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MILANESI, Luiz. O Que é Biblioteca. Colecao Primeiros Passos.

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Luiz Milanesi
O QUE E ediçao
BIBLIOTECA
editora brasiliense
Luís Milanesi
0 QUE E 
BIBLIOTECA
1? ediçào 1983 
3? ediçào
1985
co p yn g m '•& l u i s Milanesi
Capa e ilustrações:
João Batista da Costa Aguiar
Revisão:
Rosângela M. Delis 
José E. Andrade
editora brasiliense s.a.
01223 — r. general jardim, 160 
são paulo — brasil
ÍN D IC E
- B ibliotecas para q u ê ? ..............................
- O lh ar para t r á s ............................................
- No Brasil ......................................................
- A e s c o la .........................................................
- A b ib lio teca p ú b l ic a .................................
- A b ib lio teca u n iv e rs itá r ia ......................
- A b ib lio teca esp ec ia lizad a ......................
- B iblioteca e centro de docum entação
- In form ação e d e s e n v o lv im e n to ...........
- Um a p o lític a para as bibliotecas . . . .
- P r o je t o ................................... .. .....................
- Indicações para l e i t u r a ...........................
BIBLIOTECAS P A R A QUÊ?
Villa-Lobos é a preocupação. Tarefa: é preciso 
encontrar informações sobre o mais im portante 
músico brasileiro do século X X . Eis a í dois dados: 
o compositor nasceu no Rio de Janeiro em 1887 
e morreu na mesma cidade 72 anos depois, dei­
xando um conjunto de obras que marcou uma nova 
tendência musical: o nacionalismo. Esses dados 
sobre o compositor foram extraídos de alguma 
enciclopédia. E pouco, Villa-Lobos exige mais, é 
inesgotável. Onde obter novos dados?
Um estudante de Nova Y ork , Paris, Tóquio, 
Moscou, por certo não encontraria obstáculos para 
ter acesso a tudo que é possível conhecer sobre o 
compositor carioca. Pesquisando, descobriria vários 
livros, artigos de revistas, discos, partituras, filmes, 
documentos, que perm itiriam avançar o conheci­
mento sobre Heitor Villa-Lobos. As informações
 ^
vão traçando a figura do músico, umas reforçando, 
outras perturbando o conjunto. Se existem docu­
mentos fundamentais, outros podem ser descartados 
como inúteis. Taú, esse era o apelido do mestre, 
escreveu centenas de peças, de piano solo a grande 
orquestra e coro. Antes de chegar ás obras, talvez 
fosse importante ler alguma biografia. Qual delas? 
Depois, ouvir. 0 quê? Para orquestra e instrumento 
solo o catálogo de composições relaciona dezenas 
de obras. Momo precoce, para piano e orquestra, 
e Martírio dos insetos, para violino e orquestra, 
são peças relativamente conhecidas. É possível ter 
acesso às gravações de algumas obras. Parte consi­
derável permanece sem registro. E partituras? 
Centenas delas foram editadas. Mas existem os 
inéditos, manuscritos. E ainda: estudos variados 
sobre a música de Villa-Lobos, textos que dissecam 
uma Ciranda ou analisam uma fase, ou . . .
0 estudante entra na biblioteca e dirige-se ao 
balcão de informações. Ele expõe o problema: 
quer saber o que existe ali sobre Villa-Lobos. 
Quem o atende aciona alguns botões, faz perguntas, 
manipula um teclado, fazendo surgir num visor 
uma série de indicações. Biografias do músico? 
Existem cinco no acervo. Quer consultá-las? Vai 
levar alguma para casa? Não vai precisar do catá­
logo de obras do compositor? Só para consulta, 
não pode ser levado para casa. Quer uma cópia?
E discos? Obra pianística? Especifique. Consulte 
antes o catálogo de obras. Há, também, um docu-
mentário em vídeo, além das partituras, claro.
0 consulente solicitou três livros — vai retirar 
dois deles. Em fita cassete vai tomar emprestado as 
Bachianas brasileiras n 9 5 e os Choros nQ 10, talvez 
as obras mais conhecidas do compositor. E, airida, 
vai ver na T V o bailado Manduçarará.
Villa-Lobos está cercado, pelo menos por ora. 
Na medida em que surgem os dados, novos são 
exigidos, levando a novas buscas. Um artigo de 
revista traz uma informação que pode reforçar uma 
suspeita ou estabelecer um conflito. Isso, por 
certo, acaba criando um emaranhado de dados, 
complexo em suas relações. Villa-Lobos é o alvo 
e, enquanto objeto de estudos, pode ser lido e 
relido de várias maneiras. Antes esgota-se o pesqui­
sador do que o assunto pesquisado, pois, se uma 
análise esclarece um aspecto, pode trazer novos 
problemas, antes insuspeitos. Quanto mais uma bi­
blioteca propicia esse jogo de dados, a m ultipli­
cidade das informações que se reforçam ou que se 
anulam,-mais estará ela chegando ao seu objetivo 
— que, por sinal, está sempre um pouco mais à 
frente. Como não existe no campo das investigações 
o dado definitivo, também não existem bibliotecas 
definitivas. Ela própria traz em seu bojo as contra­
dições que vão exigir novos desdobramentos.
A biblioteca acima — uma ficção —, permanen­
temente, deverá aprimorar o seu acervo e facilitar o 
acesso às informações. Em relação a Villa-Lobos ela 
deverá estar atualizada, trazendo ao público todas
T 7 T 7
as novidades ou preenchendo as lacunas do acervo. 
Assim, estará organizando o acúmulo de dados, 
abrindo o campo para novos estudos, permitindo 
que o pesquisador — um aluno do primeiro grau ou 
um investigador universitário — encontre subsídios 
para as suas pesquisas. Villa-Lobos não será sempre 
o mesmo, preso na imutabilidade de alguns livros, 
mas será vários. Isso ou aquilo? Ou nenhum dos 
dois? A conseqüência final de uma pesquisa poderá 
ser essa última possibilidade. E uma nova visão 
surgirá. Talvez o estudante em busca de Villa- 
Lobos esteja dando os seus primeiros passos nesse 
sentido.
O quadro traçado acima mostra, de propósito, 
uma biblioteca que não existe no Brasil e as possi­
bilidades de embasamento documental de uma 
investigação. Um item amplo — Villa-Lobos — leva 
o estudante a entrar numa biblioteca, o que já é um 
passo extremamente positivo. E raro, pois nem 
sempre o desejo de consultar iivros coincide com 
a existência de bibliotecas. Então, é necessário 
alterar o quadro, deixando de lado uma concepção 
ideal que, mesmo não sendo ficção científica, 
parece que nenhuma ligação tem com o real do 
dia-a-dia da inteligência brasileira.
0 professor dá como tarefa escolar um trabalho 
sobre Villa-Lobos. Cabe ao aluno procurar infor­
mações sobre o músico. Ele deverá tomar as 
devidas providências. Onde? A escola não tem 
biblioteca. Talvez tenha, mas está trancada. E
0 que é Biblioteca 11
preciso visitar a biblioteca pública. Felizmente, o 
município tem uma, funcionando no antigo 
prédio da cadeia pública. Só abre às 9 horas e fecha 
às 17. Horário de funcionário público e não de 
leitor. A noite, não funciona. No balcão de atendi­
mento, atrás do qual uma senhora tricota e cujo 
olhar atrás do tricô parece pedir ao consulente que, 
por precaução, não se aproxime, o estudante faz o 
pedido: Villa-Lobos. Não, não é aquele pacificador 
de índios brasileiros. É um músico. Veja ali no 
catálogo. (Apesar de ser feita a indicação com o 
queixo, há um catálogo e isso ajuda.) O estudante 
vai procurar nas velhas fichas puídas e sujas o nome 
do músico. Parece que não está em ordem alfabé­
tica. Como é que acha? Um catálogo por mais 
rudimentar que seja é difícil para quem não tenha 
facilidade de consultar uma lista telefônica. Por 
Heitor não existe nada. E nem por Lobos. Só pode 
ser por V illa. Há uma ficha com esse nome. O 
consulente retira a ficha do catálogo e leva-3 ao 
balcão. A atendente grita que não pode tirar a ficha 
do catálogo. Que é preciso fazer? Pôr a ficha de 
novo no lugar e anotar os números que estão no 
alto dela, à esquerda. Números e letras. Anotado o 
código, resta encontrar o livro. O acesso ao acervo 
é interditado. Um funcionário desaparece entre as 
estantes e depois de alguns minutos anuncia que 
não encontrou o volume. A atendente consulta 
alguns papéis e murmura algo.Nova busca. Ninguém 
encontra o livre. 0 estudante sai de mãos vazias.
 ______________________________________________________
IZ Luís Milanesi
0 professor pedira para a classe pesquisar sobre 
Villa-Lobos. Ele fez a obrigação. Aquilo lembrava 
uma gincana. Na saída da biblioteca encontra 
alguns colegas de classe e eles dão a informação 
precisa: "Tem um livro que tem tudo o que o 
professor quer". E o estudante volta à biblioteca. 
A enciclopédia está sobre a mesa, justamente 
aberta na página onde se destaca o verbete "Villa- 
Lobos, Heitor". Então, mãos à obra, copiar e 
passar de ano. O estudante transcreve o texto 
enciclopédico. Ao terminar, observa alguns colegas 
que, em fila, esperam a vez de cumprir o dever 
escolar.
Este segundo modelo de biblioteca é o mais 
freqüente no Brasil. E até pode ser considerado 
positivo — pelo simples fato de existir. Em muitos 
municípios brasileiros não há nada que possa ser 
identificado com biblioteca. Quantificar o seu 
número é impossível ou, pelo menos, é uma 
tentativa precária e isso por dois fatos: primeiro, 
não se sabe com exatidão o que possa ser conside- 
derado biblioteca pública. Há muita generosidade 
na aplicação do termo. Por vezes, ela é um armário 
com alguns livros escondido em alguma sala da pre­
feitura. Só funciona para efeito de estatística. Se­
gundo, como alguns rios nordestinos, as bibliotecas 
podem ser intermitentes: funcionam em alguns 
períodos. Outras, obedecendo ao ciclo da vida, nas­
cem, crescem e morrem.
