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Nascimento e Crise da Racionalidade Moderna

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Constituição, crise e superação da racionalidade moderna a partir da 
filosofia da libertação de Enrique Dussel 
 
Hugo Allan Matos1 
Resumo 
 
Este texto mostrará uma forma de como se constituiu a racionalidade moderna, o 
motivo de sua crise atual e uma possibilidade e necessidade de novas formas de 
pensamentos. 
 
Palavras-chave: modernidade, totalidade, outro, alteridade. 
 
Resumen: 
 
En este texto voy plantear una forma de cómo surge la racionalidad moderna, el motivo 
de su crisis y una posibilidad y necesidad de nuevas formas de pensamiento. 
 
Palabras-clave: modernidad, totalidad, outro, alteridad. 
 
Introdução 
 
Em nossa vida cotidiana, não nos questionamos sobre o sentido das coisas, 
apenas vivemos de forma não crítica, cumprindo tarefas, sem querermos maiores 
explicações sobre cada coisa que fazemos. Nascemos em um local, em uma classe 
social, em condições dadas e vivemos a partir delas. O mundo da vida2 é a origem de 
qualquer pensamento possível. Contrariando a máxima cartesiana: penso, logo existo, 
 
1
 Graduado em Filosofia, mestrando em educação, Pós-graduando em Filosofia e História 
Contemporânea.Blog pessoal: HTTP://hamatos.wordpress.com , email para contato: 
hugo.allan@gmail.com. 
*Artigo realizado para a conclusão da disciplina Fundamentos e crise do pensamento moderno do curso 
de pós-graduação em filosofia e história contemporânea da Universidade Metodista de São Paulo. 
2
 Lebenswelt enunciado principalmente por Edmund Husserl e Heidegger. 
qual iremos refletir com mais cuidado, Husserl diz que primeiro existimos e nosso 
pensamento parte de nossa existência e não o contrário. 
 Uma leitura racional da história criou o mito da modernidade. Que é, portanto, 
um paradigma3 criado e não um acontecimento natural, ou desenvolvimento histórico 
como se acostumou ensinar nas escolas inclusive de nossa América Latina. 
 Em poucas linhas expressarei como Enrique Dussel mostra que foi constituído 
este mito, o motivo de sua crise e um caminho para a superação da crise da 
racionalidade moderna. 
 
Um Mito: a modernidade 
 
 Em meu trabalho de conclusão de curso trouxe uma tradução inédita ao 
português da obra que considero4 a melhor para uma introdução ao pensamento de 
Dussel. Una Introduccion a la Filosofia de la Liberacción Latinoamericana, que na 
verdade foram seis conferências ditadas num congresso em Córdoba, no ano de 1972. 
Neste trabalho está explícito de forma simples como o filósofo concebe a constituição 
da modernidade. 
Aqui, trarei apenas algumas características que mostram que a modernidade, 
enquanto paradigma mundial é um mito, uma falácia. Significa dizer que a 
racionalidade moderna, que se impõe como mundial, não é. Pois justamente por ter que 
impor-se como tal, desrespeitando a diversidade cultural e racional de outros povos e 
culturas, esta só é legítima em solos europeus e estadunidenses, ainda com ressalvas, 
mesmo nestes locais. 
A partir de uma leitura da América Latina, dela mesma, ou seja, de pensar a 
partir do mundo da vida5, Enrique Dussel, aponta que o mundo está dividido em centros 
e periferias6 e que a partir de 1492, com a chegada acidental à América é que a Europa 
começa a configurar-se como centro do mundo. Pela primeira vez na história, existe a 
tentativa de apenas um centro que se impõe enquanto tal para o mundo todo. Daqui sai a 
idéia e possibilidade teórica de um império. 
Mas para impor-se como único centro do mundo, primeiro os europeus tiveram 
que convencer-se internamente disso. 
 
