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Artigo_Carolina_Alvarenga_Semana_da_Ed._Feusp

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RELAÇÕES DE GÊNERO E TRABALHO DOCENTE: 
JORNADAS E RITMOS NO COTIDIANO DE PROFESSORAS E PROFESSORES 
Carolina Faria Alvarenga 
 
Em minha pesquisa de mestrado, discuto se os significados de gênero definem – ou 
até que ponto interferem – nas jornadas e ritmos no cotidiano de professoras e professores 
do Ensino Fundamental II de uma escola municipal de São Paulo. Por meio de 
questionários e entrevistas, busco apreender como as/os docentes vivem e percebem seu 
cotidiano: como são suas jornadas e ritmos de trabalho; se trabalham em uma ou mais 
escolas; se possuem outra atividade remunerada a fim de complementarem a renda; se 
exercem sozinhas/os o trabalho doméstico e cuidado com os/as filhos/as ou se possuem 
ajuda de terceiros, dentre outras questões que se referem ao dia-a-dia. 
Além disso, procuro compreender quais as estratégias – implícitas ou explícitas – 
utilizadas pelas/os professoras/es para modificarem e darem outros significados aos tempos 
vividos dentro e fora da escola, rompendo com os valores, regras e modos de ser impostos 
pela escola, por seus/suas parceiros/as, pelos marcadores do tempo, enfim, por nossa 
sociedade, principalmente no que tange aos significados de gênero. 
Tendo como pressuposto que estes significados são intrínsecos dos discursos e das 
práticas dos sujeitos, recorro à historiadora e feminista norte-americana, Joan Scott (1995, 
1998), para entender o conceito de gênero. A autora o define como “o discurso da 
diferença dos sexos”, ou “a organização social dos sexos” e que “não se refere apenas às 
idéias, mas também às instituições, às estruturas, às práticas cotidianas, como também aos 
rituais e a tudo o que constitui as relações sociais” (SCOTT, 1998, p. 115). É também uma 
das formas de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades masculinas e 
femininas enquanto uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado. 
Nessa direção, a oposição entre homens e mulheres passa a ser problematizada, 
como algo que é contextualmente definido, repetidamente construído e não mais vista 
como pré-determinada naturalmente. Com isso, abandona-se a idéia de uma origem 
universal para a dominação masculina, enfatizando a complexidade e a heterogeneidade 
das relações sociais. Scott atenta-se às linguagens e ao papel das diferenças percebidas 
entre os sexos na construção de todo sistema simbólico e, apoiando-se em Foucault, 
percebe todas as relações sociais como de poder, entendido como “constelações dispersas 
de relações desiguais, discursivamente constituídas em ‘campos de forças’ sociais”, e não 
como algo “unificado, coerente e centralizado” (SCOTT, 1995, p. 86). 
 
