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OS NOVOS INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS: O PAPEL DO CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS DA ONU E O MECANISMO DE REVISÃO PERIÓDICA UNIVERSAL 1 Luana Mathias Souto 2 RESUMO: Este estudo trata da análise dos novos instrumentos de proteção aos direitos humanos criados a partir de 2006, após a extinção da Comissão de Direitos Humanos da ONU: o Conselho de Direitos Humanos da ONU e o mecanismo de Revisão Periódica Universal. Ao dissertar sobre estes novos instrumentos se intenta aprofundar o conhecimento existente, até o presente momento, sobre os mesmos, além da análiseda evolução na defesa aos direitos humanos desde a criação da ONU. Para tanto, apresenta- seuma descrição objetiva do modus operandi do Conselho e de seu mecanismo de RPU, visando à disseminação de estudos acadêmicos sobre o tema, a fim de, verificar a atuação dos mesmos na proteção internacional dos direitos humanos. PALAVRAS-CHAVE: Direitos Humanos. Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Revisão Periódica Universal. ABSTRACT: This study deals with the analysis of the new instruments of protection of human rights created from 2006, after the extinction of the UN Commission on Human Rights: the UN Human Rights Council and the Universal Periodic Review mechanism. To speak about these new instruments are attempts to deepen existing knowledge, to date, about the same, also the analysis about evolution of human rights since the UN's creation. For this, show an objective description of the modus operandi of the Council and its UPR and its mechanism aimed at dissemination of academic studies on the subject, therefore, to check effectiveness of its in the international protection of human rights. KEY-WORDS: Human Rights. United Nations. Human Rights Council. Universal Periodic Review. 1 Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título de bacharel em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Bruno Wanderley Júnior. Adaptado para publicação. 2 Bacharel em Direito - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Email: luasouth@gmail.com Luana Mathias Souto Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 183 1 INTRODUÇÃO Durante anos a humanidade assiste consternada sérios atos de violação aos direitos humanos, mas o que vêm sendo feito para coibir estes atos?! Diante do horror praticado durante a II Guerra Mundial criou-se em fevereiro de 1945, a Organização das Nações Unidas. Esta organização nasce com o propósito de reafirmar entre as nações: os direitos fundamentais, a dignidade e o valor humano. Evidenciou-se, no período pós- guerras que, somente a proteção em âmbito interno conferida ao nacional não era suficiente para salvaguardar a vida humana, era necessária a criação de mecanismos, que promovessem a proteção aos direitos humanos para além das fronteiras estatais. A fim de cumprir com os ideais expressos em sua Carta, a ONU para garantir a paz e a defesa da vida humana vêm durante todos esses anos construindo uma estrutura de defesa e promoção aos direitos humanos, que é exercida por seus diversos órgãos, dentre os quais se destacam: o Conselho de Direitos Humanos e seus mecanismos subsidiários, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e os Comitês emanados dos tratados em direitos humanos. Neste estudo, por sua vez, o órgão de estudo e análise será o Conselho de Direitos Humanos da ONU e seu inovador mecanismo de Revisão Periódica Universal (RPU). Para tanto, apresenta-se o processo de internacionalização dos direitos humanos, sua evolução e a série de acontecimentos que culminaram com necessidade de reformulação da estrutura institucional da ONU e criação do RPU. 2 DIREITOS HUMANOS Ao tratar sobre direitos humanos, confronta-se com a dificuldade de conceituar tal instituto, já que a “multiplicidade de expressões para identificar direitos humanos causa certa confusão e incerteza quanto ao conteúdo.”. (GUERRA, 2013, p. 32). Sidney Guerra (2013) ao estabelecer “o que são direitos humanos?” em seu livro Direitos Humanos: curso elementar apresenta a recorrente utilização de expressões diversas para se tratar de tais direitos e para tanto, aponta o delineamento das terminologias “direitos humanos”, “liberdades públicas” e “direitos fundamentais”. (GUERRA, 2013, p. 33). Os novos instrumentos de proteção aos direitos humanos: o papel do Conselho de Direitos Humanos da ONU e o mecanismo de Revisão Periódica Universal Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 184 Em seus estudos, quanto à expressão “liberdades públicas”, o autor aponta, em desfecho que: “no Brasil, seguindo a tendência francesa, adota-se com muita frequência a expressão 'liberdades públicas', atribuindo-lhe, porém o significado que engloba a generalidade dos direitos fundamentais.”. (GUERRA, 2013, p. 37). Assim, liberdades públicas comportariam as formas necessárias de não ingerência do Estado nas liberdades individuais que por ele também foram positivadas. Em continuidade, Guerra (2013) busca a delimitação dos direitos fundamentais que, “são aqueles aplicados diretamente, gozando de proteção especial nas Constituições dos Estados de Direito. São provenientes do amadurecimento da própria sociedade.”. (GUERRA, 2013, p. 38). Ademais, Assinala-se então a necessidade de proteger esses direitos, já que individualizam a pessoa em si, como projeção na própria sociedade em que vive. Tais direitos destinam-se a preservar as pessoas em suas interações no mundo social. Quando expressamente consignados na Constituição, como no caso brasileiro, tais direitos realizam a missão de defender as pessoas diante do poder do Estado, e aí se tem exatamente a concepção desses direitos constituindo os direitos fundamentais. (GUERRA, 2013, p. 39, grifo nosso). Por fim, o autor estabelece que, Geralmente, a terminologia 'direitos humanos' é empregada para denominar os direitos positivados nas declarações e convenções internacionais, como também as exigências básicas relacionadas com a dignidade, a liberdade e a igualdade de pessoa que não alcançaram um estatuto jurídico positivo. (GUERRA, 2013, p. 39). Usando a linha de raciocínio empregada por Sidney Guerra (2013) tem-se que, de acordo com as Nações Unidas, Direitos humanos são comumente entendidos como aqueles direitos que são inerentes ao ser humano. A concepção de direitos humanos reconhece que cada ser humano é intitulado a desfrutar destes direitos, independente de distinção quanto à raça, cor, sexo, idioma, religião, orientação política ou outras opiniões, nacionalidade ou origem social, propriedade, nascimento ou outra condição. [...] Direitos humanos são inerentes a cada pessoa, como consequência, da condição de ser humano. (UNITED NATIONS, 2015, tradução nossa) 3 3 Human rights are commonly understood as being those rights which are inherent to the human being. The concept of human rights acknowledges that every single human being is entitled to enjoy his or her human rights without distinction as to race, colour, sex, language, religion, political or other opinion, national or social origin, property, birth or other status. […] Human rights are inherent entitlements which come to every person as a consequence of being human. Luana Mathias Souto Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 185 A necessidade de se estabelecerque os direitos e liberdades individuais protegidos e positivados no plano interno são direitos fundamentais e de forma englobante liberdades públicas e que, aqueles direitos inerentes a todos os seres humanos reconhecidos internacionalmente, mas, que podem ou não estarem consagrados nos instrumentos internacionais são direitos humanos é motivada pela diversidade inerente à realidade global em que, tais direitos humanos poderão não estarem positivados nos ordenamentos jurídicos dos mais diversos países e estes Estados também poderão não ser signatários de tratados e convenções internacionais de proteção, mas nem por isto, poder-se-á deixar de encontrar formas de protegê-los. 2.1 ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS Diante da perspectiva conceitual adotada alguns marcadores temporais serão utilizados para a construção daquilo que, posteriormente, seria caracterizado como direitos humanos. Assim, desde a Antiguidade Clássica entre os egípcios, gregos e romanos, o que se buscou inicialmente foi a afirmação das liberdades individuais de forma a afastar o detentor do poder de interferir na vida privada. Neste momento têm-se apenas a defesa de direitos individuais de alguns, como quando da elaboração da Magna Carta de 1215: A ideia de direitos individuais, portanto, ainda não se formara no sentido de hoje, de direitos iguais para todos e que a todos podem ser contrapostos. A Carta Magna valeu, por uma felicidade de redação, para que as pessoas lessem o texto como fixador de princípios mais gerais, de obediência à legalidade, da existência de direitos da comunidade que o próprio rei devia respeitar. (GUERRA, 2013, p. 47-48). Sucessivamente, em decorrência “do processo de maturação da sociedade e do desenvolvimento social e histórico, outras declarações apareceram.”