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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS CURSO DE DIREITO O RECONHECIMENTO DO TRANSEXUAL PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO RODRIGO CHANDOHÁ DA CRUZ Itajaí (SC), 2009 16 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS CURSO DE DIREITO O RECONHECIMENTO DO TRANSEXUAL PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO RODRIGO CHANDOHÁ DA CRUZ Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Professora MSc. Andrietta Kretz Viviani Itajaí (SC), 2009 AGRADECIMENTO A Deus, que me deu forças para explorar este assunto, não só com o fim de obter a graduação no curso de Direito, mas para, de alguma forma, ajudar os transexuais e abrir os olhos da sociedade para este tópico tão importante. Aos meus pais, Hélcio e Suzana, por terem respeitado minha escolha por um tema tão controvertido, e acreditarem que eu seria capaz de trabalhar com um assunto tão complexo, de forma justa, além de seu constante apoio durante os meus anos de faculdade, e por me manterem no caminho certo. À minha madrinha, Lilian, pelo ombro de mãe nas horas difíceis, não só na construção deste trabalho, mas por ter sido um grande porto seguro durante toda a minha trajetória acadêmica. Ao Cartório da 2ª Vara Cível, da Comarca de Itajaí, principalmente à Naliete Polonia de Souza e Elisa Catarina Kleis, que foram muito, muito mais do que chefes para mim, pois foram a extensão da minha família e da faculdade de Direito, além de serem grandes exemplos de seres-humanos e profissionais, a quem terei eterna gratidão pelo ensino e pelo amor prestado. Aos meus amigos, que fiz na faculdade e no Fórum de Itajaí, que sempre alegravam minha vida, e que me ajudaram a crescer como ser humano e profissional. À Professora Andrietta Kretz Viviani, minha orientadora, pela orientação e suporte na construção deste trabalho. Por fim, a todos que, assim como eu, acreditam que nosso ordenamento jurídico necessita de reformas, para reconhecer que todas as pessoas têm os mesmos direitos para exercer, e que acreditam que a diferença não empobrece, mas enobrece. 16 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho à todas as pessoas sexualmente confusas, que lutam pelo reconhecimento de seus direitos. 17 Àqueles que se comprometem autenticamente com o povo é indispensável que se revejam constantemente. Esta adesão é de tal forma radical que não permite a quem a faz,comportamentos ambíguos. (Paulo Freire - Pedagogia do Oprimido) 18 TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí, Novembro de 2009 Rodrigo Chandohá da Cruz Graduando 19 PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Rodrigo Chandohá da Cruz, sob o título “O reconhecimento do transexual pelo ordenamento jurídico brasileiro”, foi submetida em novembro de 2009 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: MSc. Andrietta Kretz Viviani, Orientadora; Josemar Sidinei Soares, professor membro e Antônio Augusto Lapa, coordenador de monografia e, aprovada com a nota ( ) ( ). Itajaí, Novembro de 2009 Profª. MSc. Andrietta Kretz Viviani Orientadora e Presidente da Banca Prof. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia Prof. Josemar Sidinei Soares Membro 20 ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS Art. Artigo CC/2002 Código Civil Brasileiro de 2002 CFM Conselho Federal de Medicina CID Classificação Internacional de Doenças CP Código Penal CRFB/1988 Constituição da República Federativa do Brasil ECA Estatuto da Criança e do Adolescente GLBT Gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros MS Ministério da Saúde OMS Organização Mundial de Saúde SUS Sistema Único de Saúde ROL DE CATEGORIAS Bioética O termo bioética, literalmente, significa ética da vida. O vocábulo de raiz grega bios designa o desenvolvimento observado nas ciências da vida, como a ecologia, a biologia e a medicina, dentre outras. Ethos busca trazer à consideração os valores implicados nos conflitos da vida. 1 Dignidade da Pessoa Humana [...] a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade. Esta, portanto, como qualidade integrante e irrenunciável da própria condição humana, pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo (no sentido ora empregado) ser criada, concedida ou retirada, já que existe em cada ser humano como algo que lhe é inerente. 2 Ética [...] respeito aos outros, coerência, capacidade de viver e de aprender com o diferente, não permitir que o mal-estar pessoal ou a antipatia com relação ao outro o façam acusá-lo do que não fez [...].3 Homossexual O homossexualismo consiste na perversão sexual que leva os indivíduos a sentirem- se atraídos por outros do mesmo sexo, com repulsa absoluta ou relativa para os de 1 PESSINI, L.; BARCHIFONTAINE, C.P. Problemas atuais de Bioética. 6. ed. São Paulo: Loyola; 2002. 2 SARLET, Ingo Wolfang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 40-41. 3 FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Saberes Necessários à Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 20. IX sexo oposto. Há, portanto, um homossexualismo masculino (de homem para homem) e um homossexualismo feminino (de mulher para mulher). 