3
 Conceito de Thomas Kuhn. 
4
 E Enrique Dussel me disse recentemente que também considera esta obra como a melhor para 
introdução ao seu pensamento, ainda hoje, em 2010, pelos mesmos motivos que espûs na mesma. 
5
 Uma alternativa seria pensar problemas de outros lugares, tal como fazem muitos pensadores latino-
americanos hoje, alienando o conhecimento e legitimando a dominação cultural que se impõe à nosso e 
outros continentes tidos como sub-desenvolvidos. 
6
 Principal conceito da teoria sociológica da dependência. 
Em sua obra Ética da Libertação: na idade da globalização e da exclusão, 
Dussel nos mostra exemplos de como isso ocorreu: 
 Dentre vários autores, como Weber, Descartes, Kant e até críticos ao 
pensamento da época como Marx, Fuerbach e Nietzsche, nos chamou a atenção a 
seguinte citação, que mostra bem o auge da constituição do pensamento moderno: 
 
O Espírito germânico é o espírito do novo Mundo, cujo fim é a 
realização da Verdade absoluta (der absoluten Wahrheit), como 
autodeterminação (Selbsbestimmung) infinita da liberdade, que tem 
por conteúdo sua própria forma absoluta (die ihre absolute Form 
selbst).7 
 
 A palavra autodeterminação, para Dussel, mostra bem o Espírito germânico e 
europeu. O pensar ter se constituído como tal, sem dever nada a ninguém. Pensar a 
História Antiga como antecedente, a Idade Média como preparatória e a Idade Moderna 
como a Europa centro do mundo e fim da história é “uma organização ideológica e 
deformante da história”8. 
 O que permite esta leitura? 
 Dussel nos mostra que ainda para Habermas, um filósofo contemporâneo 
europeu, a modernidade se constitui assim: 
 
...tiene un <<movimiento>> de Sur a Norte, de Este a Oeste de Europa 
del siglo XV al XVII que es aproximadamente el seguinte: a) del 
Renacimiento italiano del Cuattrocento (no considerado por Toulmin), 
b) la Reforma luterana alemana, y c) la Revolución científica del siglo 
XVII se culmina em d) la Revolución política burguesa inglesa, 
norteamericana o francesa. Obsérvese la curva del processo: de Itália, 
a Alemania, a Francia hacia Inglaterra y Estados Unidos9. 
 
 A filosofia teve papel fundamental neste autoconvencimento de que eram o 
centro do mundo e fim da história. A instituição de um ethos de conquista e soberania 
foi necessário para conquistar e subsumir outros povos e culturas. 
 Descartes, tido como o primeiro filósofo moderno, que na verdade, se inspirou 
em um lógico mexicano: Antonio Rubio, em Francisco Suárez, em Agostinho de 
 
7
 Dussel, 2002 apud HEGEL, G.W.F. Werke in zwanzig Bänden. Theorie Werkausgabe, Suhrkamp, 
Frankfurt, 1971, tomo 12, p.413. 
8
 Dussel, 2002, p.51. 
9
 Dussel , 2008, p. 156, referindo-se à Habermas, Jurgen.El discurso filosófico de la modernidad. 
Taurus: Buenos Aires, 1989.p.15. 
Hipona, Aristóteles... Apesar de não assumir tais inspirações. Ainda que apenas fruto de 
discussões presentes em sua época e pensamentos anteriores, por uma série de questões, 
sobretudo a de ser europeu, ganhou autoria de suas idéias e seu princípio cogito ergo 
sun, é o princípio fundante do pensamento moderno. O paradigma do ego individual 
moderno, diz Dussel. 
 Pensar a si mesma como fundamento de toda a realidade permitiu a Europa a 
autoconfiança necessária para se crer como centro do mundo e com legitimidade para 
impor-se. O Penso, logo existo é uma retomada do A=A e não pode ser B de Aristóteles, 
numa dimensão gnoseológica. Este penso é a identidade do ser humano europeu, 
branco, masculino, ocidental. 
 Os esforços sem medida que Descartes teve para separar corpo e alma, não 
foram por acaso, na visão de Dussel. É importante dizer isso aqui, pois muitos, em 
defesa do filósofo moderno, dizem que seu problema era apenas gnoseológico e não 
antropológico. Se realmente assim, o fosse, para Dussel, não importa, pois a 
responsabilidade seria a mesma. Porque Descartes fez antropologia, falou da 
constituição do corpo, da alma e da carne. E se assim o fez, apenas para chegar a uma 
teoria gnoseológica, tem tanta responsabilidade, quanto se tvesseestudado ou dialogado 
com antropólogos da época. Pois todo pensamento filosófico só é legítimo se parte da 
antropologia, para Dussel10. 
 Antes disseo, Carlos V, promoveu uma disputa em Valladolid em 1550, para 
tranqüilizar-se do estatuto ontológico dos índios, pois eram bárbaros diferentes aos da 
Grecia, China, ou muçulmanos. Estes, Montaigne11 já havia definido como canibais12. 
Eram bárbaros por não agirem conforme os padrões racionais modernos. Para os índios, 
recém encontrados, ponderou as ideis de Ginés Sepúlveda: 
 