. (GUERRA, 2013, p. 48). Destacam-se a Petition of Rights (1629), o Habeas Corpus Act (1679) e o Bill of Rights (1689), que ainda mantém a garantia de liberdades individuais para apenas parte da população. Entretanto, aponta-se que: A partir do Bill of Rights britânico, a ideia de um governo representativo, ainda que não de todo o povo, mas pelo menos de suas camadas superiores, começa a firmar-se como uma garantia institucional indispensáveis das liberdades civis. (COMPARATO, 2015, p. 61-62). Em 1776 com a Declaração de Independência Norte-Americana tem-se o “primeiro Os novos instrumentos de proteção aos direitos humanos: o papel do Conselho de Direitos Humanos da ONU e o mecanismo de Revisão Periódica Universal Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 186 documento de natureza política a reconhecer a soberania popular, a existência de direitos que se aplicam a todas as pessoas, sem que haja distinção de sexo, cor ou qualquer outra manifestação.”. (GUERRA, 2013, p. 50). Com este mesmo tom político ecoa, em 1789, a Revolução Francesa sob a inspiração de liberdade, igualdade e fraternidade. Apesar de expressarem um sentimento totalmente novo, estes dois eventos históricos serviram de instrumento da burguesia para por fim ao Absolutismo monárquico, pois: O espírito original da democracia moderna não foi, portanto, a defesa do povo pobre contra a minoria rica, mas sim a defesa dos proprietários ricos contra um regime de privilégios estamentais e de governos irresponsáveis. (COMPARATO, 2015, p. 63-64). Devido ao dinamismo da vida humana, novas necessidades foram surgindo e em especial, porque o “individualismo dos séculos XVII e XVIII corporificados no Estado Liberal, e a atitude de omissão do Estado frente aos problemas sociais e econômicos vão conduzir os homens a um capitalismo desumano e escravizador.”. (MAGALHÃES, 2000, p.29). Diante deste novo cenário, por meio da Constituição mexicana de 1917 e da Constituição de Weimar de 1919, houve a afirmação de direitos sociais e econômicos: O titular desses direitos, com efeito, não é o ser humano abstrato, com o qual o capitalismo sempre conviveu maravilhosamente. É o conjunto dos grupos sociais esmagados pela miséria, a doença, a fome e a marginalização. (COMPARATO, 2015, p.66). Entretanto, a humanidade passa por um novo momento histórico, mesmo com os primeiros desdobramentos de uma internacionalização dos DH com a criação, por exemplo, da OIT, o mundo vivencia tempos obscuros com a Primeira Guerra Mundial, a crise econômica de 1929 e o surgimento de Estados totalitários. Com isto, insuflam-se discursos de ódio, racismo, torturas, genocídios e matanças generalizadas por todo o globo. Assegurar a dignidade da pessoa humana como se vê somente seria possível após a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Mais adiante na cronologia mundial, novas gerações de direitos foram e vêm sendo proclamadas, o que demonstra a perene necessidade de se abarcar novos direitos: Hoje, não há povo que negue uma Carta de Direitos e seu respectivo mecanismo de efetivação, o que, todavia, ainda não significa a garantia de justiça concreta, porquanto esses direitos podem variar ao sabor do pensamento político ou filosófico informador de determinado Estado. (GUERRA, 2013, p. 54). Quanto ao desenvolvimento dos Direitos Humanos no Brasil, tem-se obtido Luana Mathias Souto Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 187 grandes avanços desde a Constituição Federal de 1988, entretanto, persiste uma deficiência quanto à efetiva promoção destes. Enquanto que, de um lado houve um avanço legislativo pós 1988, a mesma evolução não se vislumbrou na esfera judicial, seara em que os direitos podem sair do encantamento escrito e programático e serem implementados na realidade social. 2.2 A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS A doutrina 4 apresenta a internacionalização dos direitos humanos sob a sua divisão em duas fases. A primeira de um ponto de vista embrionário se manifesta por meio do direito humanitário, a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Já a segunda é pontuada pelo pós Segunda Guerra Mundial. Nesta fase ainda embrionária de internacionalização dos direitos humanos, o direito humanitário surge como limites à atuação da guerra normatizando desde a defesa às populações civis até a proteção aos prisioneiros de guerra, em 1929 com a Convenção de Genebra, “o Direito Humanitário ou o Direito Internacional da Guerra impõe a regulamentação jurídica do emprego da violência no âmbito internacional.”. (PIOVESAN, 2011, p. 170). Objetivo similar apresentou a Liga das Nações que: Tinha como finalidade promover a cooperação, paz e segurança internacional, condenando agressões externas contra a integridade territorial e a independência política de seus membros. (PIOVESAN, 2011, p. 170). Em outra ponta encontrava-se a OIT, que por sua vez delineou parâmetros mínimos e internacionais de trabalho, “a proteção do trabalhador assalariado passou também a ser objeto de uma regulação convencional entre os diferentes Estados.”. (COMPARATO, 2015, p. 68) Este primeiro momento traz em si a quebra de paradigmas até então sustentados e a relativização da soberania estatal, vista ainda como absoluta. Para que os direitos humanos se internacionalizassem, foi necessário redefinir o âmbito e o alcance do tradicional conceito de soberania estatal, a fim de 4 Utiliza-se para tanto, os estudos apresentados por Flávia Piovesan (2011) e Fábio Konder Comparato (2015). Os novos instrumentos de proteção aos direitos humanos: o papel do Conselho de Direitos Humanosda ONU e o mecanismo de Revisão Periódica Universal Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 188 permitir o advento dos direitos humanos como questão de legítimo interesse internacional. Foi ainda necessário redefinir o status do indivíduo no cenário internacional, para que se tornasse verdadeiro sujeito de Direito Internacional (PIOVESAN, 2011, p. 169). Superada este momento preliminar, em que os direitos humanos ainda assim, não poderiam ser conceituados em sua plenitude visto que, o que ocorreu foi tão somente a internacionalização de alguns direitos em setores específicos e não a internacionalização de direitos que visualizassem o ser humano enquanto detentor de direitos pelo fato de tão somente ser humano. Avança-se para o período pós-guerra, marcado pelo repúdio aos horrores cometidos na Segunda Guerra Mundial, por Hitler e seus discípulos. Após o término da 2ª Guerra Mundial, dezenas de convenções internacionais, exclusivamente dedicadas à matéria, foram celebradas no âmbito da Organização das Nações Unidas ou das organizações regionais e mais de uma centena forma aprovadas no âmbito da Organização Internacional do Trabalho. Não apenas os direitos individuais, de natureza civil e política, ou os direitos de conteúdo econômico e social foram assentados no plano internacional. Afirmou-se também a existência de novas espécies de direitos humanos: direitos dos povos e direitos da humanidade. (COMPARATO, 2015, p. 69). Neste momento da História Mundial foi necessário a reafirmação dos direitos humanos, “como paradigma ético capaz de restaurar a lógica do razoável.” (PIOVESAN, 2011, p. 176), definindo-se por uma proteção em âmbito internacional, “sob esse prisma, a violação dos direitos humanos não pode ser concebida como questão doméstica do Estado, e sim como problema de relevância internacional, como legítima preocupação da comunidade internacional.”. (PIOVESAN, 2011, p. 176). Desta forma, neste segundo momento se destacam a Carta das Nações Unidas de 1945 e a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948. Por meio da Carta das Nações Unidas de 1945 instituiu-se a ONU, o que: Consolida, assim, o movimento de internacionalização dos direitos humanos, a partir do consenso de Estados que elevam a promoção desses direitos a propósito e finalidade das Nações Unidas. Definitivamente, a relação de um Estado com seus nacionais passa a ser uma problemática internacional, objeto de instituições internacionais e do Direito Internacional. (PIOVESAN, 2011, p. 189). Quanto à Declaração das Nações Unidas de 1948, dedica-se, neste estudo, o sub tópico 2.2.1, pois esta pode ser entendida como a concretização dos ideais almejados na Carta das Nações Unidas de 1945, sendo o documento que ao longo dos anos orientará a promoção e defesa dos direitos humanos no mundo todo. Luana Mathias Souto Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 189 Com o processo de internacionalização dos direitos humanos, entretanto, manteve-se um problema já recorrente: “o desprezo pelos direitos do homem no plano interno e o escasso respeito à autoridade internacional no plano externo marcham juntos.”. (BOBBIO, 1992, p. 38), então, como fazer com que os mais diferentes Estados reconheçam e efetivem os direitos humanos? 