. 6. Dellinger RP et al: Surviving sepsis campaign guidelines for management of severe sepsis and septic shock. Critical Care Medicine 32 (3): 858-73, 2004. �� �� Capítulo 6 Propedêutica neurológica complementar Assim como em qualquer outra área de atuação ou especialidade médica, após o exame clínico inicial sistematizado e, a seguir, o exame dirigido, temos nos exames complementares elementos muito importantes nas conclusões diag- nósticas e orientações para as condutas terapêuticas devidas, sejam elas cirúrgicas ou clínicas. Os recursos na propedêutica complementar do paciente neurocrítico sofreram uma profunda mudança para melhor nos últimos anos, com o advento e evolução dos exames e das técnicas de neuro imagem. Os exames laboratoriais também tiveram um importante incremento com as novas técnicas de dosagens de drogas, mapeamentos com marcadores específicos, reações imunológicas, etc. Um recurso de grande utilidade no paciente neurocrítico e cuja utilização diminuiu muito em freqüência, após evolução da neuroimagem, foi o exame do líqüor, que deixou de ser rotina na avaliação dos quadros vasculares cere- brais, embora ainda guarde grande importância nas doenças infecciosas e inflamatórias, nas doenças degenerativas e nas encefalopatias. A colheita do líqüor é feita por uma punção lombar ou sub occipital (Figura 1), pode ser realizada à beira do leito, e, em alguns casos, já previamente trepanados, na sala operatória, o líqüor pode ser colhido diretamente dos ven- trículos cerebrais. Figura 1. Técnicas de coleta do líqüor A punção lombar, além de exigir luvas esterilizadas e todo cuidado de assepsia e antissepsia, é um procedimento doloroso e deverá ser acompanhado de anestesia local. É muito perigosa e arriscada em situações de hipertensão intracraniana, sabida ou suspeitada, e deve ser realizada com todo rigor técnico, após análise do gradiente de pres- são, pelo risco de morte secundária a herniação das amídalas cerebelares, comprimindo o tronco cerebral baixo ou pelo encarceramento do tronco alto na região do tentório. Nos métodos de exames neurofisiológicos, a eletroencefalografia (EEG) é importante na análise e diagnóstico de inúmeros casos de estado de mal epilético (EME) atípico, principalmente o EME não convulsivo. Além disso, o EEG é extremamente útil na qualificação e quantificação dos estados de sedação e analgesia profundos, nota- damente naqueles com uso de barbitúricos. Também é exame importante na determinação protocolar da Morte Encefálica. �� A ecoencefalografia perdeu muito espaço, a partir da evolução da qualidade das neuroimagens, e, apesar da van- tagem de ser exame de beira de leito, apresenta altos índices de falsos negativos e falsos positivos. No entanto, a ultra-sonografia método B, para análise em lactentes com o uso das janelas fontanelares, tem se colocado como exame de ponta para estudo dos ventrículos cerebrais e coleções intracranianas. Assim como a ecoencefalografia, exames como a mielografia cervical e lombar, a ventriculografia e o pneumoence- falograma perderam suas indicações para métodos de imagem como a Tomografia e a Ressonância, que apresentam melhor resolução diagnóstica e menor risco. A radiografia simples de crânio e coluna vertebral (principalmente cervical) tem suas indicações mais freqüentes nos casos de trauma. A arteriografia cerebral, antes tão utilizada na localização de processos expansivos, hoje é utilizada apenas para o estudo das doenças vasculares (aneurismas, angiomas, mal-formações artério-venosas, etc.) e na análise da vascu- larização de tumores. Os grandes auxiliares propedêuticos complementares, sem dúvida, são hoje os exames de Tomografia Computado- rizada (TC) e a Ressonância Magnética (RM), seja pela possibilidade de inúmeras reconstruções, seja pela análise direta das imagens obtidas. É necessária muita atenção para o fato de que os aparelhos de TC revelam o dimídio direito e esquerdo de modo diferente do padrão dos exames radiológicos simples. A TC é exame encontrado com relativa facilidade, mesmo em hospitais públicos, devido a seu custo menor e à extrema utilidade do método. Uma unidade de emergência sem este equipamento perde muito em sua finalidade e utilidade da equipe, pois o neurocirurgião ficará muito limitado em decidir sua estratégia terapêutica. Na avaliação das patologias do SNC de urgência é quase sempre o primeiro exame complementar a ser realizado. Na suspeita de um AVE agudo, uma TC normal praticamente afasta a hemorragia e indica conduta específica. Tratando-se de um AVE isquêmico agudo, que ainda não apresente alte- ração na imagem, que chegue ao PS com uma janela de tempo de 3 horas após o ictus, e que não apresente contra -indicações, esse paciente deverá ser trombolizado com r-tPA. Essa alteração poderá ser vista, a posteriori, após atrombólise, na RM ou em uma TC com 12 ou 24 h de intervalo, após o ictus. Para detectar a presença de sangue, hematomas, hemorragia subaracnóide, a TC tem quase 100% de sensibilidade, sendo considerado o “método pa- drão” por vários estudiosos. O conhecimento da anatomia de ventrículos, sulcos, cisternas, cisuras e estruturas da linha média, é fundamental para uma correta conclusão diagnóstica. Quando analisamos uma TC cerebral, precisamos adotar uma seqüência que venha nos facilitar o rápido reconhecimento da gravidade de cada caso. Inicialmente, a identificação do pacien- te e data do exame, seguida da análise da linha média, que quando desviada indica necessidade de conduta urgente, com parecer do neurocirurgião. Esse desvio da linha média significa uma descompensação do equilíbrio da pressão intracraniana ou perda do controle do gradiente de pressão intracraniana (hérnia ou deslizamento do parênquima cerebral). O desvio da linha média pode resultar em lesões graves, tanto pelo desvio do tronco cerebral, com as lesões isquêmicas conseqüentes, quanto por estiramento das artérias circunferenciais nutrientes. A seguir, deve ser realizada a avaliação da patência, forma e tamanho de sulcos, cisternas, cisuras e ventrículos. Essas estruturas estarão diminuídas ou apagadas, na dependência da necessidade de compensar a presença de massas expansivas intracranianas ou edema e inchaços cerebrais, com conseqüente hipertensão intracraniana (vide doutrina de Monro Kellie, no capítulo de HIC). Quanto mais evidente o apagamento dos sulcos, cisuras e cisternas ou a diminuição dos ventrículos, maior será o comprometimento da complacência cerebral. Por fim, a identificação de alterações de densidade intracranianas, com ou sem efeito de massa, e a definição da necessidade de evacuação cirúrgica, que deve ser feita em conjunto pelo intensivista e pelo neurocirurgião. Os aparelhos modernos, helicoidais ou os mais novos, multidetectores, podem fazer uma arteriografia cerebral, carotídea ou de qualquer vaso, apenas com a injeção venosa, sem a agressiva e mais arriscada punção arterial. E a qualidade das imagens em reconstrução é muito bem definida, sendo muito piores as angiografias feitas no passado �� quando comparadas aos exames dos dias atuais. Como dado importante de referência na RM, chamamos a atenção para a dificuldade de interpretação, devido a constantes de leitura magnéticas num mesmo exame, conhecidas como T1 e T2. Assim, uma mesma imagem em T1 e T2 pode ser muito diferente. As estruturas pobres em átomos de hidrogênio (líqüor, ar, ossos) aparecem negras ou escuras em T1, já que praticamente não emitem nenhum sinal magnético. A corrente sanguínea também não emite nenhum sinal magnético, uma vez que os núcleos atômicos se deslocam rapidamente na circulação. A RM é método mais caro e menos disponível. Poucos hospitais públicos têm este equipamento. Sua manutenção, manuseio e interpretação exigem investimento alto e pessoal treinado. É técnica altamente sensível e específica, es- pecialmente com uso das chamadas técnicas de supressão, nas quais o sinal específico da gordura ou da água pode ser removido; e, na dúvida de uma lesão cística, a remoção do sinal da água fará a lesão ficar sem sinal, se se tratar de um cisto. Já em um tumor de células com alto conteúdo adiposo - um lipoma por exemplo - o sinal da gordura removido fará a diferença na interpretação da imagem. A RM também tem a capacidade de realizar imagens angiográficas, até mesmo sem a introdução de meio de con- traste venoso. Sua elevada capacidade de contraste entre tecidos faz dela o exame padrão na investigação da doença neurológica. Para o radiologista, a investigação do cérebro e medula vertebral se faz com a RM. Exceto no trauma, quando a TC é superior pela capacidade de mostrar lesão do osso. A RM consegue mostrar muito bem as lesões nas doenças desmielinizantes, sendo fundamental para o diagnóstico em pacientes com TC normal. O edema cerebral pode ser visto por ambos os métodos, mas alterações discretas são mais bem vistas na RM. As tomografias por emissão de pósitrons (PET) e por emissão de fóton único (SPECT) tem seu uso ainda restrito, sendo encontrados em poucos hospitais aqui no Hemisfério Sul. Tem como principal aplicação o registro de pro- cessos metabólicos cerebrais, alem de medir e projetar as atividades cerebrais com estudo do fluxo. �� �� Capítulo 7 Monitoração neurológica multimodal INTRODUÇãO O avanço progressivo dos conhecimentos adquiridos na abordagem e no acompanhamento de pacientes neurológicos gra- ves nos fez compreender que apenas parte do insulto ao sistema nervoso central ocorre no instante do ictus ou do trauma, chamado de LESÃO PRIMÁRIA. A evolução natural do evento primário complicado ou não por fatores previsíveis e evitáveis (hipotensão arterial, hipóxia, distúrbios metabólicos e hipertermia entre outros), possibilita a ocorrência de alte- rações morfológicas e estruturais no parênquima cerebral na evolução natural (horas ou dias seguintes) do episódio inicial, colaborando para o agravamento da lesão encefálica, caracterizando aquilo que chamamos de LESÕES SECUNDÁRIAS. Independente de se tratar de lesões primárias ou secundárias, a via final comum nestes pacientes é o aumento da pressão intracraniana (PIC) e suas seqüelas deletérias à perfusão cerebral e conseqüente isquemia. Desta maneira, é importante compreender que o trauma é uma patologia dinâmica, que evolui progressivamente ao longo do tempo. Após divulgações sucessivas das recomendações da Brain Trauma Foundation (BTF), no que tange às lesões traumáti- cas, e de inúmeras publicações em referência ao doente neurológico criticamente grave, ficou evidente o importante papel dos protocolos de abordagem inicial e monitoração do paciente neurológico grave, politraumatizado ou não. As afir- mações com diferentes níveis de evidência demonstram redução da morbi-mortalidade de pacientes vitimas de insultos ao SNC. Estes protocolos enfatizam a necessidade de pronta reanimação cardiorrespiratória, com vistas à manutenção da homeostase, seguida da investigação diagnóstica e tratamento específico de lesões intracranianas e posterior cuidado com devida monitoração geral e especializada do paciente em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). O principal objetivo da monitoração neurológica, além de vigiar e avaliar nossas atitudes a cada momento será prevenir, após o diagnóstico precoce, os eventos que possam desencadear as ditas lesões cerebrais secundárias ou agravar as lesões do SNC já existentes. Nos diversos métodos utilizados, encontramos características limitadas em cada procedimento ou sensor, o que nos obriga a monitorar simultaneamente diversas variáveis, obedecendo a cri- térios baseados na evolução e refratariedade do quadro neurológico. A esse conjunto de variáveis protocoladas para melhor monitorar o paciente neurológico grave, denominamos MONITORAÇÃO MULTIMODAL. INDICAÇãO DA MONITORAÇãO DA PIC E DA PPC Conforme observamos no Tabela 1, a proposta é realizar a adequada avaliação seqüencial e global das seguintes variáveis: Tabela 1. Possibilidades de monitoração multimodal • Exame Clínico e Neurológico – Neuro-check • Temperatura Central e Osmolaridade Plasmática • Monitoração Cardíaca Contínua e ECG • Hemodinâmica – PAM, PVC e PCP (Swan-Ganz) • Oximetria + Capnometria e Gasometrias Seriadas • Neuro Imagem Seqüencial • PIC e PPC • SjO2 e ECO2 • Temperatura Cerebral • Doppler Transcraniano (FSC) • EEG, Potenciais Evocados e BIS • Tecidual – Micro diálise e Neurotrend • Oxigenação transcutânea �� Abordadas no capítulo anterior de monitoração básica, as variáveis referentes à homeostase, hemodinâmica, venti- lação, temperatura corporal e dados neurológicos, que avaliam possível degeneração rostro caudal são fundamen- tais para todos os pacientes neurológicos em UTI.Com freqüência vamos observar que o evento isquêmico ocorre pela ineficácia da pressão de perfusão tecidual (PPT), que é o resultado do gradiente de pressão entre a pressão média da raiz da aorta (PAM) e da pressão central da veia cava (PVC). PPT = PAM – PVC No paciente neurológico, sabemos que a via final do insulto cerebral é sempre uma reação monótona do cérebro, que incha quando vê sua homeostase alterada, além dos processos expansivos intracranianos, com conseqüente au- mento da pressão intracraniana (PIC) e suas seqüelas deletérias à perfusão cerebral e conseqüente isquemia. A PIC é na verdade uma resultante da resistência venosa cerebral, que é igual à PVC em condições normais e diretamente proporcional nas situações em que há aumento isolado da pressão intracraniana. A pressão de perfusão tecidual cerebral ou PPC seria então o gradiente entre a PAM e a resistência venosa cerebral em condições normais. Em situações de hipertensão intracraniana, a PPC é o resultado do gradiente entre a PAM e a PIC. PPC = PAM – PIC Em publicação, considerada clássica, no American Journal of Surgery, no ano de 1935, os autores Browder e Meyer afirmavam que “Analisados isoladamente ou em combinação, a pressão arterial, a freqüência cardíaca, o padrão respi- ratório e o nível de consciência jamais poderiam indicar os níveis da pressão intracraniana, se alta ou baixa, se aumen- tando ou diminuindo ou em platô”. Segundo relato científico do Dr. Antohny Marmarou “A morfologia, a fisiologia, a pressão intracraniana e a condição clínica do paciente neurológico grave mudam constantemente. O que devemos fazer?”. Essas afirmações clássicas fortalecem nossa indicação para monitoração da PIC e da PPC, à beira do leito. Além de sua importância como fator preditivo, definimos que a PIC é uma variável da monitoração neurológica intensiva especializada a ser observada no paciente neurológico grave sempre que ele tenha: • Risco de elevação da PIC • Suspeita de elevação da PIC • Diagnóstico de HIC Conforme orientação proposta no capítulo de hipertensão intracraniana, vamos considerar HIC quando houver: • Uma medida de PIC > 20 mmHg por intervalo > que 10’ • Ou repetidas medidas > que 20 mmHg em qualquer intervalo de tempo O maior estudo com dados prospectivos (1030 pacientes), concluiu que o limite de 20 mmHg teve a melhor corre- lação com o prognóstico favorável. (Marmarou A, et al. : J Neurosurg 75: S159-166, 1991) A PIC normal em adultos varia de 0 a 10 mmHg. Em crianças de 05 a 10 mmHg. Breves elevações fisiológicas ocor- rem com a tosse, espirro, esforço ou na posição de Trendelenburg. Admite-se que PIC maior que 20 mmHg deva ser tratada. A HIC é considerada moderada até 40 mmHg e é considerada severa a partir de 41 mmHg. Alguns autores relataram que os resultados foram mais benéficos com a PIC mantida em níveis de 15 mmHg quando comparados com os resultados obtidos com PIC entre 20 a 25 mmHg. Os limites adequados para manutenção da PIC devem ser determinados pela análise de diferentes condições, como: causa e localização da lesão neurológica, idade, doenças associadas, tempo de evolução, condição clínica, etc. Recentes publicações sobre mortalidade em pacientes com TCE grave, com a TC cerebral mostrando presença de processo expansivo, definiram como importantes fatores preditivos a idade e a avaliação inicial da escala de coma de Glasgow (ECGl). Nos pacientes com TC sem evidência de processo expansivo, a PIC foi fator preditivo bastante evidente (maior que 60%). �� A indicação deve ser precisa. A monitoração da PIC requer um procedimento invasivo, que não é isento de riscos e complicações. É utilizada, principalmente, em pacientes com TCE grave, edema cerebral pós-operatório, AVE isquêmico ou hemorrágico e, ainda, em encefalites, hidrocefalias, síndrome de Reye e pós-parada cardio-respirató- ria prolongada. Qualquer acometimento encefálico que possa resultar em hipertensão intracraniana com ou sem alteração da consciência deve ter a PIC monitorada. A monitoração está formalmente indicada nos pacientes com lesão cerebral focal ou difusa, em fase aguda, sem indicação de cirurgia imediata e que preencham um dos três critérios abaixo: • Escala de Coma de Glasgow (ECGl) ≤ 8, após manobras de ressuscitação • Queda de 02 pontos no intervalo de 3 horas nos exames seriados da ECGl • Necessidade de sedação e analgesia por outro problema clínico que impossibilite o acompanhamento do nível de consciência Na análise de pacientes traumatizados de crânio, com risco de elevação da PIC, vamos considerar os dados publi- cados nas recomendações da BTF, onde pacientes com ECGl < 9 tem maior risco de elevar a PIC: • Se TC cerebral Normal - HIC em 25 % • Se TC Anormal - HIC em > 75 % Assim, salvo contra indicações formais, a monitoração da PIC está indicada em TCE grave com TC anormal, pelo alto índice de elevação da PIC. A monitoração da PIC estará indicada em pacientes com TCE grave com TC nor- mal, com necessidade de sedação e analgesia relevante ou pela presença de pelo menos dois dos quatro seguintes fatores: 1 - Idade > 40 anos 2 - PAS < 90 mmHg 3 - Postura Patológica 4 - Piora de 2 pontos na ECGl Entretanto, nos casos de pacientes com TCE leve e moderado com ECGl > 9, a presença de HIC é menos freqüente. O risco de HIC ocorre em menos de 3% quando a avaliação da ECGl mostra valores de 13 a 15, e em torno de 20% quando a ECGl mostra valores entre 9 e 12. Sendo baixa a probabilidade de se evoluir para o coma com elevação da PIC, sua monitoração não é indicada de rotina nos pacientes com TCE leve ou moderado. Existe a opção de monitorar a PIC quando há lesão traumática evidente na TC cerebral, além de ser indicada também em pacientes com necessidade de sedação e analgesia, pela perda de possibilidade de avaliação seqüencial do nível de consciência. Outra situação de indicação precisa para monitorar a PIC seria quando houvesse suspeita de HIC em pacientes com injúria cerebral aguda sem indicação imediata de cirurgia, sendo consideradas as seguintes situações: • Hipertensão com bradicardia • Avaliação da TC cerebral com apagamento de sulcos, cisternas e cisuras e/ou desvio da linha média • Disjunção das suturas observada em Rx simples do crânio em crianças • Alteração da consciência sem distúrbio metabólico e/ou hemodinâmico • Alterações do fundo de olho • Alterações da movimentação ocular extrínseca • Sinais clínicos de hérnia cerebral (posturas patológicas, anisocorias) �0 MÉTODOs DE MONITORAÇãO DA PIC No início do século XX, Quincke, Queckenstedt, Ayala e Ayer, determinaram as bases fisiológicas relacionadas com a PIC através de punções lombares. Os resultados confirmaram as proposições de Monro, Kellie e Burroughs. Em 1930, Browder e Meyers sugeriram que a monitoração da PIC deveria ser utilizada para tratamento do trauma de crânio. Somente a partir dos trabalhos de Guillaume e Janny (1951) e Lundberg (1960) foi estabelecida a viabilidade e utilidade da monitoração contínua da PIC para o diagnóstico e tratamento de várias desordens intracranianas. O método para monitoração contínua da PIC foi aplicado por Lundberg a partir de 1960. Ele relatou os resultados da monitoração direta da PIC através de ventriculostomia em 143 pacientes. Lundberg descreveu a fisiopatologia e o significado clínico das três formas de onda (A, B e C) encontradas durante a monitoração da PIC. A monito- ração contínua da PIC foi adotada de forma disseminada e diferentes métodos foram propostos (Tabela 2). Todos requerem uma trepanação no crânio para passagem de um cateter ou fibra que transmita a PIC a um equipamento ou sensor externo. Tabela 2. Métodos de monitoração da PIC • CATETER • Intraventricular e Subaracnóideo • Subdural e Epidural • PARAFUSOS OU CÁPSULAS • Richmond, Philadelphia, Leeds, Phillips • Subdural • SENSORES de FIBRAÓTICA e ELETRÔNICOS • Camino, Ventura, Codman e Spigelberg • Ventricular, intraparenquimatoso, cisternal, subaracnóideo As diferenças entre os métodos consistem basicamente nos seguintes pontos: • Local de posicionamento da ponta distal do cateter ou fibra - ventrículo lateral, parênquima cerebral, espaço sub- dural e subaracnóideo. Atualmente tem-se estudado a monitoração da PIC por cateter lombar, o que possibilitaria a monitoração pelo intensivista até a análise do caso pelo neurocirurgião e posterior escolha do método ideal. • Tipo de sensor – Mecânico hidrostático para sensor externo de membrana (domus), ou eletrônico (chip) ou fibra ótica. • Meio de transmissão (material contido no cateter ou fibra) - água, fibra óptica, fibra metálica. • Leitor externo - equipamento específico ou monitor de pressão invasiva com sensor de membrana associado à coluna de água. As características, vantagens e desvantagens de cada método são comparadas nas tabelas 3 e 4 abaixo: �� Tabela 3. Locais para a monitoração da PIC local Vantagens Desvantagens Intraparenquimatoso • Possibilita monitoração, mesmo com “ventrículos pequenos” • Uso da fibra óptica ou sensor eletrônico • Invade o tecido cerebral • Impossibilidade da drenagem de LCR • Risco de sangramento Ventrículo lateral • Método mais acurado • Permite drenagem de LCR para controle da PIC e diagnóstico de infecção • Dificuldades para canular o ventrículo (“ventrículo pequeno”) • Risco de Ventriculite Espaço subdural • Não invade o encéfalo ou ventrículo • Menor taxa de infecção • Pós craniotomia • Menor acurácia • Possibilidade de obstrução Espaço subaracnóideo • Não invade o encéfalo ou ventrículo • Baixo índice de infecção • Possibilidade de cateter lombar • Menor acurácia • Risco de obstrução A escolha pela monitoração com cateter intraparenquimatoso, subdural, subaracnóideo ou intraventricular estará na dependência das condições clínicas do paciente, tamanho do ventrículo lateral e etiologia da doença neurológi- ca. Contudo, deve-se sempre ponderar, como primeira opção, a instalação do cateter ventricular, pois tem a vanta- gem da drenagem de LCR, facilitando o controle da PIC e maior acurácia das medidas. Tabela 4. Sistemas de monitoração da PIC Modo de Transmissão Vantagens Desvantagens Coluna Líquida • Uso subaracnóideo ou intraventricular • Permite verificar a calibração após a inserção • Coluna pode ser obstruída por bolhas de ar ou debris • Presença de artefatos pela movi- mentação do tubo • Precisa-se nivelar o transdutor após mudar a posição da cabeça Fibra óptica • Mínimo desvio e artefato • Alta resolução da forma da onda • Não precisa reposicionar o transdutor após alterações na posição da cabeça • Uso subaracnóideo, intraventricular e IP • Quebra da fibra • Incapacidade para verificar a calibração após a inserção • Custo operacional Fibra metálica ou eletrônica • Boa acurácia • Passagem do cateter por contra abertura • Monitoração lombar, fossa posterior e fossa temporal • Manuseio por médico clínico • Necessidade de conexão com outro aparelho para registro gráfico e análise morfológica das ondas, em tempo contínuo • Custo operacional Quando utilizamos métodos de monitoração cujo resultado é expresso em cm de água (cm H2O), é necessário rea- lizar a conversão para mmHg: 1 mmHg = 1,36 cm H2O FAlHAs NA MONITORAÇãO DA PIC As falhas na monitoração da PIC estão relacionadas ao método empregado e ao tempo de monitoração. A sensibi- lidade do método perante de fibra óptica tem boa acurácia por cinco dias, em média. Após este tempo o que mais se observa é uma perda na qualidade morfológica das ondas, com variações constantes, sendo difícil estabelecer o valor correto da PIC, perda da calibração inicial e quebra da fibra óptica. Nas monitorações ventriculares, devido à evolução patológica e compressão sobre os ventrículos laterais, há parada da drenagem liqüórica externa e dimi- �� nuição significativa da sensibilidade do método. Outro fator é a obstrução do cateter, que interrompe a transmissão da pressão, inviabilizando a monitoração. Nos sistemas que usam sensores externos como o domus (sensor de membrana), as falhas podem estar associadas aos fatores anteriormente citados, bem como à mudança de decúbito sem o reposicionamento do sensor, ou ainda, à presença de ar dentro do sistema, o que gera erros de interpretação. ANÁlIsE qUAlITATIVA DA PIC – ONDAs DE PREssãO A análise da morfologia das ondas é tão importante quanto a monitoração do valor da PIC. Variações de forma podem indicar falência nos mecanismos de compensação e antecipar informações de elevações na PIC. As formas das ondas são avaliadas de duas formas distintas: 1. Análise do registro gravado de forma contínua em papel. 2. Análise de cada pulso arterial demonstrado na tela do aparelho. Através da análise do registro gráfico e contínuo da PIC a uma velocidade de 50 mm/h, Lundberg descreveu as características de três ondas: • Onda A (ou onda de platô) = representada por um aumento progressivo da PIC até alcançar níveis de 50 a 100 mmHg que mantém um platô por 2 - 15 minutos, seguida de uma queda abrupta para níveis ligeiramente maiores que a PIC inicial. Com o tempo ocorre aumento na freqüência, duração e amplitude das ondas. Indicam diminui- ção da complacência e estão associadas a um prognóstico ruim. São distinguíveis quatro fases, a saber: - Fase de tendência: ocorre redução na PPC para níveis de 70 mmHg, causando vasodilatação e aumento da PIC. - Fase de platô: caracterizada pelo aumento do fluxo sangüíneo cerebral ainda em conseqüência da vasodilatação que mantém os elevados níveis da PIC. - Fase de resposta isquêmica: a PIC elevada reduz a PPC. Ocorre queda do fluxo sangüíneo cerebral, que atinge níveis de isquemia, com conseqüente resposta adrenérgica (Cushing) e aumento significativo da PAM. - Fase de resolução: estabelecido o retorno dos níveis da PPC e conseqüente vasoconstrição, há diminuição do fluxo sangüíneo cerebral com redução nos valores da PIC. • Onda B = representada por aumentos abruptos da PIC até 50 mmHg, com freqüência de 1 a 2 por minuto. São as ondas mais freqüentemente observadas e podem variar com a respiração. Também indicam diminuição da com- placência. Experimentos mostram que estas ondas estão relacionadas diretamente ao fluxo sangüíneo cerebral e ao diâmetro dos vasos. Não estão associadas à pressão arterial e com a concentração de dióxido de carbono. Por isso, são consideradas de questionável significância clínica. • Onda C = é reflexo da onda arterial de Traube-Hering, sendo também conhecida como onda de Mayer e pode ser considerada normal. Contudo, pode também ser causada por aumento da transmissão do pulso arterial intracra- niano, por diminuição da complacência, sendo observada, mesmo com o valor absoluto da PIC, dentro dos limites da normalidade. Na busca de melhores condições e resultados para a monitoração da PIC e à luz de novos conhecimentos técnicos, surgiram aparelhos que permitem uma monitoração mais fidedigna, com curvas gráficas mais precisas. Isto possi- bilitou o estudo do formato das ondas a uma velocidade de 25 mm/s. Foram descritas três ondas principais em um ciclo de pulso, conhecidas como P1, P2 e P3. Assim como uma pedra atirada na superfície de um lago, a passagem de pulsos de sangue através da circulação cria ondas secundárias que se difundem e reverberam. A onda P1 ou onda de pulso representa a transmissão e dissipação da onda de pulso para o interior do crânio e tem maior amplitude em relação às outras, em condições normais de complacência. As ondas P2 (tidal wave) e P3 (dicrotic wave) represen- �� tam a propagação e reverberação da onda de pulso e estão relacionadas à elastância cerebral, têm amplitude menor que a primeira, sendo vistas graficamenteuma subseqüente à outra, como ilustra a figura 1. Podem ser observadas ondas de menor amplitude após P3, que se admite representarem a transmissão da circulação sangüínea nas veias. Outrossim, em condições de menor complacência cerebral, onde, na verdade, há um aumento na densidade cere- bral, as ondas se propagam mais rapidamente, aproximando-se da amplitude da onda de pulso, o que graficamente se traduz pela equivalência ou superioridade do tamanho da onda P2 em relação a P1. Isto é de grande valia na interpretação da monitoração contínua da PIC, uma vez que o diagnóstico da falência dos mecanismos tampão do controle da PIC está próximo, mesmo quando os valores absolutos estiverem dentro dos limites da normalidade. Fato este que vem corroborar com observações na literatura que têm mostrado que a curva de Langfitt pode ter deslocamento no sentido horizontal. Figura 1. Morfologia de uma onda PIC normal e anormal. COMPlICAÇÕEs Infecções e sangramentos são as complicações mais freqüentes. A taxa de incidência e a gravidade variam confor- me o método de monitoração usado. O método intraventricular apresenta maior incidência de complicações que o subdural, subaracnóideo ou o intraparenquimatoso. As infecções podem ser superficiais (na pele ao redor do cateter ou parafuso de fixação) ou profundas (ventricu- lite ou abscesso). A taxa de ventriculite associada à ventriculostomia para colocação do cateter varia de 1 a 10% e parece aumentar com o tempo de permanência do cateter. Estudos (Narayan e cols) demonstraram que a taxa de infecção é desprezível em pacientes monitorados com cateter intraventricular por até 03 dias, porém as taxas aumentam após o quinto dia de inserção. Cuidados rigorosos de assepsia e antissepsia durante a realização da ven- triculostomia e no manuseio diário do paciente e seus curativos, contra-abertura com a tunelização do cateter de 3 a 5 cm, o uso de antibiótico profilático no pré e per operatório, a troca do cateter e sítio de inserção a cada 5 dias, com monitoração laboratorial diária do líqüor tendem a reduzir a incidência de ventriculite. Na atualidade, sendo respeitadas todas as recomendações de prevenção da infecção, não se aceita índice de infecção maior que 1%. O risco de sangramento importante varia de 1 a 2%. Eventualmente será necessário indicar cirurgia descompressiva para evacuação de um hematoma subdural, intraparenquimatoso ou mais raramente extradural. Novamente, o método intraventricular