Uma justificativa para a precariedade da situação
v que e awuoieca 13
é atribuída, com freqüência, ao subdesenvolvi­
mento, palavra que até justifica as deficiências 
seculares do país. No entanto, torna-se difícil 
entender o desenvolvimento econômico-social sem 
que sejam afiados os instrumentos educativos. Não 
será uma nação desenvolvida que aprimorará o seu 
sistema educacional, mas a prioridade ao ensino, à 
circulação de informações, à pesquisa é que propi­
ciará alcançar novos estágios de desenvolvimento. 
Nesse investimento no ensino e na pesquisa, as 
hipotecas deverão ter o incremento compatível ao 
s apel. Qualquer projeto na área só chegará ao 
se», jb jetivo se tiver uma política de informação 
que permita o acesso a ela sem restrições. Nas áreas 
mais desenvolvidas do país existem exemplos de 
bibliotecas que cumprem a sua função, mantendo 
acervos atualizados e serviços eficientes. Entretanto, 
a disparidade econômica mostra não apenas a mi­
séria concretizada nas habitações, nas roupas, nos 
corpos, mas revela também a indigência cultural. 
Ao lado de aglomerações urbanas industrializadas, 
como a cidade de São Paulo, que — apesar de suas 
mazelas — ostenta escolas e universidades, além de 
programas culturais, existem vastas áreas de absoluta 
carência. E como se o Brasil vivesse vários tempos 
históricos: o século X X predominando nos bolsões 
industriais espalhados pela vastidão do território 
com feições coloniais. Existem bibliotecas e 
centros de documentação que acompanham e 
impulsionam o desenvolvimento social nas áreas
 \
onde ele é mais florescente. Em contrapartida, as 
bibliotecas das áreas mais subdesenvolvidas são um 
reflexo delas. Aiegam os administradores: se não 
há escolas, não há motivo para construir bibliotecas; 
se a população não come, por que ler? 0 analfa­
beto morre em silêncio.
Talvez, para os setores mais iluminados da admi­
nistração brasileira, seja tácito que a educação, a 
pesquisa, o controle informativo, são peças funda­
mentais 110 processo de desenvolvimento, uma 
espécie de sine qua non dele. Isso é percebido com 
mais clareza onde a renda per capita é maior. Nas 
regiões onde o subdesenvolvimento é mais óbvio, 
escola, leitura e bibliotecas são reflexos piorados 
da situação. Em caso de miséria, a escola é mais 
miserável.
Villa-Lobos como assunto de pesquisa foi o 
gancho para apresentar a biblioteca brasileira, 
apesar de, ao que tudo indica, não ser dos assuntos 
mais freqüentes. 0 tema poderia ser a aplicação da 
energia nuclear na agricultura, a esquistossomose 
ou o sal monossódico do ácido-ciclo-3-hexenil- 
hidroximetil hipofosforoso. Cada biblioteca serve a 
um determinado público. Quanto mais heterogêneo 
for esse público, mais diversificado deverá ser o 
acervo — como é o caso da biblioteca pública.
0 usuário poderá ser o adulto que se alfabetiza ou 
o geneticista que tem interesse profissional em 
acompanhar passo a passo os avanços científicos de 
seu setor. Quanto mais direcionado for o interesse,
1*T UMti)
-
mais circunscrito será o acervo e maiores serão 
as possibilidades de controle informativo. Uma 
biblioteca que seive a um grupo de médicos que se 
dedica à pesquisa da doença de Chagas deve cobrir 
a área da forma mais ampla possível, não só tendo 
um acervo, mas fazendo indicações precisas para 
que os pesquisadores tenham completo controle 
sobre a sua especialidade, acompanhando as novas 
descobertas e permanecendo na fronteira do conhe­
cimento. As pesquisas, progressivamente, entram 
pelos detalhes, os cientistas produzem trabalhos 
específicos, cada vez mais intrincados, e esses 
trabalhos vão sendo incorporados aos acervos para 
servir de base a outros pesquisadores, numa rede de 
informação que evita, em última instância, que um 
cientista percorra caminhos já andados, repetindo 
um trabalho, e propicia a uma determinada comu­
nidade científica a construção harmônica da 
imensa estrutura do conhecimento humano que se 
projeta infinitamente. A Ciência é cumulativa e a 
biblioteca tem a função de preservar a memória 
— como se ela fosse o cérebro da humanidade —, 
organizando a informação para que todo ser 
humano possa usufruí-la. Isso vai da biblioteca que 
se constrói para aqueles que se alfabetizam, até a 
biblioteca especializada para o homem de ciência.
A distância é grande — a mesma que existe entre o 
subdesenvolvimento e o desenvolvimento.
OLHAR PARA TRÁS
A história da biblioteca é a história do registro 
da informação, sendo impossível destacá-la de um 
conjunto amplo: a própria história do homem. Na 
medida da produção do registro informativo, o 
homem engendrou sistemas — tão rudimentares 
quanto a informação registrada — para não disper­
sá-la. Era preciso reter a informação sobre algum 
suporte concreto; conseqüentemente, tornou-se 
imprescindível a preservação desses suportes - os 
documentos — bem como a organização deles. 
Quanto mais documentos produzidos, maior a 
exigência de controle. A resposta à explosão 
informativa do século XX foi a utilização do 
computador para ordenar a informação registrada.
Ou seja, quanto mais o homem gera documentos, 
mais os profissionais especializados no controle da 
informação buscam instrumentos e técnicas que 
v_____________________________________________
S \
permitem a cada homem encontrar o dado que 
procura.
Os reis assírios tinham os seus arquivos, bem 
como os sumérios e babilônios. Nessa fase da 
história, esses povos usavam placas de argila para 
registrar o conhecimento, gravando nelas as inscri­
ções cuneiformes — uma das primeiras formas de 
escrita. O conjunto dessas placas de argila pode ser 
entendido como uma biblioteca. Em Nínive, os 
arqueólogos encontraram por volta de 22 mil 
placas, que estavam ali desde o século V II a.C. 
Certamente havia algum sistema para viabilizar a 
utilização do material — por sinal, mais complexo 
de ser manuseado.
Um avanço significativo foi a utilização do 
papiro como suporte da escrita. Era um material 
mais leve, mais flexível, ainda que frágil. O papiro é 
uma planta das margens do rio Nilo e foi utilizada 
pelos egípcios já antes do terceiro milênio a.C. 
através de uma técnica de entrelaçar as suas fibras 
formando uma superfície apta a receber inscrições 
a tinta. Passou a constituir-se noproduto mais 
divulgado do Egito e, por séculos, foi a forma mais 
prática para produzir documentos escritos. Os 
egípcios forneceram ao mundo grego e ao Império 
Romano o papiro em grande quantidade. Fabrica­
vam faixas com a largura aproximada de um 
palmo por 8 metros, em média. Esse material 
formava rolos dos quais podia pender uma eti­
queta com o título. O rolo de papiro chamava-se 
s. '
 N
volumen. Existiam bibliotecas com milhares 
•"X de volumes.
Posteriormente, o papiro importado foi substi­
tu ído pelo pergaminho, pele de carneiro ou de 
outros mamíferos tratada de forma a servir como 
suporte de inscrições a tinta. As peles, que podiam 
ser enroladas como o papiro, passaram a ser recor­
tadas e unidas numa margem, formando um objeto 
mais próximo da forma do livro atual.
Apesar da importação onerosa do papiro e da 
fabricação do pergaminho, também cara, havia uma 
produção literária que permitia formar acervos, ou 
seja, bibliotecas. É sempre lembrado o Museion de 
Alexandria, uma espécie de centro de cultura, uma 
casa de sábios, que chegou a reunir, supõe-se, mais 
de 500 mil volumes. Essa biblioteca primitiva foi 
destruída em 47 a.C. Mas a idéia da formação 
desses acervos que aglutinavam os sábios persistiu, 
inclusive em Roma, onde no ano de 370 existiam 
28 bibliotecas públicas, um índice considerável se 
forem feitas comparações com fases mais recentes.
Dessas grandes coleções do passado quase tudo 
foi perdido. Os manuscritos que se conservam hoje 
são cópias feitas séculos depois da morte de seus 
autores. Nas poucas obras que subsistiram dessa 
Antigüidade que fez pirâmides eternas e papiros 
precários, ou templos e palácios sólidos, mas 
pergaminhos frágeis, há referência a muitos outros 
textos que se perderam definitivamente. Por 
exemplo: Esquilo escreveu setenta tragédias e
' -
■pp ~TT
Sófocles, 123; de cada um restaram sete obras. Não 
sobreviveram, também, 75 tragédias de Eurípedes 
e 29 comédias de Aristófanes, além de obras de 
Tácito e T ito Lívio. Com certeza, a produção 
literária foi várias vezes superior ao que o homem 
conseguiu reter durante mais de vinte séculos. 
As cópias manuscritas eram raras e caras (faziam-se 
poucos exemplares de cada obra) e a precariedade 
física do suporte fez com que a maior parte do 
registro do pensamento humano que precedeu a 
imprensa se perdesse.
Foram os cristãos os que mais contribuíram para 
a preservação das obras literárias (a partir da queda 
do Império Romano, apesar de eventuais ataques a 
livros e bibliotecas). Em seus redutos eles forma­
vam acervos com o objetivo de conservar os livros 
litúrgicos, textos das Escrituras e escritos dos 
padres. Nos conventos juntavam essas obras e os 
religiosos, habilitados, em trabalho paciente, 
ocupavam parte de seu tempo na tarefa de passar 
para os pergaminhos os textos que lhes pareciam 
mais úteis, quase sempre os religiosos. Também 
textos profanos foram copiados dentro dos mos­
teiros — o que propiciou a conservação de obras 
que, provavelmente, estariam perdidas se não fosse 
o lavor minucioso dos religiosos. Eles, notadamente 
os beneditinos, cuja Regra monástica prescrevia a 
leitura, no scriptorium desenhavam com penas e 
tinta as letras e as iluminuras. Na Regra beneditina, 
os empréstimos de livros aos monges eram feitos no
\
começo da Quaresma e o prazo de leitura estendia- 
se até o final do ano.