 2 
Noção de tempo: um enfoque sociológico 
Dentre os autores e as autoras que discutem as questões relativas ao tempo, meu 
foco principal dirige-se aos trabalhos do sociólogo alemão Norbert Elias (1998) e o do 
psicólogo e sociólogo italiano Alberto Melucci (1997; 2004). 
Em seu livro Sobre o Tempo (1998), Elias afirma que o tempo não existe em si, não 
é “um fluxo objetivo”, como afirmava Newton, nem é uma “síntese a priori”, uma aptidão 
inata do sujeito, como sustentavam Kant e Descartes. Ao contrário, a noção de tempo não é 
inata, imanente e nem um a priori do entendimento humano, pois é constituída e aprendida 
na vida social. E como essa noção foi construída socialmente, ela pode alterar-se, caso 
modifiquem as cadências dos afazeres sociais. 
O conceito de tempo, entendido como é hoje, representa um alto nível de 
generalização e síntese, uma vez que relaciona acontecimentos que ocorrem no fluxo 
ininterrupto do devir e não se deixam justapor, nem comparar diretamente. Pressupõe um 
“riquíssimo patrimônio social de saber no que concerne aos métodos de mensuração das 
seqüências temporais e às regularidades que elas apresentam” (ELIAS, 1998, p. 35). 
Antigamente, sem um padrão de medida fixo para avaliar a duração dos 
acontecimentos, não havia como possuir um conceito semelhante ao nosso. Nossos 
ancestrais pensavam e se comunicavam utilizando conceitos “mais concretos”, como 
“sono” para se referirem à noite, por exemplo. No entanto, para a noção do tempo tornar-se 
um fluxo uniforme e contínuo, milhares de anos foram precisos para que a humanidade 
aprendesse a integrar bem os reguladores temporais, como os relógios e os calendários. 
Podemos dizer que, nas sociedades contemporâneas, o tempo tornou-se um 
instrumento de orientação indispensável para realizarmos uma variedade de tarefas e uma 
evidência que já não suscita interrogações. Além dessa função de orientação exercida pelo 
tempo, há também uma outra: a de instrumento de regulação da conduta e da sensibilidade 
humanas. O calendário, o relógio e tantos outros marcadores do tempo nos impõem as 
durações e os ritmos da vida social: do momento de começar e de terminar, de suspender 
ou de prosseguir uma atividade, por exemplo. 
Trazendo essa discussão para as sociedades complexas, nas quais as tecnologias 
estão cada vez mais desenvolvidas, Melucci (1997; 2004) afirma que, hoje, o tempo é uma 
experiência múltipla e descontínua. Velocidade e lentidão, movimento e repouso, 
alternância e ritmo combinam-se em nossas vidas. É um tempo cada vez mais 
 
 3 
fragmentado, no qual nossos desejos, sonhos, afetos e emoções estão distantes das 
cadências e regras sociais, reguladas por uma máquina uniforme, mensurável e previsível. 
Há também uma multiplicidade de âmbitos na vida, na experiência e nas relações 
dos sujeitos, nos quais: “A mudança é veloz e o campo das possibilidades é infinitamente 
mais amplo do que aquele que podemos efetivamente experimentar com nossa capacidade 
de ação” (MELUCCI, 2004, p. 33). Essas características, apontadas por Melucci, acarretam 
na vida dos sujeitos uma permanente condição de incerteza que, por sua vez, faz com que a 
realização de escolhas e decisões seja constante. Cria-se, portanto, um paradoxo, pois a 
escolha e a decisão tornam-se destino, necessidade, e não mais liberdade e autonomia. 
Assim, nas sociedades complexas, a vida social apresenta-se como um produto das 
relações, das ações e das decisões. 
Trabalho e gênero: uma relação necessária 
No campo da sociologia do trabalho, muitas pesquisas ainda desconsideram a 
dimensão de gênero quando tratam da divisão social do trabalho e da flexibilização e 
precarização da mão-de-obra. A tendência a generalizar os resultados é decorrente de 
estudos de ramos masculinos, nos quais os trabalhadores são tomados como referência. 
Helena Hirata (2002) caracteriza estes trabalhos como gender-blinded, pois, ao 
desconsiderarem a dimensão de gênero em suas análises, não percebem a hierarquia 
existente entre o trabalho masculino sobre o trabalho feminino. 
No entanto, Hirata (2002) alerta que a divisão sexual do trabalho não pode se referir 
somente às mulheres, ao trabalho doméstico, à esfera do privado ou da reprodução. 
Trabalhar com a divisão sexual do trabalho exige que se leve em conta o caráter 
multidimensional do trabalho, sendo necessária a desconstrução do conceito. Nesta nova 
definição, o trabalho doméstico, o trabalho não-remunerado e o trabalho informal também 
são considerados da mesma maneira que o trabalho assalariado. A eles, é conferido o 
mesmo status, uma vez que exigem tempo, gasto de energia e esforço físico. 
Cláudio Dedecca (2004) defende que, para se discutir tempo e trabalho nas 
sociedades capitalistas, a tensão entre o tempo para a reprodução econômica e o tempo 
para a reprodução social deve ser sempre considerada. Atualmente, há uma subordinação 
do tempo social ao tempo econômico, sendo a flexibilização da jornada de trabalho um 
retrocesso da regulação social sobre a máquina econômica do capitalismo.Em consonância com Hirata (2002), Dedecca (2004) afirma que a dimensão de 
gênero é imprescindível para a análise do uso do tempo no capitalismo. Segundo o autor, 
 