2.2.1 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS -1948 A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 foi articulada durante sessão, ocorrida em 16 de fevereiro de 1946 do então Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, que também nesta mesma data instituiu a criação da Comissão de Direitos Humanos para que a mesma elaborasse a presente declaração. Para tanto, a Comissão realizaria seus trabalhos em três etapas. Na primeira etapa, concluída em 18 de junho de 1948, foi elaborada a Declaração Universal de Direitos Humanos, com consequente aprovação da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro do recorrido ano. A segunda etapa, por sua vez, previa a elaboração de um documento jurídico com força vinculante para além da conferida por uma mera declaração. Desta forma, em 1966 foi concluída esta etapa com a aprovação do Pacto Internacional sobre Direitos Civil e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Socais e Culturais. (COMPARATO, 2015, p. 237). “A terceira etapa, consistente na criação de mecanismos capazes de assegurar a universal observância desses direitos, ainda não foi completada.”. (COMPARATO, 2015, p. 238). Neste aspecto faz-se um adendo: esta etapa consiste na proposta pela qual as Revisões Periódicas Universais vêm sendo realizadas. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 foi aprovada por 48, dos 56 Estados-membros à época, seguido por 08 abstenções, a saber: Bielo-Rússia, Checoslováquia, Polônia, Arábia Saudita, Ucrânia, URSS, África do Sul e Iugoslávia. Mesmo diante das abstenções, autores, como Flávia Piovesan (2011) refletem que: A inexistência de qualquer questionamento ou reserva feita pelos Estados aos princípios da Declaração, bem como de qualquer voto contrário às suas disposições, confere à Declaração Universal o significado de um código e plataforma comum de ação. (PIOVESAN, 2011, p. 195). Ao elaborar a Declaração, a comunidade internacional deu um grande avanço em matéria de direitos humanos, pois até eram apresentados apenas dois discursos: o Os novos instrumentos de proteção aos direitos humanos: o papel do Conselho de Direitos Humanos da ONU e o mecanismo de Revisão Periódica Universal Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 190 liberal de não ingerência do Estado na vida privada e o socialista de forma que não se podia falar em direitos humanos propriamente ditos, mas tão somente uma seara de direitos à liberdade (como sinônimo de afastamento de poderes autoritários) e à igualdade em um caráter ainda formal. A Declaração de 1948 introduz extraordinária inovação ao conter uma linguagem de direitos até então inédita. […] Duas são as inovações introduzidas pela Declaração: a) parificar, em igualdade de importância, os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais; e b) afirmar a inter-relação, indivisibilidade e interdependência de tais direitos. (PIOVESAN, 2011, p. 198-199). A partir deste momento histórico, os direitos humanos passam a ser vistos como universais, respeitando-se a condição humana, Isso implica dizer que a Declaração, como código de princípios gerais de proteção aos direitos humanos, não se limita a definir direitos que devem ser positivados pelos Estados, mas sim, define elementos que compõe a subjetividade humana e que devem ser respeitados por todos, em toda parte. (ANNONI, 2008, p. 33). Entretanto, como bem afirma Noberto Bobbio (1992, p.31) em sua obra A Era dos Direitos, a Declaração Universal ''contém em germe'' a concreta defesa dos direitos humanos, pois “é apenas o início de um longo processo, cuja realização final ainda não somos capazes de ver.” (1992, p. 31). O autor ainda vai além, ao examinar o Preâmbulo da Declaração, evidencia que o mesmo: Se limita a estabelecer uma conexão necessária entre determinado meio e determinado fim, ou, se quisermos, apresenta uma opção entre duas alternativas: ou a proteção jurídica ou a rebelião. Mas não põe em ação o meio. Indica qual das duas alternativas foi escolhida, mas ainda não é capaz de realizá-la. São coisas diversas mostrar o caminho e percorrê-lo até o fim. (BOBBIO, 1992, p. 31, grifo nosso). Estabelecerquais são e quem são os direitos humanos do ponto de vista teórico e jurídico não é suficiente para a salvaguarda dos mesmos, a insuficiência de normas 5 que delineiam quais os meios a serem utilizados faz com que sempre seja necessário buscar novos mecanismos de garantia e defesa destes direitos. (ANNONI, 2008, p. 33). 2.3 OS MECANISMOS DE MONITORAMENTO DOS DIREITOS HUMANOS 5E aqui não digo jurídicas, mas adoto um ponto de vista mais genérico, uma vez: “a Declaração é algo mais do que um sistema de normas doutrinário, porém algo menos do que um sistema de normas jurídicas.”. (BOBBIO, 1992, p. 31) Luana Mathias Souto Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 191 Desde a sua criação a ONU assume o compromisso de promover a defesa aos DH em todo o mundo. Para atender a este ideal as Nações Unidas desenvolve mecanismos de monitoramento da implementação pelos Estados de parâmetros mínimos de direitos humanos, “organismos que monitoram e cooperam com as obrigações e compromissos assumidos pelos Países-Membros das Nações Unidas decorrentes de tratados e outros instrumentos internacionais.”. (ACNUDH, 2011). Estes mecanismos se dividem em duas categorias: aqueles emanados por força da Carta das Nações Unidas (sistema da Carta ou mecanismos extraconvencionais) e os originários de tratados internacionais de direitos humanos (sistema de Tratados ou mecanismos convencionais). (MAIA, 2007, p. 86-87). Apesar de suas diferenças estes dois mecanismos atuarão de forma complementar, com objetivo comum de zelar pelo cumprimento dos DH por parte dos Estados-membros da ONU. 2.3.1 SISTEMA DA CARTA Por meio da Carta das Nações Unidas, a ONU é compelida a defender os direitos humanos utilizando-se dos seguintes órgãos: Assembleia Geral, Conselho de Direitos Humanos, Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Fundos Voluntários, Conselho Econômico e Social, o Conselho de Segurança, o Tribunal Internacional de Justiça e os Fundos e Programas Autônomos. Por este sistema emanar da própria Carta da ONU, ele vincula todos os seus membros, até mesmo aqueles que não tenham ratificado nenhum tratado em matéria de direitos humanos e com isto, os relatórios produzidos por meio deste sistema poderão ser os únicos relatos da situação dos direitos humanos nestes países. (ACNUDH, 2011). Desta forma, apresenta um caráter genérico, já que permite a qualquer país o envio de petições individuais, bem como monitora a situação dos DH em todos eles. Além disto, possui um conteúdo amplo que engloba a violação a qualquer direito. 2.3.2 SISTEMA DE TRATADOS Não só por meio da Carta das Nações Unidas que emanam órgãos internacionais de proteção aos direitos humanos mas também, por meio dos tratados internacionais de Os novos instrumentos de proteção aos direitos humanos: o papel do Conselho de Direitos Humanos da ONU e o mecanismo de Revisão Periódica Universal Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 192 direitos humanos. Através dos nove principais tratados de direitos humanos deu-se origem a nove Comitês 6 , por meio destes Comitês analisa-se “relatórios dos governos e da sociedade civil, na perspectiva do monitoramento da implementação dos tratados nos estados-partes.”. (LIMA JR., 2002, p. 31). Sendo assim, este sistema se limita apenas a proteção dos direitos previstos nos tratados, restringindo-se também aos Estados que os ratificaram, que serão fiscalizados por especialistas independentes e não, por representantes dos Estados como ocorre no sistema da Carta. Para cada tratado é previsto um Comitê. Segundo George Rodrigo Bandeira Galindo (2010), o Sistema Convencional possui tanto vantagens quanto desvantagens, pois: Se, por um lado, o mecanismo pode parecer tolhido em sua atuação a um campo delimitado pelo tratado, por outro, este fornece uma estrutura mais organizada e clara para o mecanismo, o que certamente pode contribuir para sua maior efetividade. (GALINDO, 2010, p. 189). A atuação destes Comitês “têm a finalidade de auxiliar os países a melhorar a implementação daqueles tratados, no plano interno.” (LIMA JR., 2002, p. 32), o que ocorre por meio do exame periódico de relatórios apresentados pelos países signatários e de recomendações feitas pelos especialistas independentes. O modo mais comum de os Comitês acompanharem o cumprimento por parte dos Estados é examinando os Relatórios periódicos, que estes têm de encaminhar. A elaboração dos relatórios é um momento importante, porque os cidadãos ficam conhecendo as políticas públicas do Estado, e identificando se são adequadas ou não, e que modificações podem ser introduzidas. (MAIA, 2007, p. 89) Além disto, os Comitês preveem que na elaboração destes relatórios haja intensa participação popular a fim de tornar crível as informações apresentadas. Além disto, a sociedade civil poderá elaborar seus próprios relatórios (relatórios sombra, alternativos ou paralelos), cuja, Função é fornecer aos comitês análise crítica independente a respeito de como estão funcionando (ou não) as políticas públicas do Governo, quanto aos vários aspectos dos direitos previstos nos tratados de direitos humanos. 