Na Idade Média, as abadias foram o repositório 
literário que servia a uma parte do segmento 
letrado. Mas não só os religiosos retinham e preser­
vavam os manuscritos; os reis e outras personali­
dades de destaque começavam progressivamente a 
formar as suas coleções particulares. A obra literária 
era cara e só os mosteiros (que a produziam) e os 
homens que detinham o poder davam-se ao luxo de 
possuir um livro. Nesse período, uma coleção 
média de manuscrito' tinha em torno de duzentos, 
trezentos volumes.
O surgimento da universidade acelerou a produ­
ção de manuscritos. Nos espaços onde as obras 
podiam ser consultadas, os volumes mais usados 
permaneciam acorrentados nos locais de leitura.
A difusão do papel no Ocidente (século X IV ) 
barateou as cópias manuscritas, mas o passo mais 
significativo nesse sentido foi a invenção do tipo 
móvel, feito conseguido por Gutenberg, na cidade 
renana de Mogúncia, em meados do século X V .
A impressão, a partir dessa época, permitiu que o 
pensamento humano registrado pela escrita chegasse 
a um número progressivamente maior de pessoas.
O livro deixou de ser produzido pelo trabalho 
caligráfico dos religiosos, volume por volume, e 
passou a sair das of icinas, barateando e acelerando 
o processo. Do artesanato passou-se à fabricação 
em série. Tal fato determinou profundas transfor-
mações que marcaram a história do pensamento 
humano: a circulação de idéias expandiu-se, 
saltou, definitivamente, o muro dos conventos, 
chegando a um número de pessoas cada vez maior.
As bibliotecas deixaram de ser tesouros para se 
tornarem serviços e os livros perderam o seu valor 
mó.arial para se tornarem material de consumo, 
tornando-se domésticos. Os cidadãos passaram a 
formar bibliotecas em suas casas, corno formavam 
os reis pré-Gutenberg.
As grandes coleções, pertencentes ao Estado e 
à Igreja, eram um repositório quase sempre precioso 
do conhecimento humano, onde conservavam-se 
obras raras, tesouros que mais davam a essas 
grandes bibliotecas a função de museu, entendido 
aqui como urrí mostruário histórico. O acesso a 
esses conservatórios literários era restrito. Isso 
perdurou até o século X X . Houve transformações 
históricas que alteraram essa situação, mas sem 
transformá-la substancialmente. A Revolução Fran­
cesa tirou os livros das mãos dos nobres e colocou- 
os à disposição da maioria. A própria Biblioteca 
do Rei, a Mazarine, teve esse destino. Já no século 
X X , a Revolução Russa, mudando as estruturas 
econômicas daquela sociedade, estabeleceu uma 
nova prática para o ensino o o acesso à informação. 
Lenin estabeleceu uma política para as bibliotecas, 
permitindo um rápido desenvolvimento no setor.
A tendência que se clarificou a partir do século 
X IX veio no bojo da Revolução Industrial. A
v____________________________________________ J
biblioteca/museu deixou de ser a única possibili­
dade enquanto coleção pública, passando a existir 
a biblioteca/serviço, oferecida ao público. Essa 
tendência foi se espalhando no rastro da expansão 
do operariado: a nova biblioteca tinha uma deter­
minada função educativa, caracterizando-se como 
um presente filantrópico que se dava aos segmentos 
populares, os mais necessitados de ilustração.
Posteriormente, já no limiar do século X X , 
sobrepondo-se à idéia de biblioteca como uma 
forma de organização dosaber, delineou-se para ela 
uma nova função: sistematizar o acesso às infor­
mações. Ter dados à disposição, funcionalmente, 
passou a ser uma nova necessidade A informação 
tornou-se um bem acumulável e valorável. "Um 
homem informado vale por dois." Saber e poder 
passaram a ter uma trajetória claramente paralela. 
Do profissional especializado ao cidadão comum, a 
necessidade de informar-se caracterizou-se como 
algo prioritário. A biblioteca passou a ser o terri­
tório mais adequado a esse exercício determinado 
pelas transformações sociais: o desenvolvimento 
industrial, a competição acirrada em todos os 
setores, notadamente no científico-tecnológico 
(em particular durante as guerras). A partir disso, a 
informação foi vista como um elemento estratégico 
para a segurança e o desenvolvimento.
Essa necessidade foi sentida inicialmente nos 
países mais desenvolvidos nas ciências e nas téc­
nicas, e que chegaram a esse estágio sobre o emba-
L
U que è Biblioteca 23
sarnento sólido de um sistema escolar. Nenhum 
empreendimento científicopoderá se sustentar 
sobre uma escola frágil. Sem reforçar as bases, 
através de maciço investimento na educação, do 
primeiro grau à universidade, não será possível 
gerar sequer os usuários para a utilização dos 
complexos sistemas oferecidos. O mais completo 
sistema informativo na área de energia nuclear, 
por exemplo, não poderá produzir os benefícios 
se não existirem pesquisadores para utilizá-lo. 
Mesmo a subutilização é contraproducente, pois 
os benefícios não corresponderão ao investimento. 
Os sistemas de informação devem apoiar-se no 
sistema integral de ensino, permitindo um fluxo 
ascendente daqueles que se interessam pela investi­
gação. Assim, a instituição criada para controlar a 
informação num determinado setor do conheci­
mento humano não será um presente pouco prático 
e sem uso integral, mas responderá a uma exigência 
do meio social de onde emerge e pelo qual é finan­
ciada. Os países subdesenvolvidos correm o risco de 
estabelecerem sofisticados programas de informação 
científica sem o respaldo de uma educação integral 
eficiente. A escola brasileira, por vezes, tem a 
aparência de uma pirâmide invertida: falta a base 
de formação escolar mais eficiente, essa que 
desenvolve nos indivíduos o interesse pelas infor­
mações. E ao mesmo tempo propicia o acesso a 
centros organizados, onde os dados estejam ao 
alcance e tenham função.
________________ ffl _______________
NO BRASIL
A formação intelectual do Brasil, com o seu 
analfabetismo endêmico, mostra algumas caracte­
rísticas peculiares. Os jesuítas, como instrumento 
apostólico, trouxeram os livros para evangelizar e 
colonizar — ações que se confundem. Fora do 
fardo dos filhos de Santo Inácio, os livros enfren­
tavam no Brasil algumas barreiras alfandegárias.
Os portugueses foram sempre rigorosos com a 
publicação e circulação de impressos. Desde 1536, 
qualquer impressão de livro passava por três 
censuras: Santo Ofício e Ordinário (da Igreja 
Católica) e o Desembargo do Paço (poder civil).
As censuras eram independentes. A primeira lista 
de obras proibidas surgiu em 1551 sob a responsa­
bilidade do Cardeal Inquisidor Geral, o Infante 
D. Henrique. Em 1768, o Marquês de Pombal 
aperfeiçoou a censura, unificando as três existentes
v_____________________________________________ J
sob a denominação de Real Mesa Censória. Só em 
1821 foi abrandada a censura, isso quando o 
Brasil rompia com Portugal.
Essa prática estendeu-se à Colônia de forma 
rigorosa, ainda que a repressão às obras "ímpias” 
nem sempre pudesse ser exercida em sua plenitude. 
Muitas obras passavam pela alfândega e isso é 
atribuído ao desconhecimento das ordens da 
censura ou à pura ignorância dos funcionários, 
incapazes de avaliar a obra. Tal fato não é de se 
estranhar, pois as instruções da Biblioteca Pública 
da Bahia, a primeira do Brasil (1811), em relação 
ao bibliotecário, prescreviam: "Deverá ser um 
sujeito de muito boa conduta que saiba bem ler, 
escrever e contar". A ignorância generalizada e a 
desorganização levaram à vulnerabilidade e à pene­
tração de obras explicitamente proibidas. Rubens 
Borba de Moraes, bibliófilo e bibliotecário, locali­
zando na Bahia a Encyclopédie de Diderot e 
d'Alambert, obra proibidíssima, observa que a 
mesma para chegar ao seu destino passou pelas 
polícias da França, Portugal e Brasil.
De qualquer forma, os livros importados da 
Europa aglutinavam-se nas mãos de particulares 
ou, mais comumente, nos conventos. Estes foram 
os repositórios mais abastecidos do período colo­
nial. As ordens religiosas não monopolizavam a 
geração e circulação do pensamento, mas cobriam 
um vasto espaço dessa reduzida prática nos três 
primeiros séculos. Os jesuítas, principalmente
V____________________________________________ J
( \
eles, formavam bibliotecas em seus conventos para 
ensinar e aprender, utilizando os livros sobretudo 
para a propagação da fé. A obra jesuítica foi 
fundamentalmente catequética, buscando implantar 
na selva o reino de Deus, tarefa memorável que 
exigiu daqueles missionários tenacidade acima de 
tudo. Essas pequenas bibliotecas conventuais 
alimentavam a fé, convertiam, fortaleciam a 
crença e também implantavam nas selvas e nas 
tabas o espírito apologético — a verdade da fé do 
colonizador.
Avaliar até que ponto esses núcleos letrados 
podem ter contribuído para o desenvolvimento do 
pensamento é tarefa difícil e controvertida. E 
certo que as duas censuras da Igreja em Portugal 
cerceavam a circulação de livros e não seriam os 
jesuítas os que romperiam com essa imposição.
A seleção dos livros para as bibliotecas dos con­
ventos era rigorosa, sendo suprimidas radicalmente 
as obras consideradas obscenas; as heréticas eram 
admitidas com as devidas cautelas, inclusive para 
que fosse possível rebater as heresias nelas contidas. 
Também os livros poéticos sofriam restrições 
dentro da pedagogia jesuítica. A orientação maior 
provinha do Index librorum prohibitorum, ao qual 
se recorria para saber se uma determinada leitura 
era pecaminosa, indo contra a fé ou contra os 
costumes. Os dogmas, os mandamentos, as ordena­
ções e os decretos conformavam o pensamento de 
tal forma, que sair dele levava à punição. A liber-
i u J - t l À l ò m t u m K S l
\
dade de investigação não foi uma prática nos três 
primeiros séculos de colonização. Aliás, ela não é 
uma característica da Companhia de Jesus.