apresenta maior probabilidade de sangramento, principalmente em pacientes com coagu- lopatias. As alterações do estado de coagulação constituem a única contra-indicação relativa do método. Cabe ao cirurgião julgar a relação risco x benefício nesses casos. A ocorrência de fístula liqüórica é mais freqüente nos casos �� de permanência prolongada do cateter no mesmo local e em pacientes que evoluem com níveis muito elevados de PIC, pela formação de falsos trajetos pelo pulso hidrostático liqüórico. sITUAÇÕEs EsPECIAIs NA INTERPRETAÇãO DA MONITORAÇãO DA PIC Algumas situações podem levar a erros de interpretação, bem como dificuldades na avaliação dos dados de moni- toração da PIC e do hemometabolismo encefálico. As principais considerações e circunstâncias em que isso ocorre podem ser colocadas da seguinte forma: • Lesões da Fossa Média: • Tendo em vista a proximidade do uncus do lobo temporal com o mesencéfalo, as herniações uncais devido ao au- mento no gradiente de pressão, nesta localização, podem não traduzir um aumento efetivo na PIC. Assim, patolo- gias agudas como contusões temporais, hematomas, congestão vascular e edemas nesta região, podem ter evolução desfavorável, mesmo com a monitoração ventricular da PIC, revelando valores absolutos considerados normais. • A monitoração compartimental, na fossa média, poderia ser expressiva naqueles casos de aumento ultra-rápido do gradiente de pressão. A expressividade clínica destas circunstâncias, na sua grande maioria cirúrgicas, tornaria a monitoração obsoleta em relação à conduta. • Atenção especial deve ser dada nos casos de evolução insidiosa, como nos edemas, em que a observação constan- te da morfologia das ondas pode revelar o momento da falência dos mecanismos compensatórios e da alteração na complacência (P2 > P1), fato este que precede a herniação. Isto possibilita o diagnóstico e tratamento precoce, melhorando o prognóstico. • Lesões da Fossa Posterior: • A fossa posterior comporta-se como um compartimento fechado dentro do crânio e aloja de forma compacta o cerebelo, tronco encefálico, IV ventrículo e aqueduto cerebral, sendo limitada superiormente pela tenda do cerebe- lo. Assim, torna-se quase que intuitivo que pequenas lesões neste compartimento podem levar a herniações fatais, mesmo com valores da PIC dentro da normalidade, semelhante ao que ocorre na fossa média. • Contudo, algumas lesões (hematomas, isquemia, trauma, tumores) podem primeiramente obstruir o trajeto do LCR (aqueduto cerebral e/ou IV ventrículo) promovendo hidrocefalia supratentorial e elevação da PIC. • O valor da monitoração da pressão na fossa posterior tem sido motivo de vários ensaios científicos e, embora seu benefício ainda não esteja claro, a monitoração compartimental na fossa posterior pode se revelar importante nas lesões cerebelares localizadas, mas deve ser realizada sempre em concomitância com a monitoração supraten- torial. • Hemorragia subaracnóidea: • O aumento da PIC pode estar relacionado a: processo inflamatório levando a edema; hidrocefalia devido à diminuição na reabsorção de líqüor ou a obstrução do fluxo liqüórico por hematomas; edema devido a isquemia pelo vasoespasmo, patologia comumente observada nas hemorragias subaracnóideas, pós ruptura de aneurismas saculares intracranianos, devido a reatividade vascular aos produtos de degradação da hemoglobina. • Durante monitoração no vasoespasmo, a pressão intracraniana normal não garante que a perfusão tecidual esteja adequada para a necessidade metabólica causando isquemia mesmo, com pressão de perfusão dentro dos limites da normalidade. É uma grande falha da monitoração da PIC a ocorrência de queda dos níveis pressóricos da mesma, na fase inicial do vaso espasmo, simulando uma falsa melhora dos níveis pressóricos num paciente que terá sua �� evolução agravada. FIM DA MONITORAÇãO A decisão pela suspensão da monitorização envolve a análise dos seguintes fatores: • Doença de base (história natural, evolução, fase crítica, etc.) • Condição clínica geral do paciente • Hemodinâmica cerebral • Metabolismo cerebral A PIC e a complacência cerebral devem permanecer normais e estáveis por pelo menos 24 horas. Devemos procurar por sinais de retorno da auto-regulação e reatividade normal ao CO2. A sedação deve ser retirada de forma gradual, ainda sob controle da monitorização da PIC. Tabela 5. Quando retirar e/ou trocar o cateter da PIC • Melhora do quadro clínico com superficialização da consciência - abertura ocular espontânea e/ou obedecer a estímulo • Resolução do quadro de HIC (normal por período maior que 24 h) • sinais evidentes de infecção • A cada cinco dias se a retirada final não está definida O retorno do controle da hemodinâmica cerebral pode ser determinado pelo sinal da inversão da tendência hemo- metabólica do paciente, também chamado de AlARME OU AlERTA HEMOMETABólICO. Por exemplo, em um paciente com hiperemia cerebral mantido em hiperventilação otimizada, o aumento da ECO2, sem alteração no padrão ventilatório ou nos parâmetros monitorados, indica um retorno do controle hemodinâmico. A hiperventi- lação passa a apresentar efeitos deletérios por aumento da vasoconstrição e tendência à hipóxia oliguêmica. CONClUsãO Respeitadas as indicações acima descritas, a monitoração da PIC é fundamental para o bom êxito na evolução das patologias neurológicas,não importando o método utilizado. Os parâmetros obtidos com esta monitoração, aliados à dedicação na observação constante do paciente e a interpretação correta destes dados, junto a outras va- riáveis, resultam em diagnóstico precoce e por conseqüência, tratamento efetivo instituído em tempo hábil. Trata-se assim de monitoração primordial e de fácil acesso, justificando plenamente o seu uso na maioria das unidades de terapia intensiva que lidam com este perfil de paciente. A monitoração da PIC é procedimento fácil de realizar, com baixo custo operacional e grande benefício terapêutico, mas sua análise individual pode trazer erros na estratégia terapêutica sendo uma de suas limitações a dependência da análise de outras variáveis. A otimização da terapêutica de paciente com HIC monitorada deve ser realizada com a análise conjunta de outras variáveis como a saturação do bulbo da jugular (SjO2) ou uso do Doppler transcraniano que fornecem boas informações do hemometabolismo cerebral. sATURAÇãO DO OXIGÊNIO NO sANGUE DO BUlBO DA JUGUlAR (sJO2) A oximetria jugular é uma das ferramentas da monitoração multimodal na condução dos pacientes com hiperten- são intracraniana. Pela análise da extração cerebral de oxigênio (ECO2), podemos avaliar a relação entre o fluxo sanguíneo cerebral (FSC) e o consumo cerebral de oxigênio (CMRO2). A saturação de oxigênio no sangue venoso que drena do hemisfério cerebral permite inferir a atividade metabólica cerebral em relação ao seu suprimento ou à taxa de CMRO2. A determinação simultânea da diferença arterioveno- sa desta saturação permite calcular a extração cerebral de oxigênio e inferir o provável fluxo sangüíneo cerebral. �� Vários modelos já foram propostos para uma melhor compreensão dessa relação do hemometabolismo cerebral, mas sofrem interferência de outras variáveis, não sendo de grande aplicabilidade clínica (DAVO2). A vantagem de utilizar a ECO2 em vez de DAVO2 está na possibilidade de ocorrência de pacientes anêmicos, ou com baixas taxas de hemoglobina (Hb), onde o cálculo da DAVO2 pode sugerir, em virtude de seus valores reduzidos, o falso diagnóstico de hiperfluxo relativo (hiperemia cerebral). Nessas situações, em verdade o FSC pode estar nor- mal. Nas situações em que se mantém a auto-regulação cerebral, o FSC não aumenta para compensar a redução das taxas de Hb. Por outro lado, a ECO2 nestes casos, aumenta, exatamente pela falta de incremento esperado do FSC, verificando-se a dessaturação venosa jugular. O fluxo sangüíneo cerebral é calculado em aproximadamente 700 ml/min, correspondendo a 15% do débito cardí- aco. Pesando de 1200 a 1400 g no adulto, o cérebro consome 40 ml de O2 por minuto, ou 15% a 20% do oxigênio liberado pelos pulmões. Em condições normais, 30% a 35% do O2 circulante na rede vascular arterial cerebral é extraído, levando a uma saturação venosa de aproximadamente 65% no bulbo jugular. Para manter o suprimento adequado de glicose e oxigênio, um fluxo sanguíneo constante, apesar de amplas variações na PPC, é conseguido através da capacidade de auto-regulação estática e dinâmica cerebral. Sendo o fluxo sanguíneo cerebral (FSC) 50 ml/100 g/min, o conteúdo de O2 no sangue arterial 14 ml/dl e o oxigênio do sangue venoso do bulbo jugular 7,7 ml/dl, temos uma diferença arteriovenosa (carótido-jugular) de oxigênio (DAVO2) de 6,3 ml/dl. Ou seja, o cérebro extrai 6,3 ml de O2 por cada decilitro de sangue. Conhecendo-se o FSC e a DAVO2, podemos calcular a taxa de consumo de O2 pelo cérebro (CMRO2). CMRO2 = FSC x DAVO2 A DAVO2 pode ser calculada pela fórmula: DAVO2 = [(SaO2 –SjO2) x Hb x 1,36] / 100 DAVO2 = diferença arteriovenosa (jugular) de oxigênio; SaO2 = saturação arterial de oxigênio; SjO2 = saturação venosa jugular de oxigênio; 1,36 = taxa de carregamento de O2 pela hemoglobina; Hb = hemoglobina em g / 100 ml de sangue. A saturação venosa jugular de oxigênio (SjO2) pode ser verificada de forma contínua, através de sistema de fibra óptica, ou de modo intermitente, através da coleta de amostras de sangue venoso pelo cateter posicionado no lú- mem da veia, estando sua extremidade na região do bulbo da jugular. A SjO2 permite, através do diagnóstico pre- coce de eventos hipóxicos ou hipóxico/isquêmicos transitórios ou persistentes, uma correta abordagem terapêutica, prevenindo a lesão secundária ou procurando minimizar ou reverter as conseqüências decorrentes do tempo que o paciente experimentou níveis de PIC elevada. Permitindo também definir ou identificar nível adequado da pressão de perfusão cerebral (PPC) e otimização ventilatória (PCO2) para cada caso. A ECO2 é medida global que não permite detecção correta de alterações regionais do hemometabolismo cerebral, no entanto nas situações clínicas em que acontecer modificação predominantemente global (não exclusivamente), fornece informações fidedignas sobre o balanço/acoplamento entre consumo cerebral de O2 e o Fluxo Sanguíneo Cerebral. Segundo Cruz et al a ECO2 tem como valor normal médio encontrado 31,6%. Para melhor compreender essa relação, é interessante lembrar que, em condições normais, cerca de 60% da energia total consumida pelo cére- bro é gasta em funções sinápticas e o restante é utilizado em funções metabólicas basais. Na fisiologia normal, o metabolismo aeróbico cerebral consome glicose e O2 levando à produção de CO2, que atravessa facilmente a barreira hemato-encefálica. Nessas condições, o CMRO2 equivale a 3,5 ml/100g/min. Con- �� siderando-se que a SaO2 está dentro dos limites da normalidade (> 94%) e que o neurônio extrai cerca de 32% do oxigênio ligado à hemoglobina arterial, restam 62% do lado venoso jugular. ECO2 = saO2 – sjO2 = 24 a 42% Dentro de uma situação fluxo-metabolismo cerebral acoplados, diante de saturação de O2 arterial e concentração de hemoglobina normais e constantes, alterações na SjO2 refletem mudanças do FSC. Contudo, em pacientes com TCE, outros fatores como pH e concentração de hemoglobina podem quebrar esta inter-relação ou acoplamen- to. Em condições de alcalose induzida pela hiperventilação, a curva de dissociação da oxi-hemoglobina pode ser desviada para a esquerda, fazendo com que o tecido cerebral passe a ter menor capacidade para extrair O2 arterial completamente (ECO2 rebaixada), traduzindo uma oxigenação venocapilar global comprometida. Este fenômeno denomina-se de efeito Bohr. Todo o ambiente metabólico do paciente deve estar o mais equilibrado possível, conforme enfatizado pelas medidas gerais já explanadas, para que outras variáveis como hipoxemia, hipercarbia, hipertermia, convulsões, anemia, etc, não interfiram na análise dos resultados obtidos, gerando condutas terapêuticas inapropriadas. Alguns cuidados devem ser seguidos para inserção do cateter no bulbo jugular. A drenagem venosa cerebral é realizada pelas veias jugulares internas. A certificação do lado dominante pode ser feita por alguns métodos: compressão de cada veia jugular (maior aumento da pressão intracraniana); avaliação da tomografia computadorizada de encéfalo (pelo maior forame jugular passa a veia jugular de maior calibre); ultrasom vascular (comparação do calibre das duas veias); se não há diferença entre as duas veias jugulares → veia ipsilateral à lesão cerebral mais importante; A metodologia de inserção do cateter é pela punção da veia jugular interna via retrógrada e inserção do cateter, comum ou de fibra óptica, até o teto do bulbo jugular (discreta resisistência a ± 15-17 cm). Exterioriza-se 0,5-1,0 cm do cateter para melhor posicionamento que é confirmado pelo RX de crânio em perfil (o bulbo jugular é medial ao mastóide e curva-se medialmente ao nível da base do mastóide; a extremidade do cateter situa-se acima da segunda vértebra cervical). Deve-se ter o cuidado de manter o lúmen do cateter com solução salina a 0,9%, não administrar drogas e utilizaro catéter apenas para monitoração e coleta de amostras de sangue. A oximetria jugular tem a van- tagem de ser um procedimento de fácil realização à beira leito, fornecendo informações, intermitentes ou contínuas, sobre o consumo cerebral de oxigênio de forma global. A monitoração da saturação do bulbo da jugular estará indicada nas situações a seguir: • Quando houver monitoração da PIC instalada e houver necessidade de hiperventilação otimizada; • Necessidade da avaliação do acoplamento entre consumo cerebral de O2 e fluxo sanguíneo cerebral; • Necessidade de otimizar terapêutica da HIC monitorada. A principal indicação de monitoração do bulbo jugular é o paciente com hipertensão intracraniana, que não apre- senta melhora apesar de realizadas todas as medidas de primeira linha para controle da HIC. A monitoração concomitante da pressão intracraniana (PIC) e da SjO2 vai permitir que a hiperventilação otimizada (PCO2 até 30 mmHg) seja realizada como medida terapêutica com segurança. As contra-indicações à colocação do cateter são TRM cervical, trauma local, coagulopatias e traqueostomia (maior risco de infecção). As complicações são infrequentes, sendo a punção inadvertida da artéria carótida a mais comum delas, seguidas de lesão do bulbo (transfixação) e trombose venosa. As principais situações clínicas que encontramos no paciente com HIC monito- rado com oximetria jugular são as descritas a seguir: • ECO2 normal �� Ocorre nas situações de hipometabolismo cerebral ou estados de coma em que o consumo reduzido de oxigênio leva a vasoconstrição e conseqüente redução do FSC. Se a PIC é normal, nenhuma intervenção a ser realizada. Se a PIC está aumentada, a manipulação da PaCO2 ou o uso de manitol em bolus são úteis no controle da HIC, com o cuidado de manter a ECO2 dentro dos limites da nomalidade. Afastar a possibilidade de sedação inadequada e hipotensão que poderiam estar levando a um aumento da PIC. • ECO2 reduzida Há um aumento do fluxo sanguíneo cerebral para um consumo de oxigênio já reduzido, levando ao quadro de hiperperfusão cerebral relativa. Se a PIC é normal, afastar situações que levem a hiperemia secundariamente, como hipóxia hipóxica, hipóxia is- quêmica (hipovolemia, hipotensão, lesão vascular), hiperfluxo por hipervolemia ou sepse (cascata inflamatória nos vasos cerebrais). Se a PIC está aumentada, a hiperventilação otimizada é bem indicada, desde que o paciente esteja bem sedado. Lembrar que outros fatores podem estar contribuindo para a leitura errônea, como deslocamento do cateter, aspi- ração rápida da amostra de sangue, hipercarbia e shunt AV. Esse grupo de pacientes deve ser prontamente tratado; pois apresenta maior taxa de mortalidade quando compa- rado ao grupo com ECO2 aumentada. • ECO2 aumentada Ocorre uma vasoconstrição excessiva, levando à redução do FSC para um consumo cerebral de oxigênio já reduzi- do. Reflete o quadro de hipoperfusão cerebral relativa (hipóxia oliguêmica cerebral). Se a PIC normal, é imperativo afastar outros fatores como hipoxemia, hipertermia, anemia, hipocarbia, hipoten- são, hipovolemia, desidratação, convulsão e vasoespasmo. Se a PIC está aumentada, está indicado o uso de soluções hiperosmolares, como o manitol em bolus ou solução hipertônica de sódio, para devido controle da PIC e ECO2. Esses pacientes evoluem com maior sobrevida (menor morbimortalidade), devido à melhor viabilidade cerebral global. CONClUsãO A avaliação da oximetria do bulbo jugular é útil no diagnóstico diferencial entre diversas situações neurológicas ajudando na orientação da conduta a ser tomada. A monitoração da ECO2, associada a PIC e PPC, permite oti- mização do tratamento intensivo destes pacientes. Na atualidade, visando um melhor controle dos malefícios que possam causar lesão secundária no paciente neurológico, vários parâmetros e metodologias têm sido firmadas como importantes métodos de monitoração desses pacientes. Variáveis e metodologias como temperatura cerebral, velocidade de fluxo em artérias cerebrais (Doppler Transcraniano), EEG, Potenciais Evocados, BIS, concentrações teciduais de O2, CO2 , valor do pH, glicose e glutamato através da Micro diálise ou de neurotrends óticos ou eletrô- nicos e ainda uso de sensores que determinam a oxigenação transcutânea estão com implantação nas diversas UTIs de referência para o paciente neurocrítico, cada vez mais freqüentes. No apêndice dessa apostila, textos informati- vos sobre tais metodologias podem ser consultados. �� Capítulo 8 Hipertensão intracraniana A hipertensão intracraniana (HIC) é uma emergência médica e deve ser reconhecida e tratada o mais rapidamente possível. A elevação da pressão intracraniana (PIC) é uma complicação potencialmente devastadora da injúria neurológica primária. Ela pode estar associada a várias etiologias diferentes e freqüentemente complica o trauma craniencefálico, tumores do sistema nervoso central, hidrocefalia, encefalopatia hepática, hemorragia ou infarto cerebral. O sucesso na abordagem da HIC requer o seu rápido reconhecimento, o uso correto da monitoração inva- siva, o tratamento de redução da pressão intracraniana e a correção da causa subjacente. O aumento da pressão intracraniana pode causar injúria no parênquima cerebral através de dois mecanismos prin- cipais: diminuição da pressão de perfusão cerebral (PPC) e do fluxo sangüíneo cerebral (FSC), causando isquemia e necrose tecidual; e herniação do tecido cerebral, acarretando injúria mecânica direta e isquemia ou hemorragia por distorção vascular. FIsIOlOGIA A pressão intracraniana (PIC) é normalmente menor que 10-15 mmHg em adultos e hipertensão intracraniana com potencial efeito deletério está presente quando a pressão for ≥ 20 mmHg. Elevações ocasionais e transitórias da PIC, acompanhadas de tosse, espirro ou manobras de Valsalva, são normalmente estabilizadas por mecanismos homeostáticos. Em adultos, o compartimento intracraniano é protegido pelo crânio, uma estrutura rígida com um volume interno fixo de 1400 a 1700 ml. Sob condições normais, o conteúdo intracraniano inclui (em volume): • Parênquima cerebral – 80-85% • Líquido cerebroespinhal (líqüor) – 5 a 10% • Sangue – 8 a 12 % Entretanto, volumes patológicos, como lesões com “efeito de massa”, por exemplo, abscessos ou hematomas, po- dem estar presentes dentro do compartimento intracraniano. Desde que o volume total do compartimento intra- craniano não pode mudar, o aumento no volume de um dos componentes ou a presença de um componente pato- lógico, necessita ser compensado pelo deslocamento de outra estrutura ou a PIC aumentará. Então, a PIC é uma função do volume e da complacência de cada um dos componentes intracranianos. Esta relação foi reconhecida há mais de 150 anos e é denominada de doutrina de Monro-Kellie. O volume do parênquima cerebral é relativamente constante em adultos, embora ele possa ser alterado por lesões com efeito de massa ou por edema cerebral. O líqüor é produzido pelo plexo coróide numa taxa de 20 ml/h (cerca de 500 ml/dia). Ele é normalmente reabsorvido nas granulações aracnóides pelo sistema venoso. Alterações na regulação do conteúdo de líqüor podem ocorrer nas obstruções ventriculares ou nas conges- tões venosas (por exemplo, trombose de seio sagital). Um aumento na produção de líqüor é um evento raro, mas pode ocorre nos casos de papilomas do plexo coróide. O fluxo sangüíneo cerebral (FSC) determina o volume de sangue no espaço intracraniano. O FSC aumenta com a hipóxia e a hipercapnia. A autoregulação do FSC pode estar perdida nas injúrias cerebrais e pode resultar em grave inchaço cerebral, principalmente em crianças. A inter-relação entre mudanças no volume dos conteúdos intracranianos e as variações na PIC definem a compla- cência do compartimento intracraniano. A complacência intracraniana pode ser modelada matematicamentecomo uma relação entre alterações de volume pelas alterações de pressão (figura 1). �0 Figura 1. Curva de Langfitt: relação volume x pressão intracraniana A relação de complacência não é linear, e a complacência diminui à medida que o volume dos conteúdos intra- cranianos aumenta. Inicialmente, mecanismos compensatórios permitem que o volume cresça com pequenas elevações de pressão. Estes mecanismos incluem o deslocamento do líqüor para o saco tecal e a diminuição no volume de sangue por vasoconstrição e drenagem extracraniana. Entretanto, quando estes mecanismos de compensação se esgotam, aumentos significativos na pressão ocorrem mesmo com pequenos aumentos no volume, levando a uma PIC anormalmente elevada. Além disso, a velocidade de mudança no volume do conteúdo intracraniano determina seu efeito na PIC. Mu- danças que ocorrem lentamente produzem muito menos efeito na PIC que aquelas que ocorrem rapidamente. Isso ocorre clinicamente em pacientes com grandes tumores no SNC e que têm PIC normal ou pouco elevada e outros pacientes com pequenos hematomas e elevações sintomáticas na PIC. FlUXO sANGüÍNEO CEREBRAl Com o aumento significativo da PIC, uma injúria cerebral adicional pode resultar da compressão do tronco cerebral ou pela redução do fluxo sangüíneo cerebral (FSC). O FSC é uma função da diferença de pressão através da circulação cerebral dividida pela resistência cerebrovascular, de acordo com a lei de Ohm: FSC = (PAC – PVJ) / RVC onde, PAC é pressão arterial carotídea, PVJ é pressão venosa jugular e RVC é resistência vascular cerebral. A pressão de perfusão cerebral (PPC) pode ser usada como uma informação clínica da perfusão cerebral. A PPC é definida como a pressão arterial média (PAM) menos a pressão intracraniana (PIC): PPC = PAM - PIC Auto-regulação: o FSC normalmente é mantido num nível relativamente constante pela auto-regulação da RVC dentro de uma faixa da PAM (60 a 150 mmHg). Elevações da PAM são acompanhadas de vasoconstrição e diminuições da pressão arterial são compensadas com vasodilatação. Então, a RVC mantém o FSC estável, dentro dos seus limites de compensação, protegendo a perfusão cerebral das pequenas e moderadas variações fisiológicas da PAM. Entretanto, a auto-regulação da RVC pode se tornar disfuncionante em certos estados patológicos, principalmente no trauma e na doença cerebrovascular. Nestas situações, o cérebro pode se tornar muito sensível mesmo a pequenas variações da PAM e da PPC. �� Uma outra consideração importante é que os limites da auto-regulação podem mudar consideravelmente em pacientes com hipertensão arterial crônica, deslocando-se para a direita. Isto protege o cérebro de hiperper- fusão nas situações com aumento sustentado da pressão arterial. Entretanto, torna o cérebro vulnerável à hipoperfusão com quedas agudas da pressão arterial, mesmo dentro dos níveis “normais”. Pressão de perfusão cerebral (PPC): condições associadas com PIC elevada podem estar associadas à redu- ção da PPC. Isto pode resultar em isquemia cerebral focal ou global. Por outro lado, elevação excessiva da PPC pode levar a encefalopatia hipertensiva e edema cerebral, devido à quebra da auto-regulação cerebral, principalmente se a PPC se elevar acima de 120-140 mmHg. Níveis maiores de PPC podem ser tolerados nos pacientes com hipertensão crônica. As reduções focais ou globais do FSC são responsáveis por muitas das manifestações clínicas de PIC elevada. MANIFEsTAÇÕEs ClÍNICAs As manifestações clínicas da HIC podem ser divididas em gerais, focais e as síndromes de herniação. Sintomas gerais de HIC incluem cefaléia, provavelmente mediada por fibras dolorosas do trigêmio na dura- máter e nos vasos sangüíneos, vômitos e diminuição global do nível de consciência, por pressão na substância reticular mesencefálica. Sinais de HIC incluem papiledema (por diminuição no transporte axonal do nervo óptico e congestão venosa), paralisia de nervos cranianos (principalmente do VI par), e a tríade de Cushing (hipertensão arterial, bradicardia e depressão respiratória). A presença dessa tríade exige uma intervenção urgente, porque geralmente significa compressão grave do tronco cerebral. Os sinais focais (ou de localização) da HIC podem ser causados pelos efeitos locais de lesões com efeito massa ou pelas síndromes de herniação (tabela 1). As herniações ocorrem quando um gradiente de pressão se desen- volve entre duas regiões intracranianas. As localizações anatômicas mais comumente afetadas pelas hérnias encefálicas incluem as regiões subfalcina, transtentorial uncal, transtentorial central e tonsilar. O não controle imediato de uma HIC pode acarretar herniações progressivas e deterioração rostro-caudal, com seqüela neu- rológica grave ou morte do paciente (tabela 2). Tabela 1. Principais síndromes de herniação cerebral SÍNDROMES DE HERNIAÇÃO Hipertensão intracraniana Cefaléia (se consciente) Diminuição do nível de consciência Tríade de Cushing (hipertensão arterial, bradicardia e irre- gularidade respiratória) Hérnia uncal Piora progressiva do nível de consciência Midríase ipsilateral Hemiplegia e Babinski contralateral Hérnia transtentorial central Piora maior do nível de consciência (coma profundo) Perda progressiva dos reflexos de tronco Atitude de decorticação seguida de descerebração Hérnia tonsilar Coma profundo Tetraplegia flácida Parada respiratória �� Tabela 2. HIC descontrolada com deterioração rostro-caudal Deterioração rostro-caudal Cefaléia Diminuição do nível de consciência Hipertensão arterial e bradicardia Dilatação pupilar ipsilateral Hemiparesia contralateral Postura de decorticação Hiperventilação neurogênica Postura de descerebração Tetraparesia, dilatação pupilar bilateral Irregularidade respiratória Parada cardiorrespiratória Desde que a acurácia diagnóstica das manifestações clínicas de HIC é limitada e não se correlacionam diretamente com o nível de pressão, os achados descritos acima podem ser inconstantes e imprevisíveis. O uso de técnicas radio- lógicas pode suportar o diagnóstico, mas o melhor método de diagnóstico da PIC elevada é a sua aferição direta. MONITORAÇãO DA PIC O tratamento empírico de uma PIC presumidamente elevada é insatisfatório porque a PPC não pode ser monito- rada confiavelmente sem a medida da PIC. Além disso, a maioria das terapias para diminuir a PIC é efetiva por períodos limitados e variáveis de tempo, além de terem potenciais efeitos deletérios. Portanto, embora os passos ini- ciais para controle da PIC elevada possam ser iniciados, numa emergência, sem a sua monitoração, um importante objetivo no tratamento otimizado do paciente com presumida HIC é a instalação de um dispositivo de monitoração da PIC. O objetivo da monitoração da PIC é melhorar a capacidade do médico em manter uma PIC controlada e uma PPC e oxigenação cerebral adequadas. A única maneira de determinar confiavelmente a PIC e a PPC (determinada pela diferença entre a PAM e a PIC) é monitorá-las continuamente. Em geral, estes pacientes necessitam de um monitor de PIC e de uma linha arterial. O controle da HIC, da PIC e a adequação da PPC ao longo do tempo podem me- lhorar o prognóstico de pacientes com doença neurológica grave, principalmente no traumatismo craniencefálico (TCE). O PIC deve ser mantida abaixo de 20 mmHg e a PPC acima de 50 mmHg ou, idealmente, acima de 60 mmHg em pacientes com HIC para evitar hipoperfusão e isquemia cerebral. O FSC não parece se elevar acima de níveis peri- gosos até uma PPC de aproximadamente 120 mmHg. Indicações: o diagnóstico de PIC elevada é geralmente baseado nos achados clínicos e suportado por estudos ra- diográficos e pela história clínica do paciente. O TCE é uma das mais freqüentes e melhor estudadas indicações de monitoração da PIC. A prática atual da monitoração da PIC é grandemente derivada da experiênciaclínica com TCE. Outras indicações potenciais incluem doença cerebrovascular aguda, hidrocefalia, hemorragia subaracnoí- dea, síndrome de Reye, encefalopatia hepática e trombose venosa. A monitoração da PIC no TCE está indicada em pacientes com escala de Glasgow de 8 ou menos e uma tomografia de crânio (TC) alterada. Pacientes comatosos, com uma TC normal têm uma menor incidência de HIC, a menos que tenham dois ou mais dos seguintes critérios: • Idade > 40 anos • Resposta motora alterada unilateral ou bilateral • Pressão arterial sistólica abaixo de 90 mmHg �� • Piora de 2 ou mais pontos na escala de Glasgow A monitoração da PIC não está regularmente indicada em pacientes acordados e capazes de seguir comando ver- bal. Uma exceção pode ser o paciente com risco de HIC e que será submetido à anestesia geral ou sedação profunda prolongada, tornando impossível a monitoração clínica durante algumas horas. Tomografia computadorizada (TC): embora a TC possa sugerir uma PIC elevada baseada numa lesão com efeito de massa, desvio da linha média ou apagamento dos sulcos, cisuras e cisternas basais. Pacientes sem esses achados também podem ter HIC ou desenvolvê-la durante a internação em 10 a 15%. Outros estudos demonstram que até um terço dos pacientes com TC normal inicial desenvolvem alterações nas TC subseqüentes nos primeiros dias após um TCE fechado. Estes dados demonstram a importância da monitoração da PIC em pacientes de alto risco e o papel da TC seqüencial em pacientes que desenvolvem PIC elevada durante a hospitalização. Desde que a monitoração da PIC está associada a pequeno risco de complicações, incluindo infecção e hemorragia intracraniana, é razoável tentar limitar seu uso aos pacientes com maior risco de HIC. TRATAMENTO DA HIPERTENsãO INTRACRANIANA O tratamento da HIC pode ser dividido sistematicamente em 3 fases: abordagem geral, tratamento