 4 
ao contrário das mulheres, os homens possuem um tempo econômico mais elevado e 
tempos não pagos e para a organização familiar menos intensos. Adversamente, elas 
possuem um tempo econômico menor, mas realizam jornadas mais extensas de trabalho 
não pago e na organização familiar. 
Baseando-se em uma pesquisa realizada na Comunidade Européia, Dedecca (2004) 
supõe que mulheres casadas e com filhos entre 7 e 17 anos apresentam a tendência de 
realizar uma jornada de trabalho total, isto é, trabalho remunerado mais trabalho em 
atividades de organização domiciliar e familiar, mais elevada que os homens na mesma 
situação. Para estas mulheres, há a ocorrência de um menor tempo livre1, devido às 
jornadas mais extensas de trabalho não pago, mesmo tendo um menor tempo econômico 
pago. Ao contrário, os homens possuem um tempo econômico pago mais elevado e um 
tempo não pago menos intenso, o que resulta em uma jornada de trabalho total menor do 
que das mulheres. 
Nos anos de 1970, um aumento significativo do trabalho feminino possibilitou que 
mais de 40% da força de trabalho dos países capitalistas ocidentais fosse composta por 
mulheres. Além disso, acentuava-se a participação da mulher trabalhadora nas lutas 
políticas e sindicais. Refutava-se o discurso conservador que preconizava o destino social 
da mulher: ser mãe e esposa. No entanto, devido às diversas mudanças político-
econômicas, em especial, a vigência de um novo padrão de acumulação flexível, a 
ampliação do trabalho feminino foi acompanhada por um significativo processo de 
precarização, que está diretamente associado à flexibilização da mão-de-obra, à 
informalização e ao regime de trabalho em tempo parcial e temporário. 
Nos anos de 1990, os efeitos da mundialização do capital foram diferentes para os 
empregos femininos e masculinos. Apesar da inserção das novas tecnologias suprimir tanto 
a mão-de-obra não-qualificada masculina como a feminina, coube aos homens a ocupação 
das novas funções qualificadas, enquanto as mulheres, se não expulsas do mercado, 
continuaram a ocupar os postos de trabalho periféricos e secundários. Mesmo com o 
crescimento da ocupação feminina, tanto no espaço formal quanto no informal, as 
mulheres permaneceram praticamente ausentes dos postos técnicos e longe dos 
equipamentos caros e competitivos. As desigualdades salariais não diminuíram, nem as 
 
1 Tempo livre é entendido como “um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre 
vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda, para desenvolver sua 
informação ou formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora, 
após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais”. (DUMAZEDIER, 1979, 
p. 20) 
 