Quando Pombal, em 1759, expulsou os jesuítas, 
substituindo-os por outros religiosos, os padres 
partiram, deixando aqui as suas bibliotecas. Prati­
camente abandonados, esses primitivos acervos 
foram levados à hasta pública. Algumas coleções 
perderam-se pela falta de conservação. Outras, sem 
compradores, foram utilizadas para outros fins 
que não os da leitura, E significativo constatar que 
os livros não encontraram compradores.
Se para os jesuítas não era possível vislumbrar 
para o livro uma outra função senão a catequética, 
para o rei era uma possibilidade de contestação 
ao estabelecido. Qualquer forma de impressão era 
proibida na Colônia. Em fevereiro de 1747 foi 
instalada no Rio de Janeiro uma tipografia. Em 
julho, por ordem de Lisboa, foi fechada. O funda­
mento mais claro para a medida seria a eventual 
concorrência que uma indústria brasileira pudesse 
fazer à da metrópole. A Carta Régia é taxativa: 
cadeia para quem ousasse imprimir papéis. Os 
livros deveriam vir de Portugal, através de impor­
tação regularizada.
Tais medidas não impediram que muitos particu­
lares tivessem boas coleções ou até mesmo que 
bibliotecas fossem formadas com certa prodigali­
dade para o meio. A da Bahia, já citada, tinha 
milhares de livros, muitos deles proibidos. Devassas,
V_________________________________ J
; N
seqüestros, espólios, atestam a existência na 
Colônia de muitas obras que refletiam a evolução 
do pensamento europeu na época. É o caso dos 
inconfidentes de Vila Rica. Alguns tinham notáveis 
coleções, como atestam os Autos da Devassa da 
Inconfidência Mineira. Não se sabe se as bibliotecas 
desses homens ilustrados eram clandestinas. Sabe-se 
claramente que eles foram incriminados também 
em razão de determinadas obras que possuíam. 
é o caso de Tiradentes, que foi flagrado com a 
Coleção das Leis Constitucionais dos Estados 
Unidos da América. Cláudio Manuel da Costa 
juntou em vida 388 volumes e o Padre Luís Vieira, 
com oitocentos volumes arrolados na devassa, era 
proprietário de uma das mais amplas e completas 
coleções do Brasil de então. Esse acervo equipa- 
rava-se a uma selecionada coleção européia.
Depois da invasão jesuítica do século X V I, a 
maior transformação que a Colônia sofreu em sua 
vida intelectual foi a vinda de D. João V I em 1808. 
Espantada pelas tropas napoleônicas, a Corte 
portuguesa chegou ao Brasil trazendo parte da 
civilização lusitana.Nessa época, Portugal não 
ostentava o poderio e brilho do século X V I. 
Portanto, o que aqui chegou não refletia, exata­
mente, as conquistas de alguns países europeus, 
notadamente no campo intelectual. Portugal nessa 
época era um país de economia periférica e com 
uma produção material e simbólica equivalentes.
O Brasil, portanto, sofria uma colonização dupla, 
v_____________________________________________________ )
 -
Apesar disso, a chegada de D. João V I ao Rio de 
Janeiro provocou profundas mudanças no país.
Com os tesouros da Corte, o rei incluiu em sua 
frota um precioso carregamento: a Biblioteca Real. 
Era formada por milhares de livros. Foi instalada, 
inicialmente, no Hospital da Ordem Terceira do 
Carmo e inaugurada em 1811. Três anos depois, 
com 60 mil volumes, foi aberta ao público. Após a 
Independência, foi anexada ao patrimônio público, 
constituindo-se no acervo básico da Biblioteca 
Nacional.
Também chegou ao Brasil, nos porões dos navios, 
a tipografia para a constituição da Imprensa 
Régia. Até aquela data as oficinas tipográficas 
estavam totalmente vetadas por Lisboa. Depois, 
sob a tutela da Corte, só em 1808 foram editados 
37 títulos e até 1822, 1154. Todo esse trabalho 
editorial foi realizado sob a censura, conforme a 
legislação portuguesa. Quando a imprensa chegou 
ao Brasil, o corpo censório estava firmemente 
estabelecido. Ou seja, a imprensa nasceu no Brasil 
depois da censura.
Essa grande Biblioteca Real e a Imprensa Régia 
por certo não tiveram a mesma significação das 
coleções particulares quanto à difusão e circulação 
de novas idéias. Em Vila Rica não existia uma 
biblioteca pública e foi lá que a devassa apontou 
obras interditadas que traziam pensamentos revolu­
cionários para a Colônia. E provável que essas obras 
subversivas circulassem entre os inconfidentes.
permitindo a eles uma ilustração que os colocava 
não apenas acima do nível geral de reflexão, mas 
também particularmente contra a situação de 
dependência do Brasil. Em que medida os livros 
propiciaram a circulação de idéias? A difusão oral 
não foi mais significativa? E difícil indicar uma 
resposta. As conjeturas apontam uma elevada 
porcentagem de analfabetos como o elemento que 
cercearia a circulação de livros, mas não as idéias 
neles contidas. Então, poucos livros seriam repro­
duzidos oralmente em progressão que poderia 
significar também distorção.
Após a Independência, um ânimo novo leva a 
projetos de construção do país. Fundam-se jornais 
e com eles implantam-se as tipografias. Novas 
idéias devem ser divulgadas, defendidas, e a im­
prensa torna-se o veículo fundamental nesse pro­
cesso. E com os jornais surgem os folhetos, os 
livros. É um novo tempo para o pensamento no 
Brasil. Abrem-se escolas, criam-se jornais, circulam 
idéias. 0 livro tem o campo de penetração ampliado. 
0 cerceamento é menor à literatura, a população 
passou a ter o acesso a ela facilitado. Além da 
Biblioteca Pública da Bahia (1811) e da Biblioteca 
Imperial e Pública do Rio de Janeiro (Biblioteca 
Nacional), incorporada ao patrimônio do Estado 
em 1825, novas foram criadas: Biblioteca da 
Faculdade de Direito de São Paulo, uma junção 
das bibliotecas da Cúria e do Mosteiro de São 
Francisco, compradas com o objetivo de servir a
uma futura universidade paulista. Esse objetivo não 
foi totalmente logrado pois, quando da fundação 
do Curso Jurídico, a biblioteca passou a servir a 
ele, oferecendo aos leitores mais de 4 mil livros 
(1828). Em 1829, foi criada a Biblioteca Pública 
do Estado do Maranhão e, no ano seguinte, a Biblio­
teca da Faculdade de Direito de Pernambuco. Em 
1837, fundou-se uma outra biblioteca pública no 
Rio de Janeiro: a do Real Gabinete Português de 
Leitura. Progressivamente, outras foram criadas, 
ampliando as possibilidades de acesso ao livro.
Esse entusiasmo pós-Independência só ressalta a 
situação precária que predominava anteriormente. 
Um confronto com outros países latino-ameri­
canos revela com clareza a difícil situação brasileira.
Na época da Independência havia mais de 80% de 
analfabetos, certamente excluídos desse cálculo 
os índios e os escravos. Os sistemas de ensino 
então criados não foram capazes de superar em 
pouco tempo as deficiências acumuladas. A popu­
lação era majoritariamente analfabeta. O Segundo 
Reinado ofereceu um imperador bibliófilo, mas 
isso não alterou nada. No começo do século X X , o 
índice de alfabetizados não chegava a 30%. A 
República não mudou substancialmente a paisagem. 
Quem lia no Brasil no começo deste século? 
Talvez os padres, os bacharéis, alguns profissionais 
liberais e estudantes. E, curiosamente, a produção 
literária era intensa, fazendo supor que uma 
porcentagem relativamente alta dos leitores era
 ^ )
32 Luis Milanesi
tarnbém de criadores. Na República das Letras, o 
ato de escrever, principalmente poesias — os inde­
fectíveis-sonetos —, era ação gratificante, prova­
velmente conferidora de status. A imprensa brasi­
leira do começo do século revela em suas páginas 
essa proliferação literária. O leitor era um plumitivo 
e os seus ídolos eram Coelho Neto, Bilac e outros 
situados numa posição semelhante è que ocupam 
hoje os heróis de indústria cultural.
Essa reduzida parcela letrada da população 
perdia-se na vastidão do país, incapaz de estender 
a todos os benefícios da escola. Ainda em 1890, 
um intelectual encarregado pela República de 
organizar a educação no país, Benjamin Constant, 
estava à frente de um órgão que oferecia os instru­
mentos para agir: o Ministério da Instrução, Correio 
e Telégrafos, o que indica a importância que era 
atribuída ao ensino. Nessa época, apenas três 
editoras sobreviviam: Laemmert, Garnier e Fran­
cisco Alves.
Os escritores da época, mesmo aqueles que eram 
ídolos nacionais, não conseguiam viver da literatura. 
O máximo que alcançavam era o trabalho em 
jornais, o que permitia a eles, de certa forma, escre­
ver. Por isso, em suas obras, demonstravam um 
certo ceticismo em relação às possibilidades de 
produção e consumo de obras literárias no Brasil. 
Coelho Neto, desencantado com as perspectivas 
editoriais em seu tempo, criou em seu livro A 
conquista o seguinte diálogo:
O que é Biblioteca 33
Dizem que a população do Brasil é de treze milhões 
mais ou menos.
— Pois bem: doze milhões e oitocentos mil não sabem 
ler. Dos duzentos mil restantes, cento e cinqüenta 
lêem livros franceses, trin ta lêem tradução, quinze mil 
lêem a cartilha e livros espíritas, dois mil estudam 
Augusto Comte e mil procuram livros brasileiros.
— E os estrangeiros?
— Não lêem livros nacionais.
— Ora, não lêem . . .
— Não lêem! Isto é um país perdido."
Quando o Brasil chegou aos 20 milhões de 
habitantes — começo do século —, uma edição rara­
mente chegava a ter 2 mil exemplares. Monteiro 
Lobato, inquieto com a situação, sem deixar 
abater-se enquanto editor, reclamava numa carta a 
Godofredo Rangel do desinteresse pelos escritores 
e pelos livros. Referindo-se à casa editora Francisco 
Alves dizia que era melhor tirar as obras de Machado 
de Assis das estantes e colocar legumes, mais 
lucrativos, concluindo: "O Brasil é uma horta, 
Rangel".
Depois de 1920. Lobato, a partir de bases 
modernas, transforma o panorama editorial com 
uma série de lançamentos bem-sucedidos comer­
cialmente e sustentados por campanhas publici­
tárias inéditas.