de 1ª linha e tra- tamento de 2ª linha. A abordagem geral é composta de uma série de condutas que devem ser instituídas em todos os pacientes com injúria neurológica e risco de HIC. Nos pacientes com HIC estabelecida, as condutas da abordagem geral devem ser otimizadas ao máximo e servem de base ao acréscimo de qualquer outra forma de tratamento. As formas de tratamento de 1ª linha devem ser rapidamente instituídas quando as condutas gerais não forem suficien- tes para controlar a HIC. Estes tratamentos geralmente não necessitam de monitoração especial adicional, além da monitoração da PIC. Quando estes tratamentos também não forem suficientes, estes pacientes podem ser conside- rados refratários ao tratamento geral da HIC e algumas das formas de tratamento de 2ª linha devem ser instituídas. Nestes casos, a escolha de qual ou quais tratamentos utilizar, deve ser individualizada e pode ser guiada por alguma forma de monitoração adicional, como por exemplo, a monitoração da SjO2. ABORDAGEM GERAl O melhor tratamento para a HIC é a resolução imediata da causa da elevação da PIC. Exemplos incluem: drena- gem de um hematoma, ressecção de um tumor, derivação liqüórica nas hidrocefalias e tratamento das alterações metabólicas subjacentes. Qualquer outra forma de tratamento da HIC é secundária quando existir uma causa cirur- gicamente tratável. Por isso, a abordagem de uma paciente com suspeita de HIC ou com HIC confirmada sempre tem uma TC no início. Independente da causa, a HIC é uma emergência médica e seu tratamento deve ser iniciado o mais rápido possível. Além do tratamento específico da causa básica existem manobras que devem ser aplicadas a todos os pacientes e outras que devem ser reservadas para algumas situações específicas. Ressuscitação clínica: a avaliação e o suporte da ventilação, oxigenação, pressão arterial e perfusão tecidual são fundamentais e aplicáveis a todos os pacientes indistintamente. Hipoventilação, hipoxemia e hipotensão arterial devem ser imediatamente corrigidas (ABCs). Se uma PIC elevada for suspeitada, cuidado deve ser tomado para minimizar maior elevação durante a intubação, com posicionamento correto do paciente e sedação adequada. Hipotensão arterial e hipoxemia podem induzir a vasodilatação cerebral reativa, hipertensão intracraniana e hipo- perfusão cerebral. Abordagem de emergência: alguns pacientes com herniação cerebral podem se apresentar com manifestações clí- nicas evidentes de HIC e herniação (Tabela1). Nestes casos, após ressuscitação clínica adequada (ABCs), medidas imediatas podem ser instituídas até que um detalhamento maior possa estar disponível, através dos estudos radio- lógicos e da monitoração da PIC. A abordagem de emergência, indicada para todos os pacientes com sinais clínicos de herniação, inclui: �� • Elevação da cabeceira do leito até 30º e posição neutra da cabeça • Manitol intravenoso (1 a 2,0 g/Kg) • Hiperventilação otimizada para manter PaCO2 em 25 a 30 mmHg Concomitantemente, uma avaliação clínica mais detalhada deve ser implementada, incluindo história clínica, exa- me neurológico detalhado e neuroradiologia. Pacientes com sinais clínicos de deterioração devem ser tratados e rapidamente levados para um diagnóstico tomográfico e para um tratamento cirúrgico, se indicado. Hiperventilação pode ter efeitos deletérios por isquemia cerebral e somente deve ser usada na fase inicial do trata- mento da HIC, nos pacientes que estão rapidamente descompensando, apesar das outras medidas instituídas. Do contrário, a PaCO2 inicial deve ser mantida entre 35 e 40 mmHg. Monitoração da PIC e a decisão de tratar: se um diagnóstico de PIC elevada for suspeitado e uma causa imediata não é identificada, então a PIC deve ser monitorada. A escolha do tipo de monitor de PIC empregado deve ser baseada nas vantagens e desvantagens discutidas na aula de monitoração da PIC. O objetivo da monitoração da PIC e do tratamento da HIC é a manutenção da PIC abaixo de 20 mmHg e da PPC acima de 60 mmHg. Qualquer intervenção somente deve ser instituída após a PIC manter-se acima de 20 mmHg por mais de 5 a 10 minutos, desde que elevações transitórias da PIC podem ocorrer com a tosse, movimento, perí- odos de aspiração e assincronia com o ventilador. A identificação de ondas patológicas, com rápidas e repetitivas elevações da PIC também indica necessidade de intervenção. Administração de líquidos e controle metabólico: em geral, pacientes com PIC elevada não necessitam de restrição de líquidos. Eles devem ser mantidos euvolêmicos e com a osmolaridade plasmática de normo a hiperosmolar. Ro- tineiramente, eles devem receber solução salina normal e restrição de água livre. Hipovolemia acarreta diminuição do FSC e lesão neurológica secundária e deve ser evitada a todo custo. O valor maior da ressuscitação com colóide ou cristalóide é inconclusível neste momento. Uma atenção especial deve ser dirigida para evitar hiperglicemia nos pacientes com doença neurológica grave. Uma glicemia abaixo de 150 mg/dl deve ser perseguida. A osmolalidade sérica deveria ser mantida acima de 280 mOsm/l e o melhor é mantê-la entre 295 e 305 ou até 320 mOsm/l. Hiponatremia é comum nos pacientes com HIC, principalmente nos pacientes com hemorragia subarac- noídea, e deve ser evitada ou prontamente tratada. sedação e analgesia: a manutenção de uma sedação e analgesia apropriadas podem diminuir a PIC por redução da demanda metabólica, da assincronia com o ventilador, da congestão venosa e da resposta simpática de hipertensão e taquicardia. Propofol é utilizado com bons efeitos e pode ser titulado rapidamente para permitir um nível de sedação desejado e permitir reavaliação neurológica freqüente, devido a sua meia-vida curta. Outras drogas como midazolam, geralmente associado a fentanil contínuo ou morfina intermitente também tem bons efeitos. A dexme- detomedina pode ser uma droga promissora. Os bloqueadores neuro-musculares só devem ser usados por curtos períodos, e se possível,evitados completamente. Controle da pressão arterial (PA): em geral, a PA deve ser suficiente para manter uma PPC maior que 60 mmHg. Adequada ressuscitação de volume e uso de drogas vasopressoras parecem seguras e não acarretam maior elevação da PIC. O controle da PA é particularmente relevante nos pacientes sedados, onde hipotensão iatrogênica pode ocorrer. Hipertensão arterial deve ser tratada somente se a PPC exceder 120 mmHg. Muito cuidado deve ser tomado para evitar uma PPC abaixo de 60 mmHg ou, como já discutido, uma “normali- zação” da pressão arterial em pacientes previamente hipertensos. Qualquer dessas duas situações pode se acompa- nhar de diminuição crítica do FSC e injúria isquêmica adicional. Posicionamento: pacientes com risco de PIC elevada ou com PIC certamente alta devem ser posicionados para maximizar o retorno venoso cerebral, sem causar queda significativa na PPC. Em geral, nos pacientes hemodina- micamente estáveis, uma elevação da cabeceira a 30º satisfaz estas duas exigências e tem-se demonstrado que a PIC �� apresenta uma queda nesta posição. Além disso, a cabeça deve ser mantida numa posição neutra, evitando flexão ou rotação excessiva do pescoço (para não bloquear o fluxo jugular) e minimizando qualquer manobra que acarrete uma resposta de Valsalva (para não aumentar a pressão intratorácica). Demanda metabólica: uma demanda metabólica cerebral aumentada resulta em aumento do FSC e pode elevar a PIC por aumento no volume de sangue intracraniano. Além disso, uma demanda metabólica aumentada, sem um FSC que a satisfaça, pode acarretar isquemia e injúria regional. Contrariamente, uma diminuição na demanda me- tabólica pode reduzir a PIC pela redução no FSC e prevenir injúria. Se necessário, após sedação adequada, alguns pacientes podem necessitar de bloqueio neuromuscular (BNM), mas só por curtos períodos. O uso de BNM pode aumentar o risco de infecção, miopatia e escaras. Febre aumenta o metabolismo cerebral e injúria cerebral adicional em modelos animais foi demonstrada. Portanto, o tratamento da febre deve ser agressivo, incluindo antitérmicos e esfriamento físico, em pacientes com HIC. Convulsões podem complicar um quadro de HIC ou contribuir para elevá-la ainda mais. Tratamento anticonvulsi- vante deve ser rapidamente instituído se crises convulsivas são identificadas ou suspeitadas. Tratamento profilático pode ser necessário em casos onde a incidência de crise é alta ou quando seu aparecimento pode levar à injúria cerebral secundária significativa. Todos os pacientes com HIC devem receber tratamento profilático. TRATAMENTO EsPECÍFICO Como mencionado acima, o melhor tratamento da PIC elevada é o tratamento da causa imediata subjacente. Se isso não for possível ou não foi suficiente, uma série de passos deve ser iniciada para reduzir a PIC e minimizar lesão cerebral adicional. Em todos os casos, o médico deve ter em mente os itens de ressuscitação, redução do volume intracraniano e reavaliação freqüente. Tratamento de 1ª linha Remoção de lesão com efeito massa ou de líquor: lesão com efeito massa associada a uma elevação da PIC deve ser removida sempre que possível e rapidamente. Da mesma forma, quando hidrocefalia for identificada, uma deriva- ção ventricular deve ser empregada. Drenagem liqüórica pode auxiliar no controle da PIC, sendo relativamente fácil e disponível quando presente uma derivação ventricular externa. O líqüor deve ser removido lentamente, principalmente em pacientes com hidrocefa- lia sintomática por hemorragia subaracnoídea, para evitar sangramento recorrente. Idealmente, o líqüor é removi- do em alíquotas de 1-2 ml de cada vez, permitindo que a PIC diminua gradualmente. Osmoterapia: as substâncias hiperosmóticas aumentam a osmolaridade sérica e têm duas ações complementares: 1) uma expansão quase imediata do volume plasmático, elevando o FSC, diminuindo o hematócrito e a viscosidade sangüínea, com conseqüente melhora da perfusão e oxigenação cerebral; e 2) um efeito osmótico após 15 a 30 mi- nutos, com redução do volume cerebral por drenar a água livre do tecido cerebral para a circulação, desidratando o parênquima cerebral normal e aumentando a complacência intracraniana. Esta ação das substâncias hiperosmó- ticas requer uma barreira hematoliqüórica intacta para exercer sua ação. A eliminação urinária dos diuréticos osmóticos pode acarretar desidratação e perda de eletrólitos. O agente mais comumente utilizado é o manitol, numa solução a 20% e dado em bolus de 0,5 a 2,0 g/Kg no ataque. Doses sub- seqüentes podem ser utilizadas na dose de 0,25 a 0,75 g/Kg em bolus, a cada 15 ou 30 minutos, para manter PIC abaixo de 20 e evitando a elevação da osmolalidade acima de 320 mOsm/l. O uso do manitol em pacientes com insuficiência renal é relativamente contra-indicado. O efeito de queda na PIC é geralmente evidente após alguns minutos, tem seu pico em 30-45 minutos e dura 2 a 12 horas. Algumas descrições mostram o potencial de um efeito rebote, provavelmente porque, após o uso repetido do manitol, ele entra no tecido cerebral através de uma barreira hematoencefálica lesada e reverte o gradiente osmóti- co. A hipovolemia induzida pelo manitol também pode elevar a PIC. �� Parâmetros úteis na monitoração da ação do manitol são o controle do sódio sérico, da osmolalidade sérica e da função renal. Complicações freqüentes são hipernatremia, osmolalidade sérica anormalmente elevada (acima de 320mOsm/l), hipovolemia e necrose tubular aguda. Além disso, o manitol pode diminuir a pressão arterial e, nessas ocasiões, se necessita otimizar a PPC com volume ou vasopressores. Furosemida pode exacerbar as ações do mani- tol, mas também acarreta maior hipovolemia e hipocalemia. A solução salina hipertônica (SSH), em soluções a 3%, 7,5% ou 23,4%, administrada rapidamente, nos volumes de 100 a 250 ml, é usada também com efeitos similares ao manitol, mas em geral é mais potente. Sua ação como expansor plasmático e rápida correção da hipoperfusão cerebral, torna sua indicação ideal na ressuscitação aguda do paciente com politrauma e trauma craniencefálico associados. Muitos pacientes com HIC refratária à admi- nistração de manitol podem responder à SSH. A elevação da natremia (freqüentemente acima de 160 mEq/l) não é relacionada a qualquer problema clínico ou neurológico significativo. Se hiponatremia significativa não estava presente antes da administração da SSH, mielinólise pontina central não é descrita como uma complicação. Corticosteróides: os corticosteróides não são úteis no tratamento da PIC elevada por infarto, hemorragia e TCE. Eles podem ter um efeito benéfico na HIC por tumor ou infecção cerebral. Nesses casos, o uso de dexametasona (geralmente bolus de 10 mg EV, seguido por 4 a 10 mg cada 6 horas) está associado a uma diminuição na PIC. TRATAMENTOs DE 2ª lINHA Hiperventilação: o uso da ventilação mecânica para diminuir a PaCO2 a 26-30 mmHg demonstra reduzir rapi- damente a PIC através de vasoconstrição e diminuição no volume de sangue intracraniano. Se insuficiente para controlar a HIC, e se não acarretou isquemia cerebral, valores menores de PaCO2 (20-25 mmHg), com o uso de hiperventilação otimizada (monitoração concomitante da SjO2) podem ser tentados após 15 minutos. Uma mu- dança de 1 mmHg na PaCO2 está associada a uma alteração de 3% no FSC. O efeito da hiperventilação na PIC inicia-se quase imediatamente, mas é de curta duração (uma a doze horas). A alcalose respiratória induzida pela hiperventilação é o que determina seu efeito e este se perde à medida que a alcalose é revertida pela eliminação renal de bicarbonato. Após a hiperventilação terapêutica, a freqüência respiratória deve ser normalizada lentamente nas próximas horas para evitar um aumento rebote da PIC. A hiperventilação terapêutica deve ser considerada uma intervenção de emergência em pacientes com HIC e que estãoem evidente descompensação (síndromes de herniação). Outro possível uso da hiperventilação é em pacientes com PIC elevada e não responsiva às manobras de ressuscitação, sedação, manitol, etc. Neste caso, como a hiper- ventilação tem o potencial de diminuir a PIC, mas também causar isquemia cerebral deletéria, a hiperventilação otimizada pode ser utilizada. Desta forma, uma monitoração concomitante da SjO2 pode ser útil na decisão de quando iniciar a hiperventilação e até quando mantê-la. A hiperventilação é uma boa indicação quando a SjO2 estiver normal ou alta e, após iniciada, cuidar para que ela não caia abaixo de 55%. Barbitúricos: o uso de barbitúricos na HIC está relacionado à sua capacidade de reduzir o metabolismo cerebral e o FSC nas áreas onde o acoplamento metabólico está preservado, diminuindo a PIC. Tionembutal é geralmente usado, com uma dose de ataque de 3 a 10 mg/Kg, em bolus, seguido de 1 a 4 mg/Kg/h. O tratamento deve ser mo- nitorado pela resposta na PIC, na PPC e atenção aos efeitos adversos, principalmente hipotensão arterial e predis- posição à infecção. O EEG mostrando surto-supressão indica efeito máximo do barbitúrico. O barbitúrico deve ser mantido por pelo menos até 24 horas após o controle da PIC e retirado lentamente nas próximas 24 horas. O valor do uso dos barbitúricos é controverso. Embora os estudos claramente demonstrem um controle da HIC em proporções significativas de pacientes com elevação da PIC anteriormente refratária, esta forma de tratamento não parece diminuir a mortalidade nem melhorar o prognóstico neurológico dos pacientes no longo prazo. A hipo- tensão pode ser controlada com uso de reposição volêmica e vasopressores. Outro problema gerado com o uso de barbitúricos é a perda do exame neurológico como monitor de evolução, requerendo monitoração da PIC, da PPC e eletroencefalográfica contínua ou freqüente. Hipotermia: a hipotermia também diminui o metabolismo cerebral, o FSC e a PIC, além de poder exercer um efeito �� cerebral protetor potencial. A hipotermia pode diminuir a PIC quando outras terapêuticas não forem efetivas e alguns trabalhos demonstram melhora prognóstica no longo prazo. Os principais efeitos colaterais são arritmias cardíacas, coagulopatia e predisposição à infecção. Hipotermia pode ser conseguida com o esfriamento do corpo, incluindo cobertas frias, para diminuir a temperatura central até 32 a 34ºC. A melhor forma de indução da hipotermia não está definida, nem qual a melhor temperatura central a ser atingida ou por quanto tempo. Craniectomia descompressiva: a craniectomia descompressiva remove parte dos limites rígidos do crânio, permitindo que maior volume intracraniano exerça menor pressão. Há um aumento da complacência cerebral e diminuição da PIC pelo desvio para a esquerda da curva de Langfitt. A craniectomia sozinha pode diminuir em até 15% o valor da PIC e, quando associado à abertura da dura-máter, a PIC pode cair até 70% do seu valor inicial. Ela está indicada em pacientes com HIC refratária e quando o prognóstico ainda pode ser bom com o controle da PIC e a otimização da PPC. Em casos selecionados, ela pode ser usada em pacientes com TCE e doença cerebrovascular aguda. Monitoração da sjO2: o tratamento da HIC deve começar sempre com as medidas gerais, seguidas pela administra- ção de bolus de manitol. Se a PIC permanecer alta, está indicada a monitorização da SjO2 para auxiliar na escolha da melhor terapêutica a partir de então (figura 2). Figura 2. Utilidade da SjO2 na escolha do tratamento da HIC refratária PIC > 20 mmHg refratária ao tratamento inicial ECO2 > 42% SjO2 < 55% ECO2 entre 24 e 42% SjO2 entre 55 e 75% ECO2 < 24% SjO2 > 75% ECO2 = SaO2 – SjO2 SjO2 = 55 a 75% Afastar: deslocamento do cateter, aspiração rápida, hipercarbia, shunt AV, destruição cerebral grave Afastar: hipoxemia, hipo- tensão arterial, anemia, hipocarbia, hipertermia, convulsão, vasoespasmo Tratamento sugerido: Manitol Solução salina hipertônica Otimização hemodinâmica Tratamento sugerido: Manitol Solução salina hipertônica Hiperventilação otimizada Sedação otimizada Hipotermia Tratamento sugerido: Hiperventilação otimizada Sedação otimizada A monitorização da SjO2, como já demonstrada no capítulo de monitoração neurológica, deve ser rotineiramente utilizada para auxiliar nas medidas terapêuticas de 2a linha. Como qualquer destas medidas pode ser usada em qualquer circunstância de HIC refratária e todas têm um potencial para causar dano ou complicações, uma me- dida auxiliar de perfusão/oxigenação cerebral como a SjO2 pode ajudar a escolher qual alternativa usar e em que extensão. A figura 2 mostra como usar a SjO2 para guiar o uso das intervenções para o controle da HIC refratária às terapêuticas de 1ª linha. REsUMO FINAl: a melhor forma de controle da hipertensão intracraniana é a resolução da causa imediata da PIC elevada. Independente da causa, o tratamento deve ser iniciado o mais rápido possível e baseia-se nos princí- pios de ressuscitação, controle rápido e intensivo da hipoxemia, hipoventilação e hipotensão arterial, redução do conteúdo intracraniano e reavaliação constante. Se o paciente estiver com sinais de descompensação e herniação, trate rápido com manitol e, se necessário, hiperventilação; estabeleça um diagnóstico radiológico e trate a causa imediata intensivamente. Do contrário, posicione o paciente corretamente, evite hipertermia e convulsão e adminis- �� tre analgésicos e sedação básica inicial. Decida as formas de monitoração e inicie a monitoração da PIC e da PPC nos casos indicados. Procure manter a PIC abaixo de 20 e a PPC acima de 60 mmHg. Se a PIC subir e as manobras básicas de posicionamento, analgesia e sedação e controle da hipertermia já estejam tomadas, otimize-as e tente retirar uma pequena quantidade de líqüor se o paciente estiver com cateter de drenagem ventricular. Se isso não for possível ou insuficiente, a administração de manitol pode ser o próximo passo. Ele pode ser repetido outras vezes, se necessário. Quando a elevação da PIC se mantiver alta após todas estas manobras, ela é dita refratária à terapêutica inicial e a monitoração da SjO2 pode auxiliar a decidir a próxima estratégia terapêutica e guiar algumas delas. A melhor alternativa, a partir de então, deve ser individualizada para cada paciente. Figura 3. Abordagem terapêutica geral da HIC BIBlIOGRAFIA: 1. Cruz J: The first decade of continuous monitoring of jugular bulb oxyhemoglobinsaturation: management stra- tegies and clinical outcome. Crit Care Med 1998;26(2):210-2. 2. Management and Prognosis of Severe Traumatic Brain Injury. A joint project of Brain Trauma Foundation and American Association of Neurological Surgeons, 2000. www.braintrauma.org 3. Marion DW: Pathophysiology and Treatment of Intracranial Hypertension. In Andrews BT Intensive Care in Neurosurgery, ed. Thieme, New York, 2003, 47-54. 4. Miller ME and Suarez JI: Cerebral Edema and Intracranial Dynamics: Monitoring and Management of Intra- cranial Pressure. In Suarez SI Critical Care Neurology and Neurosurgery, ed. Humana Press, New Jersey, 2004, 47-100. 5. Prough DS and Rogers AT: Physiology and Pharmacology of Cerebral Blood Flow and Metabolism. Crit Care Clinics 1989; 5:713-728. 6. Unterberg AW, et al: Multimodal monitoring in patients with head injury: evaluation of the effects of treatment on cerebral oxygenation. J Trauma, 1998; 15:509-519. �� Capítulo 9 Estado de Mal Epiléptico (EME) A. OBJETIVO Os principais objetivos desse capítulo são os seguintes: • assinalar a importância do rápido diagnóstico do estado de mal epiléptico, visto que influencia na resposta terapêutica e no prognóstico do paciente • orientar uma estratégia terapêutica prática e efetiva no controle do EME B. INTRODUÇãO O pacientecom EME tem crises epilépticas contínuas ou repetidas em um curto intervalo de tempo. Em- bora existam potentes medicações disponíveis e uma popularização dos protocolos de tratamento, o EME permanece como uma grande ameaça à vida. Um grande número de formas de EME foi descrito. O EME convulsivo generalizado é o mais comum. A diferenciação clínica dessas formas pode ser difícil e a terapia adequada para uma pode ser imprópria para outra. Mais de 30% dos pacientes adultos morrem ou evoluem com extensas seqüelas após seis meses. Os principais fatores relacionados com o prognóstico são a duração do EME, o retardo para o diagnóstico do EME (principalmente no EME não convulsivo) e a etiologia (pior na presença de lesão cerebral aguda). Desses a etiologia é certamente o principal responsável pelo prognós- tico. C. EPIDEMIOlOGIA A incidência, nos EUA, é de 102.000 a 152.000 casos/ ano e aproximadamente 55.000 mortes anuais estão associadas ao EME. Mais de 10% dos pacientes com o diagnóstico de epilepsia apresentaram pelo menos um episódio de EME ao longo da vida. Mais freqüentemente, compromete crianças e adultos com mais de 60 anos. A incidência de estado de mal epiléptico não convulsivo é similar em ambos os sexos e atinge prin- cipalmente os idosos (pico máximo após os 80 anos). D. DEFINIÇãO O estado de mal epiléptico classicamente definido como uma crise epiléptica suficientemente prolongada ou repetitiva para produzir uma condição fixa ou duradoura. Os critérios diagnósticos de EME são os se- guintes: • crises contínuas com duração de pelo menos 30 minutos • crises sem completa recuperação da consciência nos intervalos com duração de pelo menos 30 minutos A determinação de 30 minutos é baseada no tempo estimado de duração das crises necessário para lesar o sistema nervoso central. As crises convulsivas tônico-clônicas em adultos não costumam durar mais do que poucos minutos. Além disso, do ponto de vista prático, é reconhecida a necessidade de iniciar o tratamento do EME bem antes dos 30 minutos. Sendo assim, uma definição mais operacional do EME é atualmente proposta: • crise com mais de 5 minutos de duração • duas ou mais crises sem completa recuperação da consciência nos intervalos �0 E. ETIOlOGIA As principais causas do EME em pacientes adultos estão listadas abaixo: - epilepsia, responsável por 50% dos casos de EME - abstinência alcóolica - acidente vascular encefálico (AVE) - metabólica (hipoglicemia, infecção sistêmica) - tumor SNC - infecção SNC - trauma crânio-encefálico - anóxia - distúrbios hidro-eletrolíticos como hiponatremia e hipocalcemia - toxicidade de drogas (cocaína, medicamentos, álcool) - causa desconhecida Nos adultos, a causa mais comum de EME é a ausência de nível terapêutico de drogas anti-epilépticas em pacientes com conhecida doença epiléptica. O AVE é a etiologia mais freqüentemente identificada nos EME de pacientes idosos. Em pacientes não epilépticos, as causas mais comuns de EME não convulsivos são AVE, as infecções e o uso de medicamentos que reduzem o limiar anticonvulsivante. Entre estes medicamentos, os antibióticos são os mais importantes, principalmente ciprofloxacina, imipenem, polimixina B e cefepime. F. ClAssIFICAÇãO Diferentes tipos de crises podem determinar um estado de mal epiléptico. As crises são definidas conforme dados clínicos e eletroencefalográficos (EEG). Na tabela 1, está a classificação dos EME. Tabela 1. Classificação do estado de mal epiléptico Estado convulsivo generalizado primário Estado tônico-clônico Estado mioclônico Estado convulsivo generalizado secundário Estado tônico-clônico com início parcial Estado tônico Estado parcial simples Estado parcial motor Estado parcial sensorial Estado parcial com sintomas autonômicos ou vegetativos Estado parcial com sintomas cognitivos Estado parcial com sintomas afetivos Estado parcial complexo Estado de ausência Pseudo-estados epilépticos Os mais freqüentes tipos de estado de mal nos adultos são o estado de mal convulsivo tônico-clônico e o mioclônico e o estado de mal não convulsivo parcial complexo. �� G. DIAGNósTICO Os principais dados no diagnóstico do estado de mal epiléptico são os obtidos pela avaliação clínica e eletro- encefalográfica (EEG). O diagnóstico parece bastante simples quando o paciente apresenta-se com alteração da consciência e tem clinicamente óbvia convulsão com movimentos tônico-clônicos, tônicos ou clônicos das extremidades (estado de mal convulsivo). Entretanto, com o tempo (mais de 30 minutos), as manifesta- ções clínicas tornam-se sutis, mas o paciente persiste torporoso (estado de mal não convulsivo). Nesta fase, o paciente pode ter somente contrações de pequena amplitude da musculatura facial, das mãos ou dos pés ou movimentos rápidos dos olhos. Em alguns pacientes nenhuma atividade motora repetitiva pode ser ob- servada e o diagnóstico das convulsões somente poderá ser feito com o auxílio do EEG. O estado de mal não convulsivo persiste em até 14% dos casos, cujo mal convulsivo foi controlado clinicamente. O estado de mal não convulsivo pode estar presente no mal convulsivo prolongado, no mal convulsivo não bem controlado, e no EME convulsivo com o uso de bloqueadores neuromusculares. O EME não convulsivo pode ocorrer em pacientes sem estado prévio convulsivo, como em pacientes da UTI (DPOC, hipoventilação, infecção, hipoperfusão cerebral, sangue nos ventriculos ou no espaço subaracnóide). Pacientes que têm estado de mal epiléptico eletroencefalográfico, com alteração de sensório ou de conduta e pequena ou nenhuma atividade motora são de alto risco para o desenvolvimento de lesão do SNC e requerem tratamento imediato. O estado de mal mioclônico, que é usualmente observado em pacientes após anóxia prolongada ou outro insulto metabólico severo, consiste de breves e súbitos movimentos de partes restritas do corpo que podem ser desencadeados por estímulos externos, tais como a ventilação mecânica. Nem sempre a atividade mo- tora convulsiva é causada por crises convulsivas. Pacientes na UTI exibem uma variedade de movimentos involuntários não eplilépticos dos quais o diagnóstico diferencial com crise epiléptica pode ser difícil. Esses movimentos podem ser decorrentes de tremor, do espasmo tetânico, de movimentos contraturais da sepse ou da síndrome neuroléptica maligna, de movimento involuntário induzido pelas medicações e de posturas de descerebração ou de decorticação. Algumas vezes, a observação clínica não é suficiente para definir se os movimentos são devidos às crises convulsivas, e o EEG pode ser essencial para o diagnóstico e manejo. Após o controle do estado de mal epiléptico é necessário iniciar uma investigação das possíveis etiologias. A história clínica e o exame neurológico podem sugerir as prováveis causas. Os exames laboratoriais nesta avaliação são os seguintes: glicemia, uréia, creatinina, sódio, potássio, cálcio, magnésio, hemograma, gaso- metria, função hepática, níveis séricos de anticonvulsivantes e toxicologia. Os pacientes que se apresentam com inexplicado quadro de alteração de sensório devem realizar uma TC. A punção lombar será realizada para excluir meningite ou hemorragia. H. ABORDAGEM INICIAl Medidas de suporte: o primeiro objetivo no atendimento desses pacientes é manter adequadas as funções cardiorespiratórias. Apesar dos períodos de apnéia e cianose que ocorrem durante as fases tônicas ou clô- nicas da convulsão, muitos pacientes em estado de mal ventilam adequadamente. Intubação e ventilação mecânica podem ser precocemente indicadas naqueles que chegam à emergência com depressão importante do sensório, perda da capacidade de proteger a via aérea e trocas gasosas inadequadas apesar da oferta de O2. Para facilitara intubação, pode ser necessário o uso de bloqueadores neuromusculares. Nesse caso, os bloqueadores de curta ação são a primeira opção (vencurônio 0,1 mg/ Kg), visto que permitem uma rápida reavaliação clínica da presença das convulsões. Muitos pacientes tem profunda acidose metabólca (pH <7,0), a qual é corrigida com o controle das convulsões. Tratamento com bicarbonato de sódio deve ser reservado para as situações mais extremas. A monitoração com oximetria e gasometria arterial é essencial. Administrar tiamina (100 mg),seguida por glicose 50% (50 ml), exceto na presença de hiperglicemia docu- mentada. Hipertermia é um achado freqüente (28-79%) durante os estados de mal, podendo ser um sinal de infecção ou decorrente do aumento de atividade motora ou devido a disfunção autonômica. Sustentada hipertemia �� aumenta o risco de necrose neuronal. A temperatura corporal deve ser mantida normal através de medidas de resfriamento e drogas antitérmicas. No estado de mal epiléptico, a autorregulação cerebral é severamente comprometida. Sendo assim a perfu- são cerebral depende da pressão arterial média. A hipertensão é comum na fase inicial do EME convulsivo generalizado, enquanto que a hipotensão está presente nas fases mais tardias. Alguns podem ter hipotensão inicial como resultado de profunda descarga vagotônica ou secundária às medicações antiepilépticas. A hipotensão deve ser