Será siempre justo y conforme al derecho natural que tales gentes 
[bárbaras] se sometan al império de príncipes y naciones más cultas y 
humanas, para que por su virtudes y por la prudência de sus leyes, 
depongan la barbárie y reduzcan a vida más humana y al culto de la 
virtud13. 
 
 Dussel chama a atenção de que Sepúlveda apenas faz uma releitura de 
Aristóteles, para tecer tais afirmações. Mas agora a gravidade é bem maior, pois querem 
 
10
 DUSSEL,1968,p.4. 
11
 DUSSEL,2008,p.164 apud MONTAIGNE, Michel de. Oeuvres completes. Paris: Gallimard-
Pléiade,1967,p.208. 
12
 Caribe e canibal era a mesma coisa, pois os tainos das Antillas não pronunciavam a letra r. 
cf.Dussel,2008, p.166. 
13
 DUSSEL,208,p.166 apud SEPÚLVEDA, Ginés de. Tratado sbre lãs justas causas de lãs guerras contra 
los índios. México: DF: FCE,1951,p.251. 
validade mundial para elas. Ouçamos mais um pouco do que nos diz o iluminado 
filósofo moderno: 
 
...Y si rechazan tal império se lês puede imponer por médio de lãs 
armas, y tal guerra será justa según el derecho natural lo declara [...] 
Em suma: es justo, conveniente y conforme a la ley natural que los 
varones probos, inteligentes, virtuosos y humanos dominem sobre 
todos los que no tienem estas cualidades14 
 
 Com estes e muitos outros pensamentos semelhantes, que a Europa se 
convenceu de que era legítima a conquista, extermínio, subsunção de povos que não 
pensavam como eles (e muitos acreditam nessa legitimidade ainda hoje). 
 Este é o princípio que Dussel chama de Ego Conquiro, que apenas tem como 
consequência imediata do ego cogito cartesiano. O interessante são os motivos pelos 
quais as civilizações aztecas e incas são consideradas por Sepúlveda, como não 
humanas, incivilizadas: a propriedade privada. O principal motivo que legitima a 
subsunção destes povos é que não possuem nada. Não olharam suas construções, a 
complexidade da organização destes povos, a distribuição de terras, de posses por igual.. 
Sepúlveda diz: 
 
Pero mira cuánto se engañan y cuánto disiento yo de semejante 
opinión, viendo al contrario em esas instituciones [aztecas o incas] 
uma prueba de la barbárie ruda e innata servidumbre de estos 
hombres [...] Tienen [ciertamente] um modo institucional de 
república, pero nadie posee cosa alguna como propia15, ni uma 
casa, ni um campo de que pueda disponer ni dejar em 
testamento a sus herederos [...] sujetos a la voluntad y capricho 
[de sus señores] que no a su liberdad [...]. Todo esto [...] es señal 
ciertísima del ánimo de siervos y sumiso de estos bárbaros16. 
 
 Assim, Dussel vai mostrando várias influencias que sofreu Descartes e o 
contexto em que estava situado que lhe influenciou a pensar o que pensou. Desta forma 
que se compôs o pensamento moderno, bem anterior a Descartes, mas que criou base 
para que este pensasse o que pensasse e que depois a modernidade o assumisse como 
seu primeiro filósofo. 
 