No entanto, esse esforço editorial, apesar de sua 
pujança, desenvolvia-se sobre terreno não confiável.
c ------------------------------------------------------------------------------------------^
Não se passa impunemente por quatrocentos anos 
de analfabetismo e não seriam alguns êxitos edito­
riais que alterariam o panorama.
A partir da década de 20 surge o rádio, criando 
uma nova situação. Já antes disso existia o cinema,mas ele não tinha o alcance da radiofonia, que, 
progressivamente, se popularizava. Na década de 
50, surge a televisão e reforça a característica 
básica do rádio: a simultaneidade da re c e p ç ã o 
coletiva. Notadamente depois da década de 40, o 
rádio tornou-se popular, difundindo as suas men­
sagens sobre uma população com alto índice de 
analfabetismo. E logo depois a T V continuou o 
mesmo caminho, ampliando-o. O que isso quer 
dizer? Sem maiores desdobramentos, que a popu­
lação brasileira passou direto da oralidade aos 
meios de comunicação que a reforçaram, sem que 
existisse a possibilidade da cultura letrada — como 
ocorreu em quatrocentos anos pós-Gutenberg na 
Europa. Sem pretender entrar no mérito do pro­
blema e fazer conjeturas de valor, apenas o fato 
é ressaltado: em quatro séculos, a população total 
do Brasil teve uma precária experiência com a 
cultura letrada. A telerradiodifusão do país orga­
nizou o seu conteúdo a partir dessa cultura.
A pergunta: o brasileiro lê pouco?, poderão 
surgir várias respostas, inclusive sim e não. Lê 
menos que o francês ou o argentino, mas isso não 
quer dizer muito. Quando se afirma que o brasi­
leiro lê pouco, pensa-se, basicamente, no fato de 
v __________________________________
—
existirem uma baixa produção de livros, um alto 
índice de analfabetismo e, como conseqüência, 
uma rede deficiente de distribuição. Estatistica­
mente a situação pode ser calculada; é, entretanto, 
mais complexo o significado da leitura para o 
brasileiro. Quando se constata que a porcentagem 
maior de venda de impressos concentra-se em 
publicações banais, a leitura pode ser tomada como 
ação que beneficia o leitor? Daí a preocupação 
com as estatísticas, pois os números nem sempre 
revelam a essência.
A década de 60 marcou a expansão da T V , o 
meio de comunicação ao qual se atribui com 
alguma freqüência o poder de desviar o público do 
livro. É outro ponto de dúvida e cuja resposta não 
será encontrada em relatórios estatísticos. Tanto o 
rádio como a televisão são meios que dispensam a 
habilidade da leitura. Para ter acesso a eles é 
preciso apenas conhecer a língua (e, por momentos, 
nem isso é necessário). Isso quer dizer que uma 
parte do público pôde ter acesso a informações 
que nunca teria se não existissem esses meios. 
Para o público letrado houve a possibilidade, entre 
outras, de ler e ver televisão. Parece que, aí, a T V 
realmente absorveu uma faixa do tempo disponível 
das pessoas. O rádio quando surgiu passou a ser 
uma diversão alternativa que, por certo, ocupou 
um espaço anteriormente reservado a outras 
formas de lazer, à leitura, por exemplo (mesmo 
que fosse dos romances da divulgada "coleção das
------------------------------------------------------------------------------------------''l
moças” ). A radiofonia substituiu uma parte da 
leitura/lazer. A radionovela e a telenovela tornaram 
pouco atrativa a leitura digestiva. Posteriormente, 
firmou-se a fotonovela, mas como um tipo de 
leitura mais propício aos curtos momentos de 
locomoção (ônibus), a espaços entre duas ativi­
dades ou em locais de espera. Certamente não será 
necessária uma comprovação estatística para 
verificar que o número total de horas que o brasi­
leiro alfabetizado dedica aos programas de televisão 
é superior ao tempo gasto com leituras, sejam elas 
quais forem. É preciso ressaltar que os indivíduos 
que procuram na literatura a fruição da obra de 
arte não encontram na radiofonia uma alternativa 
satisfatória, pois o rádio, chegando a uma faixa 
mais ampla da população, torna o seu conteúdo 
mais fácil para que ele possa ser aceito. Aos leitores 
habituais de Machado de Assis, Euclides da Cunha,
Eça de Queirós, Emile Zola (freqüentes no começo 
do século), o rádio comercial não poderia satisfazer. 
Não é por causa de Fiávio Cavalcanti que as pessoas 
deixarão de ler Guimarães Rosa.
Nas primeiras décadas do século X X houve proli­
feração de pequenas bibliotecas, um reflexo 
atenuado da tendência européia desde o século 
anterior de se organizar bibliotecas populares. 
Aparecem as bibliotecas como um benefício 
social, organizadas por associações e tendo sempre 
um patrono como a coluna-mestra do empreendi­
mento. A ação governamental em relação a essas
 '
0 que é Biblioteca 37
bibliotecas é fraca. Os governos sempre tomaram a 
iniciativa de doar livros como se isso pudesse ser 
um estímulo ao fortalecimento delas. O esforço 
partia de indivíduos ou de grupos que se organiza­
vam. Em alguns casos, fundava-se uma entidade 
para dar respaldo a uma biblioteca; outras vezes, 
ocorria o oposto: criava-se uma biblioteca dentro 
de uma entidade cujo fim precípuo não era orga­
nizá-la. Talvez dessa insistência em relação às 
bibliotecas tenha surgido, quase tradicionalmente, 
nos estatutos de associações civis, um cargo, o de 
bibliotecário, que, pela inutilidade, desapareceu 
desses documentos. De qualquer forma, está 
registrado que houve um tempo em que as associa­
ções recreativas tinham, estatutariamente, o cargo 
de bibliotecário, o que indica que se acreditava 
na importância da biblioteca para as entidades 
associativas.
Essa dimensão de utilidade que se dava às 
bibliotecas vinha fundamentalmente da idéia da 
"boa leitura” tão divulgada pelos meios religiosos. 
Atrás dela assentavam-se os projetos amplos de 
"boa formação". A chamada Ação Católica foi 
uma grande estimuladora da abertura de bibliotecas 
para levar os jovens, principalmente, aos "bons 
livros". Um pensamento que esteve em voga por 
anos foi: "A brir uma biblioteca é como fechar 
uma cadeia". Ou seja, a leitura, a "boa", era uma 
forma de redenção. Paralelamente, os livros que 
não recebiam essa classificação eram sumariamente
38 L uís Milanesi
condenados e suprimidos. As entidades religiosas, a 
Congregação Mariana, por exem plo, foram grandes 
promotores da leitura. E, se foram positivas nesse 
aspecto, não se pode deixar de fazer uma ressalva 
à rígida censura que dividia os livros em "bons” e 
"m aus” , ou em edificantes e prejudiciais. As b ib lio ­
tecas que essas associações organizaram, de uma 
form a geral, entraram em decadência e, sim ulta­
neamente, as próprias entidades. Algumas perderam 
a função. Por outro lado, deve ser ressaltado que a 
própria função do livro m udou: de lazer e instrução 
ele passou a instrum ento quase exclusivo para os 
trabalhos escolares, as chamadas "pesquisas", uma 
atividade meramente prática, rotineira. A função 
do prazer d im inuiu, bem como o papel, a idéia do 
apostólico ligada à leitura.
* 0 «
A ESCOLA
A Reforma do Ensino de 1971 decretou, oficial­
mente, a prática da pesquisa na escola. E como 
pesquisar supõe livros, a biblioteca passou a ser 
procurada pelos estudantes do primeiro e do 
segundo graus.
Talvez, a instituição do ato de pesquisar como 
uma obrigatoriedade tenha sido determinada a 
partir da constatação de que o professor tem 
funções mais importantes do que discursar sobre 
os temas dos programas de ensino.
A escola brasileira, com algumas variações, 
funcionou e ainda funciona dentro de um esquema 
que leva o aluno à reprodução de discursos. Ao 
professor cabe preparar a aula. Ele lê. O quanto lê 
depende do professor e das circunstâncias. Se 
estiver em início de carreira, provavelmente lerá 
mais do que o profissional que diariamente calcula
v______________________________________________________)
I P Luís Milanesi
o quanto falta para se aposentar. A renovação no 
magistério exige uma flexibilidade que o funcio­
nário público nem sempre tem. A aula expositiva 
torna-se uma rotina. Por isso, o professor já tem a 
matéria na ponta da língua; ele próprio deixa de 
fazer pesquisa. Ano após ano expõe aos alunos 
aquilo que entende como pertinente ao programa, 
e acredita ser o seu discursoa expressão da verdade. 
O professor sabe, e por isso cabe a ele expor. Ao 
aluno 'resta ouvir e, de preferência, reter. Alguns 
tomam notas — o que pode levar o professor a 
colaborar com essa boa vontade, proferindo 
pausadamente o seu discurso, tão pausadamente 
que a oratória acaba recebendo uma outra denomi­
nação: ditado. De qualquer forma, os alunos, 
como receptores das mensagens, devem, no 
momento em que forem solicitados, provar que 
não desconhecem o conteúdo da exposição, ou 
seja, que sabem exatamente aquilo que o mestre 
disse. Os professores organizam ritos de passagem 
para averiguar se aos discípulos pode ser conferido 
um novo grau estabelecido pelo sistema escolar. 
Os alunos são provados, fazem prova. O professor 
decide quem será aprovado ou reprovado, restando 
a este último prestar mais atenção às aulas e saber 
reproduzi-las. A prova pode ser oral ou escrita. 
No primeiro caso, a denominação comum é "cha­
mada oral” . Nela o professor "toma o ponto". 
Isso sugere que o professor "prepara o ponto", 
apresenta-o aos alunos, que devem retê-lo para que
42 l u i s M i la n e s i
A
o mestre, ao retomá-lo, encontre-o íntegro. A traje­
tória da informação é longa e desgastante (tanto 
para a informação quanto parg os participantes do 
ritual). Do livro dos mestres ao discurso para os 
alunos, da retenção à retomada da informação, há 
perdas e, às vezes, curiosos acréscimos. De qualquer 
forma, cabe ao professor estabelecer a sua verdade 
e cabe aos alunos reproduzi-la, perfeitamente, se 
possível. Por certo esse é um dos motivos, senão o 
único, da tendência ao ato de memorizar. Daí, os 
recursos mnemônicos ou, mais prosaicamente, a 
"cola” . A reprodução fiel é a garantia do diploma. 