prontamente revertida. O consumo de oxigênio do miocárdio aumenta durante as crises, o que pode induzir a isquemia miocárdica e arritmias. A monitoração eletrocardiográfica é parte mandatória do manejo. A monitoração com EEG deve estar disponível para os pacientes que recebem bloqueadores neuromuscula- res de relativa longa ação, aos que permanecem inconscientes após a fase inicial de tratamento com drogas antiepilépticas e para os que requerem terapia prolongada no EME refratário. EEG simples para monito- rações contínuas já estão disponíveis e provavelmente farão parte do arsenal de serviços de emergência e de centros de terapia intensiva. Medidas Terapêuticas Específicas: o objetivo da terapia específica do estado de mal epiléptico é a pronta ces- sação da atividade convulsiva. O retardo no início do tratamento determina piora do prognóstico e redução na taxa de resposta as drogas antiepilépticas. A droga ideal deve ser de fácil administração, ter imediato e prolongado efeito anticonvulsivante e ser livre de efeitos adversos sobre o sistema cardiorespiratório e o ní- vel de consciência. No entanto, todas as drogas correntemente utilizadas estão longe desse ideal. Nem todos os estados de mal epilépticos respondem da mesma maneira às drogas. A escolha das drogas e a seqüência recomendada é baseada nas seguintes características: - anticonvulsivante de ação rápida (benzodiazepínicos): interromper as crises - anticonvulsivante de ação prolongada (fenitoína, fenobarbital): prevenir as recorrências Os tratamentos com essas medicações foram igualmente efetivos no controle do EME convulsivo, em um estudo prospectivo, duplo-cego e randomizado. O tratamento com benzodiazepínico seguido da fenitoína é a sugestão do Epilepsy Foundation of America’s Working Group on Status Epilepticus (EFAWG) como pri- meira linha no manejo do estado de mal convulsivo. Benzodiazepínicos: são drogas potentes e de rápido início de ação no controle das crises (1 a 2 min), sendo as preferidas na terapia inicial. O diazepam e o lorazepam são igualmente efetivos no controle das crises convulsivas generalizadas. Apesar dessa equivalência, o lorazepam é considerado a primeira opção, prin- cipalmente por ter efeito anticonvulsivante mais prolongado. Não devem ser administrados após cessação das crises convulsivas. Os efeitos adversos incluem a depressão respiratória (3-10%), a hipotensão (< 2%) e a redução do nível de consciência (20-60%). Diazepam: 0,2 mg/ Kg IV – dose média adulto:10 mg - (5 mg/ min); repetir a cada 5 minutos até 3 doses, caso seja ineficaz no controle das crises; duração do efeito anticonvulsivante: 15 a 30 min; pouca solubilidade (não usar em infusão contínua). lorazepam: 0,1 mg/Kg IV - (2 mg/ min) – repetir a cada 5 min até o controle da crise; dose máxima de 9 mg; duração do efeito anticonvulsivante de 12 a 24 h. Drogas adicionais podem não ser necessárias se a crise cessar e a causa do EMC for rapidamente corrigida. É a droga de escolha no controle do EMC. Não precipita em solução aquosa. Pode ser utilizado em infusão contínua. A apresentação intravenosa não é disponível no Brasil. Fenitoína: é uma droga efetiva no controle das convulsões. Indicada na prevenção de recorrência das crises após uso de benzodiazepínicos ou quando os benzodiazepínicos falham no controle das crises. Quando a fe- �� nitoína é administrada na velocidade máxima recomendada de 50 mg/ min, a hipotensão ocorre em 28-50% dos pacientes e as arritmias cardíacas (bradicardia, extrassístoles) em 2%. Esses efeitos adversos são mais freqüentes em cardiopatas e pacientes com > 50 anos. Fenitoína: dose de 15 a 20 mg/ Kg IV – (50 mg/ min) - repetir dose de 5-10 mg/ Kg para controle da crise. Nos pacientes em uso de fenitoína e com nível sérico desconhecido, administrar 500 mg IV; monitoração cardio-vascular e da PAM são essenciais; a fenitoína é incompatível com soluções contendo glicose; limpar a linha venosa com solução salina antes da infusão da fenitoína. Fenobarbital: é tão efetivo no controle das crises quanto a associação de diazepam e fenitoína. Os seus efei- tos adversos são a depressão respiratória, a redução do nível de consciência e a hipotensão, principalmente quando administrada depois dos benzodiazepínicos ou em altas doses. Devido a esses riscos, o fenobarbital não é recomendado como primeira escolha no controle do EMC. Pode ser a primeira opção nos pacientes alérgicos a fenitoína e nos com distúrbios de condução cardíaca. Fenobarbital: dose de até 20 mg/ Kg IV – (<100 mg/ min) – cuidado com a depressão respiratória e a hi- potensão; normalmente é necessário intubar com doses acima de 750 mg. A apresentação IM não pode ser usada EV. O paciente em estado de mal epiléptico que não responde aos benzodiazepínicos, fenitoína e fenobarbital é considerado refratário e requer tratamento mais agressivo. O midazolam, o propofol ou o barbitúrico são os anestésicos intravenosos contínuos mais usados no tratamento do EMC refratário. Antes do início dessas medicações, deve-se colocar o paciente em suporte ventilatório e em monitoração cardiovascular. Para me- lhor acompanhamento, inserir cateter venoso central e arterial. A monitoração eletroencefalográfica contí- nua é essencial tanto para identificar as convulsões como para adequar a dose desses anestésicos (ausência de atividade convulsiva). Existem poucos estudos comparando esses diferentes fármacos no EME refratário. O midazolam e o propofol emergem como as medicações mais úteis. Na presença de hipotensão, reduzir a velocidade de infusão dos medicamentos, repor volume e iniciar com vasopressor. Esse efeito adverso é mais freqüente com o barbitúrico. Midazolam: dose de ataque de 0,1– 0,3 mg/Kg IV (infusão lenta); infusão contínua de 0,1 a 2 mg/ Kg/ h. Vantagem: rápido início de ação, solubilidade em água (ausência propilenoglicol – acidose metabólica). Quando as crises persistem por 1 hora após início da infusão do midazolam, em doses altas, essa deve ser suspensa e nova terapia introduzida. Propofol: dose de ataque de 1-2 mg/ Kg IV; infusão contínua de 2-10 mg/ Kg/ h. A grande vantagem da terapia com propofol é a sua rápida eliminação e apresentar menos taquifilaxia que o midazolam. Maior risco de hipotensão e infecção quando comparado ao midazolam. A interrupção rápida pode propiciar convulsões da retirada. Tiopental: dose de ataque de 100 a 300 mg em 30 seg; doses adicionais de 50 mg a cada 3 min até o controledas crises; infusão contínua de 3 a 5 mg/Kg/h. A rápida entrada no SNC facilita o ajuste da droga. A partir do momento que as convulsões estejam suprimidas por um período de 12 a 24 horas, pode-se dimi- nuir a dose do anticonvulsivante em 25 a 50% e observar a recorrência das convulsões. Se as convulsões não recorrem, então nova redução deve ser realizada. A recuperação funcional desses pacientes pode continuar por meses após a resolução da atividade convulsiva. �� Algoritmo da Abordagem inicial do Estado de Mal Epiléptico EME Proteção VA, Oxigenação Sinais vitais (temperatura) Mon. cardíaca/ Oximetria Acesso venoso Glicemia capilar Tiamina (100 mg IV) + Glicose(25 g IV) História clínica Exames laboratoriais Crise convulsiva: Diazepam 5-10 mg IV; repatir a cada 5 min – máx 40 mg Fenitoína 15 – 20 mg/Kg IV – máx 50 mg/min Fenitoína 5 – �0 mg/Kg IV (dose adicional) Redução do nível de consciência por mais 15 min após cessação das convulsões Suspeitar de EME não convulsivo EEG Investigar: TC Coleta líqüor Fenobarbital até 20 mg/Kg IV (máx 100 mg/min) EME refratário (diagnóstico < 60 min): VM, linha arterial, PVC, EEG contínuo 1. Midazolam: 0,1-0,3 mg/Kg IV ataque; 0,1-2 mg/Kg/h contínuo 2. Propofol: 1,5 mg/Kg ataque IV; 2-10 mg/Kg/h contínuo 3. Tiopental: 100-�00 mg ataque IV em 30 seg; doses adicionais de 50 mg a cada 3 min até o controle das crises; infusão contínua de 3 -5 mg/Kg/h Sem convulsão Persistem as crises crise Sem crise crise Intubação (<30 min) sUGEsTÕEs DE lEITURA 1. Neurological and Neurointensive Care – Allan Ropper at al ( Tradução da 4a Edição) DiLivros Editora 2. Intensive Care in Neurosurgery – Brian T. Andrews da AANS ( Tradução da 1a Edição) DiLivros Editora 3. Terapia Intensiva em Neurologia – E.Knobel at al Editora Atheneu 4. Medicina Intensiva Adulto – Cid M David at al Editora Revinter 2003 5. Terapia Intensiva em Neurologia e Neurocirurgia – Charles André - Editora Revinter 6. Lowenstein DH, Alldredge BK. Status Epilepticus. N Engl J Med 1998; 338(14):970-976. 7. Jordan KG. Convulsive and nonconvulsive status epilepticus in the intensive care unit and emergency depart- ment. In: Miller DH, Raps EC; Critical care neurology, Buterworth-Heinemann, Boston, 1999: 121-147. 8. Ferraz A.C. Estado de mal epiléptico. In: Capone A . Manual de Terapia Intensiva Neurológica (Hospital Israe- lita Albert Einstein), 2000: 170 -176. 9. Greenberg M S (ed). Handbook of Neurosurgery. Greenberg Graphics. Florida, EUA, 1997. 10. Browne TR, Mikati M. Status epilepticus. In: Ropper,AH (ed.) .Neurological and Neurosurgical Intensive Care. Raven Press, Ltd. New York, 1993: 383-410. �� Capítulo 10 Delirium OBJETIVOs 1. O Intensivista deveria pensar no delirium (estado confusional agudo), ou disfunção aguda do sistema nervoso central, como uma forma de disfunção de órgãos. 2. Reconhecer e manejar as diferentes manifestações de delirium, inclusive na sua forma hipoativa, que raramente é diagnosticada corretamente. 3. Identificar os principais agentes de gatilho para o delirium, em especial a ansiedade e dor. 4. Usar sedativos e analgésicos apropriadamente para controlar o “distresse”. Distresse, geralmente manifestado como agitação, é comum entre os pacientes na UTI, principalmente quando eles estão intubados ou incapazes de se comunicar facilmente. Nesses pacientes, ansiedade, dor e delirium, presentes separadamente ou em combinação, são importantes causas de distresse, gerando alterações fisiológicas as quais em última análise prejudicarão o tratamento aumentando a morbidade e a mortalidade associada a cada patologia. Discernir a etiologia do distresse pode ser difícil, particularmente nos pacientes não comunicativos, mas é crítico para a escolha de uma estratégia de tratamento apropriada (veja Figura 1). 1. ETIOlOGIA DO DIsTREssE Comumente, pacientes hospitalizados apresentam agitação e confusão mental. Entretanto, na UTI, qualquer dis- túrbio de comportamento pode levar a situações potencialmente perigosas como extubação acidental, tentativas freqüentes de sair do leito ou retirada de acesso venoso; impondo um trauma desnecessário ao paciente, além de aumentar a demanda física e emocional da equipe de enfermagem, que precisará, por exemplo, posicionar freqüen- temente o paciente na cama, intensificar a vigilância constante e tolerar agressões verbais ou físicas. Por outro lado, essas alterações de humor e comportamento, mais do que um diagnóstico isolado, podem representar uma manifes- tação de algum processo subjacente, o qual precisa ser rapidamente diagnosticado e tratado de forma efetiva. Ansiedade e dor são exemplos de fatores diferentes que podem reduzir a tolerância do paciente ao ambiente da UTI, levando a agitação mesmo na ausência do delirium. Ansiedade é uma condição caracterizada por incremento da atividade motora, apreensão e sinais autonômicos. Combinada com a dor, um ambiente desconhecido e com o senso de perda de controle sobre os acontecimentos recentes, pode gerar importante sofrimento e agitação, além de alterações fisiológicas deletérias. Dessa forma, o delirium, ou disfunção aguda do sistema nervoso central, deveria ser abordado como uma forma de disfunção de órgãos, e seus principais agentes de gatilho, em especial a ansiedade e dor, deveriam ser prontamente identificados e manejados adequadamente. �� Figura 1 – Guia geral no manejo do distresse na UTI O paciente está confortável e estão ausentes os sinais de distresse ? Não sim 1. Afastar e tratar causas reversíveis e identificar o componente mais importante 1. Manter o tratamento não farmacológico 2. Uso de tratamento não farmacológico 2. Reavaliar diariamente a necessidade de sedação, analgesia e tratamento do deliriumOtimizar o ambiente ? 3. Uso de uma escala de dor (e.g. Escala numérica de dor) 3. Considerar despertar o paciente diariamenteOtimizar a analgesia ? Hemodinamicamente estável Morfina: 2 - 5 mg EV a cada 5 min até controle da dor Repetir em intervalos regulares e conforme necessidade 4. Considerar a infusão contínua de sedativos e opióides quando as doses de manutenção forem mais freqüentes que a cada 2 horas Hemodinamicamente instável Fentanil: 20 - 100 ug EV a cada 5 min até controle da dor Repetir conforme necessidade 4. Uso de uma escala de sedação / ansiedade (e.g. Escala de Ramsay) Otimizar a sedação ? Midazolan: 2 - 5 mg EV a cada 5 min até controle da agitação Propofol: 5 ug/kg/min EV ajustando a dose a cada 5 min até controle da agitação 5. Uso de uma escala de delirium (e.g. Escala CAM-UTI ou modificada) Otimizar o tratamento do delirium ? Haloperidol: 2 - 10 mg EV a cada 20 minutos, manter com 1/4 da dose de ataque a cada 6 horas 2. CONCEITOs FUNDAMENTAIs • Delirium representa o principal distúrbio de comportamento que ocorre na UTI, e pode ser resumido como uma desordem mental orgânica, potencialmente reversível, caracterizada por confusão mental e alteração do nível de consciência. Pelo CID10 este conceito é equivalente e substitui o diagnóstico de estado confusional agudo. • Os distúrbios do metabolismo cerebral, secundários a uma agressão metabólica, anóxica, tóxica ou infecciosa, manifestam-se clinicamente como delirium, de forma semelhante a isquemia miocárdica que se manifesta como angina do peito. • Alterações eletroencefalográficas e dos níveis cerebrais de neurotransmissores, principalmente da via colinérgica, sustentam a fisiopatologia orgânica do delirium. • Medicamentos são uma causa comum de delirium. �� 3. MANIFEsTAÇÕEs ClÍNICAs DO DELIrIum Uma rápida flutuação no grau de confusão mental é uma das características do delirium. Pacientes podem apre- sentar alucinações e intensa agitação durante a noite, mas manifestarperíodos de lucidez alternados com confusão mental durante o dia. Esses pacientes, freqüentemente estão desorientados no tempo e no espaço, mas raramente quanto a sua identidade, e apresentam importante déficit de atenção e de memória. Alguns pacientes alternam entre um estado de hipoatividade e um estado de hiperatividade. Na verdade, qualquer grau de distúrbio do humor pode ser observado, mas pacientes apáticos e quietos podem receber tratamento inapropriado para depressão, levando a uma piora das manifestações clínicas. O simples fato do paciente estar confortavelmente sentado em uma poltrona, não significa que seu raciocínio seja ordenado e que esse paciente não sofra de delirium na sua forma hipoativa. O ciclo de sono e vigília está freqüentemente invertido, estando o paciente sonolento durante o dia e agitado durante a noite, quando usualmente a equipe de enfermagem está reduzida. O padrão do pensamento é desorganizado, e sofre influência de ilusões e alucinações, principalmente visual. Podem também estar presentes tremor, mioclonia e asterix, além de alterações no tônus motor e nos reflexos, bem como sintomas disautonômicos. 4. DIAGNósTICO DE DELIrIum As diferentes causas de delirium podem ser sucintamente reunidas em quatro grupos: • Causas intracranianas primárias o Encefalite, meningite, sífilis, abscessos o Trauma, hemorragia, hidrocefalia, tumores o AVC, convulsão, estado de mal não convulsivo, vasculite ... • Doenças sistêmicas que secundariamente afetam o SNC o Distúrbios eletrolíticos e ácido básico, hipoglicemia, hiperglicemia, anemia o Insuficiência hepática, renal, cardíaca ou pulmonar o Encefalopatia hipertensiva, choque, sepses ... • Agentes tóxicos exógenos o Medicamentos, pesticidas, solventes o Intoxicação por ferro, manganês, mercúrio, monóxido de carbono • Abstinência de substâncias as quais o pacientes tornou-se dependente o Álcool, barbitúricos, sedativos e hipnóticos, benzodiazepínicos Entretanto, raramente encontraremos um simples fator causal para o delirium, o qual pode ser entendido como uma síndrome multifatorial, resultante de uma interação entre a vulnerabilidade do paciente e a agressão gerada pelo meio. Muitos pacientes na UTI apresentam alta vulnerabilidade devido a sua condição clínica basal e podem desenvolver delirium mesmo após um insulto relativamente benigno. Por exemplo, um senhor de 68 anos com história de AVC is- quêmico há 5 anos, interna por DPOC descompensado e está recebendo medicamento sub-cutâneo e inalações de 2/2 horas, seu hematócrito é de 27% e permanece agitado durante toda a noite, queixando-se da sonda vesical. Esquemas mnemônicos como VITAMIN C, D & E (veja Tabela 1) podem auxiliar, mas a grande lista de possibi- lidades diagnósticas apenas enfatiza a importância do exame clínico cauteloso na busca das causas do delirium. A tabela 2 ilustra suas principais causas. Idosos são particularmente suscetíveis, bem como pessoas com desordens prévias do SNC, como doença de Alzheimer, doença de Parkinson ou infecção pelo vírus HIV. Pacientes em pós- operatório recente também estão em risco, principalmente após cirurgia cardíaca ou ortopédica. A tabela 3 ilustra uma lista de medicamentos comuns em UTI, que podem estar associados ao delirium. Na UTI, nós agressivamente monitoramos inúmeras disfunções orgânicas, seja pelo exame clínico, como medida do débito urinário, seja por exames laboratoriais, como testes de função hepática ou ainda por equipamentos espe- �� cíficos, como o monitor ECG. Entretanto tradicionalmente, pequena ou nenhuma atenção, além da escala de coma de Glasgow, é gasta na busca de disfunção cerebral. Até 80% dos pacientes em uma UTI apresentam delirium em algum momento, e muitos chegaram a receber alta da UTI sem qualquer suspeita diagnóstica. A tabela 5 ilustra uma ferramenta útil (CAM-UTI) para triagem e diagnóstico diferencial de delirium com outras patologias como demência, que pode ser aplicada na UTI por médicos ou pela enfermagem. Tabela 1 – Causas de delirium * 1. Vascular 2. Infecção 3. Trauma 4. Anóxia 5. Metabólico 6. Iatrogênico 7. Neoplasia 8. Congênito 9. Drogas 10. Eletricidade (convulsão) * esquema mnemônico VITAMIN C, D & E. Tabela 2 – Principais causas de delirium* 1. Síndrome de Wernicke 2. Abstinência 3. Encefalopatia hipertensiva 4. Hipoglicemia 5. Hipóxia 6. Hemorragia intracraniana 7. Meningite ou encefalite 8. Intoxicação exógena * devido a freqüência ou morbidade associada ao atraso no tratamento. Tabela 3 – Principais classes de medicamentos* 1. Antiarritmicos 2. Anticolinérgicos 3. Antiepilépticos 4. Antiparkinsonianos 5. Antipsicóticos 6. Barbitúricos 7. Benzodiazepínicos 8. Beta bloqueadores 9. Bloqueadores de canal de Ca++ 10. Quimioterápicos 11. Corticóide 12. Digital 13. Bloqueadores H1 e H2 14. Opióide 15. Quinolonas 16. Inibidores seletivos da recaptação de serotonina 17. Antidepressivos tricíclicos * lista de medicamentos comuns em UTI que possam levar ao delirium, em ordem alfabética. �� Tabela 4 – Escala de Ramsay* 1. Paciente ansioso, inquieto e agitado 2. Paciente colaborativo, orientado e tranqüilo 3. Paciente acordado, respondendo a comandos apenas 4. Paciente sonolento, mas responde prontamente a pequenos estímulos 5. Paciente sonolento, responde embora lentamente ao estímulos 6. Paciente sonolento e não responsivo * Critical Care Clinics 2001, 17(4): 821-42. Tabela 5 – Escala de CAM-UTI* 1. Flutuação do estado mental de início agudo • Existe evidência de uma mudança aguda do estado mental em relação ao estado basal do paciente? • Esse comportamento anormal flutuou nas últimas 24 horas, ou seja ele pareceu aumentar e diminuir em gravidade com o tempo? 2. Inatenção • Tem o paciente dificuldade em focar sua atenção? • Está reduzida a sua habilidade em manter ou mudar seu foco de atenção? 3. Pensamento desorganizado • Está o pensamento do paciente desorganizado ou incoerente, como por exemplo com um fluxo não lógico ou não claro de idéias, ou com uma conversa irrelevante ou ainda com troca imprevisível entre assuntos diferentes. • O paciente é capaz de seguir comandos durante toda a entrevista? 4. Alteração do nível de consciência (qualquer nível de consciência que não seja o “alerta”) • Alerta – normal, completamente consciente do ambiente e responde adequadamente a ele • Vigil – hiperalerta • letárgico – sonolento mas facilmente despertável, desconhece de alguns elementos do ambiente, ou não interage espontaneamente de forma apropriada com o entrevistador, mas torna-se alerta quando estimulado minimamente. • Estupor – sonolento e despertável com dificuldade, desconhece alguns ou todos os elementos do ambiente, ou não interage espontaneamente de forma apropriada com o entrevistador, mas torna-se incompletamente consciente e interage inapropriadamente com o entrevistador quando estimulado fortemente. • Coma – não despertável, inconsciente de todos os elementos do meio, desconhece a presença do entrevistador mesmo sob estimulação máxima. Delirium – Presença dos critérios 1 e 2, associados com qualquer um dos critérios 3 ou 4. * Tradução pelo autor do original para o brasileiro. Essa tradução não foi validada no Brasil. Inouye SK, van Dyck CH, Alessi CA, Balkin S, Siegal AP, Horowitz RI. Clarifying confusion: the confusion assessment method. Ann Intern Med 1990;113:941-948. 5. TRATAMENTO Basicamente, os fatores de risco para o desenvolvimento do delirium precisam ser identificados e alguma estratégia de prevenção deve ser iniciada. Um dos modelos de estratégia preventiva envolve: 1. Repetida reorientação do paciente por voluntários treinados e pela enfermagem. 2. Preocupação com a qualidade do sono, com medidas não farmacológicas para regularizar o ciclo sono-vigília. 3. Prover atividades que estimulem o cognitivo em diferentes momentos do dia,associado com mobilização precoce �0 através de fisioterapia motora, terapia ocupacional e saída do leito. 4. Preocupação com o conforto, como permitir uso de protetores de ouvido e para os olhos, ou o uso de óculos e órteses auditivas conforme a necessidade do paciente. 5. Adaptação dos fatores ambientais sempre que possível. Por exemplo, a presença de janelas na UTI reduz signifi- cativamente o grau de desorientação temporal, perda de memória e alucinações nos pacientes. Privação do sono é um gatilho comum para o delirium e corrigir o ciclo sono-vigília pode ser essencial no tratamen- to. Pacientes em UTI apresentam uma latência prolongada para o início do sono, o qual é menos eficiente e com despertares freqüentes. Passar boa parte do dia dormindo devido ao ambiente monótono da UTI, pode prejudicar a qualidade do sono. Outros fatores importantes são os medicamentos, a dor, ansiedade, a doença de base, bem como um lugar muito claro ou com ruído excessivo, devido ao ventilador, monitores ou conversa. Quando o diagnóstico de delirium é confirmado, embora seja importante manter as medidas preventivas já citadas, nossa atenção deve ser dirigida na busca de uma causa orgânica subjacente, cujo tratamento precisa ser otimizado. Nesse momento, principalmente na forma hiperativa do delirium, medicações psicoativas específicas podem ser úteis. Basicamente usaremos analgésicos para controle da dor, neurolépticos para controle do delirium e benzodia- zepínicos para controle da ansiedade e síndromes de abstinência. 5.1 Sedação Cada classe de drogas com ação sedativa apresenta diferentes combinações de efeitos ansiolíticos, hipnóticos, am- nésticos e analgésicos (veja Figura 2). Embora não exista um sedativo ideal, algumas substâncias apresentam carac- terísticas que as tornam úteis na UTI e a seleção da droga mais apropriada deve levar em consideração a etiologia do distresse do paciente, potencial interação farmacológica e fatores que influenciem na sua farmacocinética. Fer- ramentas simples, como a escala de Ramsay, podem ajudar no ajuste de doses e evitar a sedação exagerada (veja Tabela 4). Figura 2 – Ação de diferentes classes de drogas com efeito sedativo Droga Ação ansiolítica Hipnose Amnésia Analgesia 1. Benzodiazepínicos +++ +++ +++ - 2. Haloperidol ++ + + - 3. Ketamine - - ++ +++ 4. Analgésicos opióides - + - +++ 5. Propofol + +++ + - 6. Dexmedetomidine + + - ++ Drogas como o propofol, com curto período de ação e que permitem o paciente despertar rapidamente quando necessário, são preferidas nas sedações breves (< 24 horas) ou quando o paciente necessita ser acordado freqüente- mente para avaliações neurológicas. Por outro lado, drogas com longo período de ação ou que apresentem metabó- litos ativos que se acumulam com a administração prolongada, são úteis nas demais situações (veja Figura 1). Benzodiazepínicos – Os benzodiazepínicos são ainda as drogas de escolha para tratamento do delirium tremens e várias outras síndromes de abstinência. Além de reduzirem a ansiedade, produzem uma amnésia anterógrada tem- porária, tornando-os úteis antes de procedimentos na UTI ou cirúrgicos. Nos pacientes sob ventilação mecânica, podem aumentar o conforto e melhorar o padrão respiratório. Entretanto o uso crônico ou em doses inapropriadas gera sedação excessiva e freqüentemente desnecessária, acumulo de resíduos ativos, alteração no padrão do sono e confusão mental. Em pacientes sob ventilação mecânica pode incrementar o tempo de suporte ventilatório inva- sivo, o risco de infecção e o tempo de internamento na UTI. Tradicionalmente, os ajustes das doses raramente são realizados com base no peso, idade, doença primária ou através de escalas de sedação ou monitores de atividade cerebral (EEG bispectral). Tolerância, definida como uma necessidade de aumentos na dose com a administração �� continuada, é uma problema com todos os benzodiazepínicos. Midazolan, diazepan e lorazepan são as drogas mais comumente usadas, devido as suas propriedades farmacocinéticas, mas todas as classes de benzodiazepínicos apre- sentam a mesma eficácia quando administrados em doses equipotentes. Propofol – O propofol é altamente lipofílico, permitindo uma sedação com início inferior a um minuto e um desper- tar muito rápido após a sua retirada. Embora apresente metabolização hepática e seus metabólicos inativos sejam excretados pelo rim, nenhuma falha na eliminação da droga ocorre na cirrose ou na insuficiência renal. O efeito colateral mais freqüente é hipotensão, mas pode também ocorrer bradicardia, arritmias, efeitos neuroexitatórios (convulsão, mioclonia, movimentos coreo-atetóticos e meningismo), infecção, acidose respiratória, dor no local da injeção, pancreatite, hipertrigliceridemia, anafilaxia e colúria. Muitos artigos sugerem a associação entre propofol e um incremento na mortalidade em crianças. Dexmedetomidine – O dexmedetomidine é um agonista alfa-2 de ação central altamente seletivo e com experiência clínica ainda limitada, restringindo seu uso para as primeiras 24 horas ou menos. Entretanto, seu baixo potencial para deprimir o centro respiratório, torna essa droga útil nos momentos de desmame da ventilação mecânica e nos pós- operatórios em geral. Entre os efeitos colaterais encontramos hipotensão, nausea, bradicardia e fibrilação atrial. 5.2 Analgesia Questionários aplicados a pacientes após alta da UTI revelam que um controle inadequado da dor é um problema comum, suportanto a necessidade de uma maior atenção quanto a analgesia. A intensidade da dor pode ser medi- da através de ferramentas simple s de auto-avaliação pelo paciente, como a escala numérica de dor, ou ainda por métodos indiretos como a pesquisa dos sinais vitais. Se uma combinação de taquipnéia, taquicardia e hipertensão estão presente, analgesia insuficiente deve ser uma forte suspeita (veja Figura 1). Opióides são considerados as drogas de escolha no manejo da dor intensa, embora em algumas situações drogas anti-inflamatórias não esteróides possam ser úteis. A Figura 5 ilustra alguns dos principais medicamentos usados para analgesia na UTI. Figura 4 – Principais medicamentos usados para analgesia em UTI Droga Dose Via Intervalo Comentários 1. Morfina 0,1 – 0,2 mg/kg/dose EV, IM, SC 4 h - 2. Meperidina 1 – 3 mg/kg/dose EV, IM 4 h Absorção SC irregular 3. Fentanil 0,5 – 5 ug/kg EV Rápido ínicio de ação Menor depressão respiratória Mínimo efeito hemodinâmico 4. Codeína 15 – 60 mg VO 4 – 6 h 5.3 Manejo farmacológico do Delirium Haloperidol é uma butirofenona comumente sub-utilizada na UTI para o tratamento de agitação. Doses iniciais de 0.5 a 10.0 mg, por via endovenosa, intramuscular ou mesmo oral, repetidas a cada 30 minutos até o controle da agitação pode ser um esquema útil, com a potencial vantagem de não ocorrer depressão respiratória ou efeito sedativo exagerado (veja Figura 5). Infelizmente, existem poucos estudos de investigação farmacológica e intera- ção medicamentosa para guiar o uso de haloperidol no ambiente de UTI, mas as doses necessárias para manter o paciente calmo usualmente são muito menores que a necessária para o controle inicial. Os efeitos colaterais mais freqüentes são hipotensão, efeitos extrapiramidais como distonias agudas, e efeitos anticolinérgicos como boca seca, constipação e retenção urinária. Pacientes com intervalo QT prolongado deveriam ter o uso de haloperidol monitorado e sua dose reduzida devido ao risco de torsades de pointes. �� Figura 5 – Esquema de uso do Haloperidol * Grau de agitação Dose inicial de haloperidol Leve 0,5 a 2 mg Moderado 2 a 5 mg Grave 5 a 10 mg 1. Permitir um intervalo entre 20 – 30 minutos entre cada dose. 2. Iniciar com doses menores em idosos e pacientes com intervalo QT prolongado. 3. Após a terceira dose associar algum benzodiazepínico a cada nova dose ou alternado com o haloperidol.4. Para pacientes que permanecerem agitados a dose dos bolus pode ser duplicada. 5. Após o delirium estar controlado, manter a mesma dose total nas próximas 24 horas. A dose diária pode ser administrada por via endovenosa de forma contínua ou dividida em duas doses sendo a maior dose reservada para a noite. 6. Se o paciente permanecer calmo, reduzir a dose em 50% a cada 24 horas. 7. Assim que possível passar a medicação para via oral usando o dobro da dose endovenosa. * Nejman AM: sedation and Paralysis. In: Civetta JM, Taylor RW, Kirby RR. Critical Care, 3rd edition. Phila- delphia, Lippincott-Raven; 1997:821-836. 