4 Intersexualismo O intersexualismo, também denominado de hermafroditismo, dá-se quando um indivíduo possui simultaneamente características de ambos os sexos, devendo se submeter à cirurgia para adequação do sexo genético, gonodal e fenotípico, que deve ser realizada após um estudo detalhado da identidade e do sexo psicossocial desenvolvido. 5 Moral O conjunto de regras de conduta consideradas válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada. 6 Registro Civil O registro Civil de nascimento é um direito do cidadão e tem a sua gratuidade garantida por lei. Esse documento é extremamente importante, pois ele é a prova da existência oficial e jurídica de todosos brasileiros. Maria Helena Diniz afirma que “o registro de nascimento é uma instituição pública destinada a identificar os cidadãos, garantindo o exercício de seus direitos”. 7 Sexo O sexo é, mental em seus impulsos e manifestações, transcendendo quaisquer impositivos da forma em que se exprime. Reside na mente, a expressar-se no corpo espiritual e conseqüentemente no corpo físico8. O sexo deve ser visto por vários correntes, sendo resultante de um equilíbrio de vários planos, desde o físico até o 4 GOMES, H. Medicina Legal. 33 edição, ver. e atualiz. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004. p. 476- 477. 5 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o direito a uma nova identidade sexual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. 6 LÓPEZ, M. Fundamentos da Clínica Médica: a relação paciente-médico, Rio de Janeiro: Medsin Editora Médica e Científica, 1997. p. 215. 7 DINIZ. M. H. Sistemas de Registros de Imóveis. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. 8 XAVIER, Francisco Cândido. Evolução Em Dois Mundos. Espírito André Luiz. [s.l]: FEB, 2002. X psicológico. Maranhão ainda divide o sexo em: genético; endócrino; morfológico; psicológico e jurídico. 9 Sexualidade A sexualidade, entendida a partir de um enfoque amplo e abrangente, manifesta-se em todas as fases da vida de um ser humano, tendo na genitalidade (coito) apenas um de seus aspectos, talvez nem mesmo o mais importante. A sexualidade permeia todas as manifestações humanas10. “[...] um aspecto central do bem estar humano, do começo ao fim da vida, envolvendo sexo, identidade de gênero, orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução”. 11 Transexual São pessoas que sofrem de neurodiscordância de gênero, nome que se originou em pesquisas norte-americanas, onde foi constatado em cadáveres de transexuais do sexo masculino, que a hipófise cerebral (que é a parte do cérebro que responde aos estímulos sexuais) possui estrias mais estreitas diferentes aos dos homens comuns, sendo idênticas a de uma mulher biológica. Baseando-se em tal pesquisa é que hoje alguns profissionais entendem o transexualismo como hermafroditismo hipofásico. Fato que faz com que a idéia de que um transexual seria uma pessoa que desejaria trocar ou mudar de sexo, seja ultrapassada e ultrajante, onde o transexual não deve ser colocado neste patamar discriminatório de mutantes, quando na verdade, a procura dos transexuais nada mais é do que a simples adaptação física, para exercer suas vidas emocionais, sociais, espíritas e sexuais, o que infelizmente não são alcançadas pela maioria, e numa minoria são conquistadas aos poucos e as duras penas. 12 Transexualidade 9 MARANHÃO, O. R. Curso Básico de Medicina Legal. 8. ed., 4. tiragem. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 127. 10 LIMA, Junia Dias de. O Despertar da Sexualidade na adolescência. In: PEREIRA, José Leopídio; et al. (org.). Sexualidade na adolescência no novo milênio, 2007, p.15. 11 LIMA, Junia Dias de. O Despertar da Sexualidade na adolescência. In: PEREIRA, José Leopídio; et al. (org.). Sexualidade na adolescência no novo milênio, 2007, p.15. 12 IRIGUTI, Edna. Transexualismo. Disponível em: <http://www.grupoesperanza.com.br/EN TLAIDS/transexual.htm>. Acesso em jul. 2009. XI Transexualidade é a condição sexual da pessoa que rejeita sua identidade genética e a própria anatomia de seu gênero, identificando-se psicologicamente com o gênero oposto. Trata-se de um drama jurídico-existencial, por haver uma cisão entre a identidade sexual física e psíquica. 13 Transexualismo O transexualismo é definido como patologia pela Organização Mundial de Saúde (OMS), na Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento (CID 10) que o reconhece como um transtorno de identidade sexual desde 1993. É considerado uma anomalia da identidade sexual, onde o indivíduo se identifica psíquica e socialmente com o sexo oposto ao que lhe fora determinado pelo registro civil. 14 Transgenitalização A cirurgia de mudança de sexo, também conhecida pelo nome de transgenitalização, é altamente complexa, de recuperação dolorosa e requer um acompanhamento multidisciplinar não apenas no período que antecede a cirurgia, mas também na fase pós-operatória. O paciente que a ela é remetido necessita de revisões médicas constantes e de acompanhamento de psicólogos e assistentes sociais para encarar a sua nova situação, haja vista que, na maioria das vezes, passará a sofrer inúmeros preconceitos pelas diversas camadas da população. 