14
 Ibdem,p.87. 
15
 Nota de Dussel: Adelantándose a J. Locke o Hegel, pone la propriedad privada como condición de 
humanidad. 
16
 DUSSEL,208,p.167 apud SEPÚLVEDA, Ginés de. Tratado sbre lãs justas causas de lãs guerras contra 
los índios. México: DF: FCE,1951,p.110-111.. 
 Mostrei um pouco de como a Europa convenceu-se de que era o centro do 
mundo. Rapidamente agora, mostrarei como ela conseguiu efetivar-se como tal aos 
outros povos e culturas. Uma vez que este assunto está frequentemente em voga, não me 
aterei em detalhes, mas mostrarei algumas principais características e a tese principal de 
Dussel sobre qual a condição material que deu origem à modernidade. 
 Lembremos que antes de 1492, a posição política da Europa era de periferia do 
sistema regional anterior, que Dussel chama de sistema inter-regional III que iniciou no 
séc. IV d.c., foi até 1492 e estava assim organizado: 
 Os centros de conexões comerciais eram a região persa, Turan-tarim e mundo 
muçulmano. O centro produtivo era a Índia, no extremo oriental, a China, no sul-
ocidental a África bantu, no Ocidental o mundo bizantino-russo e no extremo oeste a 
Europa ocidental. Dussel chama este período de Asiático-afro-mediterrâneo. Foi neste 
mundo que surgiu a filosofia pós-grega. 
 Portanto, a Europa ocidental era apenas um dos centros, o de menor importância, 
que estava situada no extremo oeste do centro principal. A Espanha não podia ir até o 
centro para o oriente, pois Portugal havia antecipado-se e tinha exclusividade neste 
caminho. Por isso, para chegar ao centro, a Espanha tinha que ir pelo Oceano Atlântico, 
onde acidentalmente, chegaram à Ameríndia, sem querer, pensando que estavam na 
Índia. E por isso o nome de índios aos povos americanos. Colombo morreu sem 
conseguir compreender que havia chego em algo novo. Foi só em 1503 que Américo 
Vespúcio foi o primeiro moderno, quem primeiro entendeu o que estava ocorrendo. 
 É este acontecimento que permite materialmente que a Europa se imponha como 
centro, pois aqui, na então Ameríndia, foi onde encontraram riquezas e mão de obra 
escrava (inicial, pois depois têm os africanos, imigrantes das outras periferias) o 
suficiente para se desenvolverem. A Europa só é centro do mundo, porque roubou as 
riquezas da Ameríndia. 
 Mas é a Europa como um todo, que é e se constitui como gestora do sistema 
mundo? Para Dussel não. Pois, para ele a modernidade pode ser dividida em duas 
etapas17: 
 Uma modernidade hispânica, humanista, renascentista, ligada ao sistema inter 
regional da cristandade mediterrânea e muçulmana, que pensa a gestão de sua periferia 
descoberta por um processo complexo de cultura, língua, presença demográfica, 
modificação ecológica, etc. Daí o processo evangelizador que a ameríndia sofrerá. 
 Outra modernidade é a do centro da Europa, iniciada por Amsterdã em Flanders. 
A de conceber toda a Europa como moderna, como gestora e centro do sistema mundo, 
desconsiderando toda a diversidade cultural existente em seus países. Esta falácia 
reducionista interna modifica todo o mundo da vida, de milhares de europeus. A 
primeira modernidade interrogou-se sobre a legitimidade da subsunção dos povos recém 
 
17
 DUSSEL, 2002,p.59-67. 
descobertos. A segunda modernidade executou o projeto do Eurocentrismo, sem 
escrúpulos. 
 Esta execução promoveu nada menos que: 
 
 A “racionalização” da vida política (burocratização), da empresa 
capitalista (administração), da vida cotidiana (ascetismo calvinista ou 
puritano), a descorporalização da subjetividade (com seus efeitos 
alienantes tanto do trabalho vivo – criticado por Marx -, como em suas 
pulsões – analisado por Freud), a não eticidade de toda a gestão 
econômica ou política ( entendida só como engenharia técnica), a 
supressão da razão prático-comunicativa substituída pela razão 
instrumental, a individualidade solipsista que nega a comunidade, etc., 
(...) Capitalismo, liberalismo, dualismo (sem valorizar a 
corporalidade), instrumentalismo (o tecnologismo da razão 
instrumental), etc. são efeitos do manejo desta função que coube à 
Europa como “centro” do sistema-mundo. Efeitos que se tornam 
sistemas, que terminam se totalizando.A vida humana, a qualidade 
por excelência, foi imolada à quantidade. O capitalismo, mediação de 
exploração e acumulação (efeito do sistema-mundo), depois se 
transforma num sistema formal, independente que, desde sua própria 
lógica auto-referencial e autopoiética, pode destruir a vida humana em 
todo o planeta18. 
 