6. CONClUsãO Os recursos relativamente pobres de meios que permitam avaliar o funcionamento cerebral, dentro do enorme arsenal de métodos clínicos, laboratoriais ou mesmo equipamentos específicos usados para monitorar o paciente na UTI, talvez justifique, ao menos em parte, porque os profissionais envolvidos no atendimento do paciente crí- tico não vejam a agitação e a confusão mental como uma disfunção cerebral orgânica, freqüentemente de causa multifatoral com vários motivos iatrogênicos entre elas. Termos como psicose de UTI, confusão mental da UTI ou agitação psicomotora da UTI, deveriam ser substituidos pelo conceito genérico de delirium, levando em consi- deração que todos os sinais de confusão mental e desorganização do pensamento presentes na disfunção cerebral grave podem ser encontrados em um paciente tranqüilamente deitado no leito. Finalmente, a máxima de prevenir é melhor do que remediar certamente se aplica nesse contexto. REFERÊNCIA BIBlIOGRÁFICA 1. 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No entanto, ainda existe um limitado número de estudos controlados e randomizados no tratamento da HIP. Os objetivos deste capítulo são: • enfatizar a importância dessa doença do ponto de vista epidemiológico • orientar uma abordagem inicial prática que permita um diagnóstico precoce e previna as lesões secundárias • auxiliar nas decisões terapêuticas B. EPIDEMIOlOGIA A hemorragia intraparenquimatosa é responsável por apenas 10% dos acidentes vasculares encefálicos (AVE); no entanto, determina maior morbi-mortalidade do que os AVEs relacionados a hemorragia subaracnóide ou a is- quemia cerebral. A incidência da HIP é de 10 a 20 casos por 100.000 indivíduos por ano. A HIP é mais freqüente nas populações negras (2x mais do que nos brancos), nos japoneses, nos homens e nos pacientes com idade acima de 55 anos (dobra a cada década até os 80 anos). A alta incidência nos negros provavelmente está relacionada à prevalência da hipertensão arterial sistêmica (HAS) nesta população e a baixa adesão ao tratamento. Dos 37.000 americanos que sofreram uma HIP em 1997, estima-se que 35% a 52% morreram em 1 mês (metade nos primeiros dois dias). Somente 38% sobreviveram ao primeiro ano e apenas 20% apresentaram atividade física e intelectual independente após seis meses. A HAS é a causa mais freqüente de HIP, sendo responsável por 70% a 90% dos casos. Adequado controle da hiper- tensão tem reduzido a incidência da HIP nos últimos anos. O uso excessivo de álcool é um fator de risco para HIP, por provocar alterações na coagulação e por afetar a integridade do vaso cerebral. A angiopatia amilóide cerebral é outra causa de HIP, principalmente nos idosos (> 70 anos). As principais causas de HIP estão citadas na tabela 1. Tabela 1. Causas de HIP Hipertensão arterial sistêmica Aneurisma cerebral Malformações vasculares Tumor cerebral Angiopatia amilóide Distúrbios de coagulação Abuso de drogas Arterites Infarto hemorrágico C. FIsIOPATOlOGIA DA HIP A HAS sustentada produz uma vasculopatia na parede de pequenas artérias e arteríolas denominadas de artérias perfurantes (aneurisma de Chacort-Bouchard). A rotura destes vasos pode ocorrer por um aumento súbito da pres- são arterial, freqüentemente associada à atividade física ou estresse emocional. A HIP decorrente de HAS localiza-se principalmente nos gânglios basais (35% a 45%), substância branca subcortical (25%), tálamo (20%), cerebelo (15%) e tronco cerebral (predominantemente na ponte). Na angiopatia amilóide, há o depósito de proteína β-amilóide na parede de pequenas e médias artérias do córtex cerebral e das leptomeninges, o que provavelmente determina fraqueza da parede arterial e rotura desta. A amiloidose localiza-se preferencialmente nos lobos cerebrais. �� A hemorragia distribui-se através dos planos de clivagem da substância branca com mínima destruição; logo, o he- matoma envolve uma área de tecido nervoso intacto. A presença do hematoma desencadeia edema e dano ao tecido nervoso do parênquima que circunda a lesão. O edema persiste por até cinco dias, podendo, em alguns casos, ser observado até duas semanas após a hemorragia. A ocorrência de isquemia por compressão da região em torno do hematoma não foi confirmada. O sangramento intraparenquimatoso pode expandir para dentro dos ventrículos e, em raros casos, para o espaço subaracnóide. Estudos com tomografia computadorizada cerebral mostraram que os hematomas expandem nas primeiras horas. Mais de 50% dos pacientes apresentam aumento do mesmo nas primeiras 6 horas após o sangramento. Nenhum aumento do hematoma foi detectado após as 24 horas. Hipertensão severa e ou um distúrbio local de coagulação podem estar associados à expansão do hematoma. D. DIAGNósTICO DA HIP 1. História clínica : início súbito de déficit neurológico focal, acompanhado de cefaléia, náuseas, vômitos, pressão sangüínea elevada e redução do nível de consciência são dados que sugerem HIP. A deterioração do nível de cons- ciência nas primeiras horas deve-se a expansão do hematoma e após as 24 horas é secundária ao edema. Uma boa história médica geral deve ser obtida para elucidar possíveis causas como HAS, trauma, uso de anticoagulantes ou trombolíticos, abuso de drogas, uso excessivo de álcool ou doenças hematológicas. 2. Investigação radiológica: os dados clínicos não nos permitem um diagnóstico diferencial definitivo do acidente vascular encefálico isquêmico. A tomografia computadorizada (TC) cerebral é o método diagnóstico de escolha na avaliação inicial do paciente com suspeita de HIP. Com esta consegue-se um claro diagnóstico diferencial entre hemorragia e isquemia, localiza e avalia o tamanho do hematoma e pode revelar complicações como a presença de sangue intraventricular, herniações ou hidrocefalia. O volume do hematoma pela TC pode ser estimado com a seguinte fórmula: A x B x C 2 A = maior diâmetro da hemorragia na TC. B = o diâmetro perpendicular a A. C = é o número de fatias da TC ocupados pelo hematoma multiplicado pela espessura da fatia. A arteriografia cerebral deve ser considerada para todos os pacientes sem uma clara causa para a hemorragia. Prin- cipalmente os pacientes jovens, normotensos e que sejam candidatos à cirurgia. O momento para realizar a arterio- grafia depende do estado clínicodo paciente e do julgamento do neurocirurgião quanto à urgência da cirurgia. A angioressonância pode substituir a arteriografia em casos selecionados. Ela deve ser considerada quando houver suspeita de malformação arteriovenosa. E. FATOREs PROGNósTICOs NA HIP - Escore da Escala de Coma de Glasgow: pacientes com Glasgow < 9 tem pior prognóstico. - Volume do hematoma: os hematomas supratentoriais de moderado ou grande volume (> 10 mL) e os hematomas cerebelares com volume superior a 3 mL tem pior prognóstico. - Momento cirúrgico: provavelmente o melhor prognóstico é para os casos em que o intervalo entre o sangramento e a cirurgia é inferior a 8 horas. - Idade: pacientes idosos (> 75 anos) tem pior prognóstico. - Local do hematoma: hemorragias em gânglios da base ou tálamo (profundos) são de pior prognóstico do que he- �� morragias lobares do hemisfério não dominante. A presença de sangue ventricular é associada a alta mortalidade. F. TRATAMENTO DA HIP 1. Abordagem inicial na emergência: a abordagem inicial tem como objetivo manter a vida e evitar lesões cerebrais secundárias. Cuidados básicos com as vias aéreas, a ventilação, a circulação e a detecção de déficit neurológico focal são prioridade neste momento. 1a. Vias aéreas e ventilação: pacientes com rápida redução do nível de consciência ou sinais de compressão de tronco cerebral são candidatos a intubação, independente de um valor específico de escore da Escala de Coma de Glasgow. Essa é indicada sempre que existir insuficiência respiratória (PaO2 < 60 mmHg ou PaCO2 > 50 mmHg) ou risco evidente de aspiração. Sedação é utilizada durante a intubação orotraqueal para evitar o reflexo do vômito, a elevação da pressão arterial e da pressão intracraniana. 1b. Circulação: a hipotensão deve ser prontamente revertida com volume (solução cristalóide) e, quando necessário, vasopressor. A hipertensão exige adequada avaliação antes de indicarmos uma terapêutica. 1c. Avaliação neurológica: logo que estabilizado o paciente, deve-se realizar um exame neurológico objetivo e a TC. Nas situações de rápida deterioração clínica ou em que a TC evidencia uma hérnia transtentorial ou hidrocefalia, é mandatória uma avaliação neurocirúrgica de emergência. Neste momento, a hiperventilação (PaCO2 de 30 a 35 mmHg), o manitol (1g/Kg em bolo) e a colocação de um cateter ventricular para drenagem de líqüor podem pre- servar estruturas cerebrais, até que a descompressão cirúrgica seja realizada. 2. Abordagem na Unidade de Terapia Intensiva: todo paciente com HIP deve ser monitorado em uma unidade de terapia intensiva por pelo menos 24 horas após início do sangramento. O estado neurológico deve ser monitorado com o escore da Escala de Coma de Glasgow de hora em hora. 2a. Abordagem da pressão arterial: a pressão arterial será avaliada por medida automática não invasiva. A moni- toração invasiva e contínua é indicada quando se administra medicação anti-hipertensiva por via intravenosa. O ótimo nível de pressão arterial para o paciente deve ser baseado em fatores individuais como hipertensão crônica, idade, hipertensão intracraniana, provável causa da hemorragia e intervalo de tempo desde o início do sangramen- to. Hipertensão arterial é comum na fase aguda e está associada a pior prognóstico. Não há evidências suficientes, no entanto, que a redução da pressão arterial melhore a evolução. A justificativa teórica para reduzir a pressão arterial na fase aguda é de que essa poderia contribuir para a expansão do hematoma. Uma redução moderada da pressão arterial (de até 20% da PA sistólica com PA sistólica ≥180 mmHg) não altera o fluxo sangüíneo cerebral e não acarreta prejuízo da PPC, diminuindo o risco de isquemia iatrogênica. A orientação do American Heart Association para manejo da pressão sangüínea em pacientes com HIP é a de manter uma pressão arterial média (PAM) abaixo de 130 mmHg e uma PPC acima de 60 mmHg (tabela 2). Tabela 2. Controle da Pressão Arterial na HIP na fase aguda Níveis pressóricos Tratamento PA sistólica > 230 mmHg ou PA diastólica > 140 mmHg Nitroprussiato de sódio – 0,5 a 10 ug/ Kg/ min PA sistólica de 230 a 180 mmHg ou PA diastólica de 140 a 105 mmHg Esmolol – 500 ug/ Kg de ataque e manutenção de 50 a 200 ug/ Kg/ min, IV Enalapril - 1,25 mg IV em 5 min e pode aumentar para 5 mg IV 6/6h (nas contra-indicações de β- bloqueador) Hipotensão (inferior a valores prévios conhecidos) Volume (sol. cristalóide isotônica) – Euvolemia Vasopressores (dopamina, βnoradrenalina) �� 2b. Abordagem Clínica da hipertensão intracaniana (HIC): a HIC é o principal fator contribuinte para o aumento da mortalidade. A HIC é definida como pressão intracraniana (PIC) ≥ 20 mmHg por mais de 10 minutos. O objetivo do tratamento é manter uma PIC < 20 mmmHg e PPC > 60 mmHg. As principais indicações de monitoração da PIC são: - Glasgow < 9 ou rápida redução de 2 pontos na ECGl - TC sugestiva de hipertensão intracraniana - Hematomas extensos - Inundação ventricular O controle da HIC é realizado por uma ou mais das medidas abaixo citadas: - Elevação da cabeceira (30º) e cabeça em posição neutra - Drenagem de líqüor - Manitol: 0,5 - 2 g/ Kg, IV em bolus de ataque, e 0,25 – 0,75 mg/Kg/dose em bolus, conforme a necessidade. Deve-se evitar hipovolemia e manter a osmolaridade entre 310 a 320 mOsm - Sedação e Analgesia: midazolam, propofol, fentanil e morfina podem ser usados. Bloqueadores neuromusculares em combinação com adequada sedação podem reduzir HIC por prevenir elevação da pressão intratorácica e da pressão venosa durante episódios de tosse, aspiração das vias aéreas e esforços - Hiperventilação otimizada (PaCO2 entre 30 e 35 mmHg): recomendada apenas na eminência de herniação cerebral - Nos casos de HIC refratária, as seguintes medidas devem ser adotadas: o TC cerebral o Avaliação neurocirúrgica de urgência - Corticóide: nenhum estudo clínico mostrou benefício 2c. Convulsões: a maioria das convulsões ocorre nas primeiras 24 horas. Podem determinar lesão neurológica ou instabilidade dos pacientes criticamente doentes. Anticonvulsivante profilático é indicado por um período de até um mês após a hemorragia nos hematomas com comprometimento cortical ou na presença de HIC. A droga de escolha é a fenitoína (dose de ataque: 15 – 20 mg/ Kg e manutenção de 5 a 7,5 mg/ Kg/ dia). 2d. Controle da coagulação: todos os pacientes com HIP precisam ser avaliados do ponto de vista de coagulação. O distúrbio de coagulação é facilmente suspeitado na vigência do uso de anticoagulante oral (ACFA), de trombolítico (IAM, Embolia Pulmonar, AVE isquêmico) ou de heparina. Porém a HIP pode ser o primeiro sinal de coagulopatia secundária (doença hematológica, hepatopatia crônica). Estas alterações devem ser prontamente corrigidas. O ob- jetivo é um INR < 1,7 sendo eventualmente necessária a correção com plasma fresco (15 ml/ Kg/ dia) e/ ou vitamina K (10 mg IM até 3x/ dia). Nos pacientes com plaquetopenia, deve-se tentar atingir pelo menos 100.000 plaquetas/ mm³. Nos casos de HIP em vigência de terapia com heparina o ideal é reverter o tempo de tromboplastina para próximo do limite superior do normal com sulfato de protamina (1 mg para cada 100 U de heparina). 2e. Tratamento cirúrgico: os objetivos da remoção cirúrgica do hematoma são o de reduzir o efeito de massa e pre- venir a prolongada interação entre o hematoma e o tecido normal, que pode levar a efeitos deletérios. As principais indicações para cirurgia da HIP estão na tabela 3. A craniotomia para HIP está associada a insignificante aumento de morbi-mortalidade, quando comparada ao tratamento clínico em uma metanálise de três estudos randomizados. Drenagem por punção estereotáxica é associada à redução da mortalidade, porém outros estudos randomizados são necessários.Algumas pequenas séries reportaram resultados favoráveis da combinação da infusão de trombo- líticos no coágulo com a aspiração do mesmo posteriormente. O tratamento cirúrgico ideal é o que produza a má- �� xima remoção do coágulo, o mais rápido possível, com o menor trauma do tecido cerebral normal e com redução do ressangramento pós-operatório. Tabela 3. Tratamento Cirúrgico da HIP a. Pacientes com hemorragia cerebelar > 3 ml de diâmetro que estejam neurologicamente deteriorando (Glasgow < 14) ou que tenham compressão do tronco cerebral e hidrocefalia por obstrução ventricular devem ser submetidos a cirurgia de remoção da hemorragia imediatamente. b. Hematomas supratentoriais moderados (de 10 ml a 30 ml), com piora neurológica (Glasgow < 15) podem se beneficiar do procedimento cirúrgico. c. Hematomas com marcado efeito de massa, edema, desvio de linha média, hipertensão intracraniana e herniações (Glasgow > 4) – a cirurgia reduz a mortalidade, mas eleva a morbidade. G. HEMORRAGIA INTRAPARENqUIMATOsA EM ADUlTOs JOVENs As causas mais freqüentes de hemorragia intraparenquimatosa em pacientes com idade entre 15 e 45 anos são rup- tura de malformação arteriovenosa (29,1%), hipertensão arterial (15,3%), ruptura de aneurisma (9,7%) e abuso de drogas (6,9%). A mortalidade destes pacientes jovens durante a internação hospitalar gira ao redor de 12,5%. As hemorragias lobares em jovens normotensos são altamente sugestivas de malformação arteriovenosa (MAV). 1. Malformação arteriovenosa (MAV) 1a. Epidemiologia A MAV tem expressão clínica freqüentemente antes dos 40 anos e afeta ambos os sexos em iguais proporções. Os dados de prevalência sugerem que 0,1% (300.000 pessoas) da população dos EUA pode ter uma MAV, mas menos de 12% destas serão sintomáticas durante a vida. A mortalidade da hemorragia por MAV é de 10% a 15% e a mor- bidade é de menos de 50%. 1b. Fisiopatologia A malformação arteriovenosa é um aglomerado anormal de vasos sangüíneos, nos quais o fluxo arterial drena di- retamente dentro das veias, sem a normal interposição da rede capilar. A lesão é congênita e tende a aumentar de tamanho com a evolução dos anos. Nos recém nascidos geralmente é uma lesão de baixo fluxo e na idade adulta já se encontra com médio ou alto fluxo. Pacientes com malformações arteriovenosas podem ter outras anomalias vasculares associadas. Aproximadamente 10% a 58% dos pacientes apresentam aneurismas associados. 1c. Características Clínicas A hemorragia intracraniana é a apresentação clínica mais comum da MAV. A freqüência anual estimada de hemor- ragia é de 2 a 4%. Alguns trabalhos sugerem um aumento para 18% do risco de hemorragia no primeiro ano após o sangramento. Porém, esta incidência diminui nos anos seguintes para valores semelhantes aos de antes do primeiro episódio de hemorragia. A maioria das hemorragias são intraparenquimatosas. As hemorragias puramente ventri- culares ou subaracnóides são de melhor prognóstico. A pequena (< 3 cm) MAV tem maior pressão no leito arterial. Logo, sangram mais do que as de tamanho médio (3 –6 cm) e grande (> 6 cm). Convulsões, cefaléia ou déficit neurológico focal podem ser os sintomas iniciais da MAV na ausência de uma he- morragia. Somente poucos pacientes (4% a 8%) têm documentado déficit neurológico progressivo. Este provavel- mente é, ou decorrente do chamado fenômeno de “roubo”, no qual o tecido cerebral adjacente à lesão encontra-se isquêmico, ou devido ao efeito de massa da malformação (hipertensão venosa). 1d. Diagnóstico O exame de escolha para o diagnóstico de malformações arteriovenosas é a ressonância magnética ou a angiores- sonância. Nem todas as MAVs podem ser detectadas pela arteriografia (MAV oculta). �� 1e. Tratamento As opções de tratamento para as MAVs são cirurgia, embolização ou radiocirurgia. Existem poucos estudos com- parando estas terapias ou o uso associado delas. O tratamento de escolha ainda é a cirurgia. O mais popular sistema desenvolvido para estimar o risco cirúrgico é a escala de cinco pontos de Spetzler-Martin. A escala incorpora três variáveis: tamanho da lesão, tipo de drenagem venosa e localização. A embolização como tratamento isolado da MAV pode ser inadequada devido ao risco de recanalizar tardiamente. Está indicada principalmente nos casos de difícil acesso cirúrgico e em grandes MAV antes da cirurgia. Nos pacientes que apresentaram hemorragia e que estejam em boas condições neurológicas com baixo escore pela escala de Spetzler-Martin, está indicada a cirurgia. Nos assintomáticos e sem história de sangramento, o tratamento é controverso. As complicações após o procedimento cirúrgico ou da embolização podem ocorrer pelo súbito aumento de pressão de perfusão da região com perda da autoregulação (isquemia crônica), ou pela oclusão das veias de drenagem com o surgimento de múltiplas hemorragias e edema cerebral. Este risco pode ser reduzido com o uso de propranolol (20 mg 6/6h VO) por três dias antes da cirurgia e de β-bloqueadores intravenosos no período pós-operatório, para manter uma pressão arterial média de 70 a 80 mmHg. Algoritmo de Abordagem da Hemorragia Intraparenquimatosa Hidrocefalia Herniação transtentorial, Compressão de tronco ou severo Efeito de massa Hematoma Cerebelar > 3 ml + Glasgow < 14 Supratentorial > 10 ml com Glasgow < 15 Marcado efeito de massa, desvio linha média, HIC (?) Cateter ventricular Hiperventilação + Manitol Cirurgia Unidade de Terapia Intensiva Controle PA PA 180 / 105 Antihipertensivo PPC > 60 mmHg Anticonvulsivante profilático • HIC • Lesão cortical Fenitoína Correção da coagulação Controle HIC Cabeceira a �0º Drenagem líqüor Manitol Sedação, Analgesia HIC refratária • TC • Aval. Neurocirúrgica Redução do nível de consciência súbita e progressiva + cefaléia + vômitos + déficit motor + pressão arterial elevada suspeitar HIP Abordagem na Emergência: Glasgow <9, redução dos reflexos de proteção via aérea, ou disfunção do tronco Sedação, Intubação, Ventilação Mecânica Correção Hipotensão: Volume/ Vasopressor TC �� Pontos Principais Hemorragia intracerebral Hipertensão arterial sistêmica Malformação arteriovenosa Terapia anti-hipertensiva Hipertensão intracraniana Embolização sUGEsTÕEs DE lEITURA 1. Neurological and Neurointensive Care – Allan Ropper at al (Tradução da 4a Edição) DiLivros Editora 2. Intensive Care in Neurosurgery – Brian T. Andrews da AANS (Tradução da 1a Edição) DiLivros Editora 3. Terapia Intensiva em Neurologia – E.Knobel at al Editora Atheneu 4. Medicina Intensiva Adulto – Cid M. David at al, Editora Revinter, 2003. 5. Terapia Intensiva em Neurologia e Neurocirurgia – Charles André - Editora Revinter 6. Qureshi A I, Tuhrim S, Broderick J P. et al. Spontaneous Intracerebral Hemorrhage. N Engl J Med 2001; 344 (19):1450-60. 7. Broderick J P, Adans H P, Barsan W. et al. Guidelines for the Management of Spontaneous Intracerebral He- morrhage. Stroke 1999; 30: 905-15. 8. Arteriovenous Malformation Study Group. Arteriovenous Malformations of the Brain in Adults. N Engl J Med 1999;340 (23): 1812-18. 9. Greenberg M S (ed). Handbook of Neurosurgery. Greenberg Graphics. Florida, EUA, 1997. �0 �� Capítulo 12 Acidente vascular encefálico isquêmico (AVEi) A. INTRODUÇãO Acidente vascular encefálico (AVE) é clinicamente definido como uma síndrome de início abrupto de sintomas ou sinais de perda focal da função encefálica em que nenhuma outra causa é aparente, além da provável origem vascular. Esta síndrome é muito heterogênea; logo, numerosos fatores influenciam no prognóstico, no tratamento e nas estratégias preventivas. O AVE é a terceira causa mais freqüente de morte depois das doenças coronarianase das neoplasias. Nos Estados Unidos da América (EUA) mais de 700 mil casos/ano são diagnosticados e, destes, mais de 160 mil (23%) mor- rem. O número de mortes por AVE vem diminuindo nas últimas décadas. Este declínio é atribuído a um decréscimo na incidência dos AVE em decorrência de um melhor controle da hipertensão e a uma redução dos casos fatais devido a um tratamento rápido e especializado. Dos que sobrevivem ao AVE, até 30% tornam-se dependentes e improdutivos. A grande incidência do AVE e as extensas seqüelas produzidas determinam um alto custo desses pacientes para a socieda- de. Os homens têm maior incidência de AVE. Na avaliação de dados de internações por AVE agudo nos EUA em 1993, observou-se que 75% das pessoas encontravam-se com idade acima dos 65 anos e 20% entre os 45 e 64anos. O AVE é classificado em dois tipos: AVE isquêmico (83%) e hemorrágico (17%). O AVE hemorrágico pode se apre- sentar como uma hemorragia intraparenquimatosa (10%) ou uma hemorragia subaracnóide (7%). Neste capítulo, discutiremos o AVE isquêmico. O progresso no entendimento dos mecanismos básicos da isquemia cerebral, o avanço da radiologia no estudo do AVE agudo e as novas intervenções farmacológicas vem exigindo um maior esforço no desenvolvimento de protocolos que visam otimizar a evolução neurológica e funcional desses pacientes. O AVEi deve ser considerado uma emergência médica que requer os mesmos cuidados de um evento coronariano agudo. B. FIsIOPATOGENIA O fluxo sangüíneo cerebral (FSC) representa 15 a 20% do débito cardíaco total, o que significa um fluxo de 50 a 55 ml/100 g de cérebro por minuto. Este permanece constante em função de um mecanismo de autoregulação, que tende a desaparecer quando a pressão arterial média estiver abaixo de 60 mmHg ou acima de 150 mmHg. O fluxo abaixo de 20 a 25 ml/100 g/min já determina prejuízo funcional. A reversibilidade destas alterações permanece diretamente relacionada ao tempo de duração desta queda do fluxo sangüíneo. A cascata isquêmica inicia-se com segundos a minutos após a queda de perfusão e rapidamente cria uma área central de infarto irreversível e uma área circundante com potencial de reversibilidade (“penumbra isquêmica”). O fluxo em níveis inferiores a 10 ml/ 100 g/min causa alterações no transporte da membrana celular e morte celular. C. PATOGÊNEsE Os principais mecanismos do AVE isquêmico são as lesões trombóticas, as embólicas e as lacunares. O AVE trombótico (31% dos casos) compromete artérias de médio e grande calibre e a obstrução decorre, na grande maioria dos casos, da presença de lesões ateromatosas. O AVE embólico (32% dos casos) tem origem vascular ou cardíaca e é bem mais freqüente do que se imaginava no passado. O avanço nos métodos de investigação (ultra-sonografia cardíaca e vascular) permitiu que se identificasse um grande número de AVE como sendo de origem embólica. Dos AVEi até 20% são devidos a êmbolos de origem cardíaca. O AVE lacunar (20% dos casos) ocorre devido ao comprometimento de pequenas artérias ou arteríolas cerebrovasculares, determinando lesões de pequeno tamanho (3-20 mm). As regiões mais afetadas neste tipo são o tronco cerebral, núcleos da base, tálamo e cápsula interna. A lipo-hialinose da parede dessas arteríolas, freqüentemente relacionada à hipertensão arterial crônica, é provavelmente o mecanismo que determina a obstrução destes vasos. Outros mecanismos de menor freqüência na patogênese dos AVE isquêmicos são as vasculopatias inflamatórias e não inflamatórias e as coagulopatias. A vasculopatia inflamatória pode estar relacionada às seguintes doenças: Takayasu, do- ença infecciosa (TBC, sífilis, zoster oftálmico, SIDA), mucormicose e arterites (poliarterite nodosa e Granulomatose de �� Wegener), além das vasculites das diferentes doenças autoimunes (LES, AR, Síndrome do anticorpo antifosfolípide). Na vasculopatia não inflamatória as principais etiologias são a displasia fibromuscular e a dissecção de artéria pós-trauma. Policitemia, trombocitose, deficiência de proteina C ou S, deficiência de anti-trombina III, anticorpos anti-cardiolipina, púrpura trombocitopênica trombótica também se constituem em causas possíveis de AVE. Apesar da evolução na inves- tigação dos AVE isquêmicos, 30% dos casos ainda permanecem sem etiologia definida (criptogênico). D. DIAGNósTICO DO AVE IsqUÊMICO Quando um paciente com provável AVE chega a uma emergência, o primeiro passo é avaliar os sinais vitais e cor- rigir perturbações da oxigenação e circulação. O diagnóstico do AVE isquêmico baseia-se em dados da avaliação clínica, neurológica e do exame radiológico. D1. Avaliação clínica: a história clínica deve ser obtida com o paciente ou familiares, especialmente quanto à forma de instalação, aos sintomas e sinais associados, à doença médica pregressa e à presença de fatores de risco e causas para o AVEi. Estas informações são de fundamental importância no esclarecimento diagnóstico, bem como na tentativa de estabelecer o tipo clínico do distúrbio circulatório. Os tipos clínicos básicos são o AVE isquêmico com- pleto (deficiência neurológica de início abrupto ou progressivo, que atinge seu máximo e se estabiliza), a deficiência neurológica isquêmica reversível (deficiência neurológica que se resolve em até uma semana) e o ataque isquêmico transitório (AIT) (sinais e sintomas que desaparecem em até 24 horas). A possibilidade de classificar os casos dentro de um desses quadros será de extrema utilidade na escolha dos exames complementares e medidas terapêuticas a serem adotadas. O exame físico de rotina deve ser acrescido de uma avaliação cuidadosa do sistema vascular. Na avaliação laboratorial inicial, deve-se solicitar um hemograma com contagem de plaquetas, tempo de pro- trombina, KTTP, glicose, uréia, creatinina, sódio, potássio, cálcio, magnésio e provas de função hepática. Quando houver suspeita de distúrbios nas trocas gasosas e de alterações do equilíbrio ácido-básico é necessário realizar uma gasometria arterial. O ECG permitirá detectar a presença de alterações no ritmo cardíaco (especialmente fibrilação atrial). Invariavelmente, a radiografia dos campos pulmonares deve ser realizada. D2. Avaliação neurológica: o exame neurológico deve ser rápido, mas preciso (5 a 10 min). Esses dados são essen- ciais para distinguir entre um episódio isquêmico ou hemorrágico, para estabelecer o território vascular afetado e para definir a gravidade do AVE. Achados como estado de coma, meningismo, vômitos, cefaléia severa e pressão sistólica acima de 220 mmHg são sugestivos de AVE hemorrágico. No entanto, nenhum achado é realmente especí- fico no diagnóstico diferencial de AVE hemorrágico e isquêmico. A identificação dos déficits motores e sensoriais pode providenciar indícios para o local do AVE (tabela1). Tabela 1. Padrões de anormalidades neurológicas em pacientes com AVEi síndromes Clínicas sinais e sintomas Topografia da lesão Amaurose fugaz Perda visual monocular Retina Hemisfério esquerdo Afasia, paresia e/ou hipoestesia direita, hemianopsia di- reita, paresia do olhar conjugado para a direita, disartria, dificuldade para ler, escrever e calcular Hemisfério cerebral esquerdo (mais freqüen- temente em território carotídeo) Hemisfério direito Negligência do espaço visual esquerdo, hemianopsia es- querda, hemiparesia esquerda, hemi-hipostesia esquerda, disartria, desorientação espacial Hemisfério cerebral direito (mais frequen-temente em território carotídeo) Déficit motor puro Fraqueza da face ou mmbros de um lado, sem anormali- dades de funções superiores, sensibilidade ou visão Lesão pequena subcortical em hemisfério cerebral ou tronco cerebral Déficit sensitivo puro Hipoestesia da face ou membros de um lado, sem anrma- lidades de funções superiores, motricidade ou visão Lesão pequena subcortical em hemisfério cerebral ou tronco cerebralFossa posterior Vertigem, náusea e vômitos; déficit motor ou sensitivo nos 4 membros, ataxia, disartria, olhar conjugado, nistag- mo, amnésia, perda visual em ambos campos visuais Tronco cerebral, cerebelo ou porções posteriores dos hemisférios * Ferraz A.C.,(manual de terapia intensiva neurológica) �� O uso de escalas na avaliação neurológica do paciente que se apresenta com AVE isquêmico é útil principalmente para acompanhar o curso da doença e determinar o prognóstico. A escala de AVEi do National Institute of Health (NIH) (tabela 2) é freqüentemente recomendada devido ao fato de ser de fácil e rápida aplicação. O escore inicial correla- ciona-se com o tamanho do infarto, com a mortalidade na fase aguda, com a incapacidade funcional a longo prazo e pode guiar a decisão clínica para a trombólise. Além disso, essa escala pode ser aplicada para a avaliação de resposta terapêutica em estudos clínicos. Nos pacientes inconscientes a Escala de Coma de Glasgow é apropriada (tabela 3). Tabela 2 - Escala de AVEi do National Institute of Health 1. Estado mental 1a. Nível de consciência Alerta Sonolento Torporoso Coma 0 1 2 3 1b. Orientação (mês, idade) Ambas respostas corretas Uma resposta correta Incorretas 0 1 2 1c. Comandos (abrir/fechar olhos, apertar e soltar a mão) Odedece ambos Obedece um Incorretamente 1 2 3 2. Olhar (olhos abertos, paciente acompanha o dedo do examinador) Normal Paralisia parcial do olhar Desvio conjugado 0 1 2 3. Visual (analisar perimetria) Sem perda visual Hemianopsia parcial Hemianopsia completa Hemianopsia