 5 
condições de trabalho e de saúde melhoraram. Além disso, a divisão sexual do trabalho 
doméstico pouco se modificou, apesar das maiores responsabilidades profissionais das 
mulheres (HIRATA, 2002; NOGUEIRA, 2004). 
Bila Sorj (2004) analisa os dados referentes a uma pesquisa sobre a mulher 
brasileira nos espaços público e privado2, com o foco no trabalho doméstico, compreendido 
como uma dimensão do trabalho social. A ênfase na articulação entre a esfera produtiva e 
reprodutiva permitiu reconhecer que as obrigações domésticas impõem limites às 
oportunidades oferecidas às mulheres no mercado de trabalho. Dessa maneira, são 
reservadas às mulheres carreiras descontínuas, salários mais baixos e jornadas em tempo 
parcial. A “ideologia da domesticidade” é mantida devido aos efeitos destes empregos de 
menor qualidade. 
Pelo menos duas limitações se impõem ao projeto de emancipação e conquista do 
mercado de trabalho pelas mulheres. A primeira delas refere-se à desigualdade salarial 
entre homens e mulheres. Quando a renda da mulher não é significativa para a melhora da 
condição de vida da família, ela abre mão do trabalho remunerado para se dedicar ao 
cuidado da família. A segunda está ligada à limitação da oferta pública de creches e pré-
escolas. Dessa forma, o cuidado e a educação das crianças pequenas permanecem um 
assunto privado das famílias, fato este que prejudica não somente as mães, mas também as 
crianças, visto que a educação é um direito de todos e todas. 
Diversas pesquisas concordam que a participação masculina nas rotinas domésticas 
vem aumentando. Entretanto, o ritmo da mudança é extremamente lento. No ano de 2001, 
em 96% dos domicílios pesquisados, a principal responsável pelas tarefas domésticas era 
uma mulher. Sorj (2004) mostra que a participação masculina no domínio privado é, além 
de limitada, seletiva e corresponde às tarefas socialmente mais valorizadas. Segundo a 
autora, os homens dedicam-se às atividades que envolvem interação, como cuidar das 
crianças e ajudar nos trabalhos da escola, ou àquelas que representam uma mediação entre 
a família e o espaço público, como fazer compras no supermercado ou levar as crianças ao 
consultório médico. 
 
2 Em 2001, a Fundação Perseu Abramo realizou a pesquisa “A mulher brasileira nos espaços público e 
privado”, a partir de entrevistas com 2.502 mulheres acima dos 14 anos de idade, residentes nas áreas urbanas 
e rurais de todo o país. O objetivo do trabalho foi o de conhecer suas percepções, seus anseios e suas 
expectativas, construindo um mosaico do que pensam as mulheres brasileiras, no início do século XXI, sobre 
os diversos aspectos de suas vidas. 
 
 6 
Para finalizar sua discussão, Sorj (2004) propõe que, quanto melhor for a inserção 
da mulher no mercado de trabalho e quanto mais elevado for o seu nível educacional, 
maior a capacidade de negociação das tarefas domésticas com seu parceiro. 
Sandra Unbehaum (2000), em sua dissertação de mestrado, analisa se, diante das 
modificações socioculturais nas sociedades contemporâneas, como, por exemplo, o 
advento da pílula anticoncepcional e a entrada da mulher de classe média no mercado de 
trabalho, a experiência masculina da paternidade tem se alterado e se tais transformações 
têm, de fato, estimulado processos de negociação por parte dos homens com suas parceiras 
no que diz respeito ao cuidado com os/as filhos/as pequenos/as e à distribuição de afazeres 
domésticos. 
Mesmo com diferentes modos de perceber e vivenciar a paternidade, os 
entrevistados3 apresentaram aspectos comuns com relação ao “desejo muito presente de ser 
diferente do que o próprio pai foi em relação ao envolvimento com os filhos, estar mais 
presente no cotidiano da família e, mais do que isso, ser mais afetivo” (UNBEHAUM, 
2000:194). 
Contudo, essas mudanças parecem, de certo modo, ser mais expressivas no plano 
das idéias do que na prática cotidiana. A mudança de comportamento expressa no discurso 
das pessoas soa muitas vezes contraditória com o que observamos no cotidiano das 
relações parentais. E um dos fatores que dificultam significativas mudanças na estrutura de 
gênero é a própria organização social, pois, 
Mulheres ganham menos do que os homens, a licença-maternidade 
favorece que sejam elas a cuidarem durante mais tempo dos filhos e a 
optarem por atividades profissionais que permitam conciliar trabalho e 
família, não há uma política para as famílias que forneça condições para 
que homens e mulheres possam dedicar-se em condições iguais aos seus 
projetos profissionais (UNBEHAUM, 2000, p. 195). 
 Assim, é possível dizer que a divisão das tarefas domésticasainda é 
determinada pelo gênero e a maior parte da rotina doméstica é executada pelas mulheres. 
No entanto, mesmo com as inúmeras dificuldades para modificar as relações de gênero no 
âmbito privado, Unbehaum mostra que seus entrevistados vivem um intenso processo de 
reflexão sobre o seu lugar na família, como pai e marido. 
Cristina Bruschini (2000) confirma a dupla jornada de trabalho das mulheres e sua 
situação subordinada no mercado de trabalho. A autora denuncia a enorme sobrecarga das 
 