O desencobrimento do Outro: crise moderna 
 
 Seguindo a mesma lógica que empreendi para mostrar a constituição da 
modernidade, aqui expressarei a emergencialidade da superação da modernidade e sua 
crise. 
 A modernidade constituiu-se encobrindo o outro. Convencendo-se de que os 
seres encontrados na Ameríndia não eram seres humanos, como os europeus, assim, sua 
subsunção e aniquilação era legítima. O encobrimento do Outro é o que permitiu que a 
Europa se configurasse como centro do sistema mundo, que iniciou em 1492. É 
importante ressaltar, que encobriram inclusive sua alteridade interna, toda a diversidade 
cultural européia foi encoberta e resumida à gestores do novo mundo. 
 Esta violência interna foi bem diferente da praticada contra os povos da 
Ameríndia. Poderia aqui dar diversos exemplos de narrativas do contato originária, da 
tamanha barbárie e truculência que cometeram os europeus, racionais, brancos e cristãos 
ao chegarem em nossas terras. Bartolomé de las Casas ou o Inca Garcilaso de la Vega, 
narram com maestria muitos relatos assim. Como agora, é necessário que reflitamos 
 
18
 DUSSEL, 2002, p.63. 
sobre os motivos da crise da modernidade, é essencial que o façamos tendo essa 
violência em mente, para isso, permita-me mais duas citações: 
 
...Luego que los conocieron [a las ovejas, a los indios], como lobos e 
tigres y leones crudelísimos de muchos días hambrientos, se arrojaron 
sobre ellos. Y otra cosa no han hecho de cuarenta años [hoy 
deberíamos decir: de quinientos años] a esta parte, hasta hoy, e hoy en 
este día lo hacen, sino despedazarlas, matarlas, angustiarlas, afligirlas, 
atormentarlas y destruirlas por las extrañas y nuevas y varias e nunca 
otras tales vistas ni leídas ni oídas maneras de crueldad...19 
 
Esta é uma citação de Bartolomé de las Casas, que Dussel expõe em 1992 como o 
mesmo sentimento que os índios ainda têm hoje, pois em ocasião dos 500 anos de 
evangelização no México, os índios escreveram: 
 
Hemos sido engañados de que el descubrimiento fue Bueno. El día de 
la raza? (denominación de las fiestas del 12 de Octubre), nos 
alegramos ahora cuando tenemos claras las consecuencias. Sería 
Bueno que las comunidades recibieran angún libro o folleto de lo que 
realmente fue. Para que todos sepamos por qué estamos esclavizados”. 
“no necesitamos (el 12 de Octubre) ninguna fiesta, pues estamos em 
um velório. Se comento que el Papa Juan Pablo II habría pedido este 
novenario para hacer la celebración, a lo que se contesto obervando 
que él puede escuchar nuestra palabra. El papa está puesto para servir 
a la Iglesia y nosotros somos Iglesia. Hoy la conquista sigue. Que em 
nuestra conclusión quede la conquista como algo terrible, como um 
día de luto. No queremos celebrar uma fiesta si los misioneros 
llegaron com los españoles a conquistar. No vinieron como hermanos, 
como dice el Evangelho, sino para esclavizarnos. Sentimos tristeza20. 
 
Para falar da crise da modernidade, é necessário antes, retomarmos, o 
significado de crise. Krineîn em grego significa separar. A crise é quando se separa da 
cotidianidade, do mundo da vida e se põe a pensá-lo. Krisis é o juízo. Crise é portanto 
separar-se da cotidianidade, pensá-la (transcendê-la, portanto) e emitir um juízo sobre 
ela. Processo de ruptura. 
A modernidade está posta. Impõe-se diariamente como o centro do mundo. 
Ainda hoje aniquilando e destruindo culturas e pessoas. Mas, quando um povo indígena 
 