Se o aluno cometer algum deslize criativo, poderá 
sofrer alguma forma de punição. No jogo da 
pergunta/resposta o professor deve perguntar o que 
ensinou e o aluno deve responder o que aprendeu. 
Fora disso, o desastre. 0 aluno só será aprovado se 
no instante preciso mostrar que sabe aquilo que o 
professor quer que ele saiba.
Esse sistema de ensino, que é ainda a regra, 
domina todas as fases da escola e entra triunfante 
na universidade. Existem os disfarces (na universi­
dade os alunos tomam notas taquigráficas das 
aulas), mas o arcabouço do sistema permanece: 
o professor é o profissional que sabe mais e que é 
pago para transferir aos alunos a sua sabedoria; o 
aluno sabe menos, cabendo a ele, como num 
sistema de vasos comunicantes, receber esse con­
teúdo transbordante de conhecimento. O magister 
dixit, ou seja, Roma locuta, causa fin ita : a autori-
O que é Biblioteca 43
dade do professor está acima de tudo, reprodu­
zindo na escola, num reflexo reduzido, sistemas 
mais amplos de autoritarismo, E possível e até 
freqüente que exista no professor um discurso 
antifascista, ainda que na prática haja imposição. 
Os alunos, moldados desde o primário nesse 
sistema, mesmo identificando-o, têm dificuldades 
para romper com ele. Se existir espaço livre para a 
criação, emergem os bloqueios.
A Lei 5692 de 1971 pretendeu mudar a escola. 
A Reforma do Ensino, ao que tudo indica, não 
propiciou grandes alterações, pois substancialmente 
a escola pública pouco mudou. A intenção da Lei 
ao reformular foi trazer novas práticas. Isso seria 
correto se o pensamento de Pascal "ensina-me a 
ajoelhar que eu aprenderei a rezaF" tivesse apli­
cação no ensino brasileiro. Ou seja, a inclusão de 
novas práticas não alteraram substancialmente o 
trabalho escolar. Foi instituída a pesquisa, uma 
atividade que veio no bojo de um decreto e que por 
isso transfigurou-se, assumindo os amplos contornos 
e vícios da escola nacional. No instante do desen- 
cadeamento da imposição da pesquisa dois fenô­
menos foram observados: 1) a ineficácia de um 
decreto que exige mudanças sem levar em conta as 
deficiências sedimentadas ao longo da história do 
ensino no país; 2) a inexistência de bibliotecas em 
condições de servir de base para o desenvolvimento 
das pesquisas. Em resumo: pretendeu-se mudar 
por decreto aquilo que só uma prática a longo
 \
prazo poderia alterar. E, além disso, a infra-estrutura 
material tornou a prática mais inexeqüíve! ainda. 
Deve ser observado que a atividade de pesquisa só 
poderia ser realizada se os próprios professores 
tivessem habilidade nessa tarefa. A í, provavelmente, 
esteja situado o obstáculo maior: os professores, 
encarregados de dimensionar a pesquisa como 
prática elementar do processo educativo, de um 
modo geral não conseguiram concretizar o objetivo 
em função de um fato elementar: eles próprios 
nunca fizeram pesquisa. Então, a tarefa de pes­
quisar passou a definir uma nova atividade, aquela 
que efetivamente poderia ser- realizada: copiar 
textos. Os editores, atentos ao mercado, atendendo 
a uma nova exigência, passaram a oferecer um 
produto perfeitamente ajustável à nova situação 
do ensino público: enciclopédias. Algumas delas, 
altamente especializadas: "enciclopédia de pes­
quisa". Ou seja, obras cujos verbetes coincidissem 
com os tópicos dos programas de ensino. Já que a 
escola circunscreve aquilo que os alunos devem 
aprender e exige que eles busquem e copiem esse 
conteúdo, por que não oferecer essa sabedoria 
fragmentada em verbetes — pílulas de rápido 
efeito? Aos pais, fizeram a oferta de livros mágicos 
que poderiam suprir os outros, ou pelo menos 
bastavam para satisfazer as exigências da escola.
Por sua vez, as bibliotecas reforçaram os seus 
estoques de enciclopédias, obras instantâneas de 
referência, para poder atender a esse novo público.
Alterações substanciais no processo educativo 
não ocorreram. Se a escola antes da pesquisa obri­
gatória fundamentava-se numa oral idade pré- 
gutenberguiana, passou depois a ter o traço de um 
enciclopedismo mal copiado. As enciclopédias 
cujos verbetes marcados são aqueles que constam 
dos programas de ensino não passam de camisas- 
de-força que amarram o pensamento e condicio­
nam os primeiros passos na busca do conhecimento.
Por vezes, o ato da cópia torna-se tão mecânico 
que a utilização de copiadoras, tesoura e cola 
engendra-se na normalidade do processo. O livro 
adequado à pesquisa passa a ser um instrumento 
cuja utilidade fundam ental é superar mais uma 
etapa do calendário escolar. Livro: use e jogue.
A transcrição de trechos de livros foi um aperfei­
çoamento do velho ditado. Antes, sem o acesso 
fácil a livros e a máquinas de copiar, o professor 
encarregava-se de ditar o que deveria ser aprendido.
O aluno tinha um caderno de pontos. Agora, o 
caderno de pontos já vem pronto. Basta copiar e 
mostrar. Sem dúvida, o processo fo i acelerado, 
ainda que isso não signifique aperfeiçoamento.
O ditado exigia, pelo menos, que o aluno escre­
vesse. A cópia da enciclopédia, em casos mais 
graves, prescinde disso: basta duplicar e entregar. 
Isso posto, pode ser configurada a atual biblioteca, 
aquela atrelada à escola ou aos seus caminhos: é 
o local onde se cumpre a exigência da pesquisa 
com o menor aborrecimento possível. Ao aluno 
v ________________________________________________________>
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interessa a via mais fácil para satisfazer as exigências 
dos professores. A biblioteca deve facilitar para ele 
esses caminhos, dando acesso direto ao trecho que 
ele deve copiar. Se o assunto for "Caxias", cabe à 
biblioteca indicar o livro e página exatos para 
evitar perda de tempo. Se o assunto for "Transama- 
zônica" (tema freqüente anos atrás), o aluno não 
se preocupa em saber se é contra ou a favor, apenas 
transcreve o que o livro diz — geralmente a favor.
Ao bibliotecário acaba restando uma tarefa 
inglória: guarda-enciclopédia. Se ele se situar na 
expectativa da escola não passará de um organi­
zadorde livros nas estantes. No instante em que os 
grupos de alunos chegarem à biblioteca, ele terá 
condições de indicar a obra exata (e a página), 
colocando-a a serviço dos alunos na sua tarefa 
de cópia.
Essa atividade mecânica, identificada na escola 
como "pesquisa", é o oposto do que pretende ser. 
Como ponto de partida, deve ser ressaltado que 
não pode existir pesquisa sem que haja dúvida, 
pelo menos um traço dela. De um modo geral, o 
aluno toma conhecimento do que precisa saber 
para ser aprovado. Ele deve, por exemplo, saber 
algo sobre a "Guerra do Paraguai", aquilo que está 
em determinada obra. Se isso é importante para ele 
ou se existem conflitos de informações e interpre­
tações relativas ao assunto, quase nunca se discute.
0 aluno tem poucas oportunidades de chegar à 
situação-base do pesquisador: saber o que não
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sabe. A escola que o brasileiro cursa (quando o 
faz) é discurso de certezas. Ela está plena de !!! e 
por isso estão em falta as ??? A ! deveria sempre ser 
precedida pela ? As !! I do magister vão ocupando 
os eventuais espaços das ??? dos alunos que, desde 
cedo, aprendem numa prática de sala de aula a não 
ter dúvidas. A interrogação de um aluno é uma 
trinca no sistema escolar que foi erigido.
Quando a escola fecha o campo da dúvida, cria 
barreiras ’à prática da busca. Em algumas escolas 
mais providas de recursos, adotam-se os chamados 
recursos audiovisuais para aperfeiçoar o discurso: 
projeções, discos e, mais recentemente, vídeo. 
0 avanço tecnológico velozmente cria esses recursos 
e com eles incrementa o mesmo discurso do profes­
sor. Ou seja, o pacote de informações que se 
pretende transferir aos alunos vem embalado de 
forma mais sedutora, atrativa. 0 aluno "aprende" 
melhor com as maquininhas de ensinar. A parafer­
nália eletrônica que a fartura permite utilizar 
também nada altera em substância a prática da 
imposição de conhecimento. Essa concepção de 
ensino não está distante de uma prática que, geral­
mente, se denomina adestramento. Antes os alunos 
decoravam as capitanias hereditárias sem entender 
nada daquilo; depois passaram a copiar verbetes e 
trechos de livros sobre as capitanias sem, ainda, 
entender. No presente, todos cantam o Hino Nacio­
nal sem saber o que significa, exatamente, "se o 
penhor dessa igualdade", ou "florão" ou "fúl-
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gidos" . . .
Na prática do adestramento a gratificação é o 
torrão de açúcar. Na escola é a nota. A voz do 
dono é reproduzida. 0 objetivo é passar de ano. 
Após a prova, o aluno descarta as informações 
inúteis que acumulou e que, de fato, quase nunca 
servem para nada.
Em oposição a isso, a pesquisa busca a criativi­
dade. Antes de tudo é preciso definir o que procurar; 
depois, como procurar. O passo seguinte será a 
seleção dos dados coletados. E, por fim , a combi­
nação desses dados para que seja possível a expli­
cação desejada. Esse processo, com as devidas 
adaptações, pode e deve ser usual em qualquer nível 
de escolaridade.
A biblioteca, como núcleo de informação, é o 
serviço que dispõe as informações para o público. 