3 A análise está restrita a um grupo de 10 homens, com escolaridade de nível superior, profissionais 
qualificados, residentes na cidade de São Paulo, casados e pais de filhos/as com idade até 10 anos. 
 
 
 7 
trabalhadoras, devido à sobreposição dos afazeres domésticos e cuidado com os/as 
filhos/as e da atividade econômica. Desta situação, resulta, para as mulheres, uma posição 
secundária e discriminada no mercado de trabalho. Como resultado, em algumas atividades 
majoritariamente femininas, como o magistério e a enfermagem, existia, em 1995, uma 
desigualdade salarial: 29% dos homens ganhavam até dois salários mínimos, em 
comparação a 45% das mulheres ali ocupadas. 
Em um pólo oposto, ocorreram também algumas transformações com relação à 
participação das mulheres em ocupações de maior prestígio e com maior comando, tais 
como, a arquitetura, a medicina e a advocacia. Essas mudanças ocorreram, em grande 
parte, devido aos altos índices de escolarização das mulheres e aos novos padrões 
demográficos e culturais. 
Apesar do avanço, pelo menos metade da força de trabalho feminina possui 
empregos com baixos índices de registro em carteira e de contribuição para a Previdência 
Social. Ademais, os afazeres domésticos continuam sendo considerados como inatividade 
econômica, embora mantenham ocupadas boa parte das mulheres (BRUSCHINI, 2000). 
Ao lado do trabalho doméstico, remunerado ou não, o magistério é outra das 
ocupações que agrega um grande número de mulheres. No entanto, diferentemente das 
mulheres de outras categorias profissionais, as professoras inserem-se em uma atividade 
nem sempre tão marcada pela precarização e flexibilização. Contudo, essas características 
já estão presentes no trabalho docente, marcado também pela dupla jornada, uma vez que 
além do trabalho na escola, há os serviços escolares realizados em casa. 
Inês Teixeira (1998) acrescenta que as professoras possuem tripla jornada, e não 
dupla, uma vez que além do trabalho na escola, há os serviços escolares realizados em casa 
e o trabalho doméstico. Mesmo quando não executam os serviços domésticos, ou seja, 
quando recebem ajuda de terceiros, como as empregadas domésticas, elas são as 
responsáveis pela administração destes serviços. Nesse sentido, é preciso “discutir aspectos 
como o desempenho de tarefas concomitantes, o lazer interrompido, a administração de 
relações e dinâmica familiar que dão qualidade aos tempos [das professoras], tornando 
seus ritmos mais intensos” (TEIXEIRA, 1998, p. 202). 
Segundo Marília Carvalho (1996), a discussão sobre o trabalho docente ainda 
apresenta esta lacuna, uma vez que a maioria dos trabalhos desconsidera a composição 
majoritária de mulheres no magistério. Por ser uma profissão considerada feminina, não 
somente pelo maior número de mulheres, mas também pelas características tidas como 
femininas – docilidade, amabilidade, paciência, cuidado –, a organização do trabalho 
 