19 DUSSEL,1994,p.152 apud CASAS, Bartolomé de las. Brevíssima relación de la destrucción de 
las Indias. BAE, Madrid, 1957, t.V.p.137. 
20
 DUSSEl, 1994, p. 152 apud 500 años de evangelización em México, CENAMI, México, 1987, p.27. 
se reúne, organiza e chega ao consenso de que a modernidade não é o que diz, a pôs em 
crise. Por todo o mundo grupos de pessoas não reconhecem a modernidade como 
legítima. Estão organizando-se e clamando o direito de serem quem são e não submeter-
se ao ethos moderno. Vagarosamente, estamos percebendo que é contraditório este 
paradigma. 
Percebamos que esta crise, é diferente da crise percebida por Heidegger ou 
Nietzsche. Que é apenas a crise interna européia. Esta a qual me refiro (com Dussel) é 
mais grave. Os pós-modernos, não conseguem superar o eurocentrismo, alguns afirmam 
que a modernidade deve terminar seu processo de expansão, de forma racional, pois a 
forma racional européia é superior (Habermas, por exemplo), outros negam totalmente a 
modernidade sem apontar saídas, Nietzsche e Heidegger, por exemplo. Há diversidades 
como Lévinas ou Marx, que ainda não superam a modernidade. 
A modernidade é maligna ao promover, sobretudo, a legitimidade da morte dos 
que são distintos aos do centro. Enrique Dussel assume como projeto de sua filosofia 
justamente a crítica ética do sistema vigente: a partir da negatividade das vítimas21. Ou 
seja, é sair da cotidianidade (mundo da vida) da negação da corporalidade (leiblichkeit) 
das vítimas, denunciar esta negação e apontar caminhos de superação. 
 Fica claro na consciência do povo oprimido, aqui retratada na consciência 
indígena do México, que os povos da América Latina estão reconhecendo-se como 
outros, como diferentes, detentores de culturas próprias e que não devem submeter-se à 
cultura eurocêntrica. 
 A formação da consciência ético-crítica é que põe a modernidade em crise. E 
pôs a alguns desde o momento da chegada na Ameríndia, sendo que a modernidade, 
desta forma, já começa em crise. Pois são constatadas desde ali questionamentos sobre a 
legitimidade do que estavam fazendo. 
 Mas de forma paradigmática na constituição de um sistema verdadeiramente 
mundial e não eurocêntrico, é necessário que se reconheça a maldade como morte, 
como negação da corporalidade de bilhões de pessoas. Maldade esta, não natural como 
disseram alguns pensadores, mas é a impossibilidade de perfeição, que causa a 
tendência à totalidade. É a possibilidade do erro entre dois extremos inalcansáveis: o 
conhecimento e a pulsão perfeitos e a negação clara da vida (impossível éticamente). 
 O ocultamento deste mal é a fetichização do sistema vigente. A crítica contra 
este fetichismo é a descoberta da não verdade e legitimidade deste sistema, se feita a 
partir das vítimas. 
 O desencobrimento do Outro, se dá justamente quando este rompe o silêncio 
fetichizado, denunciando este mal: 
 
21
 DUSSEL, 2002, p.313. 
O desvelamento desse “fundamento (Grund)” (que funda a morte das 
vítimas) é a manifestação do ser. A ética critica essa ontologia com 
Lévinas. Marx critica o valor que se valoriza, como crítica da 
economia capitalista. É o trabalho da crítica como um momento da 
luta pela vida. O abstinar-se em legitimar (racional e pulsionalmente) 
o cumprimento tradicional do sistema (o “bem”, os valores [Scheler], 
as leis [Kelsen], as virtudes [MacIntyre], etc.) que produz vítimas, 
transforma o bem no “mal absoluto” (indicado por Adorno), como 
efeito do próprio acionar humano possibilitado por sua finitude, mas 
realizado por sua totalização. É o processo de divinização fetichista do 
sistema inicialmente indicado por Fuerbach. O re-conhecer re-
sponsavelmente a vítima como sujeito autônomo em sua corporalidade 
sofredora, como outro que o sistema, subverte o “mal” e possibilita 
como futuro o processo de libertação22. 
 