6 Comitê de Direitos Humanos (CCPR); Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CESCR); Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (CERD); Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (CEDAW); Comitê contra a Tortura (CAT) e o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (OPCAT); Comitê sobre os Direitos da Criança (CRC); Comitê para a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros das Suas Famílias (CMW); Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CRPD) e; Comitê para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados (CED). (ACNUDH, 2011). Luana Mathias Souto Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 193 (MAIA, 2007, p. 89-90). De forma adicional também poderá ser previsto que os Comitês recebam petições individuais, realizem de investigações e atendam às reclamações interestatais. 2.4 SISTEMA DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS Com a Declaração Universal de Direitos Humanos, a ONU atraiu para si a salvaguarda dos direitos humanos para além do território nacional. Desenvolveu, portanto, um sistema de proteção genérico, amplo e que atendesse aos direitos humanos mesmo quando a estrutura interna de um país não fosse capaz, sendo desta forma, um sistema complementar aos sistemas nacionais e regionais. Nessa ótica, os diversos sistemas de proteção de direitos humanos interagem em benefício dos indivíduos protegidos. O propósito da coexistência de distintos instrumentos jurídicos – garantindo os mesmos direitos – é, pois, no sentido de ampliar e fortalecer a proteção dos direitos humanos. O que importa é o grau de eficácia da proteção e, por isso, deve ser aplicada a norma que, no caso concreto, melhor proteja a vítima. Ao adotar o valor da primazia da pessoa humana, esses sistemas se complementam, interagindo com o sistema nacional de proteção, a fim de proporcionar a maior efetividade possível na tutela e promoção de direitos fundamentais (PIOVESAN, 2003, p. 315). Compõem o sistema de proteção dos direitos humanos da ONU, os seguintes órgãos: AssembleiaGeral, Conselho Econômico e Social e Conselho de Segurança. A cada um deles será conferida uma atribuição 7 , de forma a garantir uma real defesa aos DH. Inserta nesta estrutura de proteção e promoção dos DH em âmbito internacional tem-se a Comissão de Direitos Humanos, cuja competência é o monitoramento da situação dos direitos humanos. (LIMA JR., 2002, p. 18). 7 O sistema de proteção dos direitos humanos das Nações Unidas tem como principais órgãos a Assembléia Geral – a cujo organismo compete, principalmente, legislar em matéria de direitos humanos - o Conselho Econômico e Social (ECOSOC) – a cujo organismo cabe promover o respeito dos direitos humanos; coordenar as atividades da ONU e suas agências especializadas; elaborar estudos, relatórios e recomendações sobre assuntos de interesse social, econômico, cultural e educacional; e o Conselho de Segurança – a cujo organismo compete desenvolver operações pela manutenção da paz; decidir sobre “graves violações” aos direitos humanos que ponham em risco a paz mundial; e estabelecer tribunais penais internacionais. (LIMA JR., 2002, p. 18) Os novos instrumentos de proteção aos direitos humanos: o papel do Conselho de Direitos Humanos da ONU e o mecanismo de Revisão Periódica Universal Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 194 2.4.1 COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS A Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidasfoi criada em 1946, através da Resolução 5/1 do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC), ao qual mantinha uma relação de subordinação e que em sua primeira reunião quis “criar uma comissão funcional, originalmente integrada por peritos individuais — conhecida em retrospecto como comissão 'nuclear' – e, logo em seguida, na segunda sessão, […] transformá-la em foro intergovernamental.”. (ALVES, 1997, p. 25). A sede da Comissão se situava na cidade de Genebra e era composta por 53 países-membros eleitos pelo próprio ECOSOC e com mandados de três anos. Durante sua vigência a Comissão foi responsável por dar uma diretriz universal em matéria de direitos humanos, com a elaboração de documentos, conferências e grupos de trabalho que atuavam em diversas áreas relacionadas aos direitos humanos. As Conferências Mundiais de Direitos Humanos, em Teerã, em 1968, e em Viena, em 1993, consolidaram os princípios básicos do sistema de proteção: a universalidade, a indivisibilidade, a interrelação e a interdependência dos direitos humanos; a legitimidade da preocupação internacional com a situação dos direitos humanos em qualquer parte do mundo; o reconhecimento do direito ao desenvolvimento; a interrelação indissociável entre democracia, desenvolvimento e direitos humanos. (AMORIM, 2009, p. 68). Esta Comissão pode ser compreendida como uma quebra de paradigma, uma vez que surge após a Segunda Grande Guerra, se pautando na defesa e promoção universal dos direitos humanos e apresenta a possibilidade de responsabilização dos Estados quando estes não atuam em defesa dos direitos de seus nacionais. “É possível afirmar que a maior conquista da Comissão está no simples fato de ter passado a existir.”. (SHORT, 2008, p. 177). Entretanto, no ano de 2006, após 60 anos de sua criação, a Comissão de Direitos Humanos teve seus trabalhos encerrados. O principal motivo de seu insucesso foi sua ineficiência como órgão de proteção internacional dos direitos humanos, especialmente por sua diretriz estritamente política. A Comissão de Direitos Humanos teve, no entanto, sua legitimidade minada pelas críticas à abordagem seletiva e politizada que caracterizava sua atuação. As resoluções sobre países adotadas pelo órgão eram frequentemente inspiradas antes na singularização do país violador por motivações políticas do que na necessidade de monitoramento efetivo da situação dos direitos humanos. Como outras instâncias multilaterais, a Comissão não era infensa Luana Mathias Souto Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 195 às disputas de poder. (AMORIM, 2009, p. 68). A gravidade da situação apresentada pela ineficiência da Comissão ao atuar como órgão de fiscalização da proteção dos direitos humanos era tamanha que Sidney Guerra e Camila Lourenço de Oliveira (2009) afirmam que: “para se ter uma ideia, nunca foi adotada nenhuma resolução condenando os abusos no Tibet e nada foi feito com relação à situação dos detentos na Baía de Guantânamo” (GUERRA; OLIVEIRA, 2009, p. 06), exemplos estes, notórios de violação aos direitos humanos. O que “passou o recado de que os direitos humanos, ao invés de fundamentais, poderiam ser subsumidos a interesses políticos, econômicos, ou de segurança dos Estados.”. (SHORT, 2008, p. 178). Além da ausência de mecanismos de acompanhamento da atividade dos Estados em matéria de direitos humanos, a própria estrutura da Comissão inviabilizava uma séria atuação no controle dos países-membros na promoção dos direitos humanos, já que não se exigia dos mesmos nenhum compromisso de promoção e proteção aos direitos humanos, nem mesmo a previsão de suspensão daqueles que tivessem cometido violações a estes direitos. O método de escolha de seus membros, também contribuía para a manutenção de enlaces meramente políticos, já que ocorria por meio de aclamação, bastando a obtenção de uma maioria simples (algo em torno de 28 votos). Os membros do Conselho de Segurança tinham assento virtualmente garantido na Comissão, o que evidenciava a total falta de critério na escolha dos países, constituindo prova cabal de que este órgão estava cada vez mais divorciado da finalidade que motivou a sua criação e se submetendo ao talante de jogadas políticas. (GUERRA; OLIVEIRA, 2009, p. 06) Outro fator que contribuía para a ineficiência da Comissão era a periodicidade de suas reuniões que ocorriam, com obrigatoriedade de, apenas uma sessão por ano com duração de 06 semanas, o que mesmo em um mundo hipotético, onde não há violação nenhuma aos direitos humanos, seria insuficiente para colocar em pauta todas as pretensões de 53 membros. Esta falta de credibilidade perante a Comissão, fez com que em 15 de março de 2006 fosse extinta e por consequência, deu-se a criação, através da Resolução 60/251, do atual Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Os novos instrumentos de proteção aos direitos humanos: o papel do Conselho de Direitos Humanos da ONU e o mecanismo de Revisão Periódica Universal Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 196 3. CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS (CONSELHO) O presente Conselho foi criado com a finalidade de remodelar a atuação das Nações Unidas no controle e monitoramento da atuação dos países-membros em questões concernentes à defesa dos direitos humanos em seus territórios. Com a declarada ausência de capacidade da Comissão em desenvolver este trabalho, no dia 15 de março de 2006, 170 países 8 aprovaram a criação do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, através da Resolução 60/251. No momento de sua aprovação, os EUA apontaram como motivos de rejeição alguns aspectos estruturais que ensejaram grandes mudanças e que diferenciam o Conselho da antiga Comissão. A principal preocupação do país [EUA] era a inexistência de rígidos critérios para a suspensão