 8 
docente sofre mudanças, pois, até o início do século XX, o magistério ainda era uma 
profissão masculina. Portanto, ao se discutir o trabalho docente, o trabalho doméstico, 
exercido pela maioria das mulheres, deve ser levado em consideração. 
Diante destas considerações, interrogo-me se há diferenças entre o uso dos tempos 
por professores e professoras? Somente elas possuem dupla ou tripla jornada? Posso dizer 
que as professoras possuem maior jornada total de trabalho, pois além do trabalho 
docente, são as responsáveis pelo trabalho doméstico e pelo cuidado e educação dos/as 
filhos/as? 
Para compor este artigo, selecionei os questionários de três professores e três 
professoras, que me possibilitaram discutir questões consoantes e divergentes dos estudos 
já realizados. É importante ressaltar que, por se tratar de pesquisa em andamento, apresento 
esboços de análises, uma vez que as entrevistas com as/os docentes ainda estão sendo 
realizadas. 
Cotidiano docente: significados de gênero nas jornadas e ritmos 
Pedro4, 32 anos, branco5, casado, mora com a esposa e o filho de 3 anos. Sua rotina 
diária, além estar todas as manhãs e noites na escola – uma municipal e outra estadual –, 
inclui buscar o filho na escola, cuidar da casa e das plantas, colocar o filho para dormir, 
preparar aulas, navegar na internet, fazer o serviço de banco, dentre outras atividades 
domésticas. Aos sábados, freqüenta um curso de formação continuada durante a manhã e a 
tarde e, aos domingos, dedica-se à família e à preparação de atividades escolares. 
Marcelo, 32 anos, branco, solteiro, mora com a família (pai e mãe). No período da 
manhã, trabalha na escola municipal e, à tarde, na área de projetos educacionais em uma 
ONG. Freqüenta, à noite, duas vezes por semana, um curso de especialização na USP. Nos 
finais de semana, faz passeios com amigos, vai às compras, navega na internet, dedica-se à 
família e à leitura. A atividade física está presente em todos os dias, incluindo o fim de 
semana. 
Renato, 38 anos, branco, casado, mora com a esposa e a filha de 11 anos. Além de 
trabalhar em duas escolas – uma municipal e outra estadual – nos turnos da manhã e da 
noite, exerce outra atividade fora do magistério. Nos finais de semana, passeia com a 
família, faz compras, assiste televisão, pratica exercícios físicos, navega na internet e 
dedica-se às atividades escolares – preparação de aula e correção de exercícios. 
 
4 Todos os nomes são fictícios. 
5 Todos/as os/as professores/as se auto-classificaram. 
 
 9 
Fernanda, 35 anos, branca, solteira, mora com a mãe e um filho de 16 anos. 
Trabalha durante a manhã em uma escola municipal e, nos períodos da tarde e da noite, é 
professora e zeladora de uma escola estadual em uma cidade próxima a São Paulo. Gasta, 
aproximadamente, 6 horas diárias com o deslocamento entre sua casa e as escolas em que 
trabalha. Entre um turno e outro, faz algumas atividades domésticas. Nos sábados, faz a 
faxina da casa, lava e passa as roupas acumuladas durante a semana. Nos momentos em 
que não está ocupada com as atividades escolares e domésticas, gosta de ler, dormir e 
assistir a filmes. 
Adriana, 43 anos, branca, solteira, mora sozinha. Dedica boa parte dos seus dias da 
semana às aulas em uma escola municipal e em outra estadual. Além disso, tanto nos dias 
da semana quanto nos finais de semana, prepara atividades pedagógicas e faz alguns 
serviços domésticos, como lavar louça e roupa, arrumar a casa, ir ao banco e ao 
supermercado. Em seu tempo livre, assiste à televisão, lê e ouve músicas. Nos finais de 
semana, visita amigos e familiares, vai ao cinema, ao shopping e a exposições de arte. 
 Amanda, 55 anos, parda, viúva, tem duas filhas, mora com uma delas e com sua 
mãe. Aposentada em um dos cargos, leciona na escola municipal de manhã e, durante as 
tardes, dedica-se a atividades pedagógicas e domésticas. Atualmente, com mais tempo 
livre, faz ginástica e preza pelos momentos de prazer e convívio com a família. 
Três homens, três mulheres, mesma profissão – docente – e seis vidas bastante 
diferentes. Do ponto de vista do trabalho para a reprodução econômica, há algumas 
questõesa considerar. A responsabilidade de ser o provedor da casa, no caso de Pedro e 
Renato, é dividida com a esposa e, no caso de Marcelo, é inteiramente dos pais, uma vez 
que todo seu orçamento destina-se às suas despesas pessoais. Fernanda e Adriana possuem 
inteira responsabilidade pelas despesas e Amanda contribui com grande parte de seu 
orçamento. 
Segundo Marília Carvalho e Cláudia Vianna (1994), o dualismo entre público e 
privado foi uma característica social criada a partir do discurso liberal, quando surgiram 
novas formas de organização da vida social. Não estava presente em todas as sociedades e 
em todos os tempos. A partir de então, houve uma forte polarização entre as identidades 
masculinas e femininas, articuladas com a diferenciação entre o público e o privado que 
acompanhou a emergência do capitalismo, articulando também uma compreensão binária 
do corpo e seus processos. As mulheres são associadas à alimentação, ao cuidado, à 
maternidade e os homens são vistos como provedores e relacionados ao uso do poder. No 
 