bilateral 0 1 2 3 4. paralisia facial (mostrar os dentes, enrugar a testa, fechar olhos) Normal Mínima Parcial Completa 0 1 2 3 5. Motricidade em membro superior 5a. Esquerdo (membro elevado a 90˚ e mantido por 10 segundos) Sem desio Com desvio Não resiste à gravidade Nenhum movimento contra gravidade Sem movimento Amputado, derrame articular 0 1 2 3 4 X 5b. Direito (membro elevado a 90˚ e mantido por 10 segundos) Sem desio Com desvio Não resiste à gravidade Nenhum movimento contra gravidade Sem movimento Amputado, derrame articular 0 1 2 3 4 X 6. Motricidade em membro inferior 6 a . Esquerdo (membro elevado a 30˚ e mantido por 5 segundos) Sem desvio Com desvio Não resiste à gravidade Nenhum movimento contra gravidade Sem movimento Amputado, derrame articular 0 1 2 3 4 X 6b. Direito (membro elevado a 30˚ e mantido por 5 segundos) Sem desvio Com desvio Não resiste à gravidade Nenhum movimento contra gravidade Sem movimento Amputado, derrame articular 0 1 2 3 4 X �� 7. Ataxia de membros Testes do índex-nariz e calcanhar-joelho) Ausente Presente em um membro Presente em dois membros 0 1 2 8. Sensibilidade (Em face, membro superior e inferior dos dois lados) Normal Perda parcial Perda severa 0 1 2 9. Linguagem (Nomear itens- caneta, relógio – descrever figuras e ler sentenças) Sem afasia Afasia leve a moderada Afasia grave Afasia total 0 1 2 3 10. Disartria (Avaliar clareza da fala fazendo o pa- ciente repetir palavras listadas: episcopal, presbiteriano, microfone) Articulação normal Disartria leve a moderada Quase inteligível ou pior Entubado ou outra barreira física 0 1 2 X 11. Negligência (Usar informação da testagem prévia para identificar ou extinção) Sem negligência Negligência parcial Negligência completa 0 1 2 Tabela 3 – Escala de Coma de Glasgow Abertura Ocular Espontânea Comando verbal Estímulo doloroso Nenhuma 4 3 2 1 Melhor Resposta Motora Obedece comandos Localiza estímulo doloroso Retira membro a dor Flexão anormal (decorticação) Extensão anormal (deserebração) Nenhuma 6 5 4 3 2 1 Resposta Verbal Orientado Confuso Palavras inapropriadas Sons Nenhuma 5 4 3 2 1 D3. Avaliação radiológica Tomografia Computadorizada Cerebral (TCC) sem contraste é, na fase inicial, o mais importante e útil meio diag- nóstico. Esta pode excluir um AVE hemorrágico e outras patologias que podem simular um AVE isquêmico (tu- mores, abscessos). A sua alta sensibilidade permite detectar 100% das hemorragias intracerebrais e 95% das he- morragias subaracnóides. As lesões isquêmicas agudas são caracterizadas como áreas com mudança de densidade com margens borradas que aparecem 6 horas após o início dos sintomas. Infartos completos são geralmente vistos depois de 24 horas. Na tomografia os sinais indiretos de isquemia podem ser detectados numa fase muito precoce da evolução e, com esses sinais, é possível prever a gravidade do AVE e o tamanho da área comprometida. Extensa lesão hipodensa (> 33% do território da artéria cerebral média) indica um alto risco de complicações hemorrágicas após terapia trombolítica. A TCC freqüentemente confirma a suspeita de infarto isquêmico, exceto em alguns casos �� em que esta é realizada muito precocemente (horas) ou o AVE seja muito pequeno (principalmente na região do tronco cerebral). A TCC deve ser realizada com urgência (<60 minutos), principalmente quando existe suspeita de hemorragia cerebral (diminuição de sensório), a terapia trombolítica é planejada ou os sintomas neurológicos progridem. Ressonância magnética (RM) não é um teste diagnóstico prático na emergência, pois depende da cooperação do paciente e tem um tempo de execução mais prolongado. Em comparação com a TCC, a RM é mais sensível espe- cialmente entre 8 e 24 horas após o íctus, principalmente para infartos de tronco cerebral e cerebelo. Porém, sua sensibilidade para hemorragias é inferior. As novas técnicas de RM introduziram a possibilidade de acessar a viabi- lidade do tecido cerebral. No futuro, provavelmente, a rígida janela de tempo para início da terapêutica (reperfusão) seja menos relevante do que a presença de tecido isquêmico reversível na avaliação radiológica. - Outros exames radiológicos: Ultrassonografia com doppler é uma técnica muito útil para uma rápida avaliação das artérias intracranianas e extracranianas na fase aguda do AVE. Em artéria carótida com estenose superior a 40%, a ultrassonografia tem uma sensibilidade de 92% a 100% e especificidade de 93% a 100%, semelhante à da arteriografia. Na avaliação de estenose maior que 50% das artérias vertebrais, o doppler tem baixa sensibilidade e especificidade. Doppler transcraniano permite um exame das artérias intracranianas de modo não invasivo. Este exame pode detec- tar estenoses ou oclusões de artérias intracranianas, alterações na circulação colateral, vasoespasmo e nos permite confirmar a morte cerebral. Angiografia por ressonância magnética (ARM) é um exame útil e um método não invasivo que possibilita avaliar grandes artérias e veias. Quando associada à ultrassonografia com doppler, a ARM tem é considerada como um exame efetivo na avaliação das estenoses arteriais. Ecocardiografia transtorácica em pacientes com doença cardíaca conhecida é um exame normalmente suficiente para detectar anormalidades cardíacas responsáveis por uma embolia cerebral (trombo ventricular, infarto do miocárdio, endocardite, valvulopatia). Nos pacientes com fibrilação atrial sem valvulopatia, o achado na ecocardiografia trans- torácica de átrio esquerdo aumentado e disfunção do ventrículo esquerdo é um preditor para tromboembolismo cere- bral. A ecocardiografia transesofágica é recomendada em pacientes sem história de doença cardíaca (principalmente em jovens). Nesse grupo de pacientes, deve ser investigada a presença de forâmen oval patente ou defeito no septo atrial. A ecocardiografia transesofágica tem maior resolução na avaliação do átrio esquerdo e do arco aórtico. Arteriografia cerebral é o exame preferencialpara demonstrar doenças vasculares intra e extracranianas e auxilia na iden- tificação da causa do AVC. A arteriografia requer um período relativamente longo para ser obtida. Este exame deve ser evitado em pacientes com déficit neurológico severo ou instáveis, devido ao risco de ele poder agravar o quadro. A ultrasonografia cervical, o doppler transcraniano e a arteriografia cerebral podem detectar doença arterial grave, incluindo aterosclerose e dissecção. Porém, a utilidade do resultado desses exames no manejo agudo dos pacientes com AVE isquêmico é incerta. E. Abordagem inicial do AVE isquêmico A internação hospitalar deve ser indicada nos casos de AVE transitório ou permanente, com menos de 72 horas do início dos sintomas. Os critérios para admissão na UTI são a alteração do nível do sensório, sinais de hipertensão intracraniana, íctus em evolução, episódios embólicos múltiplos, êmbolos sépticos, emergência hipertensiva, uso de trombolítico e condições clínicas com indicação de tratamento intensivo. O manejo do paciente com AVEi consiste do tratamento de suporte, do tratamento específico e do tratamento das complicações. E1. Tratamento de suporte Cuidados com vias aéreas e ventilação: A manutenção de uma adequada oxigenação é um dado importante no aten- dimento na emergência. A hipóxia induz ao metabolismo anaeróbio e depressão dos estoques de energia celular �� e, assim, pode aumentar a área de lesão cerebral e piorar o prognóstico. As causas mais comuns de hipóxia são a obstrução parcial das vias aéreas, hipoventilação, pneumonia de aspiração e atelectasias. As primeiras medidas no paciente com depressão do nível de consciência (Glasgow < 9) são a proteção da via aérea (intubação orotraqueal) e a correção dos distúrbios ventilatórios (oxigenioterapia/ ventilação mecânica). Não existe nenhum dado estabele- cendo benefícios da suplementação de oxigênio na ausência de hipoxemia. Monitoração cardíaca: O paciente deve ter monitoração cardíaca contínua pelo menos durante as primeiras 24 horas após o início dos sintomas. A literatura descreve uma prevalência de 5% a 10% de alterações no eletrocardio- grama e de 2% a 3% de infarto agudo do miocárdio nos AVE. Controle temperatura corporal: A hipertemia mostrou-se deletéria ao tecido cerebral isquêmico em estudos experi- mentais. Viu-se que cada grau centígrado de elevação da temperatura cerebral aumentava em muito a área final do infarto. A febre deve ser tratada com antitérmicos. Não há dados clínicos definidos sobre a utilidade da hipotermia no tratamento do AVEi. Controle metabólico: Alguns estudos correlacionam hiperglicemia a evolução pobre após um AVE. Em estudo ex- perimental, a hiperglicemia é responsável por um maior dano celular na região isquêmica (“penumbra”). Os eleva- dos níveis de glicemia devem ser prontamente corrigidos. A administração de soluções com glicose deve ser evitada na fase aguda do infarto. A hipoglicemia também determina maior extensão da área de infarto. A recomendação é manter normoglicemia. Controle hídrico: A reposição de volume tem como objetivo corrigir a desidratação. Esta pode determinar hemo- concentração e, assim, piora do fluxo sangüíneo cerebral. A solução fisiológica a 0,9% é a mais utilizada. A hemodi- luição não é uma terapia atualmente recomendada. Estudos clínicos não demonstraram redução da morbi-morta- lidade com uso da hemodiluição isovolêmica. Alguns trabalhos testaram a hemodiluição hipervolêmica, sugerindo piora do prognóstico devido ao aumento do edema cerebral. O objetivo é a euvolemia. Abordagem da pressão arterial na fase aguda do AVEi: Hipertensão arterial é um achado freqüente após o AVE. A pressão elevada pode resultar do estresse, da dor, da resposta fisiológica à hipóxia cerebral, do aumento da pressão in- tracraniana, da retenção urinária ou devido a hipertensão prévia. A pressão arterial pode ser reduzida com o controle desses fatores. O manejo da pressão arterial no AVE isquêmico agudo é bastante controverso. É recomendado não tratar a hipertensão leve ou moderada durante as primeiras horas do AVE. As regiões isquêmicas do cérebro têm per- da parcial ou completa do mecanismo de autoregulação e o fluxo sangüíneo depende da pressão arterial para manter a perfusão cerebral. Logo, a redução da pressão arterial para níveis de normotensão em pacientes em fase aguda pode exacerbar a lesão cerebral e piorar o prognóstico, principalmente nos pacientes previamente hipertensos. A tabela 4 descreve o manejo da pressão arterial nos casos de AVE isquêmico agudo que não são candidatos à trombólise. Tabela 4. Manejo da Pressão Arterial no AVCi agudo (não candidato à trombólise) PAD > 140 mmHg (em duas medidas com intervalo de 5 min) Nitroprussiato de sódio (0,5-1 µg/Kg/min), IV PAS > 220 mmHg ou PAD de 121-140 mmHg (em duas medidas com intervalo de 20 min) Esmolol - ataque 500 µg/Kg seguido de 50-200 µg/Kg/ min, IV ou Enalapril - 1,25 mg lento; até 5 mg 6/6 h, IV PAS de 185-220 mmHg ou PAD de 105-120 mmHg Nenhum tratamento anti-hipertensivo é indicado exceto na presença de insuficiência cardíaca esquerda, dissecção de aorta, isquêmia miocárdica, transforma- ção hemorrágica ou uso de trombolítico PAS < 185 mmHg ou PAD < 105 mmHg Nenhum tratamento anti-hipertnsivo é indicado. Pressão arterial em níveis inferiores aos esperados para o paciente (principalmente se história prévia de HAS) Infusão de fluídos (SF 0,9%) e considerar vasopresso- res (dopamina, noradrenalina) �� E2. Tratamento específico Terapia trombolítica: o racional da terapia trombolítica é baseado no fato de que muitos dos AVEi são decorrentes da oclusão arterial trombótica ou trombo-embólica. As arteriografias demonstraram a presença de coágulos oclusi- vos em mais de 80% dos pacientes. A estratégia terapêutica visa restaurar a perfusão cerebral dentro de um período de tempo em que se tenha o potencial para limitar as conseqüências bioquímicas e metabólicas da isquemia, que induzem a lesão cerebral irreversível. O National Institute of Neurological Disorders and Stroke (NINDS), no estudo de rtPA para AVE isquêmico, demonstrou melhor evolução dos pacientes com administração da droga em até 3 h após inicio dos sintomas. Em 24 h, o escore médio do NIH era significativamente melhor no grupo do rtPA (8 rtPA x 12 placebo; p < 0,02). Em 3 meses, o tratamento resultou em um aumento de 11% a 13% dos pacientes com excelente evolução neurológica. A mortalidade era semelhante após 3 meses (17% rtPA x 21% placebo; p = 0,30). O risco de hemorragia intracerebral era maior no grupo da trombólise (6,4% rtPA x 0,6% no placebo; p < 0,001). Os achados do NINDS mostraram que o uso do rtPA endovenoso melhora a evolução após o AVEi, quando administrado até 3 horas após o início do íctus. As orientações para o tratamento com trombolíticos no AVEi são baseadas no protocolo utilizado nesse estudo. As recomendações do AHA para o uso de trombolíticos no AVEi são as seguintes: • administrar rtPA endovenoso (dose de 0,9 mg/Kg, para um máximo de 90 mg, e dessa, 10% em bolus e o restante em 60 minutos) em pacientes com início do ictus < 180 minutos. O tratamento não é indicado quando não existe uma clara definição do tempo de evolução • administrção endovenosa da estreptoquinase não é indicada no manejo do AVEi • terapia trombolítica só é indicada quando o diagnóstico é estabelecido por um médico experiente no diagnóstico de AVEi e a TCC é avaliada por um médico experiente nesse exame de imagem A terapia trombolítica não deve ser administrada se não existir a possibilidade de alguns cuidados essenciais: • internação na UTI – observação contínua, freqüente avaliação neurológica e monitoração cardiovascular • controle rigoroso da pressão arterial sangüínea – durante a infusão e até 24 h após. A hipertensão predispõe ao sangramento e a hipotensão pioraa isquemia cerebral. Deve-se manter a PA < 180/ 105 mmHg • evitar punção arterial, punção venosa central e a colocação de SNG durante 24h; evitar colocação de sonda vesi- cal durante a infusão e até 30 min após • condições para o atendimento de complicações hemorrágicas. Na suspeita de sangramento, algumas medidas devem ser tomadas: - suspender infusão da droga trombolítica - piora neurológica – suspeitar de sangramento cerebral – solicitar TC com urgência - solicitar provas de coagulação (TP, KTTP, plaquetas, fibrinogênio), Ht, Hb - consultoria cirúrgica - solicitar concentrado de hemácias, crioprecipitado, plasma fresco e plaquetas Os pacientes que devem ser excluídos do protocolo da terapia trombolítica: • TCC com alterações compatíveis com infarto extenso (apagamento de sulcos, efeito de massa, edema) ou possível hemorragia • hemorragia intracraniana prévia • trauma cerebral severo nos últimos 3 meses �� • PAS>185 mmHg ou PAD>110 mmHg, e agressivo tratamento é requerido para reduzir a PA • história de hemorragia do sistema gastrointestinal ou urinário nos últimos 21 dias • uso de anticoagulante oral ou INR > 1,7; uso de heparina nas últimas 48 h e/ou um prolongado KTTP • plaquetas < 100 000/mm3 • convulsões no início do AVE • sintomas sugestivos de hemorragia subaracnóide • cirurgia maior no últimos 14 dias • outro AVE nos últimos 3 meses • glicose < 50mg% ou > 400 mg% • rápida melhora dos sinais neurológicos (AIT); pacientes com pequenos déficits isolados (escore NIH < 4) geral- mente não são candidatos a trombólise devido ao risco superar um provável benefício • a trombólise nos pacientes com grave AVE (NIH > 22) deve ser cautelosa Terapia dos pacientes não-candidatos à trombólise: Anticoagulação (heparina não fracionada, heparina de baixo peso molecular, heparinóides): sistemática revisão de dados revela que não existe nenhuma evidência de benefício destas drogas no AVEi, em termos de redução da morbi-mortalidade. Um potencial benefício desta terapia é a redução da recorrência do AVEi, no entanto, este é completamente eliminado devido ao aumento de complicações hemorrágicas. A heparina em baixas doses (5000 U SC de 12/12 h) é efetiva e segura na prevenção de complicações tromboembólicas de pacientes imobilizados na fase aguda do AVEi. Antiagregante plaquetário: na avaliação conjunta dos resultados dos estudos do International Stroke Trial (IST) e do Chinese Acute Stroke Trial (CAST), a aspirina tem um benefício de evitar 10 mortes ou recorrência do AVEi para cada 1000 pacientes tratados. Apesar do modesto benefício, o uso precoce da aspirina (<48 h) deve ser consi- derado em todos os pacientes a menos que exista uma clara contra-indicação (trombólise, anticoagulação plena). A asprina em baixas doses (50 – 325 mg/d) é efetiva e determina menores efeitos adversos (hemorragia TGI, dor abdominal, náuseas, vômitos). Outros agentes antiplaquetários que provaram ser efetivos na prevenção da recor- rência do AVEi são: clopidogrel (75 mg 1x/d), aspirina combinada com dipiridamol de liberação lenta (25 mg + 200 mg 2x/d) e ticlopidina (250 mg 2x/d). A aspirina é a primeira escolha para os pacientes que não vinham em uso de nenhuma medicação antiplaquetária. E3. Tratamento da complicações neurológicas As complicações neurológicas agudas mais importantes do AVEi são as seguintes: - edema cerebral e hipertensão intracraniana - convulsões - transformação hemorrágica com ou sem formação de hematoma Edema cerebral: o edema cerebral e a hipertensão intracraniana tem inicio nas primeiras 24-48 h após o infarto isquêmico. O pico do edema ocorre entre o 3º e o 5º dia, e pode levar à herniação e morte. Somente 10% a 20% dos pacientes desenvolvem edema cerebral grave com deterioração neurológica. Herniação é mais freqüente em pacientes jovens com grandes áreas de infarto do que em idosos, porque o cérebro dos jovens tem pequena atrofia. A gravidade do edema correlaciona-se à extensão da área de infarto. A monitoração da pressão intracraniana serve �� de guia para escolha das terapias e predizer a evolução. O tratamento do edema cerebral isquêmico inclui medidas básicas, medidas de primeira linha (osmoterapia, drenagem liquórica) e medidas de segunda linha (solução hipertô- nica, barbitúrico, hipotermia, craniectomia descompressiva). O corticóide não é recomendado no manejo do edema cerebral do AVEi. A osmoterapia é recomendada para pacientes com deterioração secundária ao aumento da pressão intracraniana. O manitol aumenta a osmolaridade do sangue criando um gradiente osmótico através da barreira hemato-encefá- lica. Uma barreira intacta é essencial para este mecanismo. Sendo assim, o manitol pode entrar no parênquima ce- rebral isquêmico e determinar um fenômeno de rebote, caso a osmoterapia seja abruptamente suspensa. Aumentos da osmolaridade por curtos períodos de tempo são mais efetivos em reduzir a PIC do que aumentos contínuos da osmolaridade. As complicações do manitol são os distúrbios eletrolíticos e a hipovolemia. A osmolaridade plasmá- tica não deve exceder 330 mOsm/Kg. A hiperventilação tem efeito transitório no controle da pressão intracraniana e, algumas vezes, com efeitos dele- térios em conseqüência da vasoconstrição, provocando danos isquêmicos secundários. A hiperventilação (PaCO2 30-35 mmHg) é recomendada apenas para pacientes que estejam com sinais de deterioração aguda (herniação). A descompressão cirúrgica e a evacuação de grandes infartos hemisféricos podem reduzir a mortalidade. A craniec- tomia subociptal e a ventriculostomia são efetivas no alívio da hidrocefalia e da compressão de tronco cerebral cau- sadas por grandes infartos cerebelares. Além de reduzir a mortalidade, os sobreviventes tem um bom prognóstico. Convulsões: a administração de anticonvulsivante profilático não é recomendada. O uso desses na prevenção de convulsões recorrentes é fortemente indicado. Transformação hemorrágica: existem poucas informações sobre a freqüência das transformações hemorrágicas no AVEi. Alguns estudos sugerem que todos os infartos têm algum sangramento pequeno. Um estudo prospectivo esti- ma que aproximadamente 5% dos infartos desenvolvem espontaneamente transformações hemorrágicas ou francos hematomas. O manejo dessa complicação depende principalmente da extensão do sangramento e dos sintomas. F. PROGNósTICO O prognóstico dos pacientes acometidos por AVE isquêmico está diretamente relacionado ao território atingido, à extensão da área infartada, aos problemas clínicos associados, à idade e às condições do atendimento. Os novos trabalhos sugerem de maneira bastante enfática que o rápido atendimento na fase aguda, por uma equipe especia- lizada e a internação em unidades especificas trazem um real ganho na morbi-mortalidade destes pacientes. sUGEsTÕEs DE lEITURA 1. Neurological and Neurointensive Care – Allan Ropper et al (Tradução da 4a Edição) DiLivros Editora 2. Intensive Care in Neurosurgery – Brian T. Andrews da AANS (Tradução da Intensiva em Neurologia – E.Knobel at al Editora Atheneu 3. Medicina Intensiva Adulto – Cid M David at al Editora Revinter 2003 4. Terapia 1a Edição) DiLivros Editora 5. Terapia Intensiva em Neurologia e Neurocirurgia – Charles André - Editora Revinter 6. Adans, H.P.Jr.; Brott, T.G.; Crowell, R.M., et al. AHA Medical/Scientific Statement – Guidelines the mana- gement of patient with acute ischemic stroke: A statement for healthcare professionals from a special writing group of the Stroke Council, American Heart Association. Stroke, 1994, 25(5): 1901-1914 7. Adans, H.P.Jr.; Brott, T.G.; Crowell, R.M., et al. AHA Medical/Scientific Statement – Guidelines for throm- bolytic therapy for acute stroke: A supplement to the guidelines for the management of patients with acute ischemic stroke. A statement for healthcare professionalsfrom a special writing group of the Stroke Council, American Heart Association. Circulation, 1996, 94: 1167-1174. 8. Hill, M.D.; Haschinski, V. Stroke treatment: time is braim. Lancet, 1998, 352 (suppl 3):10s-14s. 9. The International Stroke Trial (IST): a randomised trial of aspirin, subcutaneous heparin, both, or neither among 19435 patients with acute ischemic stroke. Lancet, 1997, 349: 1569-1581. �00 10. The National Institute of Neurological Disorders and Stroke (NINDS):Guidelines for medical care and treat- ment of blood pressure in patients with acute stroke. 1998. 11. Vuadens, P.; Bogousslavsky, J. Diagnosis as a guide to stroke therapy. Lancet, 1998, 352 (suppl 3):5s-9s. 12. Kasner S.E.; Raps E.C. Currente management of acute ischemic stroke. In:Miller D.H.; Raps E.C. Critical Care Neurology. Butterworth-Heinemann,Boston, 1999.p 149-176. 13. Alberts G.W.; Chair; Amarenco P. Antitrombotic and thrombolytic therapy for ischemic stroke – Sixth ACCP Consensus Conference on Antithrombotic Therapy. CHEST, 2001, 119:300s-320s.1 14. The National Institute of Neurological Disorders and Stroke (NINDS):r-TPA Strke Study Group. Tissue plas- minogen activator for acute ischemic stroke. N Engl Med, 1995, 33:1581-1587. 15. Ferraz A.C. Acidente vascular cerebral isquêmico. In:Capone A . Manual de Terapia Intensiva Neurológica (Hospital Israelita Albert Einstein), 2000, p: 132-146. �0� Capítulo 13 Hemorragia subaracnóide (HsA) A. OBJETIVO Os principais objetivos deste capítulo são: • discutir a epidemiologia da HSA decorrente da ruptura do aneurisma cerebral (HSAa) com ênfase na incidência, na prevalência, nos fatores de risco e no prognóstico • apresentar dados clínicos e radiológicos que auxiliem no rápido diagnóstico HSAa e de suas complicações • orientar uma abordagem terapêutica prática e efetiva B. EPIDEMIOlOGIA A hemorragia subaracnóide (HSA) é uma patologia freqüente e devastadora. As principais causas de HSA são: • trauma (mais freqüente) (HSAt) • não traumática: o aneurisma cerebral (75 - 80%) (HSAa) o malformações arteriovenosas (4 - 5% ) o tumor o dissecção de artérias cerebrais o distúrbio de coagulação o vasculites do SNC • etiologia desconhecida (14 - 22%) Neste capítulo será discutida a HSA causada por ruptura de aneurisma (HSAa). A incidência anual de HSAa nos Norte Americanos é de 10 a 28 casos por 100.000 pessoas. Ocorrem em torno de 28.000 HSAa/ano nos EUA. Di- ferente dos outros tipos de AVE, a HSA não diminuiu sua incidência nos últimos anos. A incidência aumenta com a idade (pico com 55 a 60 anos) e é mais freqüente nas mulheres. A morbi-mortalidade da HSAa permanece muito elevada. Aproximadamente 10% a 15% dos pacientes morrem antes de qualquer atendimento médico. A mortali- dade total varia de 40% a 50% após 30 dias da hemorragia. Dos pacientes que sobrevivem, até 50% permanece com seqüelas graves. C. FATOREs DE RIsCO Os principais fatores de risco para ruptura de aneurismas cerebrais são os seguintes: • tabagismo • HAS • anticoncepcional oral • consumo de álcool �0� • abuso de drogas (cocaína, estimulantes) • gravidez e parto • esforço físico (?) – provável mito, porque mais de 50% dos pacientes apresentam HSAa em repouso D. ANEURIsMA NãO ROTO Nos aneurismas não rotos estão incluídos os aneurismas que são diagnosticados acidentalmente (assintomáticos) e os aneurimas que produzem outros sintomas que não da hemorragia (compressão do terceiro nervo com dilatação pupilar). O risco anual de HSA por um aneurisma não roto é estimado em torno de 1% a 2%. O tamanho do aneu- risma é um fator de risco para futura ruptura. Os aneurismas com menos de 3 mm de diâmetro têm baixo risco de sangramento, enquanto que os com mais de 10 mm têm alto risco de romper. A maioria dos aneurismas rotos tem de 5 a 7 mm de diâmetro. Em pacientes com aceitável risco cirúrgico, a clipagem de aneurismas não rotos, com mais de 5 a 7 mm de diâmetro, é recomendada. E. DIAGNósTICO DE HsA 1. História clínica: a apresentação típica da HSA por ruptura de aneurisma inclui: cefaléia severa, de início súbito, associada ou não a um breve período de perda de consciência, náuseas e/ou vômitos, déficit neuro- lógico focal ou rigidez de nuca. A cefaléia sentinela é decorrente da expansão do aneurisma ou de pequeno sangramento na parede deste. Geralmente ocorre alguns dias antes da hemorragia, e é presente em mais de 30% dos casos de HSAa. O diagnóstico da cefaléia sentinela antes da ruptura catastrófica de um aneurisma pode salvar a vida do paciente. Existem inúmeras escalas para classificar os pacientes com HSAa. A escala de Hunt – Hess (tabela 1), realizada no momento da internação orienta a tomada de decisões terapêuticas e indica o prognóstico. Tabela 1. Escala de Hunt – Hess (H-H) Classificação Descrição I assintomático ou cefaléia e rigidez nuca fraca II cefaléia/rigidez de nuca moderada a severa, ou paralisia dos pares cranianos III sonolência, confusão, déficit focal discreto IV estupor, hemiparesia moderada a severa V coma profundo, postura de descerebração 2. Tomografia computadorizada cerebral (TCC) (sem contraste): é o exame principal para o diagnóstico da HSA . Quando realizada nas primeiras 24 horas, o sangue do espaço subaracnóide (alta densidade – branco) será de- tectado em mais de 92% dos casos. A sensibilidade da TCC diminui depois dos primeiros dias. Este exame pode evidenciar as seguintes alterações: - dilatação ventricular: hidrocefalia aguda ocorre em 21% das HSA. - hematoma: HIP ou hematoma subdural (com efeito de massa) - espessura do sangue nas cisternas: importante fator prognóstico visto que correlaciona-se com o risco de vasoes- pasmo (tabela 2) - localização do aneurima: pode predizer a localização do aneurisma em 70% do pacientes. Nos casos de aneuris- mas múltiplos, a TCC pode sugerir qual o aneurisma que sangrou (epicentro do sangramento) �0� Tabela 2. Escala de Fisher Grupo Fisher sangue na TCC 1 Nenhum sangue subaracnóide detectado 2 Sangramento difuso ou sangue no espaço subaracnóide com < 1 mm de espessura 3 Coágulo ou sangue no espaço subaracnóide com > 1 mm de espessura 4 Coágulo intraventricular ou intraparenquimatoso com ou sem HSA difusa 3. Punção lombar: É o teste diagnóstico mais sensível para HSA, mas pode precipitar ressangramento. O exame do líqüor é indicado apenas nos pacientes com forte suspeita clínica em que a TCC foi incapaz de detectar a HSA. 4. Ressonância Nuclear Magnética (RNM): o uso da RNM no diagnóstico da HSA é controverso. Permanece o conceito de relativa insensibilidade deste exame para detectar sangue subaracnóide na fase aguda da HSA. A sensibilidade da RNM é máxima com 10 a 20 dias após o sangramento, sendo assim será excelente no diagnóstico tardio da HSA. 5. Arteriografia cerebral: é o exame de escolha para o diagnóstico do aneurisma cerebral. Deve ser realizado nos ca- sos confirmados de HSA. Aproximadamente 80% a 85% dos aneurismas são identificados na arteriografia inicial. A realização de uma nova arteriografia após uma semana detecta um aneurisma previamente não reconhecido em apenas 1% a 2% dos casos. 6. Angioressonância magnética (ARM) e Angiotomografia: estes exames vem sendo utilizados para o diagnóstico do aneurisma cerebral. No entanto, não existe um conhecimento exato sobre a sua sensibilidade e especificidade no diagnóstico do aneurisma cerebral que permita uma decisão neurocirúrgica. A ARM ou a Angiotomografia só são recomendadas quando a arteriografia cerebral não pode ser realizada. F. TRATAMENTO A abordagem clínica dos pacientes com HSA será de acordo com as condições neurológicas no momento da inter- nação. Os principais objetivos são otimizar a oferta de oxigênio para o tecido cerebral e prevenir o ressangramento e o vasoespasmo cerebrais. 1.Oferta de oxigênio cerebral: esta depende primariamente do fluxo sangüíneo cerebral (FSC) e do conteúdo arte- rial de oxigênio. 