de países – membros ou candidatos – no Conselho de Direitos Humanos que tivessem em sua história sanções por violações aos direitoshumanos ou práticas de terrorismo, dirigidas pelo Conselho de Segurança. […] Outro ponto de discordância foi quanto ao número de membros do Conselho. […] Segundo eles [EUA], o principal motivo para se manter um corpo maior é o temor dos Estados de não participarem dos mecanismos de decisão e desta forma, ficarem sujeitos ao julgamento de outros Estados. (NEDEVA apud MACHADO, 2009, p. 67). Com sede em Genebra, o Conselho assume uma tarefa difícil, pois ao substituir a Comissão deve romper com os parâmetros até então vigentes e adotar mecanismos novos que permitam o real cumprimento pelos países na defesa dos direitos humanos em seus territórios. O êxito do novo conselho em muito dependerá, é claro, da disposição dos países de se engajarem de forma construtiva, reconhecendo que não existem professores ou países com um histórico completamente isento de abusos na área de direitos humanos, e das inovações institucionais trazidas pelo novo órgão. (MENEZES, 2011, p. 80). Os trabalhos do Conselho se iniciaram em 19 de junho de 2006, sendo seus primeiros membros eleitos em 09 de maio de 2006, pela própria Assembleia Geral,tendo o Brasil sua primeira participação em 2006 e sendo reeleito em 8 Na votação para criação do Conselho, houve 04 votos contra (EUA, Israel, Ilhas Marshall e Palau), 03 abstenções (Irã, Venezuela e Bielorússia) e 07 direitos à voto suspensos por inadimplência das contribuições orçamentárias da ONU (Chade, Papua Nova Guiné, Seicheles, República Dominicana, Eritréia, Dominica e Costa do Marfim). (BORGES, 2014). Luana Mathias Souto Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 197 2008.(MACHADO, 2009, p. 71). Entretanto, mesmo o Conselho tendo sido criado com o objetivo de afastar da ONU os vícios de credibilidade criados pela Comissão, isto não o isenta de críticas. 3.1 ESTRUTURA Como apontado na subseção 2.3.1, um dos fatores que levaram à falência a Comissão foi a sua estrutura, que permitia que seus membros tivessem “cadeiras cativas” e desta forma, “imperava uma seletividade intervencionista que escolhia os países a serem submetidos ao escrutínio da Comissão. Assim, os países poderosos escapavam deste processo de revisão.”. (GUERRA; OLIVEIRA, 2009, p. 06) Tendo em vista este cenário, competia então, à ONU a criação de um novo organismo, que apresentasse uma estrutura diferente de seu antecessor e que pudesse de fato atender às finalidades pelas quais foi criado. Para atender a estes anseios, estabeleceu-se na Resolução 60/251 que para se tornar membro do Conselho seria necessário atender a critérios quantitativos e qualitativos. Em seu critério quantitativo exige-se que para ser membro obtenha-se, em votação secreta, a maioria absoluta dos votos a Assembleia Geral, ou seja, 97 dos 192 votos, possibilitando que todos os membros pudessem ser eleitos(GUERRA; OLIVEIRA, 2009, p. 07). Por sua vez, para atender ao critério qualitativo é necessário avaliar a atuação do país na defesa e promoção dos direitos humanos. Os países candidatos ao Conselho devem assumir formalmente compromissos voluntários – medidas a serem adotadas ao longo de seu mandato para o progresso da realização dos direitos humanos em seus territórios. (AMORIM, 2009, p. 69) Ao adotar este critério se pretende expurgar do Conselho qualquer decisão que seja estritamente política e violadora dos direitos humanos, já que se tem prevista “a possibilidade de suspender os direitos inerentes aos Estados-membros do Conselho que cometerem graves violações aos direitos humanos por meio de votação.”. (MACHADO, 2009, p. 70). Para que haja a suspensão de um Estado-membro é necessária a composição de 2/3 dos votos majoritários. Outra diferença para a antiga Comissão e que visa atender ao ideal de mudança Os novos instrumentos de proteção aos direitos humanos: o papel do Conselho de Direitos Humanos da ONU e o mecanismo de Revisão Periódica Universal Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 198 que ensejou a criação do Conselho é a forma de distribuição dos países-membros que passou a ser de 47 e não mais 53 como na Comissão e este número deve atender a uma distribuição geográfica dos 47 países, 13 são da África, 13 da Ásia, 06 do Leste Europeu, 06 da América Latina e Caribe e 07 da Europa Ocidental e outros. Como se pode notar, os países africanos e asiáticos perfazem, juntos, cerca de 55% do total de integrantes do Conselho. Na Comissão, tal percentual girava em torno de 50%. Essa confortável maioria, além de evidenciar, por si só, a grande influência que estes países terão na aprovação de resoluções, também lhes permite uma participação mais ativa na elaboração da agenda e lhes confere maior peso no estabelecimento das prioridades traçadas pelo Conselho. (GUERRA; OLIVEIRA, 2009, p. 08) De forma positiva, também se implementou a realização de 03 sessões anuais, em detrimento da única sessão por ano realizada pela Comissão, com duração de 06 semanas. No atual Conselho, as sessões têm duração mínima de 10 semanas, podendo qualquer Estado-membro solicitar a realização de sessão especial, desde que haja a aprovação de 1/3 dos membros. O aumento dessas sessões é extremamente profícuo para que sejam discutidas e adotadas medidas preventivas visando a evitar o recrudescimento de eventuais tensões que possam eclodir no cenário internacional. (GUERRA; OLIVEIRA, 2009,p. 09) Outro aspecto que denota uma postura diferente e traz independência ao Conselho é que este se encontra no mesmo nível hierárquico que o Conselho de Segurança da ONU e o ECOSOC, sendo agora subordinado apenas à Assembleia Geral da ONU. Todas estas novidades que incorporam o Conselho visam a real e efetiva garantia aos direitos humanos em âmbito internacional, entretanto, outro fator havia sido apontado como motivador do fim da Comissão, qual seja, a ausência de mecanismos de acompanhamento e fiscalização das atividades e evoluções dos países em matéria de direitos humanos. 3.2 ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA DIREITOS HUMANOS (ACNUDH) O Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos - ACNUDH foi criado em dezembro de 1993, através da resolução 48/141 da Assembleia Geral da ONU, Luana Mathias Souto Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 199 após frustradas tentativas que recorrem desde 1947 9 . Com a função de promover os direitos humanos dentro do sistema das Nações Unidas, o ACNUDH é vinculado ao Secretário Geral da ONU e dirigido por um Alto Comissário, escolhido pela Assembleia Geral da ONU após a indicação do Secretário Geral, que deverá atender ao critério de rotatividade geográfica. Atualmente (desde 1º de setembro de 2014), é chefiado por ZeidRa'adAl Hussein, da Jordânia 10 . Segundo Matheus de Carvalho Hernandez (2012), o ACNUDH: Tem como objetivo, segundo seu mandato, promover e proteger o exercício dos direitos humanos para todos os indivíduos; exercer um papel ativo na remoção dos atuais obstáculos à realização dos direitos humanos, impedindo a continuidade de violações; e coordenar as atividades de promoção e proteção desses direitos no sistema ONU. (HERNANDEZ, 2012, p. 12) O ACNUDH também representa, segundo José Cutileiro (2003): Um instrumento fundamental no acompanhamento pelas Nações Unidas, em comités para isso designados, do cumprimento pelos países dos principais tratados sobre direitos do homem e, também, no apoioaos representantes e relatores independentes, nomeados pela Comissão 11 dos Direitos do Homem, uns que têm sob a sua alçada países, outros cujos mandatos são temáticos (CUTILEIRO, 2003, p. 43-44). Para desempenhar estes propósitos, o ACNUDH mantém diálogo permanente com os Estados, ONG’s afeitas aos direitos humanos e demais instituições da sociedade civil, pois “é o principal responsável pelos direitos humanos dentro do arcabouçoinstitucional da ONU, que, por sua vez, tem nos direitos humanos um de seus principais pilares.”. (HERNANDEZ, 2012, p. 15). Para tanto, o ACNUDH: Alerta e ajuda a sociedade civil em múltiplas campanhas em prol dos direitos do homem, fornece, em Genebra e nas suas delegações no terreno, colaboração técnica e pedagógica a governos que a queiram receber. (CUTILEIRO, 2003, p. 44). Desta forma, o ACNUDH possui, atualmente, 12 escritórios regionais que ao atuarem em campo buscam: a promoção e proteção dos direitos humanos em nível regional e em cada país; a integração dos direitos humanos do trabalho realizado nas 9A primeira iniciativa ocorreu em 1947 pela França, após isto, em 1950 houve uma proposta feita pelo Uruguai, mas somente com a Conferência de Viena de 1993 que se conseguiu o impulso necessário para sua criação. (HERNANDEZ, 2014). 10 O primeiro Alto Comissário foi José Ayala-Lasso (Equador/ 1994-1997), sucedido por Mary Robinson (Irlanda/ 1997-2002); Sérgio Vieira de Mello (Brasil/ 2002-2003); Bertrand Ramcharan (Guiana/ 2003- 2004), Alto Comissário interino em decorrência da morte de Sérgio Mello em 19 de agosto de 2003; Louise Arbour (Canadá/ 2004-2008); NavanethemPillay (África do Sul/ 2008-2014). (HERNANDEZ, 2014). 