Tratando-se de escolares, que tipo de informação a 
biblioteca deve oferecer? Em teoria, todas aquelas 
que, num determinado instante, possam responder 
a uma dúvida. Durante a busca, duas ou mais 
informações podem entrar em conflito. Ou podem 
completar-se, reforçando um ponto de vista. Em 
suma, na medida em que um dado é procurado, de 
acordo com a amplitude do acervo e da qualidade 
dos serviços oferecidos, criam-se situações de 
decisão que, por exemplo, quase nunca ocorrem 
numa sala de aula. De um modo gerai, o mestre é 
o emissor de um pensamento articulado em infor­
mações desejavelmente coerentes. Já uma busca de
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 ^
informações em livros poderá levar o pesquisador 
a múltiplas informações. 0 professor é o canal 
único, como se ele fosse um livro. A biblioteca 
contém muitos livros, formando um conjunto 
complexo de conflitos e reforços. Cabe ao leitor 
aprender a entrar e a sair — principalmente a sair — 
desse jogo. A biblioteca é um conjunto de discursos, 
é como se ela fosse milhares de aulas impressas, 
das quais os alunos aproximam-se sem imposições 
e bloqueios. E, ainda, a biblioteca é mais do que 
livros, é informação, seja de que tipo for. A não 
existência desse serviço faz com que o professor 
seja a única fonte. Ou, se o professor insistir em 
representar a única opção de conhecimento, a 
biblioteca perde o seu sentido, tornando-se absolu­
tamente dispensável. Um conflito pode estabele­
cer-se no momento em que um professor impõe 
a sua informação como a única (a que dá passagem 
para o diploma), ao lado de uma biblioteca, centro 
de informações, que pode levar um aluno a discor­
dar do mestre. A biblioteca é um antídoto ao 
dogmatismo na medida em que ela oferece infor­
mações sem censura. A autoridade escolar é usada 
para levar uma versão (e até para ocultar igno­
rância). A biblioteca anula essa autoridade e dá a 
possibilidade de ampliação das informações e do 
campo de debates. Na biblioteca o professor é um 
aluno também. Juntos é que buscarão o conheci­
mento, discutindo passo a passo os obstáculos 
para se chegar a ele. 
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0 estágio da escola brasileira, no entanto, leva à 
conclusão de que a existência ou não de bibliotecas 
em função do ensino pouco alteraria a essência da 
escola pública. Isso só ocorreria se, numa súbita 
iluminação, os responsáveis pudessem sentir que 
é impossível trabalhar com educação sem que se 
disponha de informações; por outro lado, os biblio­
tecários que atuam no setor (são poucos!) só 
poderiam ter um papel efetivo de co-educador no 
instante em que fizessem da biblioteca um local de 
acesso crítico às informações e, inclusive, um local 
gerador de um espírito de oposição a todo discurso 
dogmático, seja de quem for.
0 uso elementar de uma biblioteca encontra 
uma série de barreiras na escola brasileira. A pri­
meira delas é a mais óbvia e espantosa: a ausência 
pura e simples de bibliotecas e bibliotecários.
A segunda é a concepção de ensino que ainda 
prevalece (apesar dos decretos baixados). A pesquisa 
que a escola exige poderia ser feita em qualquer 
depósito de enciclopédia e não necessariamente 
em uma biblioteca.
A ausência de bibliotecários, apesar da falta de 
dados, é algo facilmente constatável: basta uma 
visita a escolas públicas. A política oficial leva à 
contratação de centenas de professores por um 
bibliotecário, demonstrando com isso que ainda dá 
prioridade ao discurso dos professores ao livre 
acesso às informações. 0 que importa é o programa 
de ensino e a aula que o efetiva. 0 resto transcende 
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aos objetivos oficiais e, por isso, é considerado 
supérfluo. A inexistência de bibliotecas comprova 
isso.
Só uma nova concepção de escola poderia 
incorporar uma biblioteca escolar Com os requisitos 
elementares de acesso a um acervo capaz de respon­
der às questões básicas que os alunos possam 
formular, sendo ao mesmo tempo um estímulo ao 
levantamento de questões. A biblioteca substi­
tuiria a sala de aula expositiva, o discurso do 
mestre daria lugar ao acesso crítico à informação, 
abrindo-se o espaço fundamental para a discus­
são. Os documentos organizados (livros, revistas, 
filmes, discos, vídeos, fo to s . . . ) estariam à dispo­
sição de professores e aiunos, que vasculhariam o 
acervo buscando todas as possibilidades de enten­
der os fenômenos de maior interesse dos alunos. 
Dessa forma, os alunos aprenderiam o que é funda­
mental que aprendam: procurar. Reter informa­
ções torna-se desnecessário quando se aprende a 
achar o que se procura. Não é preciso reter os 
números telefônicos, mas saber manuseara lista e 
ter acesso a ela. Também não teria utilidade reter 
na memória as informações para ser aprovado.
Ou copiar verbetes de enciclopédia. Saber chegar 
às informações e extrair o máximo possível de um 
acervo, juntando os dados e combinando-os, 
romperia com a tradição do ensino que vem do 
alto e impõe a sua verdade, verdade pronta para 
ser usada. O acesso livre à informação é um exercí-
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u que e aiouoieca a
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cio de liberdade que se desdobra infinitamente.
No conhecimento não há nada definitivo, nem 
o professor e nem os livros. Tudo está para ser 
reescrito constantemente.
A BIBLIOTECA PÚBLICA
A partir de 1971 as bibliotecas públicas foram, 
praticamente, transformadas em bibliotecas esco­
lares. É nessa data que as pesquisas passaram a se 
constituir numa obrigação escolar. E como os esta­
belecimentos de ensino não dispunham de biblio­
tecas em condições mínimas de uso, as bibliotecas 
públicas, sempre um pouco melhores, passaram a 
receber os estudantes. Daí nasceu a necessidade de 
adaptar a veiha biblioteca pública a essa nova 
demanda. A primeira medida foi a compra de obras 
adequadas: as enciclopédias. Antes dessa drástica 
mudança, a biblioteca pública era uma iniciativa 
que tinha claras intenções de aprimorar a vida 
cultural do município ou até mesmo de estimular a 
boa leitura. Depois, ela passou a ser um serviço 
oferecido aos estudantes, principalmente aos que 
não dispusessem de recursos para ter a sua própria
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biblioteca em casa. Ou seja, uma espécie de "ajuda 
aos alunos pobres". Dessa forma, elas passaram a 
ser vistas mais claramente como instituições de 
utilidade. Foram, pois, as obrigações escolares que 
tornaram a biblioteca algo mais concreto: havia 
uma necessidade clara que justificava a sua existên­
cia. Acrescenta-se a isso que a biblioteca, dentro da 
nova exigência, não pediria muito em termos de 
investimento: alguns livros e um funcionário 
contratado para os serviços elementares: manter a 
ordem, fazer empréstimos, cuidar da administração 
e dos trabalhos técnicos e, em muitos casos, 
cuidar da limpeza.
Essa transformação alterou a idéia de biblioteca 
pública e, através de medidas oficiais, deu esse 
novo papel a ela. Como seria inviável, na ótica dos 
administradores, criar bibliotecas escolares e 
públicas em condições adequadas de funciona­
mento, pela força das contingências, escolarizou-se 
a pública. Dentro das exigências da escola, foi fácil 
essa adaptação. D aí o fato comum da baixa fre­
qüência à biblioteca: os próprios pais suprem as 
necessidades de seus filhos sem que eles precisem 
passar pelo dissabor de enfrentar um serviço 
público. Para a concretização disso, basta adquirir 
os livros "adotados" e uma ou duas enciclopédias. 
Essa mentalidade de formar a sua própria coleção 
já é mais antiga, mas foi reforçada com as novas 
exigências escolares. Inclusive, a publicidade em 
torno das obras didáticas foi feita em torno dessa
idéia: colecione, forme a sua biblioteca, evite 
dissabores. A faixa de estudantes que pôde acu­
mular livros passou pela escola sem necessidade de 
visitar a biblioteca. Já a parte excluída dessa possi­
bilidade recorreu à biblioteca pública como solução.
Em suma, se o pai puder comprar a Barsa, o filho 
não precisará ir à biblioteca. Daí, a resposta quando 
se pergunta se é necessária a biblioteca pública: 
"Para mim, não, pois tenho todos os livros em 
casa". Ou seja, o leitor limita-se pela sua própria 
coleção, estimulado pela escola. Isso tem impli­
cações graves, pelas limitações que põe ao pensa­
mento. No entanto, é previsível, pois a escola 
circunscreve as tarefas e os pais, tendo condições, 
enquadram os filhos nessa exigência, dando para 
isso as condições materiais.
Há, ainda, um outro dado a ser considerado: 
mesmo aqueles que acreditam que os acervos 
maiores permitem uma busca mais acurada passam 
pela tentação de acumular livros, formando biblio­
tecas particulares pelo fato elementar das biblio­
tecas públicas serem precárias. Elas são tão fracas 
que obrigam quaisquer interessados a investir em 
livros. Se o livro é um instrumento de trabalho, 
nada mais cômodo do que tê-lo. Entretanto, acon­
tece que as pesquisas acabam sendo limitadas 
pelo poder aquisitivo do interessado, o que pode 
ocasionar danos consideráveis na investigação. Os 
livros em circulação podem ser adquiridos, mas 
obras fora de catálogo dificilmente são encontradas
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a não ser em bibliotecas. Em suma, nem sempre a 
biblioteca doméstica pode suprir a riqueza de uma 
coleção pública. Por isso, torna-se fundamental que 
a opção individual não esvazie as exigências em 
torno da biblioteca da coletividade.
Nem sempre os acervos domésticos têm função 
de estudo. Podem representar para o possuidor 
uma indicação de status. Ou seja, os livros trans­
formam-se em símbolos, indicando erudição (uma 
conquista a ser alcançada). Vastas estantes com 
livros encadernados formam um cenário que 
impõe o respeito que a sabedoria merece. Grandes 
coleções foram formadas dentro desse misto 
simbólico/decorativo. Os vendedores de coleções 
encadernadas lucraram muito sobre essa tendência. 