1a. Fluxo sangüíneo cerebral: a manutenção de um ótimo FSC depende diretamente de uma adequada pressão de perfusão cerebral (PPC). A PPC é a diferença entre a pressão arterial média (PAM) e a pressão intracraniana (PIC). O ideal é manter a PPC > 60 mmHg. - PAM: a hidratação deste pacientes é fundamental. A maioria destes pacientes são hipovolêmicos nas primeiras 24 horas após a HSA. A reposição inicial é com solução cristalóide isotônica (SF a 0,9%). O objetivo é a euvolemia. Nos pacientes com H-H ≥ III ou Fisher ≥ 3 deve-se produzir uma hipervolemia leve, para reduzir o risco de vasoes- pasmo. O cateter venoso central facilita na reposição de volumes e a pressão venosa central (PVC) é um parâmetro útil. Nos pacientes com instabilidade hemodinâmica, cardiopatia grave ou H-H >III pode ser necessária a coloca- ção de um cateter em artéria pulmonar. A PAM desejada nestes pacientes que não tem o aneurisma clipado é de 100 mmHg (PA sistólica de 120-150 mmHg). A linha arterial deve ser instalada nos pacientes com H-H >3 ou com instabilidade hemodinâmica. A hipertensão arterial severa e a hipotensão devem ser evitadas. - PIC: a monitoração da pressão intracraniana pode oferecer importantes informações no diagnóstico diferen- cial da deterioração neurológica no período peri-operatório e orienta a terapia da HIC. O método de escolha é o cateter intraventricular. As principais indicações para monitoração da PIC são as seguintes: hidrocefalia, sangue intraventricular, H-H IV e V, hematomas intra-parenquimatosos, com efeito de massa e no pós opera- tório de clipagem do aneurisma no período de vasoespasmo. A redução abrupta da PIC aumenta o risco de ressangramento. �0� 1b. Conteúdo arterial de oxigênio (CaO2): os principais componentes são a saturação arterial de O2 (SaO2) e a he- moglobina (Hg). SaO2 ≥ 92% - 94% Hg ≥ 10 g% 2. Ressangramento: a incidência de ressangramento é de 15% a 20% nos primeiros 14 dias pós HSA (4% no 1º dia e 1,5% nos próximos 13 dias). Aproximadamente 50% dos casos ressangram em 6 meses. Dos que ressangram, mais de 50% evoluem ao óbito. A mais freqüente causa de morte nos pacientes com H-H I e II é o ressangramento. Os pacientes com H-H > III tem maior risco de ressangramento. O ressangramento deve ser suspeitado nos pacientes que apresentam uma piora neurológica súbita e não têm o aneurisma clipado. O diagnóstico é confirmado com a TC cerebral. As principais medidas para prevenir o ressangramento são: 2a. Repouso no leito e controle da hipertensão arterial: Estas são pouco efetivas na prevenção do ressangramento. No entanto, ambas devem ser adicionadas às demais medidas do protocolo de prevenção do ressangramento. 2b. Terapia antifibrinolítica: reduz o risco de ressangramento. Esta terapia é associada a alto risco de isquemia ce- rebral, sendo assim não resulta em nenhum benefício na evolução do pacientes com sangramento por ruptura de aneurisma. Não é indicada. 2c. Cirurgia precoce do aneurisma cerebral: previne o ressangramento. É principalmente recomendada para os pa- cientes com H-H ≤ III e aneurismas não complicados. 2d. Procedimento endovascular: a colocação do coil por via endovascular tem se mostrado uma ferramenta efetiva na prevenção do ressangramento. A decisão entre cirurgia e o procedimento endovascular deve se basear na dispo- nibilidade de operadores hábeis, nas condições do paciente e na configuração do aneurisma. Não esquecendo que a eficácia a longo prazo do procedimento endovascular ainda não foi demonstrada. 3. Vasoespasmo cerebral: é o estreitamento arterial difuso ou localizado secundário a HSA. 3a. Epidemiologia: o vasoespasmo constitui a maior complicação da HSA. Ocorre em 70% de todos os pacientes com HSA e determina isquemia cerebral sintomática ou infarto em 36% destes. O vasoespasmo cerebral é a maior causa de morbi-mortalidade dos pacientes que sobrevivem ao sangramento inicial. O vasoespasmo correlaciona-se a um aumento de 1,5 a 3 vezes da mortalidade nas duas primeiras semanas após a HSA. 3b. Patogênese: o vasoespasmo cerebral é claramente relacionado à presença de sangue no espaço subaracnóide. Estudos indicam a oxi-hemoglobina como o fator precipitante da contração da parede arterial. Fisiopatologica- mente ocorre prolongada contração da musculatura lisa, que decorre ou de um efeito direto na fibra muscular ou por mecanismos indiretos como a liberação de substâncias vasoativas da parede arterial ou a produção de radicais livres. A produção de radicais livres inativa o óxido nitrico e ativa a peroxidase lipidica. A contração prolongada da musculatura lisa arterial pode levar a alterações morfológicas, como hiperplasia da íntima ou fibrose subendotelial da parede do vaso. Vários outros mecanismos podem estar associados. 3c. Apresentação Clínica: o vasoespasmo tem início no 3º dia e suas manifestações clinicas podem ser detectadas até 3 semanas após o sangramento. O pico de incidência do vasoespasmo é entre o 4º e o 12º dia depois do sangramen- to. Neste período é que surgem os déficits neurológicos isquêmicos. Os sintomas desenvolvem-se gradualmente e in- cluem piora da cefaléia, meningismo, letargia, desorientação, redução do nível de consciência e déficit neurológico focal. Os principais fatores de risco para o vasoespasmo são o grau clínico do paciente (escala de H-H), extensão do sangue na TCC (escala de Fisher) e hipovolemia. O grau na escala de H-H nos sugere qual é o risco do paciente desenvolver vasoespasmo (tabela 3). A quantidade de sangue na TCC do momento da internação (Escala de Fisher) correlaciona-se com a severidade do vasoespasmo. �0� Tabela 3. Correlação entre H-H e vasoespasmo clínico H-H Vasoespasmo clínico I 22% II 33% III 52% IV 53% V 74% 3d. Diagnóstico do Vasoespasmo: nos pacientes com 3 a 12 dias após o sangramento, que iniciam com desorienta- ção, alteração do nível de consciência, meningismo e déficit neurológico focal, devemos sempre suspeitar de vasoes- pasmo. O diagnóstico diferencial com hidrocefalia e ressangramento é mandatório. A TCC pode excluir estes dois eventos. A arteriografia é o ”padrão ouro” no diagnóstico do vasoespasmo. A arteriografia é um exame seguro depois que o aneurisma foi clipado. A realização deste exame nos pacientes com alta suspeita de vasoespasmo (novo déficit neurológico) após cirurgia do aneurisma vem sendo encorajada. O Doppler Transcraniano (DTC) é o exame não invasivo recomendado para o diagnóstico e monitoração do va- soespasmo. O DTC pode detectar aumento da velocidade do fluxo em segmentos proximais nas artérias carótida interna, cerebral média, cerebral anterior, cerebral posterior, vertebral e na basilar, o qual provavelmente é causado por redução da luz do vaso. A velocidade de fluxo de 120 cm/s é associada a um vasoespasmo arteriográfico leve a moderado e a velocidade de fluxo acima de 200 cm/s indica um vasoespasmo severo. No entanto, alguns pacientes podem permanecer assintomáticos mesmo com velocidades acima de 200 cm/s. Este aumento de velocidade pode ser decorrente da terapia hipertensiva/ hipervolemica. Algumas limitações desta técnica incluem a incapacidade de detectar o vasoespasmo na porção distal das artérias e ausência de uma janela transcraniana adequada em até 10% dos pacientes. Pode-se ter aumento da especificidade do DTC realizando o índice de Lindegaard (relação entre a velocidade da artéria cerebral média e a velocidade da carótida interna cervical), com o exame de modo seqüencial e com um examinador experiente. 3e. Prevenção e Tratamento do Vasoespasmo: Hipervolemia/ Hemodiluição/ Hipertensão (terapia 3H): Esta terapia combinada representa o centro do tratamento da isquemia cerebral frente a uma perfusão cerebral reduzida decorrente doestreitamento vascular (vasoespasmo). A expansão de volume determina aumento do débito cardíaco e este, aumenta o fluxo sangüíneo cerebral nas regi- ões isquêmicas A capacidade de transporte de oxgênio é constante para hematócritos entre 30% e 40%. A hemodi- luição reduz a viscosidade do sangue o que favorece o fluxo da microcirculação. Apesar da terapia hipervolemica, 34% dos pacientes desenvolvem vasoespasmo sintomático e necessitam de terapia hiperdinâmica (vasopressores, inotrópicos). As principais complicações desta terapia são as seguintes: edema pulmonar (17%), infarto miocár- dico (2%), hiponatremia, perda da capacidade de concentração da medula renal, complicações do cateter (sepse, trombose subclávia, hemotórax, pneumotórax), ruptura do aneurisma não clipado, infarto hemorrágico e edema cerebral. O aumento de fluxo para as áreas com a barreira hemato-encefálica lesada pode provocar piora do edema cerebral e aumento da pressão intracraniana. A conclusão do Stroke Council da American Heart Association sobre este tratamento é que: apesar da ausência de grandes trabalhos randomizados, os dados de pequenas séries sugerem que esta terapia dos “3 H” pode reduzir a morbi-mortalidade dos pacientes com HSA e o vasoespasmo clínico. Prevenir o vasoespasmo clínico: evitar o balanço hídrico negativo (cristalóides), induzir uma moderada hemodilui- ção e manter a PAM de 10 a 20 mmHg acima do valor basal. • Euvolemia ou Hipervolemia leve, Hemodiluição (Ht 30% - 40%) • PAM 10 – 20 mmHg acima dos valores prévios (PA sistólica ≤ 150 mmHg para aneurismas não clipados) Tratamento do vasoespasmo clínico: A indução de mais marcada hipertensão (vasopressores, inotrópicos) é reser- �0� vada para os pacientes que apresentam sinais e sintomas de isquemia cerebral. As drogas utilizadas para atingir os objetivos hemodinâmicos são a dopamina, noradrenalina e a dobutamina. Estas medidas são mantidas durante o período de risco do vasoespasmo ou até reversão dos sinais clínicos e do DTC de vasoespasmo. • Hipervolemia moderada a severa: o Pressão venosa central: > 10 mmHg o Pressão de oclusão da artéria pulmonar > 15 mmHg o Índice cardíaco > 3,5 l/ m² • Hemodiluição • Hipertensão: PAM > 130 mmHg (aneurismas clipados) Nimodipina: os benefícios dos antagonistas do cálcio na HSA são devidos ao efeito neuroprotetor e ao efeito va- sodilatador da microcirculação. A incidência de vasoespasmo sintomático e o calibre dos vasos na arteriografia não são alterados com a nimodipina. A nimodipina por via oral mostrou-se benéfica em reduzir a morbidade do vasoespasmo em todos os diferentes graus clínicos da HSA. Os efeitos adversos da droga são mínimos. O in- desejável efeito hipotensor mostra-se mais significativo quando a droga é administrada por via endovenosa (não recomendada). Orientação: nimodipina 60 mg de 4/4 horas por via oral por 21 dias após HSA desde o momento do diagnóstico (após hidratação). Angioplastia e/ou infusão de papaverina intra-arterial: existem poucos estudos randomizados e adequadamente con- trolados. A angioplastia pode restaurar o calibre de um vaso, com efeito durável e deste modo prevenir um infarto cerebral. As drogas intra-arteriais têm um efeito mais difuso, menos duradouro e podem ter efeitos colaterais como convulsões. 4. Outras complicações associadas a HsA 4a. Hidrocefalia: o aumento dos ventrículos é um achado freqüente nos pacientes com HSA; porém, o significado clínico deste achado tomográfico é incerto. A hidrocefalia aguda (até 72 h após HSA) atinge 20% dos pacientes que sobrevivem à HSA. A etiologia é usu- almente obstrutiva devido à presença de sangue intraventricular. Os principais fatores de risco para hidrocefalia aguda são os seguintes: idade avançada, presença de sangue intraventricular, sangue difuso no espaço subaracnóide, aneurismas de circulação posterior e H–H >III. A ventriculostomia é recomendada para os pacientes com hidro- cefalia aguda e redução do nível de consciência. Deve-se evitar a drenagem de líqüor rápida devido ao risco de ressangramento (aneurisma não clipado). A ventriculostomia pode ser complicada por infecção em até 5% a 10% dos casos. A hidrocefalia crônica (> 1 mês) ocorre em 23% a 60% dos pacientes após a HSA. Muitos deles são assintomáticos. A derivação do líquido cerebroespinhal é recomendada somente nos pacientes sintomáticos. 4b. Hiponatremia: sua incidência na HSA é de 10% a 34%. Usualmente desenvolve-se vários dias após a HSA e coin- cide com o período de vasoespasmo. A hiponatremia é mais comum nos pacientes com H-H > III e hidrocefalia. É um fator independente de pior prognóstico. As prováveis causas são: SIHAD (secreção inapropriada de hormônio antidiurético), síndrome cerebral perdedora de sal e hipovolemia. A síndrome cerebral perdedora de sal é a causa mais freqüente. Ocorre natriurese que deter- mina hipovolemia e hiponatremia. O tratamento da hiponatremia consiste da reposição volêmica com solução cris- talóide isotônica e em algumas situações de natriurese severa é necessário o uso de solução hipertônica 3% (evitar correção rápida do sódio sérico). Está contra-indicado o uso de restrição hídrica para correção da hiponatremia. 4c. Convulsões: a sua incidência na HSA é de mais de 25%. As convulsões aumentam o risco de ressangrmento. �0� Sendo assim, os anticonvulsivantes profiláticos são indicados no período após hemorragia imediata. A profilaxia é realizada com o hidantal. O uso prolongado dos anticonvulsivantes não é recomendado nos pacientes que não apresentaram convulsão. Deve ser considerado somente naqueles com os seguintes fatores de risco: hematomas, infarto cerebral, convulsão prévia ou aneurisma de artéria cerebral média. �0� PONTOs PRINCIPAIs Aneurisma cerebral; Escala de Hunt-Hess; Ressangramento; Vasoespasmo cerebral; Nimodipina; Terapia hiperten- siva do vasoespasmo; Complicações da hemorragia subaracnóide; sUGEsTÕEs DE lEITURA 1. Neurological and Neurointensive Care – Allan Ropper at al ( Tradução da 4a Edição) DiLivros Editora 2. Intensive Care in Neurosurgery – Brian T. Andrews da AANS ( Tradução da 1a Edição) DiLivros Editora 3. Terapia Intensiva em Neurologia – E.Knobel at al Editora Atheneu 4. Medicina Intensiva Adulto – Cid M David at al Editora Revinter 2003 5. Terapia Intensiva em Neurologia e Neurocirurgia – Charles André - Editora RevinterTreggiari-Venzi,M; Suter,PM; Romand,JÁ. Review of Medical Prevention of Vasoespasm after Aneurysmal Subarachnoid hemor- rhage: A Problem of Neurointensive Care. Neurosurgery 2001; 48: 249-62 6. Qureshi,AI; Suarez,JI; Bhardwaj,A e cols. Early Predictors of Outcome in patients receiving Hypervolemic and Hypertensive Therapy for Symptomatic Vasospasm after Subarachnoid Hemorrhage. Crit Care Med 2000; 28:824-829. 7. Mayberg,MR; Bajter,HH, dacey,R e cols. Guidelines fo the Management of Aneurysmal Subarachnoid hemor- rage: a Statement for Healthcare Professionals from a Special Writing Group of the Stroke Council, American Heart Association. Circulation 1994; 90:2592-2605. 8. Greenberg M S (ed). Handbook of Neurosurgery. Greenberg Graphics. Florida, EUA, 1997. 9. Kistler, JP; Gress,DR; Crowell,RM e cols. Management of Subarachnoid Hemorrhage. In: Ropper,AH (ed.) .Neurological and Neurosurgical Intensive Care. Raven Press, Ltd. New York, 1993. P 279-289. �0� Capítulo 14 Traumatismo crânio encefálico INTRODUÇãO Traumatismo craniencefálico (TCE) é a maior causa de invalidez e morte na maioria dos países ocidentais e con- some anualmente US$100 bilhões de dólares somente nos Estados Unidos. Nas duas últimas décadas a aborda- gem do traumatizado de crânio evoluiu dramaticamente, como resultado de uma maior compreensão dos eventos fisiológicos que levam a uma lesão secundária, como também nos avanços dos meios diagnósticos e no tratamento de pacientes em estadocrítico. Contudo é possível que muitos pacientes com TCE não estejam com o tratamento otimizado, de acordo com os atuais princípios do neurointensivismo. Além de Guidelines das séries internacionais, recomendações recentemente publicadas pela SBN (Sociedade Brasileira de Neurocirurgia), em conjunto com a AMB, foram muito importantes e de grande valia para se configurar protocolos de orientação na abordagem do paciente com TCE. Essas recomendações englobam desde o atendimento inicial, passando por exames comple- mentares, diagnóstico precoce, monitoração adequada, e tratamento especializado. A partir de uma visão geral do tratamento atual de pacientes com TCE, poderemos traçar rotinas que sejam adequadas a cada um de nossos serviços. Os estudos multicêntricos nas diversas áreas e especialidades têm nos fornecido, nas últimas décadas, importantes análises que podem ser bem adaptadas a hospitais de diferentes níveis técnicos. Servem como parâmetro que deve ser alcançado, permitindo e provocando uma eficiente e progressiva melhora de qualidade no atendimento inicial e seqüencial, além de poder uniformizar condutas nos centros mais desenvolvidos e preparados para atendimento do paciente grave. Os resultados negativos, em contraposição aos esperados, nos pacientes com TCE, a partir da uniformização de condutas do Data Bank of Trauma na década de 80, levaram alguns pesquisadores a rever a mortalidade e as condutas nos diferentes centros de trauma. Dentre as várias publicações, uma foi relevante pela agitação no meio científico e revolução de idéias que causou, dando origem ao movimento que produziu os atuais Guidelines que norteiam as condutas do TCE na atualidade. Foram Sosim e cols. que levantaram e publicaram dados epidemiológicos alarmantes, com dados de estatística de mortalidade anual bem acima dos esperados, observando que 1/3 da mortalidade observada ocorria pela evolução da lesão secundária, que poderia ser prevenida. Ao concluir sua publicação, chamavam a atenção para um conceito que iria despertar nos pesquisadores um enorme interesse: “É fundamental reduzir a mortalidade e melhorar nos- sos resultados”. Abreviações: BHE = barreira hemato-encefálica BNM = bloqueador neuromuscular (paralisantes) ECGl = escala de coma de Glasgow FSC = fluxo sanguíneo cerebral PAM = pressão arterial média PEEP = pressão expiratória final positiva PIC = pressão intracraniana ��0 PPC = pressão de perfusão cerebral PPE = pressão de perfusão encefálica TCE = traumatismo craniencefálico TGI = trato gastro intestinal EPIDEMOlOGIA O TCE é a maior causa de morte e invalidez em crianças e adultos nas idades mais produtivas. Estima-se que ocorram cerca de 1,6 milhões traumatismos cranianos a cada ano nos Estados Unidos, sendo maior que 250.000 o número destes pacientes que foram internados em serviços hospitalares. As análises estatísticas contabilizam a cada ano aproximadamente 60.000 mortes por TCE, sendo 1/3 pela lesão primária e 2/3 pela lesão secundária, e que 70.000 a 90.000 pacientes ficam com invalidez neurológica permanente. O custo financeiro do TCE em termos de perda da produtividade, do tratamento médico e da reabilitação deve chegar a US$ 100 bilhões anualmente, somente nos Estados Unidos. Acidentes de trânsito são a maior causa de traumatismo craniano e acontecem mais freqüentemente com adolescentes e adultos jovens. Quedas são responsáveis pelo segundo maior número de trau- mas e são mais comuns em pessoas idosas. O álcool também é um importante fator que contribui em mais de 40% dos casos mais graves de trauma. Nos países industrializados, a expansão demográfica, assim como o desenvolvi- mento tecnológico nas diferentes áreas, contribui bastante para o aumento da incidência de acidentes, levando a índices crescentes e alarmantes de politraumatizados, e, em mais da metade desses pacientes, encontramos o TCE associado. Quanto à etiologia, o TCE pode ser provocado por acidentes de trânsito, quedas (sendo aqui incluídas as famosas quedas de laje, tão constantes em nosso meio e ignoradas nas estatísticas internacionais), agressões por instrumento contundente ou projétil de arma de fogo, grandes catástrofes e atividades esportivas, sendo variável com a idade, as estatísticas nacionais ou internacionais, com predomínio dos acidentes de trânsito no pós-adolescente e adulto jovem e da queda nos pacientes com mais de 60 anos. Até os 14 anos, as duas causas têm freqüência bastante seme- lhante. Milhares de crianças falecem por ano nas principais estatísticas publicadas e na idade dos 15 aos 24 anos os acidentes de trânsito são responsáveis por mais mortes que todas as outras causas de morte juntas. O TCE tornou-se uma epidemia em muitos países e é certamente a principal causa de óbito entre as pessoas com menos de 40 anos. Nos Estados Unidos, cerca de 500.000 TCEs ocorrem por ano e cerca de 80.000 pessoas morrem desta causa. Dos que sobrevivem, 37.000 têm seqüelas moderadas e 17.000 apresentam seqüelas severas, capazes de tornar o paciente dependente em suas atividades de vida diária. Estima-se em 500.000 o número de mortes por ano ocasionadas por TCE, sendo aproximadamente 10% aqui no Brasil. Trauma com TCE é a terceira causa de morte em todas as faixas etárias e a segunda causa de morte por disordens do SNC. É a principal causa de morte em pessoas entre um e quarenta e quatro anos, com três seqüelados definitivamente para cada morte, acometendo principalmente homens jovens (77%), e, portanto, causando violento impacto social. É a causa direta de óbito em mais que 50% das vítimas de trauma. As estatísticas sobre TCE, apesar de alarmantes, são poucas e divergentes, e entre os vários fatores epidemiológicos discrepantes, um é notável, a própria conceituação do TCE, ou seja, au- sência de acordo para determinar se um paciente foi vítima de TCE ou não, pelo fato de não existir um critério absoluto para definir um TCE. Jennett & Teasdale, no estudo epidemiológico escocês, adotaram uma definição prática e simples, onde os casos de TCE seriam confirmados quando houver: 1) História definida de golpe sobre a cabeça, 2) Laceração do couro cabeludo ou fronte, 3) Alteração da consciência, independente da duração. Com o passar do tempo, esta definição foi sendo corrigida, por não ser tão abrangente quanto se mostrava, deixan- ��� do de considerar situações como o sacolejar de crianças, os traumas sem perda de consciência e outras mais. Atual- mente parece bastante satisfatória a recomendação de Gennarelli de considerar o TCE como sendo “QUALQUER AGRESSÃO FÍSICA QUE ACARRETE LESÃO ANATÔMICA OU COMPROMETIMENTO FUNCIONAL DO COURO CABELUDO, CRÂNIO, MENINGES, LIQÜOR OU ENCÉFALO, EM QUALQUER COMBI- NAÇÃO”. Torna-se evidente a necessidade de programas educativos visando melhoria das condições de segurança no trânsi- to, funcionando como verdadeira profilaxia desta epidemia. Com freqüência tão elevada, é natural que o assunto TCE tenha se tornado um grande laboratório de pesquisa, com importantes avanços e conquistas nos últimos anos, sendo freqüente que artigos originalmente publicados com conceitos e orientações dirigidos ao TCE, acabem por ser empregados em outras nosologias neurológicas (p.ex: Escala de Coma de Glasgow, extração cerebral de O2). Apesar de sua evidente importância médica, só recentemente ocorreram progressos significativos na compreensão das lesões encefálicas traumáticas. Um dos fatores determinantes para tal deve-se ao fato de que o exame anato- mopatológico do encéfalo de vítimas de trauma geralmente se restringe às lesões macroscópicas e tem seu valor limitado ao aspecto médico legal. A partir das duas últimas décadas, com a maior freqüência dos estudos microscópicos post-mortem associados aos estudos experimentais em animais, compreendemos melhor a natureza dinâmica do trauma. Esses estudos possibi- litaramuma melhor caracterização das lesões, da compreensão da energia cinética, da evolução e dos mecanismos das mesmas, trazendo algumas informações úteis na elaboração de condutas no manuseio clínico e cirúrgico desses pacientes. O resgate com manuseio adequado, a melhoria do atendimento de emergência, e os protocolos de atendi- mento seqüencial clínico e cirúrgico vêm de certa forma minimizar o número de óbitos e influenciar positivamente o tratamento e a evolução, colaborando para a redução das seqüelas e melhorando a qualidade de vida dos pacientes. “O tratamento intensivo não aumenta o número de sobreviventes gravemente incapacitados, sem um aumento propor- cional no número de pessoas que têm uma boa recuperação” (CITIN). FIsIOlOGIA E PATOlOGIA Traumatismo crânio encefálico – Lesão primária A fisiologia e a patologia da lesão primária do traumatismo cerebral podem ser divididas em lesões focal e difusa. As lesões focais estão associadas a batidas na cabeça que produzem tipicamente fraturas, contusões, comoção, concussão, laceração e hematomas cerebrais. A gravidade (invalidez e a mortalidade) do impacto causando trau- matismo focal está relacionada à sua localização, tamanho e progressão. O traumatismo difuso (lesão axonal difu- sa) é causado por forças inerciais que são normalmente produzidas por acidentes de trânsito (energia cinética de cisalhamento, torção e tosquia). Na prática clínica, traumatismo axonal difuso e lesões cerebrais focais coexistem freqüentemente. Os tipos mais comuns de TCE com lesão primária serão discutidos a seguir. Fraturas cranianas: As fraturas cranianas podem ser vistas na abóbada ou na base do crânio, podem ser lineares ou estelares, e podem ser depressivas ou não depressivas. A presença de fratura craniana implica que uma grande quantidade de força foi transmitida à cabeça do paciente. Uma fratura linear na abóbada aumenta a possibilidade da presença de hematoma intracraniano. Fraturas basilares podem se manifestar como hemotímpano, equimoses retro-auriculares (sinal de Battle), equimoses periorbitais, e possíveis paralisias de nervos cranianos. Hematomas Extradurais: Hematomas extradurais são relativamente raros, estando presente em <1% de todos pa- cientes com traumatismo craniano e em <10% daqueles em estado comatoso. Hematomas extradurais são loca- lizados do lado de fora da dura, mas dentro do crânio, e são tipicamente biconvexos ou na forma lenticular. Na maioria das vezes estão localizados na região temporoparietal e freqüentemente resultam da laceração da artéria meningéa média, causada pela fratura ou ainda pelo sangramento ósseo no foco de fratura. Em muitos casos, mas não sempre, há perda de consciência seguida de um período de lucidez, seguida de uma deterioração neurológica. Geralmente, com uma rápida evolução, os pacientes têm um resultado relativamente favorável, se devidamente operados em tempo hábil. ��� Hematomas Subdurais: Hematomas subdurais são mais comuns que hematomas extradurais, ocorrendo aproxima- damente em 30% dos casos de traumatismos cranianos graves. Eles resultam mais freqüentemente do rompimento de uma veia de ligação entre o córtex cerebral e um canal de drenagem venosa. Com hematomas subdurais a força do impacto é freqüentemente transmitida ao próprio cérebro. Em aproximadamente 80% dos hematomas subdu- rais, é o traumatismo cerebral básico que determina o curso e o resultado. O hematoma subdural aparecerá numa Tomografia Computadorizada (TC) como uma bolha de sangue crescente entre o cérebro e a dura, com formato côncavo convexo. Com muita freqüência ocorre uma contusão no parênquima adjacente, que, se for grande, pode ser a principal causa do desvio da linha média. Hematomas intraparenquimatosos: Hemorragia intracraniana ocorre geralmente em associação com traumatismo craniano moderado e grave e normalmente produz lesões na massa. A maioria das lesões ocorre nos lóbulos frontal e temporal. Durante rotações repentinas da cabeça, estas regiões batem na superfície da base do crânio, causando as chamadas “contusões planas” ou “pupping”. O sangue dentro do parênquima cerebral será visto, em uma tomo- grafia como uma área hiperdensa. Muitos hematomas intraparenquimatosos (HIP) podem ser de formação retar- dada, aparecendo em uma tomografia ≥ 24 h depois do trauma inicial. Também são muito freqüentes em situações onde só vão aparecer na tomografia de controle pós-operatório após a retirada de alguma massa intracraniana. Ao promover a descompressão cerebral, permitimos o alargamento da área de um HIP. Por esta razão, a tomografia deve ser repetida rapidamente quando houver deterioração clínica ou hipertensão intracraniana progressiva e in- controlável, ou ainda na rotina de controle pós-operatório. Lesão Axonal Difusa (LAD): A LAD é causada por forças opostas afetando os axônios que atravessam grandes áreas do tronco cerebral, levando a uma disfunção do Sistema Reticular Ativador Ascendente (SRAA). Acredita-se que os axônios não são rompidos no momento do trauma, mas nos danos seqüenciais, com mudanças na área do foco, levando a um inchaço e a uma desconexão várias horas após o trauma. Como conseqüência desta ação com a proximidade axonal (a jusante), desconectada por fibras degeneradas, ocorre a deferentação dos lugares alvos (centros ou núcleos). A evidência sugere que a LAD resulta do dano ao axolema, conseqüência do influxo de cál- cio anormal, desencadeando um dano local intra-axonal, cito estrutural e mitocondrial. Em adição, um aumento na Caspase-3 intra-axonal sugere que a apoptose tem um papel na morte do axônio anexo. A LAD pode causar inconsciência imediata e prolongada. Pacientes afetados têm uma alta mortalidade, e se sobrevivem, têm uma alta deficiência que freqüentemente leva a um estado vegetativo. LAD pode ser identificada por imagens na RNM (Co- eficiente de Difusão Aparente com baixos valores - hiperintensidade de sinal focal) TRAUMATIsMO CRÂNIO ENCEFÁlICO – lEsãO sECUNDÁRIA O traumatismo cerebral primário é o resultado de um dano mecânico direto que ocorre no momento do trauma. O traumatismo cerebral secundário ocorre depois do trauma inicial e é definido como os danos devidos às respostas fisiológicas ou patológicas ao trauma inicial. Um grande número de mediadores químicos são postuladas a ter um papel na propagação de lesões secundárias do SNC. A liberação destas substâncias inicia uma contínua deterio- ração e uma falência da membrana da célula, além de transferências iônicas, que mais tarde danificam o cérebro traumatizado. Estas substâncias incluem radicais livres e aminoácidos excitatórios como o glutamato. Foi reconhecida a importância da HIPOTENsãO e da HIPóXIA como as maiores causas de lesão cerebral secun- dária. Estudos publicados em 1978 e em 1982 por Miller et al e, em 1993, por Randall Chesnut et al, estabeleceram que, ocorrendo a hipotensão e a hipóxia no período inicial pós-traumático, essas ocorrências são determinantes de pior prognóstico. Estas observações foram confirmadas pelo estudo do Banco de Dados do Coma Traumático (Data Bank of Trauma), que demonstrou claramente que hipotensão pré-hospitalar foi um prenúncio de maus resultados. Durante as primeiras 24 horas após o traumatismo craniano, o fluxo sanguíneo cerebral (FSC) é reduzido a menos da metade dos indivíduos normais e pode levar ao limiar de isquemia. Além disso, o FSC próximo às regiões lesadas pós-trauma e próximo aos hematomas subdurais, é mais reduzido do que o FSC global. A redução do FSC, conseqü- ência do trauma, mais a vulnerabilidade do cérebro traumatizado pela isquemia, leva a complicações potencialmente letais, principalmente quando o paciente ainda experimenta um episódio de hipotensão. A autópsia em pacientes que morreram de traumatismo craniano relatou que mais de 80% tiveram lesões de isquemia pós-traumática. ��� O PAPEl DA PREssãO INTRACRANIANA E DA PREssãODE PERFUsãO CEREBRAl A caixa craniana é um espaço fixo e fechado, que contem tecido cerebral, líquido cefalorraquidiano (LCR) ou líqüor, líquido intersticial extracelular, e sangue (venoso e arterial). Estes tecidos são amplamente incompressíveis. Após o traumatismo craniano, o volume dentro do compartimento intracraniano aumenta devido ao sangue e ao edema do tecido (Edema de Marmarou). Inicialmente, um pequeno aumento do volume intracraniano pode ser acomodado pelo movimento do sangue e do LCR para fora da caixa craniana (Doutrina de Monro Kellie). Con- tudo, com uma maior expansão de seu conteúdo e esgotados os recursos de compensação com retirada de fluídos (líqüor e sangue), a pressão intracraniana (PIC) aumenta agudamente (Curva de Langfitt). A