 10 
entanto, em nossa sociedade, por exemplo, esta polaridade não é rígida: o público e o 
privado se opõem, se excluem e combinam de diferentes maneiras. 
Assim, ainda carregando a responsabilidade de serem os provedores, muitos 
homens são ajudados pelas mulheres nesta tarefa, sendo muitas delas as únicas 
responsáveis pelo sustento da família, como é o caso das professoras pesquisadas. As 
esposas de Pedro e Marcelo trabalham fora de casa, contribuem no orçamento familiar – 
ainda que com uma porcentagem menor – e possuem responsabilidades pelos serviços 
domésticos, em graus variados. 
Com relação ao trabalho para a reprodução social, ao contrário do que apontou 
Sorj (2004), a participação de Pedro parece não ser limitada e tampouco seletiva. Além de 
fazer as tarefas mais valorizadas socialmente, aquelas que exigem contato com o mundo 
público, como fazer compras, levar os/as filhos/as à escola, ao consultório médico e 
dentário, Pedro também cuida da limpeza da casa e do filho pequeno, atividades que o 
ocupam por volta de 20 horas semanais. A rotina de Renato, no entanto, é bem diferente. 
Em sua casa, as responsabilidades pelo trabalho doméstico são delegadas à sua esposa e a 
uma empregada, fato que corrobora com a tradicional divisão sexual do trabalho. Ou seja, 
sua esposa, mesmo trabalhando fora de casa e contribuindo com o orçamento doméstico, 
executa parte dos serviços e administra o restante, que é feito pela empregada doméstica. 
Marcelo gasta 3 horas semanais com trabalho doméstico, que inclui arrumação da casa, 
tarefas de banco, compras, entre outras. O fato de morar com os pais, responsáveis pelo 
sustento da casa e pelas tarefas domésticas, permite que seu tempo livre, incluindo alguns 
dias de semana, seja usufruído com atividades que lhe dão prazer, como sair com amigos, 
praticar esportes e descansar. 
Neste sentido, ser casado/a e/ou ter filhos/as pode fazer diferença na utilização do 
tempo livre dos professores. Como já foi apontado, Pedro, quando não está em sala de 
aula, ocupa-se das tarefas domésticas e do cuidado com o filho, tanto dos dias de semana, 
quanto nos finais de semana. O que faz em seu tempo livre é “atividades de lazer com a 
família e dormir”. Renato tem todo o tempo da semana ocupado pelo trabalho econômico, 
pois trabalha nos três turnos. Nos finais de semana, o seu tempo livre é dedicado às 
atividades esportivas, à ioga, a ir ao cinema, ao teatro, passear com a família, ir às 
compras, ler e ouvir música. 
Ao contrário dos professores, todas as professoras, morando sozinhas ou não, 
trabalhando um, dois ou três turnos, possuem alguma ou a total responsabilidade pelo 
trabalho doméstico. Ajudadas pelas mães, pelas filhas ou por alguma outra mulher, como 
 