11 O ACNUDH e o texto apresentado são anteriores à criação do UNHRC. Os novos instrumentos de proteção aos direitos humanos: o papel do Conselho de Direitos Humanos da ONU e o mecanismo de Revisão Periódica Universal Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 200 equipes de cada país e as missões de paz da ONU e; fortalecer as instituições nacionais e da sociedade civil 12 . (OHCHR, 2015, tradução nossa). Apesar do trabalho regional desempenhado pelo ACNUDH ser pioneiro na ONU no tratamento aos direitos humanos, algumas críticas são feitas a este mecanismo: “as dificuldades de comunicação entre as missões de campo e a sede em Genebra, [é] algo extremamente criticado pelas ONGs de direitos humanos até hoje e contraditório com a missão de coordenação do ACNUDH.”. (HERNANDEZ, 2012, p. 16-17). Além disto, Hernandez (2012) aponta como enfrentamentos do ACNUDH a imprecisão com a qual seu mandato foi estabelecido, o que permite, por exemplo, a ausência de responsabilidade nas averiguações às violações aos direitos humanos e limitações à sua função de coordenação, o que desvirtua o propósito de sua criação, “a busca por efetividade dos direitos humanos é que suscitou a idealização e a realização da Conferência de Viena, tornando-a o momento crítico e fundante do ACNUDH.”. (HERNANDEZ, 2012, p. 18). Outro principal desafio que permeia o ACNUDH desde a sua criação seria que este órgão: Navega sempre entre Cila e Caribdis. De um lado espreitam-no os defensores intransigentes do exercício pleno desses direitos, hoje em dia, sobretudo ONG, convencidas da sua superioridade moral e de não terem contas a prestar senão às suas consciências, que às vezes parecem esperar que o Alto Comissário se comporte como se fosse uma delas. Do outro lado perfilam-se os governos que raramente colocam direitos do homem no topo das suas listas de prioridades, consideram não precisar de conselhos na arte do possível e às vezes parecem esperar que o Alto Comissário se comporte como se fosse um funcionário sob instruções. [...] Para que o desempenho do seu cargo seja útil – isto é, para que faça uma diferença positiva e perceptível na protecção dos direitos do homem neste mundo– o Alto Comissário tem de ser respeitado e ouvido pelos dois lados e conseguir, negociando com cada um deles, levar água ao seu moinho. (CUTILEIRO, 2003, p. 47). O ACNUDH dentro do sistema ONU de direitos humanos presta os serviços de assessoramento, secretaria e acompanhamento dos trabalhos desempenhados pelos mecanismos de monitoramento dos direitos humanos. Assim, o ACNUDH fornece suporte material às reuniões do Conselho. Atualmente, com a vigência do mecanismo de RPU, o Alto Comissariado por sua presença em campo e por dialogar com os mais 12 OHCHR presences away from Headquarters are a strategic entry point for promoting and protecting human rights at the country level; mainstreaming human rights, that is, integrating a human rights perspective into the work of United Nations Country Teams and United Nations peace missions; and helping strehgthen national institutions and civil society. Luana Mathias Souto Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 201 diversos atores vem preparando os relatórios base, definidos em 10 páginas, com um resumo das informações recebidas em sede de RPU. 4. REVISÃO PERIÓDICA UNIVERSAL (RPU) O mecanismo de Revisão Periódica Universal (RPU) ou do inglês Universal PeriodicReview (UPR) é hoje a grande inovação apresentada pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas no monitoramento do cumprimento pelos países das questões relativas aos direitos humanos. Através de uma análise periódica, uma vez a cada quatro anos, os 193 13 países-membros das Nações Unidas expõem através de um relatório o que vêm realizando em matéria de direitos humanos. As diretrizes temáticas que devem ser abordadas no relatório são escolhidas a partir de recomendações feitas pelos Grupos de Trabalhos e agentes de organizações civis, podendo estas recomendações serem ou não acatadas pelo Estado em revisão. Em princípio, a própria lógica comunicativa do mecanismo, que inclui além dos relatórios uma sessão de três horas de perguntas (a qual precede o relatório final com recomendações), deve constranger os Estados a evitar táticas de evasão de temas sensíveis ou sobre os quais, por algum motivo, prefeririam não se pronunciar. Acredita-se que este mecanismo possa empoderar grupos de direitos humanos locais e subsidiar decisões de ajuda humanitária e cooperação internacional, possivelmente influenciando nas relações diplomáticas entre os países em alguns casos. (IPEA, 2008, p. 227). Desta forma, o Conselho pretende acompanhar o desenvolvimento das medidas assumidas pelos países de proteção e promoção dos direitos humanos e resgatar a credibilidade do sistema ONU de defesa aos direitos humanos. 4.1 RESOLUÇÃO 60/251 E A CRIAÇÃO DA RPU Em 15 de março de 2006, a Assembleia Geral da ONU durante sua 72ª sessão instituiu a Resolução 60/251. Nesta resolução, a mesma que criou o Conselho, em seu item 5, “e”, foi previsto o mecanismo de Revisão Periódica Universal, que deverá: Com base em informações objetivas e confiáveis, por meio da observância, de cada Estado de suas obrigações e compromissos de direitos humanos de modo 13Quando o Conselho foi criado eram apenas 192 países, em 14 de julho de 2011, o Sudão do Sul tornou- se membro da ONU, o que alterou um pouco a logística do mecanismo de RPU, que antes operava em número par. Os novos instrumentos de proteção aos direitos humanos: o papel do Conselho de Direitos Humanos da ONU e o mecanismo de Revisão PeriódicaUniversal Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 202 que garanta a universalidade de cobertura e igualdade de tratamento em relação a todos os Estados; a revisão deve ser um mecanismo cooperativo, baseado em um diálogo interativo, com plena participação do país em causa e com a devida consideração às suas necessidades de capacitação; tal mecanismo deve complementar e não duplicar o trabalho dos órgãos de tratados; o Conselho deve desenvolver as modalidades e a atribuição de tempo necessária para o mecanismo de revisão periódica universal se desenvolver dentro de um ano após a realização de sua primeira sessão. (OHCHR, 2006a, p.3, tradução nossa). 14 Com vistas a analisar a situação de direitos humanos de forma igualitária entre os países, já que todos são avaliados dentro de um período de 4 anos, inclusive os países-membros do Conselho, o que se pretende é evitar a politização do sistema de defesa dos DH como ocorria na Comissão. Observa-se que o mecanismo RPU poderá vir a ser utilizado como uma ferramenta até mesmo para a escolha do país que irão compor o Conselho, o que atenderá ao critério qualitativo.“O UPR poderá apoiar a candidatura de um Estado, fornecendo provas de sua contribuição à proteção dos direitos humanos, e os Estados serão obrigados a passar pelo UPR durante seu período de membro.”. (SHORT, 2008, p. 182) O mecanismo RPU é cargo-chefe do recém-criado Conselho e por meio dele a ONU busca verificar onde e quais direitos estão sendo violados em cada país e a partir disto, criar para os mesmos a obrigação de desenvolver instrumentos de defesa, devendo para isto apresentar aos seus pares como solucionará a questão ou se já realizou, internamente, a criação de soluções. A responsabilidade criada por meio da RPU passa a ser não somente questão interna de cada Estado, mas a partir do momento em que outros países apresentam recomendações aquele que está sendo revisado se compromete também com estes países e com todo o mecanismo internacional de defesa dos DH. Já em sede de concretização da RPU, AntonioCisneros de Alencar (2010), responsável na Seção das Américas do ACNUDH em Genebra, sinaliza em sua obra, Cooperação entre Sistemas global e interamericano de Direitos Humanos no âmbito do mecanismo de Revisão Periódica Universal, que por meio da RPU seria possível ampliar a cooperação entre os sistemas global e regional de direitos humanos e diante 14e) Undertake a universal periodic review, based on objective and reliable information, of the fulfilment by each State of its human rights obligations and commitments in a manner which ensures universality of coverage and equal treatment with respect to all States; the review shall be a cooperative mechanism, based on an interactive dialogue, with the full involvement of the country concerned and with consideration given to its capacity-building needs; such a mechanism shall complement and not duplicate the work of treaty bodies; the Council shall develop the modalities and necessary time allocation for the universal periodic review mechanism within one year after the holding of its first session. Luana Mathias Souto Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 203 disto aponta, especificamente, o sistema interamericano quando de sua observação do primeiro ciclo (2008-2011): Pode-se verificar a consolidação de um precedente favorável a inclusão, nas próximas sessões da RPU, de dados do sistema interamericano entre as informações disponibilizadas aos Estados Membros da ONU, no caso da revisão de países americanos. Desta forma, aparentemente concretizou-se no caso do sistema interamericano a intenção dos Estados da ONU, expressa no momento em que se criou a RPU, de assegurar a participação de organismos regionais nesse processo; ao menos no que tange a informação disponível aos Estados para a revisão. (ALENCAR, 2010, p. 181). Todas as diretrizes traçadas pela Resolução 60/251 quando esta criou o mecanismo da RPU são bastante promissoras e pretendem alcançar a real efetividade dos direitos humanos em todos os países e para todos os povos, sem que haja ressalvas ou estratégias que desvirtuem suas finalidades. 