hipertensão intracra- niana, sozinha, não causa danos, a menos que ela aumente a ponto da pressão de perfusão cerebral cair abaixo do valor crítico ou limiar de fluxo. A isquemia cerebral leva a um dano neural e a edema cerebral, que aumenta ainda mais a PIC, levando a um dano neurológico irreversível. O aumento da PIC pode também resultar em quedas ou gradientes de pressão, que levam ao deslocamento e herniação do cérebro desde as áreas de alta pressão até as áreas de baixa pressão. A média do FSC em humanos é de aproximadamente 50ml/100g de tecido cerebral por minuto. O dano neuronal irreversível ocorre se o FSC cai abaixo de 18ml/100g de tecido cerebral por minuto por um período de tempo prolongado. O FSC é diretamente proporcional à pressão de perfusão cerebral (PPC), definida como a diferença entre a pressão arterial média e a PIC (PPC = PAM-PIC), e inversamente proporcional à viscosidade sanguínea e à resistência vascular cerebral. Por ser o FSC difícil de medir clinicamente, a PPC é usada como um guia para acessar a perfusão cerebral adequada. A PIC normal em condições fisiológicas está entre 0 mmHg e 10 mmHg. Uma PIC alta é definida como uma pressão > 20 mmHg persistindo por tempo ≥ 5 min. Os valores humanos normais para PPC estão entre 60 mmHg e 100 mmHg. Contudo, como resultado de uma auto-regulação, o FSC permanece relativamente constante quando a PPC está entre 40 mmHg e 140 mmHg (Figura 1). Este fenôme- no se deve a mudanças definidas da resistência vascular do cérebro, provavelmente provocadas por efeito local de íons de hidrogênio nos vasos cerebrais. Sendo assim, o baixo fluxo, que leva a uma hipóxia ou hipercapnia tecidual, resulta em uma acidose que, por sua vez, causa a vasodilatação cerebral e aumento reflexo do FSC. Hipertensão crônica muda a curva da auto-regulação para a direita, fazendo com que pacientes suscetíveis a is- quemia, tenham boa evolução, com uma PPC que normalmente é bem tolerada por indivíduos saudáveis (Figura 1). Mecanismos auto-reguladores cérebro- vasculares são danificados após o traumatismo craniano, com a FSC dependendo amplamente da PPC. Figura 1. Auto-regulação cerebral Enquanto estudos recentes estão centrados na importância da PIC per se, no paciente com traumatismo craniano, algumas diretrizes correntes enfatizam a importância da PPC. As diretrizes propostas pela Brain Trauma Foun- dation recomenda que a PPC deva ser mantida a um mínimo de 60 mmHg (publicação de 2005) no paciente com TCE, embora o número exato e a metodologia usada para se chegar a este valor ainda cause controvérsias. Um valor mais alto pode ser necessário em pacientes com hipertensão crônica, mas carrega risco maior de edema agudo pulmonar. ��� AVAlIAÇãO ClÍNICA DO PACIENTE COM TRAUMATIsMO CRANIANO EXAME PRIMÁRIO DO TRAUMA A primeira prioridade em qualquer paciente é estabilizar a coluna cervical, estabelecer uma via aérea adequada (A=Airway), assegurar uma ventilação adequada (B=Breathing), e conseguir acesso venoso para iniciar a reposi- ção volêmica (C=Circulation). Estes passos são cruciais para o paciente com traumatismo craniano, a fim de evitar hipóxia e hipotensão, causas mais importantes das lesões cerebrais secundárias. O exame primário deve ser conclu- ído com a determinação do nível de consciência e um exame das pupilas (D=Disability). EXAME sECUNDÁRIO DO TRAUMA Um exame secundário é completado uma vez que o paciente esteja relativamente estável e inclui um completo exa- me neurológico. A gravidade do trauma é classificada clinicamente pela Escala de Coma de Glasgow (ECGl) [Fig.2]. Um resultado na ECGl de 13 a 15 é classificado como um trauma brando, um resultado de 9 a 12 como um trauma moderado, e um resultado de ≤ 8 como grave. Deve haver muita precaução na avaliação de pacientes suspeitos de intoxicação alcoólica e por outras drogas. Freqüentemente, um estado confusional ou obnubilado em tais pacien- tes é atribuído ao abuso de substâncias tóxicas, quando de fato a intoxicação pode mascarar uma grande lesão da massa intracraniana. Figura 2. Escala de Coma de Glasgow TRATAMENTO INICIAl Lesões cerebrais primárias acontecidas no exato momento do trauma não podem ser revertidas. A fim de minimizar os danos cerebrais secundários, o tratamento inicial de qualquer paciente com TCE é prevenir a hipóxia, manter uma pressão arterial média (PAM) adequada, uma PIC adequada e, portanto uma pressão de perfusão cerebral (PPC) adequada. Como já foi dito, a PPC = PAM-PIC. Também faz parte do tratamento inicial reconhecer e tratar cirúrgica e corretamente as lesões intracranianas. Além disso, outras lesões concomitantes devem ser reconhecidas precocemente e estabilizadas. FAsE PRÉ-HOsPITAlAR A fase pré-hospitalar é talvez o intervalo mais importante para determinar o resultado final depois de um TCE. Os objetivos iniciais são manter uma via aérea patente, iniciar a reanimação com volume, imobilizar a coluna cervical, torácica e lombar, avaliar o nível de consciência, seguido de um rápido transporte ao centro de referência de trauma mais próximo com serviços de neurotraumatologia. Aproximadamente 50% dos pacientes com TCE encontram-se hipóxicos no local do acidente; esta descoberta está associada a um aumento da mortalidade. Um estudo retrospectivo de controle dos casos sugeriu que a entubação pré-hospitalar foi associada a uma significativa redução da mortalidade de pacientes com TCE. É recomendada uma imediata entubação orotraqueal em paciente com uma avaliação de ECGl ≤ 8. A entubação pode ser realizada sem sedação e paralisia química (bloqueadores neuromusculares). Agentes que levam à paralisia devem ser usados somente pelo pessoal da emergência, habilitados a fazer uma entubação endotraqueal, os quais foram devidamente ��� treinados e aprovados e são capazes de realizar uma via aérea cirúrgica. Sedação e bloqueio neuro muscular podem ser úteis na otimização do transporte de pacientes com traumatismo craniano; contudo, ambos os tratamentos in- terferem com o exame neurológico e influenciam a avaliação e o tratamento inicial do paciente com neurotrauma. Pacientes com níveis de pressão arterial sistólica menor que 110 mmHg, requerem ressuscitação volêmica. A solu- ção de Ringer Lactato é geralmente contra indicado por ser solução hipotônica, e uma ressuscitação de pequenos volumes (250 ml), com solução salina hipertônica parece muito útil nesta situação. Pacientes com trauma pene- trante tem conduta especial; Bickell e colaboradores relatam que o volume de ressuscitação iniciado somente após a chegada no hospital está associado a um aumento da sobrevivência comparada a ressuscitação imediata pré-hos- pitalar. Este método de ressuscitação volêmica não é aplicável a pacientes hipotensos com TCE, que geralmente são vítimas de um trauma grave agudo. É provável que o atraso na ressuscitação de volume em pacientes com TCE aumente a extensão das lesões cerebrais secundárias. TRATAMENTO HOsPITAlAR IMEDIATO Pacientes que não foram entubados no local do acidente por qualquer motivo e têm uma avaliação da ECGl ≤ 8 ou estão incapacitados de proteger suas viasaéreas devem ser entubados imediatamente. Devem ser tomadas pre- cauções na entubação de pacientes com uma coluna cervical não avaliada, porque a incidência de lesões concomi- tantes na coluna em pacientes com lesões cranianas varia de 6 a 8%. Uma rápida seqüência de indução anestésica é recomendada para evitar um aumento na PIC que pode ocorrer com a estimulação das vias aéreas associado à laringoscopia e entubação. Agentes hipnóticos que reduzem o tônus vascular devem ser evitados. Etomidato, 0,2 a 0,4 mg/kg, um agente de ação rápida com uma curta duração e o mínimo de efeitos hemodinâmicos, é o agente preferido. Rocuronium é um relaxante muscular não despolarizante de curta ação, que é desprovido de efeitos hemodinâmicos significantes e não aumenta a PIC. Rocuronium é a droga escolhida para uma indução de rápida seqüência em muitos serviços para atendimento a traumas. Uma vez entubado o paciente deve ser colocado no oxigênio a 100%, e a fração de inspiração de oxigênio só deve ser diminuída após o paciente ser transferido para a UTI. Hiperventilação agressiva (PaCO2 de 25 mmHg), hoje abandonada, foi tradicionalmente considerada a pedra angular no tratamento de traumatismo craniano porque ela causa uma rápida redução na PIC. Contudo, apesar da hiperventilação reduzir a PIC, ela também causa uma vaso-constrição cerebral, com uma subseqüente redução na FSC, o que é deletério no paciente agudo. skippen e colaboradores, usando gases e contraste marcados em estudo de TC e FSC, demonstraram um aumento de 2,5 vezes no número de regiões com isquemia cerebral em crianças com TCE que foram hiperventiladas. Em 1991, Muizelaar e colegas publicaram os resultados de um estudo clínico no qual eles demonstraram que a hiperventilação, depois do TCE estava associada a um resultado de significativa piora neurológica, quando comparada a pacientes que foram mantidos normocápnicos. Assim, a hiperventilação a longo prazo não é mais recomendada. O alvo inicial de PaCO2 é 35 a 40 mmHg. Depois de estabelecida uma via aérea, a ventilação mecânica é de suma importância, assim como a restauração da pressão arterial e do volume normal de circulação. De acordo com a Brain Trauma Foundation, diretrizes para o tratamento de grave traumatismo craniano, devem ser estabelecidas. Deve ser objetivada uma PAM ≥ 80 mmHg; que foi escolhida baseada na obtenção de PPC > 60 mmHg. Estas diretrizes usaram 20 mmHg como o limiar para hipertensão intracraniana. Diretrizes anteriores recomendavam desidratação, de moderada a intensa no tratamento de TCE, acreditando que isso diminuiria o edema cerebral. Estudos experimentais demonstraram que o índice de água cerebral e o edema cerebral não eram alterados pelo status de hidratação. Além disso, falhou em reconhecer a importância da PPC na prevenção da isquemia cerebral secundária. Ressuscitação volêmica com uma reposição do volume intravascular normal é essencial em todos os pacientes com lesões cerebrais agudas. Atualmente, a solução salina normal é recomendada para a reposição volêmica em pacientes com traumatismo cra- niano. Soluções hipotônicas (ringer lactato e solutos glicosados) não devem ser administradas, uma vez que estas aumentarão o edema cerebral. A solução salina hipertônica tem um número de efeitos benéficos em pacientes com traumatismo craniano, incluindo a expansão do volume intravascular, a extração de água do espaço intracelular, ��� a diminuição da PIC, e aumento da contração cardíaca. Apesar da concentração de sódio no sangue chegar a um nível de 170 mEq/L, a solução salina hipertônica é bem tolerada em pacientes com traumatismo craniano. Wade e colegas apresentaram uma análise com “coorte” de informações de um único paciente, sob uma perspectiva casual de testes duplamente cegos para avaliar o efeito sobrevivência após iniciado o tratamento com solução salina hi- pertônica em pacientes com TCE. Usando uma análise de regressão logística, estes autores concluíram que solução salina hipertônica aumentou significativamente a taxa de sobrevivência (odds ratio, 2,12; p=0,048). As indicações, como também o tempo de otimização, concentração e volume de solução salina hipertônica devem, ainda, ser de- terminados sob uma perspectiva de estudos clínicos. Contudo, a solução salina hipertônica parece ser promissora na reanimação inicial de pacientes com traumatismo craniano. O uso profilático de manitol não é recomendado devido a seu efeito de exaustão diurética. Manitol deve ser usado inicialmente em pacientes que demonstrem sinais de hérnia transtentorial. AVAlIAÇãO DIAGNósTICA: Historicamente, a imagem de um paciente com TCE dependia de radiografias do crânio. Com a difusão e a dis- ponibilidade de avançados aparelhos de tomografia, ficou mais fácil fazer o diagnóstico quando avaliamos um traumatismo craniano agudo. A tomografia é recomendada para pacientes considerados com alto risco de trauma intracraniano. Isto inclui todos os pacientes com uma ECGl < 15 e pacientes com déficits neurológicos focais ou sinais clínicos de fraturas craniana, basilar ou com afundamentos. Enquanto geralmente se recomenda a tomogra- fia para pacientes com uma pontuação de 15 pontos na ECGl e uma história de perda de consciência ou amnésia, observa-se que nem todos os investigadores acreditam ser esta uma abordagem de custo efetivo. A tomografia sem contraste torna capaz a visualização da maioria dos tipos de traumas. Anormalidades notadas em uma tomografia associada à hipertensão intracraniana inclui hematomas subdurais, hemorragia subaracnóidea, hematomas intra- cerebrais, infartos cerebrais, traumatismo craniano difuso, e edema cerebral generalizado, freqüentemente com mudança de posição das estruturas da linha média, apagamento de sulcos corticais, cisternas e cisuras e compressão com diminuição do volume ventricular. Contudo, deve ser enfatizado que uma TC inicial normal não exclui hiper- tensão intracraniana significante. AVAlIAÇãO NEUROCIRÚRGICA: Uma vez estabilizada a condição do paciente, é requisitada a consulta neurocirúrgica. Os fatores críticos que deci- dem a necessidade de uma drenagem cirúrgica direta de um hematoma intracraniano são o status neurológico do paciente e o resultado da tomografia. Geralmente, todos os hematomas extra-axiais agudos ≥ 1 cm de espessura tem indicação para a evacuação; um hematoma subdural ou extradural > 5 mm de espessura com um desvio equi- valente da linha média em paciente comatoso (ECGl ≤ 8) deve ser evacuado urgentemente. Drenagem cirúrgica é recomendada para pacientes com hemorragia intraparenquimatosa (HIP) > 15 ml, na região supra-tentorial e > 3 ml, na região infra-tentorial, ambas com efeito de massa. A reparação cirúrgica é também necessária em pacientes com fraturas de crânio compostas, abertas e com afundamento. Pacientes com traumatismo craniano sem perda da consciência, sem amnésia, sem fraturas palpáveis e um nível de ECGl igual a 15 podem ser mandados para casa, sob cuidados e orientações específicos, sem a tomografia cerebral. Devem ser dadas instruções escritas de como avaliar o paciente em casa. O paciente deve ser acompanhado pelo seu médico particular, com instruções de retornar à emergência se houver quaisquer sinais indicando aumento da PIC, tais como mudança no status da consciência, seja no conteúdo ou na vigília. Pacientes com perda da consciência, amnésia ou uma pontuação de ECGl de 13 a 14 devem, imediatamente fazer uma tomografia computadorizada. Se o resultado for negativo, o paciente pode ser dispensado com as instruções mencionadas acima. Se houver um défi- cit neurológico focal, uma pontuação de ECGl < 13, ou uma lesão intracraniana na tomografia cerebral, o paciente deve ser admitido na UTI ou na unidade de observação neurológica para cuidados contínuos. TRATAMENTO CONTÍNUO NA UTI Uma vez que o paciente esteja estabilizado e transferido para a UTI, deve ser estabelecidoum monitoramento fisiológico, que facilitará e direcionará a seqüência do tratamento deste paciente. Apesar de não haver nenhum ��� estudo demonstrando que o monitoramento da PIC melhore o resultado, o mesmo tornou-se uma parte essencial do tratamento de pacientes com traumas de crânio grave, praticamente em todos os centros de referência de trauma dos Estados Unidos. A melhora dos resultados dos tratamentos de pacientes com TCE grave, nos Estados Unidos, é atribuída a protocolos de tratamento intensivo que incluem monitoramento da PIC. Além disso, vários estudos demonstram que, sob as condições de um agressivo tratamento da PIC, a probabilidade de um bom resultado é inversamente proporcional aos níveis máximos da PIC obtidos e a percentagem de tempo decorrido com níveis > 20 mmHg. Atualmente, os métodos disponíveis para o monitoramento da PIC incluem cateteres extradurais, sub- durais, intraparenquimatosos e intraventiculares. Quando possíveis, cateteres intraventiculares são os preferidos, uma vez que permitem uma medição contínua da PIC, a drenagem de LCR para controlar o aumento da PIC e a dosagem do nível de lactato liquórico. O monitoramento contínuo da saturação do oxigênio venoso na jugular está indicado em todos os casos em que se necessite uma otimização da terapêutica instituída para a hipertensão intracraniana. Os pacientes devem ser submetidos a uma reposição volêmica agressiva para manter a pressão arterial média > 80 mmHg. É sugerida a reposição de volume com a solução salina normal. A pressão venosa central não deve ser usada como um guia para a reposição volêmica, uma vez que não há correlação entre a pressão venosa central e o volume intravascular em pacientes com TCE grave e naqueles com repercussão cardíaca de doenças crônicas que alteram pressão do átrio direito. É recomendado um cateter de artéria pulmonar para monitoração hemodinâmica em pacientes que respondam pobremente à expansão do volume, demonstrando instabilidade hemodinâmica, ou tenham uma doença cardiovascular. O papel dos agentes vasopressores no TCE é controverso. Enquanto alguns dados sugerem que um declínio na PAM deve ser evitado no paciente com traumatismo craniano, mesmo quando os níveis basais da PAM estiverem mais altos que o normal, sabemos que a hipertensão induzida pode tanto au- mentar ou diminuir a PIC, dependendo da propriedade de auto-regulação da vasculatura cerebral. Além disso, por causa de seus potenciais efeitos vaso-constritores nos vasos intracerebrais, agentes vasopressores devem, por isso, ser usados com extremo cuidado e somente com monitoramento invasivo hemodinâmico. Dopamina é o vasopres- sor preferido, uma vez que informações experimentais demonstraram que este agente aumenta o FSC dentro e ao redor do cérebro lesado, sem aumentar a PIC ou o edema cerebral. Fenilefrina, contudo, pode aumentar a PIC e diminuir a função cardíaca. Uma abordagem potencialmente promissora para aumentar o FSC em pacientes com traumatismo craniano é o uso de vasodilatadores cerebrais, tais como a L-arginina. Soluções coloidais não reduzem a PIC ou a quantidade de água no cérebro, (por captação de líquido com aumento da pressão intravascular ou pelo efeito diurético), isto porque os capilares cerebrais têm junções intercelulares mui- to apertadas e alguns vasos da micro-circulação são impermeáveis à maioria dos íons. A osmolaridade plasmática, mais do que a pressão oncótica do plasma é o maior determinante do movimento da água entre os compartimentos vascular e extra-vascular daquelas áreas, onde a barreira hematoencefálica está intacta. Em pacientes com capilares lesados, a albumina aumenta o volume do líquido intersticial. A administração de albumina pode, desta forma, “vazar” para dentro do interstício em áreas onde a barreira hematoencefálica estiver comprometida e aumentar a PIC. Além do mais, a albumina é associada a um aumento da mortalidade em pacientes criticamente doentes, e por isto esta solução não deve ser recomendada. Os aparelhos de ventilação são ajustados para manter a PaCO2 entre 35 mmHg e 40 mmHg e a PaO2 > 70 mmHg. Embora seja sugerido que uma PaO2 alta possa melhorar a oxigenação do tecido cerebral, isto vai contra nosso entendimento da fisiologia humana, uma vez que a descarga de oxigênio no tecido é primariamente dependente da concentração de hemoglobina, a posição da curva de dissociação da hemoglobina (pressão parcial na qual a hemo- globina se encontra 50% saturada), e a saturação da hemoglobina. A fração de oxigênio dissolvida dá uma insig- nificante contribuição ao transporte de oxigênio. Uma fração alta de oxigênio inspirado pode, contudo, promover a formação de espécies reativas de oxigênio e aumentar a peroxidação lipídica. Embora seja sugerido que a pressão expiratória final positiva (PEEP) e modos de ventilação que aumentem a pressão intratorácica sejam evitados em pacientes com PIC elevada, sabemos que alguns estudos não apóiam esta determinação. Contudo, de acordo com as diretrizes atuais, o mais baixo nível da pressão expiratória final positiva que mantém a oxigenação adequada e previne o colapso alveolar na fase expiratório final (5 cm H2O) deve sempre ser usado. É recomendada a monitora- ��� ção contínua da oximetria do pulso, com a SpO2 mantida sempre > 92% - 94%. Embora a aspiração endotraqueal cause um aumento transitório na PIC, ela não produz isquemia cerebral e é necessária para prevenir acúmulo de secreções e, conseqüentemente, atelectasias. Mesmo que pacientes com traumatismo craniano possam estar em coma, eles necessitam de analgesia e sedação, uma vez que ainda respondem a estímulos de dor e nocivos, freqüentemente com um aumento na PIC e na PAM. Narcóticos (morfina e fentanil), devem ser considerados terapia de primeira linha desde que eles forneçam, ambos, analgesia e depressão dos reflexos das vias aéreas, que são objetivos necessários ao paciente entubado. Fentanil tem a vantagem de ter mínimos efeitos hemodinâmicos. Propofol é o agente hipnótico escolhido para pacientes com graves danos neurológicos, uma vez que é facilmente interrompido e, com efeito, rapidamente rever- sível quando é descontinuado. Estas propriedades permitem uma sedação previsível levada em conta uma avaliação neurológica periódica do paciente. O propofol tem propriedades adicionais que podem ser benéficas para pacientes com traumatismo craniano, incluindo uma diminuição da taxa metabólica cerebral, inibição da potencialização de γ-aminobuturato-A (GABAergico), e inibição dos receptores do glutamato e da methyl-D-aspartato e dos canais de cálcio de voltagem dependente. Propofol é também um potente antioxidante e inibidor da peroxidação lipídica. Agentes paralisantes são tradicionalmente usados em pacientes que estejam recebendo ventilação mecânica. Não há, contudo, informações que sustentem esta prática. De fato, agentes paralisantes em pacientes com TCE, de- monstram um aumento no risco de pneumonia. Em acréscimo, agentes paralisantes estão associados a significantes complicações neuromusculares. O uso de doses adequadas de propofol juntamente com fentanil pode tornar desne- cessário o uso de BNM. A paralisia rotineira de pacientes com TCE não pode ser mais recomendada. Contudo, ela pode ser feita por 30 minutos para que um paciente com sedação e analgesia suficientes seja cuidadosamente levado para um controle dos reflexos das vias aéreas em resposta à necessidade da ventilação mecânica. Uma paralisia precoce pode ser muito útil para prevenir assincronia da ventilação, com engasgos e tosse que produzem alterações na PIC. Contudo, uma vez que o paciente esteja estabilizado e sejam alcançadas sedação e analgesia adequadas, o bloqueio neuromuscular deve ser interrompido. Outros princípios gerais de tratamento em pacientes com traumatismo craniano incluem diminuição da temperatu- ra corpórea de doentes com febre e prevenção daobstrução do fluxo venoso da jugular (mantendo alinhamento da cabeça do paciente, e evitando a compressão extrínseca da veia jugular por hematomas, massas). Enquanto alguns estudos sugerem que a PPC é otimizada quando os pacientes são mantidos numa posição horizontal, outros de- monstram que uma elevação de 30° da cabeça diminui a PIC, sem diminuir a PPC ou o FSC. Além disso, a elevação da cabeça da cama (para 30°) demonstrou uma redução no risco de pneumonia associada à ventilação mecânica. Lesões erosivas do TGI são comuns depois de graves traumatismos cranianos; por isso uma fundamentada rotina de profilaxia das úlceras gastro-intestinais se faz necessária com utilização de bloqueadores sistêmicos da acidez gástrica (ranitidina) ou inibidores da bomba de prótons (omeprazol). A profilaxia de crises convulsivas está recomendada em pacientes com ECGl < 9, pois apresentam elevado risco de ocorrência, e deve ser utilizada até estabilização do quadro neurológico, não havendo evidência de sua continuidade a longo prazo quando não houve episódio de convulsão na evolução. Atualmente, a profilaxia é recomendada du- rante sete dias após o acidente, em pacientes com TCE grave e conforme cada caso (quadro abaixo). O agente mais comumente recomendado é a FENITOINA, com uma dose de 20 mg/kg em bolus (velocidade de infusão máxima de 1 ml/ minuto) realizando a hidantalização imediata e, com manutenção de uma dose usual de 5 mg/kg/d dividida em 3 doses, monitorando os níveis plasmáticos da droga, para uma meta de 10 a 20 mg/L. Corticosteróides, em pacientes com TCE, são completamente inúteis e carregam o risco de potenciais efeitos cola- terais (hiperglicemia, aumento no risco de infecções), e seu uso deve ser evitado. Informações clínicas iniciais e experimentais sugerem que hipotermia moderada (33° C), por 24 horas, depois de grave traumatismo craniano pode melhorar o resultado. Entretanto, um estudo recentemente completado, placebo controlado, demonstrou que a hipotermia iniciada 8 horas após o trauma foi ineficaz na melhora do resultado em pacientes com grave traumatismo craniano. A ineficácia da hipotermia induzida pode estar relacionada ao uso de ��� bloqueadores neuromusculares (para prevenir calafrios) no grupo hipotérmico. Contudo, o aquecimento ativo de pacientes que estão hipotérmicos no momento da admissão no hospital pode ser prejudicial, e por isso não é reco- mendado. Tabela 1. Profilaxia da crise convulsiva no TCE grave HIDANTALIZAÇÃO • ECGl 13 a 15: Crise convulsiva após o insulto Pacientes em uso atual de anticonvulsivante • ECGl 9 a 12 : História pregressa de convulsões Crise convulsiva após o insulto Pacientes em uso atual de anticonvulsivante • ECGl < 9 : Todos os pacientes • Dose de ataque: 20mg/Kg IV numa velocidade < 50 mg/min • Manutenção: 5 mg/Kg dividido em 3 doses (100 mg de 8/8 h em bolus para um adulto de 60 kg) TRATAMENTO DA HIPERTENsãO INTRACRANIANA EsTABElECIDA Se a PIC permanece > 20 mmHg, apesar da sedação e da elevação da cabeceira (30°) estarem adequadas, medidas adicionais são necessárias para diminuir a PIC. Quando um cateter ventricular está sendo usado para monitora- mento da PIC, drenagem de LCR deve ser utilizada nas elevações da PIC. Se a drenagem de LCR não é eficaz, um agente hiperosmótico, tal como o manitol, deve ser usado em seguida. A dose inicial é de 1 g/kg e a manutenção é de 0.25 a 0.5 g/kg, administrada a cada 15 ou 30 minutos para aumentar a osmolaridade do plasma para 310 ou 320 mOsm/kg. Manitol age agudamente expandindo o volume intravascular e diminuindo a viscosidade do sangue, com isso aumentando a perfusão cerebral e a troca capilar, com contração da vasculatura e redução da circulação pré- capilar. O movimento osmótico do fluído para fora do compartimento celular é seguido pela diurese que é atrasada de 15 para 30 minutos, enquanto equilíbrios são estabelecidos entre o plasma e as células. A diurese osmótica que se segue ao uso do manitol dura de 90 minutos a 6 horas. A administração prolongada de manitol pode levar a desi- dratação intravascular, hipotensão, e insuficiência renal aguda pré-renal. O benefício do manitol, em pacientes com traumatismo craniano tem ainda que ser determinado, e, notavelmente, apenas um estudo controlado com placebo foi realizado. Neste estudo, que comparou a administração pré-hospitalar de manitol contra placebo, o manitol foi associado a um aumento relativo do risco de morte. Manitol, em comum com outros agentes ativos de osmolarida- de, é conhecido como a causa da “abertura” da BHE, significando que ambos, manitol e outras moléculas pequenas podem passar para dentro do cérebro. Este efeito torna-se prejudicial depois que muitas doses foram administradas porque o manitol pode se acumular no cérebro, causando uma reversão osmótica e aumentando a osmolaridade do cérebro. Assim, teoricamente, após várias doses, o manitol pode exacerbar aumentos da PIC. O acúmulo de manitol no cérebro pode ser mais acentuado quando o mesmo estiver em circulação por longos períodos, como ocorre com a administração de infusão contínua com horários determinados previamente. Desta forma, é imperioso que o ma- nitol seja administrado em pequenas doses, em bolus, com repetições quando necessárias de acordo com o aumento da PIC e, nunca, em infusão contínua. A solução salina hipertônica diminui a PIC e aumenta a PPC em pacientes com hipertensão intracraniana persistente e deve ser considerado um tratamento alternativo ao uso de manitol. Uma alta dose de barbitúrico induzindo o coma controlado pode ser usada como último recurso em pacientes com uma PIC persistentemente elevada; contudo, esta terapia não provou mudanças no resultado neurológico. De fato, nos estudos de traumatismo craniano da Universidade de Toronto, aqueles pacientes com uma PIC elevada e sem hematoma intracraniano tratados com pentobarbital tiveram uma taxa de mortalidade de 77%, comparada a uma taxa de mortalidade de 41% para aqueles pacientes tratados inicialmente com manitol. Finalmente, há um ressur- gimento de interesse em craniectomia descompressiva para elevações de PIC intratáveis, sendo a craniectomia uma opção a ser considerada em casos específicos. ��0 TERAPIAs COM DROGAs EXPERIMENTAIs Há muitas tentativas com diferentes tipos de drogas para reduzir os danos cerebrais depois de um grave trauma- tismo craniano. Inibidores de radicais livres, aminoesteroides, antagonistas de cálcio, antagonistas de glutamato, bloqueadores de canal de cálcio, e agonistas de adenosina foram avaliados em pacientes com TCE. Até esta data, nenhum destes agentes demonstrou benefício. OUTROs REsUlTADOs DO TRATAMENTO NA UTI Distúrbio eletrolítico: Hiponatremia diminui o limiar de convulsões e pode exacerbar o edema cerebral. Hiponatre- mia é relativamente comum após TCE. A etiologia da hiponatremia é complexa, seja pela perda de sódio da síndro- me cerebral perdedora de sal ou pela síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético. Entretanto, a causa mais freqüente de hiponatremia na UTI continua sendo a iatrogênica (uso continuado, por vários dias, de soluções levemente hipotônicas e/ou hiponatrêmicas). Eletrólitos na urina e osmolaridade são úteis na avaliação da hiponatremia. A distinção entre estas duas síndromes é crítica, uma vez que a primeira é tratada com reposição de volume, enquanto a segunda é tratada pela restrição de líquidos. Os níveis de magnésio devem ser acompanhados de perto em pacientes com TCE. Hipomagnesemia diminui o limiar de convulsão e atrapalha a recuperação no feri- mento cerebral do animal experimental. Administração de magnésio após a lesão melhorou o resultado neurológico em um modelo experimental de trauma craniano. suporte Nutricional: O TCE resulta em um generalizado estado hipermetabólico e catabólico. Uma nutrição enteral precoce mantém a integridade da mucosa