15 13 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001. p.223 14 OMS Organização Mundial da Saúde. CID 10. 15 SUTTER, Matilde Josefina. Determinação e mudança de sexo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2003. p.109. XII SUMÁRIO RESUMO................................................................................................................. XIV INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 15 CAPÍTULO 1: ........................................................................................................... 17 BIOÉTICA ................................................................................................................. 17 1.1 MORAL E ÉTICA ................................................................................................ 17 1.2 BIOÉTICA ........................................................................................................... 22 1.2.1 Histórico .......................................................................................................... 22 1.2.2 Conceito .......................................................................................................... 24 1.2.3 Princípios Bioéticos ....................................................................................... 26 1.2.3.1 Princípio da Beneficência ........................................................................... 27 1.2.3.2 Princípio da Não-Maleficência .................................................................... 28 1.2.3.3 Princípio da Autonomia .............................................................................. 29 1.2.3.4 Princípio da Justiça ..................................................................................... 31 1.2.4 Divisão da Bioética......................................................................................... 32 1.3 RELAÇÃO DIREITO E BIOÉTICA ...................................................................... 33 CAPÍTULO 2: ............................................................................................................ 36 SEXUALIDADE, IDENTIDADE DE GÊNERO E SEXO ........................................... 36 2.1 A SEXUALIDADE SOB DIFERENTES OLHARES ............................................ 36 2.2 IDENTIDADE DE GÊNERO OU SEXUAL .......................................................... 40 2.3 SEXO .................................................................................................................. 42 2.3.1 Sexo Genético ................................................................................................ 43 2.3.1.1 Síndrome de Turner .................................................................................... 45 2.3.1.2 Síndrome de Klinifelter ............................................................................... 45 2.3.2 Sexo Endócrino .............................................................................................. 46 2.3.3 Sexo Morfológico ...........................................................................................47 2.3.4 Sexo Psicológico ............................................................................................ 47 2.3.5 Sexo Jurídico .................................................................................................. 48 XIII 2.4 CONDIÇÕES SEXUAIS ...................................................................................... 49 2.4.1 Heterossexualidade........................................................................................ 50 2.4.2 Homossexualismo .......................................................................................... 50 2.4.3 Intersexualismo .............................................................................................. 52 2.4.4 Travestismo .................................................................................................... 52 2.4.5 Transexualismo .............................................................................................. 53 2.5 A CIRURGIA DE MUDANÇA DE SEXO ............................................................. 59 CAPÍTULO 3: ........................................................................................................... 67 PROCEDIMENTO PARA O RECONHECIMENTO DO TRANSEXUAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO .................................................................................... 67 3.1 RESPONSABILIDADE PENAL .......................................................................... 67 3.1.1 Conseqüência morfológica resultante do procedimento cirúrgico ........... 68 3.2 DESENVOLVIMENTO DA SEXUALIDADE PERCEBIDA PELO DIREITO ....... 72 3.2.1 O valor do Registro civil como atestado de cidadania ............................... 73 3.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A LEI DE REGISTROS PÚBLICOS ................................................................................................................ 76 3.4 PROJETOS DE LEI ALTERANDO A LEI DE REGISTRO PÚBLICO E O CÓDIGO PENAL ....................................................................................................... 84 3.5 JURISPRUDÊNCIAS .......................................................................................... 