4.2 RESOLUÇÃO 5/1 E AS DIRETRIZES APLICÁVEIS À RPU Para regulamentar o mecanismo de RPU, em 18 de junho de 2007, o Conselho aprovou a Resolução 5/1, que define as bases normativas da RPU, seus princípios e objetivos, a periodicidade e a ordem das revisões, os procedimentos e as modalidades de RPU e os resultados das revisões. Assim, a RPU deverá se pautar pelos seguintes documentos: (a) Carta das Nações Unidas; (b) Declaração Universal de Direitos Humanos; (c) Pactos e convenções de direitos humanos em que o país é signatário; (d) Compromissos voluntários assumidos pelo país, incluindo os firmados quando de sua candidatura ao Conselho e; 2. Adicionalmente, dado o caráter complementar e mutuamente inter- relacionado dos direitos humanos e do direito humanitário internacional, a revisão deverá analisar o direito humanitário internacional aplicável ao caso. (OHCHR, 2006b, p. 01-02, tradução nossa). 15 15 The basis of the review is: (a) The Charter of the United Nations; (b) The Universal Declaration of Human Rights; (c) Human rights instruments to which a State is party; (d) Voluntary pledges and commitments made by States, including those undertaken when presenting their candidatures for election to the Human Rights Council (hereinafter “the Council”). 2. In addition to the above and given the complementary and mutually interrelated nature Os novos instrumentos de proteção aos direitos humanos: o papel do Conselho de Direitos Humanos da ONU e o mecanismo de Revisão Periódica Universal Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 204 Os princípios norteadores da RPU, por sua vez, são: A promoção da universalidade, interdependência, indivisibilidade e inter- relação de todos os direitos humanos; seja um mecanismo de cooperação baseado em informações objetivas e confiáveis e no diálogo interativo; assegurar a cobertura universal e o tratamento igualitário a todos os Estados; seja um processo intergovernamental, membro das Nações Unidas – dirigido e ação – orientada; envolva totalmente o país sob revisão; complemente e não duplique outros mecanismos de direitos humanos, representando um valor adicional; seja conduzido com objetivo, transparência, não seletividade, construtivo, não conflituoso e de forma não política; não ser excessivamente oneroso para o Estado nem para a agenda do Conselho; não ser excessivamente longa, tendo que ser realista e não absorver um montante desproporcional de tempo e recursos humanos e financeiros; não implica na diminuição da capacidade do Conselho em responder situações urgentes de direitos humanos; plena integração da perspectiva de gênero; não causar prejuízos às obrigações contidas em elementos previstos nas bases da RPU, tendo em vista o nível de desenvolvimento e as especificidades dos países e; assegurar a participação de todas as partes interessadas, incluindo ONG’s e instituições nacionais sobre direitos humanos, de acordo com a Resolução 60/251 da Assembleia Geral da ONU de 15 de março de 2006 e Resolução 1996/31 do ECOSOC de 25 de julho de 1996, como também qualquer decisão tomada pelo Conselho neste sentido. (OHCHR, 2006b, p. 02, tradução nossa). 16 Porfim, a RPU deverá atender aos objetivos de: Melhoria da situação dos direitos humanos no país em análise; cumprimento das obrigações e compromissos assumidos por cada Estado em sede de direitos humanos e avaliação dos desenvolvimentos positivos e desafios de cada Estado; reforço à capacidade do Estado e assistência técnica, em consulta com, e com o consentimento do Estado em análise; o of international human rights law and international humanitarian law, the review shall take into account applicable international humanitarian law. 16 3. The universal periodic review should: (a) Promote the universality, interdependence, indivisibility and interrelatedness of all human rights; (b) Be a cooperative mechanism based on objective and reliable information and on interactive dialogue; (c) Ensure universal coverage and equal treatment of all States; (d) Be an intergovernmental process, United Nations Member-driven and action-oriented; (e) Fully involve the country under review; (f) Complement and not duplicate other human rights mechanisms, thus representing an added value; (g) Be conducted in an objective, transparent, non-selective, constructive, non-confrontational and non-politicized manner; (h) Not be overly burdensome to the concerned State or to the agenda of the Council; (i) Not be overly long; it should be realistic and not absorb a disproportionate amount of time, human and financial resources; (j) Not diminish the Council’s capacity to respond to urgent human rights situations; (k) Fully integrate a gender perspective; (l) Without prejudice to the obligations contained in the elements provided for in the basis of review, take into account the level of development and specificities of countries; (m) Ensure the participation of all relevant stakeholders, including non-governmental organizations and national human rights institutions, in accordance with General Assembly resolution 60/251 of 15 March 2006 and Economic and Social Council resolution 1996/31 of 25 July 1996, as well as any decisions that the Council may take in this regard. Luana Mathias Souto Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 205 compartilhamento da melhor prática entre os Estados e os outros agentes interessados; apoio à cooperação em promoção e proteção dos direitos humanos e; o encorajamento da plena cooperação e engajamento com o Conselho, outros órgãos de direitos humanos e o ACNUDH. (OHCHR, 2006b, p. 02-03, tradução nossa). 17 Ao preconizar que esses serão os princípios e os objetivos basilares do mecanismo de RPU, o Conselho intenta que haja por parte do Estado um real compromisso com a defesa aos direitos humanos em seu território e ao primar pela cooperação, demonstra que esta defesa não se trata de um ato isolado do Estado, mas sim, de que há no seio do próprio mecanismo a intenção de suporte e apoio tanto por seus pares quanto por outros órgãos de direitos humanos. 4.2.1 PERIODICIDADE E ORDEM DE REVISÃO Para que o mecanismo de RPU transcorra de forma a possibilitar que todos os 193 países sejam revisados, a Resolução 5/1 apresenta algumas regras de ordem e periodicidade a serem adotadas. Desta forma, A revisão somente se inicia após a aprovação pelo Conselho do mecanismo de RPU. A ordem de avaliação deverá refletir os princípios de universalidade e tratamento igualitário, devendo, para tanto, ser estabelecido o mais célere possível, a fim de permitir que os Estados se preparem adequadamente para a mesma. (OHCHR, 2006b,p. 03, tradução nossa). 18 Com o intuito de evitar a politização que era recorrente na Comissão, em que seus próprios membros não eram adequadamente repreendidos quando violadores de DH, o Conselho por meio desta resolução, dispõe que “todos os seus membros, incluindo também Estados observadores do Conselho deverão ser revisados durante o período de seu mandato, sendo os primeiros, preferencialmente, aqueles eleitos para um 17 4. The objectives of the review are: (a) The improvement of the human rights situation on the ground; (b) The fulfilment of the State’s human rights obligations and commitments and assessment of positive developments and challenges faced by the State; (c) The enhancement of the State’s capacity and of technical assistance, in consultation with, and with the consent of, the State concerned; (d) The sharing of best practice among States and other stakeholders; (e) Support for cooperation in the promotion and protection of human rights; (f) The encouragement of full cooperation and engagement with the Council, other humanrights bodiesand the Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights. 18 5. The review begins after the adoption of the universal periodic review mechanism by the Council. 6. The order of review should reflect the principles of universality and equal treatment. 7. The order of the review should be established as soon as possible in order to allow States to prepare adequately. Os novos instrumentos de proteção aos direitos humanos: o papel do Conselho de Direitos Humanos da ONU e o mecanismo de Revisão Periódica Universal Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 206 ou dois anos de mandato.”. (OHCHR, 2006b, p. 03, tradução nossa).19 Além destes critérios, Deverá ser respeitada a distribuição geográfica equitativa, de forma que o primeiro membro e/ou membro-observador a ser revisto será escolhido por meio de sorteio, a partir de cada grupo regional, de modo a assegurar o pleno respeito a esta distribuição geográfica. Seguir-se-á também a ordem alfabética, dentre os países selecionados, para escolha daquele que iniciará, a menos que outros países se voluntariem para serem revisados. (OHCHR, 2006b, p. 03, tradução nossa). 