 11 
as empregadas domésticas ou diaristas, as professoras dedicam-se, ao menos, uma hora por 
dia a estas atividades, além do trabalho remunerado e dos serviços escolares realizados em 
casa. 
Uma característica que distingue os/as docentes, homens e mulheres, de outros 
grupos profissionais é o fato de que, além de trabalharem em mais de uma escola, como é o 
caso de Pedro, Renato, Adriana e Fernanda ou exercerem outra atividade fora do 
magistério a fim de complementarem a renda familiar, como é o caso de Marcelo e 
também de Renato, os/as professores/as, na maioria das vezes, levam serviços escolares 
para casa. Pedro, Renato, Adriana e Fernanda têm parte de seus finais de semana ocupados 
com estas atividades. Amanda dedica-se algumas horas a estas atividades nos dias da 
semana. Ao contrário, Marcelo alega que evita levar trabalho para casa, o que só é possível 
por ser optante de um regime de trabalho que disponibiliza tempo para que tais atividades 
sejam feitas na escola. 
Na Rede Municipal de Ensino de São Paulo, há a possibilidade de os/as docentes 
optarem pela Jornada Especial Integral – JEI6, que inclui, além das horas trabalhadas em 
sala de aula, tempo de estudo coletivo e para preparação e elaboração de atividades. 
Teoricamente, quem opta por esta jornada deveria ter tempo suficiente para fazer as 
atividades sem levá-las para casa, tal como Marcelo. Na prática, no entanto, é uma tarefa 
difícil. Pedro, Fernanda e Adriana também são optantes por JEI, mas levam atividades para 
serem feitas em casa, principalmente, a preparação das aulas. Renato, por ser iniciante na 
Rede Municipal, assumiu a Jornada Básica de Trabalho – JB7, que não inclui tempo de 
trabalho coletivo e Amanda tem uma jornada mais extensa do que a Básica, mas 
insuficiente para não levar os serviços escolares para casa. 
Somente por meio dos questionários, não é possível apreender por que Pedro, 
Renato, Fernanda, Adriana e Amanda não conseguem deixar de levar as atividades para 
casa – ou preferem levar, já que as horas-atividades individuais podem ser cumpridas em 
local de livre escolha do/a docente. Uma hipótese que formulo, relacionada aos 
significados de gênero, é que os/as professores/as casados/as e/ou com filhos/as e/ou 
aqueles/as quem possuem outras atividades – remuneradas ou não – além do trabalho na 
Rede Municipal, preferem levar as atividades para serem feitas em casa por terem uma 
 
6 A Jornada Especial Integral – JEI inclui 25 horas/aula e 15 horas-atividades (11 horas/aula semanais na 
própria escola e 4 horas/aula semanais em local de livre escolha), perfazendo um total de 40 horas/aula 
semanais. 
7 A Jornada Básica – JB inclui 18 horas/aula e 2 horas-atividades (individuais), perfazendo um total de 20 
horas/aula semanais. 
 
 12 
maior flexibilidade de tempo para fazê-las, mesmo que os finais de semana fiquem 
comprometidos. 
Finalizando, é possível considerar que ser homem ou ser mulher não determina 
condições de vida, incluindo o uso de seus tempos cotidianos. Outras variáveis precisam 
ser levadas em conta, tais como, socialização de gênero, idade, estado civil, apoio familiar, 
apoio institucional, entre outras. Talvez em menos quantidade que as mulheres, os 
professores também possuem jornadas extensas e ritmos intensos. Eles possuem dupla 
jornada, como Marcelo, ou até mesmo tripla jornada, como Pedro e Renato. 
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Carolina Faria Alvarenga formou-se em Pedagogia pela Faculdade de Educação da 
Universidade Federal de Minas Gerais (FaE/UFMG) e, atualmente, é mestranda pela 
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP), na linha de pesquisa 
Sociologia da Educação, sob orientação da Profa. Dra. Cláudia Pereira Vianna.

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