Algumas empresas adquirem obras em brochura 
e fazem encadernações vistosas, com muito dou­
rado, vendendo depois por um preço bem mais 
elevado, investindo, assim, num outro papel do 
livro: o ter para ser (mesmo não sendo). Os heróis 
sábios brasileiros têm como patrono-mor a figura 
de Rui Barbosa, o “ rábula transcendental” , cujo 
nome projetou-se nas asas de uma erudição livresca, 
gramatical. 0 escrever difícil, o falar empolada- 
mente, a citação de máximas — aquisições literárias 
— levam a um exercício de poder fundamentado 
na erudição e que, ocasionalmente, pode ser um 
trunfo importante. Sêneca, em seu Tratado acerca 
da tranqüilidade da alma, escrito dois mil anos 
atrás, afirmava: "As despesas ocasionadas pelos
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estudos, e que parecem ser as mais honrosas de 
todas, só as acho razoáveis na medida em que 
forem moderadas. Que me interessam esses milhares 
de livros, estas inumeráveis bibliotecas? A vida 
inteira de seus proprietários mal chegaria para 
lhes lerem os títu lo s . . . Tal homem possui livros 
que nunca lhe servem nos estudos, mas está lá 
para lhe ornamentar a sala de ja n ta r . . . Hoje os 
próprios banhos e termas estão guarnecidos com 
uma biblioteca, tornada ornamento obrigatório de 
cada casa . . . Não se procuram obras-primas a 
não ser para enfeitar paredes". Fazendo-se peque­
nos ajustes, o texto de Sêneca é apropriado para 
o presente, mostrando que a ostentação de sabe­
doria não só se revela na escrita e na fala, mas 
concretiza-se também na exibição de livros.
De qualquer modo, não existe uma relação entre 
as bibliotecas particulares ricas e as bibliotecas 
públicas pobres. Aquelas não são o motivo destas 
e uma não exclui a outra. A particular é espontânea, 
motivada pelo desejo de posse e acúmulo, além 
da necessidade precisa de instrumentos de trabalho.
Já a pública exige um esforço coletivo fundamen­
tado na idéia da utilidade, na construção de um 
bem para ser utilizado por todos indistintamente.
A biblioteca pública, como um esforço de demo­
cratização da leitura, exige, para o seu desenvol­
vimento, uma consciência da realidade que faz 
parte da visão geral que os indivíduos têm da 
realidade. A biblioteca varia em sua organização 
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ij que e m u tiu ie cu
de acordo com essa ótica política. Em 1937, com 
a fundação do Instituto Nacional do Livro, no 
Ministério da Educação e Saúde, pretendeu-se 
criar um incentivo oficial às bibliotecas, em formade colaboração com iniciativas já tomadas. Essa 
medida, que teve continuidade posteriormente, 
propõe um ponto de reflexão: em que medida o 
Estado, efetivamente, poderá atuar de forma útil 
para o desenvolvimento das bibliotecas? Elas, no 
Brasil, sempre estiveram ligadas a escolas, tendo 
também a í um forte desempenho a Igreja Católica 
através de sua ação apostólica, de cruzada em 
defesa da fé. Na medida em que os governos foram 
criando escolas públicas, parte da responsabilidade 
em relação às bibliotecas transferiu-se para o 
poder público — escandalosamente confundidas 
com repartição pública e com a . carga negativa 
que ela carrega. As prefeituras dos municípios 
também encarregaram-se de formar bibliotecas, 
existindo em quase todos os municípios do Brasil, 
algumas apenas nominalmente ou sendo um 
empreendimento de alcance tão curto que se torna 
difícil enquadrá-lo não só na categoria de pública, 
mas também na de biblioteca. Outras têm função 
de cartão de visitas das cidades, tendo origem em 
administrações de prefeitos literários. Atrás de uma 
biblioteca imponente há um administrador plumi- 
tivo. Existe, ainda, uma terceira possibilidade: 
as associações civis que se organizam em torno de 
uma biblioteca. Em que medida o poder central
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deverá interferir nessas iniciativas e de que modo?
Até agora, os benefícios vieram na forma de distri­
buição de livros (que, por vezes, nem mesmo são 
subutilizados: perdem-se integralmente) ou em 
assistência técnica. A política para as bibliotecas 
revela fortes traços de paternalismo, como, aliás, 
em tantos outros setores da relação Estado/povo.
Na medida em que existe um pai semeando livros a 
mancheias, livros muito bem selecionados pelos 
funcionários governamentais, ocorrem dois fatos:
1) a iniciativa deixa de ser da coletividade, que 
acaba não fazendo as próprias conquistas e apren­
dendo com os seus fracassos; 2) o acervo reflete a 
visão oficial, pois sabe-se que quem semeia livros 
indiscriminadamente pode colher tempestades.
A ação de cima para baixo tem demonstrado a sua 
fragilidade. E isso não será apenas motivado pelas 
endêmicas carências monetárias, mas pelo pater­
nalismo que gera filhos débeis. De qualquer forma, 
a ação estatal, procurando recuperar o tempo 
perdido e superar as barreiras que a história e as 
circunstâncias atuais impõem, poderá ser produtiva, 
devendo existir como uma ação fundamental 
pelo acesso democrático à informação pela maioria 
de brasileiros excluídos não desse benefício, 
mas desse direito.
Faltam dados claros sobre a situação da biblioteca 
pública no Brasil. Por isso, torna-se difícil fazer 
análises. Ao lado de algumas estatísticas encomiás- 
ticas, jaz uma instituição precária, fragmentada, e 
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que não cumpre o que se poderia esperar dela. 
Entre o real e um modelo teórico há uma distância 
que evidencia o quanto deverá ser realizado. Apesar 
de dados esparsos, não se sabe quantas bibliotecas 
públicas existem r o Brasil — e nem mesmo se sabe 
o que pode ser considerado como tal. Os Estados 
brasileiros têm as suas bibliotecas e, teoricamente, 
funcionam como articuladores de uma rede que 
abrangeria todos os municípios. Essas bibliotecas 
estaduais coordenariam um conjunto, promovendo 
aquilo que é essencial: a integração de serviços. 
O Estado de São Paulo, exceção, não tem uma 
biblioteca central, ficando, assim, inviável a articu­
lação de atividades.
Cabe aos municípios aplicar recursos para a 
manutenção e desenvolvimento das bibliotecas 
locais. Não se sabe qual é o nível desse investi­
mento das prefeituras. No entanto, a julgar pela 
situação, não se aplica muito nesse setor, sempre 
encarado como supérfluo face a outros problemas, 
como saneamento básico, água, estradas etc. 
Há casos de orçamentos municipais que fazem 
previsão de verba para as bibliotecas, no entanto 
elas acabam sendo remanejadas para outros setores. 
Isso quer dizer que esse serviço não recebe do 
poder público as atenções que uma análise elemen­
tar exigiria. Algumas bibliotecas funcionam e 
ampliam o seu acervo através de doações voluntá­
rias. Em muitos casos essas campanhas promovem 
descarte de livros inúteis que acabam depositados
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na biblioteca municipal sem oferecer qualquer 
serventia. Essas campanhas, sem dúvida, aumentam 
o acervo, mas em nada contribuem para o aprimo­
ramento da biblioteca como serviço de informação 
para o público. São raros os casos de eficiência, ou 
seja, de resposta em função das necessidades 
do meio.
Isso sugere que se pergunte se é viável estabelecer 
um padrão mínimo para as bibliotecas públicas. Ou 
seja, qua' é o número de livros e área para uma 
determinada cidade. No Brasil as características dos 
municípios variam de tal forma que um padrão 
correria o risco de parecer insensato. As necessi­
dades de um município do interior do Piauí são 
diversas de uma localidade paulista. Arbitraria­
mente poderia ser dito que uma população de 
50 mil habitantes deveria contar com uma biblio­
teca de 10 mil, 15 mil ou 20 mil volumes. Em 
teoria, quanto maior for a disponibilidade de infor­
mação para um determinado meio, mais benefi­
ciado ele será. No entanto, as bibliotecas, apesar de 
sua precariedade, têm uma procura abaixo de suas 
possibil.dades de atendimento. Ou os serviços 
oferecidos são muito ruins — e então rejeitados — 
ou não existe mesmo a necessidade, o que é raro.
De qualquer forma, não há notícia de mobilização 
popular e protesto público contra a indigência das 
bibliotecas. E mínima a parcela da população que 
se utiliza delas. Quase sempre são os estudantes, 
fazendo os seus deveres escolares de acordo com as
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 \
exigências dos professores. Nesse caso, qualquer 
infra-estrutura basta: o prédio pode ser inade­
quado, o acervo medíocre, a atendente semi- 
analfabeta, a desorganização geral. Aliás, isso tudo 
não é estranho às bibliotecas públicas brasileiras.
Se elas fossem fechadas não haveria nenhuma 
comoção nacional. A produção de informações no 
país, apesar de relativamente pequena, encontra 
na biblioteca um canal estreito pelo qual o fluxo é 
reduzido. Os livros formam a quase totalidade do 
acervo. Os recursos audiovisuais ainda não foram 
anexados aos acervos como deveriam. Discos,
filmes, fitas, vídeos são elementos raros. E isso, 
talvez, pela impossibilidade fatal de ter um acervo 
livresco que possa refletir a produção editorial do 
país. Como ter disco se falta livro? Da editora às 
estantes de uma biblioteca o caminho é longo e 
quase nunca se efetua. Biblioteca pública é sinôni­
mo de museu de livros por mostrar coleção morta, 
praticamente inútil. São depósitos quase sempre 
mal cuidados, entregues ao mau humor de funcio­
nários públicos que, por falta de um mínimo de 
habilitação, abrem e fecham as portas e assinalam 
os empréstimos. São raras as bibliotecas que
contam com funcionários que atuam visando a 
melhoria dos serviços, que se propõem a um
trabalho catequético para mobilizar os adminis­
tradores e população em torno da idéia do acesso 
à informação como possibilidade de, enxergando 
mais, realizar mais.
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A BIBLIOTECA 
UNIVERSITÁRIA
A deficiência das bibliotecas escolares e públi­
cas encontra um sucedâneo à altura: a biblioteca 
universitária. Da mesma forma que o ensino su­
perior está precariamente assentado sobre a frágil 
estrutura do ensino do primeiro e segundo graus, a 
biblioteca universitária é uma seqüência coerente. 
Nesse terceiro ciclo, as exigências formais são 
maiores, tornando-se imprescindível a manutenção 
de bibliotecas adequadas para alimentar a pesquisa, 
um dos elementos

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