20 Em relação à periodicidade, entre os ciclos de revisão, esta deverá atender à razoabilidade, considerando a capacidade dos Estados de se prepararem para a RPU e a capacidade das demais partes interessadas para responderem as recomendações colocadas em revisão. A cada ciclo, a periodicidade das revisões será de 04 anos, o que implicará na observação de, aproximadamente, 48 Estados por ano, comportando 03 sessões de Grupos de Trabalho de duas semanas cada. (OHCHR, 2006b, p. 03). Quanto a este critério de periodicidade, Katherine Short (2008) apresenta a seguinte reflexão: O UPR vai examinar 48 países por ano, o que talvez seja demais para permitir o exame minucioso necessário para cada Estado, mas que irá assegurar que todos os Estados sejam regularmente revisados. Três horas serão reservadas para a revisão de cada Estado, independentemente do Estado ter um bom histórico de direitos humanos ou do tamanho de seu território e população. Enquanto isso mantém igualdade entre Estados-membros, falha em considerar o fato de que Estados com históricos de direitos humanos delicados precisam ser examinados mais de perto. (SHORT, 2008, p. 180). Após a escolha de um país para ser submetido à RPU, em cada ciclo, serão elaborados três documentos: relatório oficial do Estado sob revisão, relatório elaborado pelo ACNUDH e um resumo com informações adicionais prestadas por agentes interessados, devendo serem entregues seis semanas antes da revisão para que assim, sejam distribuídos nas seis línguas oficiais das Nações Unidas.Estes documentos serão considerados durante a revisão, quando em Genebra será realizada uma sessão denominada Diálogo Interativo, em que o Estado em revisão apresentará, oralmente, seu 19 8. All member States of the Council shall be reviewed during their term of membership. 9. The initial members of the Council, especially those elected for one or two-year terms, should be reviewed first. 20 10. A mix of member and observer States of the Council should be reviewed. 11. Equitable geographic distribution should be respected in the selection of countries for review. 12. The first member and observer States to be reviewed will be chosen by the drawing of lots from each Regional Group in such a way as to ensure full respect for equitable geographic distribution. Alphabetical order will then be applied beginning with those countries thus selected, unless other countries volunteer to be reviewed. Luana Mathias Souto Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 207 relatório oficial e responderá às perguntas submetidas pelos membros do Conselho que desejarem se manifestar. Ao final deste diálogo, o país sob revisão receberá recomendações dos membros do Conselho e membros-observadores. Todas as manifestações articuladas durante o Diálogo Interativo são compiladas em um relatório final, que conterá as recomendações feitas pelo Conselho. Por último, competirá ao país sob revisão implementar, em âmbito interno, as recomendações por ele aceitas durante a revisão. (OHCHR, 2006b, p.03). 4.2.2 DESENVOLVIMENTO DA REVISÃO A Resolução 5/1 ainda estabelece as diretrizes a serem adotadas na elaboração de cada documento que estruturam todo o mecanismo de RPU. Desta forma, o relatório nacional desenvolvido pelo Estado sob revisão deverá ser limitado a 20 páginas e apresentará a atuação do país na promoção dos DH. Já os relatórios preparados pelo ACNUDH deverão ser limitados a 10 páginas cada um, o primeiro conterá informações de tratados, procedimentos especiais, bem como comentários do Estado em observação e demais documentos oficiais da ONU pertinentes e, o segundo, por sua vez, será um resumo, que conterá informações adicionais fornecidas por agentes interessados na RPU. (OHCHR, 2006b). O mecanismo não se exaure na apresentação do relatório pelo Estado ao conselho; compreende, igualmente, relatórios das organizações da sociedade civil e relatório do escritório do alto-comissário para os Direitos Humanos das Nações Unidas, este último elaborado com base em relatórios para os comitês de tratados, recomendações de relatores especiais e outras fontes da ONU. Ao final do exercício, os três conjuntos de relatórios são consolidados e dão origem a um texto que traduz o estágio de implementação das obrigações de direitos humanos até o próximo exercício. Essa consolidação fica a cargo de três relatores — a chamada Troika—, selecionados por sorteio entre os membros do conselho. Os relatores têm de pertencer, obrigatoriamente, a diferentes grupos regionais. (MENEZES, 2011, p. 81-82). Durante a revisão, é formado “um Grupo de Trabalho que é presidido pelo Presidente do Conselho e composto por 47 Estados-membros, que decidirão sobre a composição de sua delegação.”. (OHCHR, 2006b, p. 04, tradução nossa) 21. Também é facultada a participação dos Estados observadores e outras partes interessadas durante a 21 18. The modalities of the review shall be as follows: (a) The review will be conducted in one working group, chaired by the President of the Council and composed of the 47 member States of the Council. Each member State will decide on the composition of its delegation; Os novos instrumentos de proteção aos direitos humanos: o papel do Conselho de Direitos Humanos da ONU e o mecanismo de Revisão Periódica Universal Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 208 revisão. A cada revisão é formado um grupo de três relatores, denominados Troika, escolhidos por meio de sorteio dentre os membros do Conselho e que sejam oriundos de grupos regionais diversos, “isso induz confiabilidade no órgão, garantindo que nenhum bloco regional de Estados recorra ao processo de revisão como forma de defesa contra possíveis críticas.”. (SHORT, 2008, p. 181). Entretanto, não obsta que o país sob revisão solicite que um dos relatores seja de seu próprio grupo regional ou que um relator peça dispensa, nem mesmo que haja a substituição de um dos relatores, o que ocorrerá apenas uma vez. Competirá à Troika formada viabilizar a revisão e preparar o relatório final do Grupo de Trabalho, podendo para tanto solicitar auxílio e apoio técnico do ACNUDH. (OHCHR, 2006b, p. 04). Estabelecida a Troika, ocorrerá o Diálogo Interativo, dentro do Grupo de Trabalho, entre o país em revisão e os membros do Conselho. Neste espaço denominado Diálogo Interativo, durante três horas são suscitadas questões relativas aos DH no Estado submetido à RPU, de forma oral, transparente e equânime. Em tempo adicional de até uma hora, o plenário do Conselho tecerá suas considerações e, em seguida, trinta minutos serão reservados à aprovação do relatório de cada país analisado, sendo o resultado final aprovado pelo plenário do Conselho. (OHCHR, 2006b). O resultado final deverá ser expresso em um relatório que conterá uma compilação dos trabalhos apresentados durante a revisão, de forma objetiva e transparente da situação dos DH no país em análise, incluindo seus aspectos positivos e desafios; as conclusões emanadas no decorrer do Diálogo Interativo e as recomendações feitas e aquelas que foram aceitas pelo país sob revisão e seus compromissos voluntários. (OHCHR, 2006b). Em todo o decorrer de elaboração do relatório final, o país sob análise deve estar envolvido, de forma a ter a oportunidade de, antes da divulgação do resultado pelo plenário do Conselho, apresentar respostas às questões que não foram devidamente tratadas durante seu diálogo. Da mesma forma é concedido aos Estados-membros, Estados observadores e agentes interessados, a oportunidade de expressar suas opiniões.(OHCHR, 2006b). Observa-se, diante disto, o manifesto objetivo de cooperação que este mecanismo pretende traduzir, de forma a tornar possível a efetivação por parte do Estado em análise de promoção dos DH, afastando qualquer Luana Mathias Souto Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.182-222. 209 ideal que esteja distante daquilo que o país pode, realmente, se comprometer a cumprir. Assim, os quatro documentos elaborados (do Estado, da sociedade civil, do sistema ONU e do Conselho de Direitos Humanos) se refere à atual situação quanto no que tange aos avanços passados e aos desafios futuros. (IPEA, 2008, p. 227). Em conclusão, é apresentado o resultado final da RPU, com as recomendações que deverão ser implementadas pelo país em análise e, conforme o caso, por outras partes interessadas. Em continuidade, durante o 2º ciclo, a revisão deverá centrar-se na aplicação das recomendações apresentadas neste primeiro ciclo. Para além destes esforços competirá: à comunidade internacional o suporte na implementação das recomendações e ao Conselho manter uma agenda permanente dedicada ao mecanismo de RPU; analisar os resultados da RPU, observando se há necessidade de um acompanhamento específico e; expor os casos persistentes de não cooperação, por parte de um Estado com o mecanismo.
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