Possibilidadede superação: alteridade 
 
 À guisa de conclusão, serei breve indicando apenas os resultados recentes que 
Dussel aponta como caminhos para libertação e superação da modernidade. Nos 
parágrafos acima já dei indícios desta superação que é metodológica e de conteúdo. É 
filosófica e material, constituindo um novo tipo de racionalidade. 
 As vítimas, ao negarem sua dominação, fazem o novo histórico. Sempre foi 
assim e sempre será. Os filósofos pós-modernos, como eurocêntricos, negam o sujeito 
completamente, se opondo ao indivíduo moderno. Mas Dussel, propõe uma outra 
concepção antropológica: 
 
Ante os pós-modernos, que em sua crítica do “sujeito moderno” 
ultrapassam o “limite” e pretendem negar todo sujeito (o que deixa as 
vítimas sem possibilidade de organização intersubjetiva estratégica ou 
tática) e, além disso, o tornam incomensurável (de maneira que o 
dominador já não deve prestar conta a ninguém de sua dominação, 
nem pode ser recriminado ético-racionalmente por argumentação 
alguma), afirmamos, por nossa vez, a necessidade de reconhecer 
concreta e positivamente o sujeito ético vivente e comunitário; com 
maior razão é necessário reconhecê-lo como sujeito quando irrompe 
como as vítimas de um sistema auto-re-ferencial que as nega (material 
e formalmente); reconhecimento histórico e social da diversidade 
intersubjetiva de comunidades sócio-históricas, especialmente das 
vítimas, quando descobrem e lutam por seus novos direitos; 
diversidade que não nega a universalidade da razão material e 
discursiva, mas que a concretiza, enriquece, descobrindo os diversos e 
invisíveis “rostos” do outro, os quais é necessário saber articular 
“transversalmente” em sua natureza alterativa (o que, há anos, temos 
denominado de momento analético do método dialético, que parte da 
 
22
Ibid. p.377-378. 
possibilidade “dis-tinta”, a diversidade alterativa, para encontrar a 
universalidade na profundidade de cada diversidade, na qual se reflete 
a particularidade da alteridade dos outros sujeitos sócio-históricos).23 
 
 Percebamos que esta concepção antropológica é política e ética. A meu ver, toda 
a produção teórica de Enrique Dussel, inclusive a atual, pode ser considerada como 
introdução à filosofia, antropologia filosófica, portanto, como já enunciamos. É o 
fundamento de uma nova forma de pensar, que supera a moderna. A transmodernidade, 
é necessária para um convencimento mundial de que só continuará existindo a 
humanidade se a alteridade for respeitada. 
 E a partir desta concepção, novas teorias de conhecimento (gnoseologia), 
estéticas, éticas, políticas, economias, etc... poderão ser pensadas. 
 
Referências: 
 
DUSSEL, Enrique D. Hipotesis para el Estudio de La Latinoamerica em La 
Historia Universal. 1966. 
_________________. Lecciones de Introducción a la Filosofia de Antropología 
Filosofica. Inédito e inconcluso.Mendoza, 1968. 
_________________. Historia de La Filosofia Latinoamericana y Filosofia de La 
Liberacion. Editorial Nueva America. Bogotá, 1994-I. 
_________________. 1492: El Encubrimiento del Otro: hacia el origen del “mito de 
la modernidad. Plural Editores. La Paz, 1994. 
_________________. Filosofía de La Liberación. 4ª Ed. Nueva América. Bogotá, 
1996. 
_________________. Ética da Libertação: na Idade da Globalização e da Exclusão. 
Vozes, 2002. 
Todas as obras e artigo acima estão acessíveis no endereço eletrônico: 
http://www.ifil.org/dussel/. Útimo acesso: 04/2010. 
DUSSEL, Enrique D. Meditaciones Anti-cartesianas. Sobre el origen del anti-
discurso filosófico de la modernidad. Revista Tabula Rasa, nº9, p.153-197. Bogotá, 
2008. 
 
23
 Ibid,p.567-568. 
MATOS, H. A. Uma introdução à Filosofia da Libertação Latino-americana de 
Enrique Dussel. Trabalho de Conclusão de Curso da graduação em Filosofia, 2008. 
Acessível em: http://hamatos.wordpress.com/artigos-cientificos-meus/ 
PANSARELLI, Daniel. Enrique Dussel e a modernidade. Vídeo acessível em: 
http://www.youtube.com/watch?v=w8iPzKZsArI. Último acesso: 04/2010.

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