85 3.6 LACUNA DA LEI E PROCESSAMENTO DA AÇÃO DECORRENTE DA MESMA ..................................................................................................................... 90 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 92 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .................................................................. 95 ANEXOS ................................................................................................................. 101 Fotos: Exemplos de cirurgia de mudança de sexo de homem para mulher .... 101 Fotos: Exemplos de cirurgia de mudança de sexo de mulher para homem .... 102 Fotos: Implante de silicone em homens ............................................................. 103 Fotos: Alterações na face para feminilização ..................................................... 104 XIV RESUMO O presente trabalho tem como objetivo geral o reconhecimento do transexual pelo ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto, fez-se um apanhado da legislação e da doutrina existente, que junto com os princípios bioéticos, oferecem suporte ao transexual. Com relação à metodologia, utilizou-se o método indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica. Seguindo-se este caminho metodológico, verificou-se que o transexual é reconhecido pelo ordenamento jurídico brasileiro e pode exercer seus direitos, pois a Constituição garante, através do princípio da dignidade da pessoa humana, que o mesmo tem direito a realizar o procedimento cirúrgico de adequação sexual, pois esta cirurgia é lícita, e posteriormente retificar o seu registro civil através de ação de retificação de registro civil. Palavras-chave: Bioética. Transexual. Retificação do Registro Civil. INTRODUÇÃO A presente Monografia tem como objeto o reconhecimento do transexual pelo ordenamento jurídico brasileiro. O seu objetivo institucional é produzir monografia para obtenção do título de bacharel em Direito-Universidade do Vale do Itajaí-Univali. O objetivo geral é verificar quais as possibilidades que o atual ordenamento jurídico brasileiro apresenta para o reconhecimento do transexual pelo ordenamento jurídico brasileiro, mediante um estudo doutrinário, legislativo e jurisprudencial. O objetivo específico é: a) conceituar a Bioética e seu histórico constatando sua relação com os avanços da área médica; b) abordar a sexualidade, o sexo e a identidade de gênero, direcionando o estudo para o transexualismo e a cirurgia de mudança de sexo; c) verificar as possibilidades para que ocorra o reconhecimento do transexual pelo ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto, principiar–se-á, no Capítulo 1, tratando de moral, ética, bioética, abrangendo seu conceito, histórico, princípios, divisões e sua relação com o biodireito. No Capítulo 2, tratar-se-á de sexualidade, identidade de gênero, as diferentes classificações para sexo, as diferentes condições sexuais existentes, além de um estudo direcionado ao transexualismo e a cirurgia de mudança de sexo. No Capítulo 3, destacar-se-á de responsabilidade penal do cirurgião plástico, as conseqüências morfológicas da cirurgia de redesignação sexual, projetos de lei direcionados aos transexuais, a retificação do registro civil e as lacunas da lei. O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, 16 seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre o reconhecimento do transexual pelo ordenamento jurídico brasileiro. Para a presente monografia foram levantadas as seguintes hipóteses: • 1 → A cirurgia de mudança de sexo é amparada pela comunidade médica e jurídica. • 2 → A retificação do registro civil é possível em nosso ordenamento jurídico para os transexuais que efetuaram a cirurgia de mudança de sexo. Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo16, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano17, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas, do Referente18, da Categoria19, do Conceito Operacional20 e da Pesquisa Bibliográfica21. 16 Segundo Pasold (2002, p.110) o referido método trata de “pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral”. 17 O referido método pode ser resumido em quatro preceitos que são: 1. "nunca aceitar, por verdadeira, cousa nenhuma que não conhecesse como evidente " ; 2. dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas pudessem ser e fossem exigidas para melhor compreendê-Ias"; 3. "conduzir por ordem os meus pensamentos, começando pelos objeto mais simples e mais fáceis de serem conhecidos, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo certa ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros"; 4.fazer sempre enumerações tão completas e revisões tão gerais, que ficasse certo de nada omitir" (grifo no original). In: PASOLD, César Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéiase ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 106-107. 18 "REFERENTE é a explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual. especialmente para uma pesquisa." In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 62. 19 “Categoria é a palavra ou expressão estratégica à elaboração elou expressão de uma idéia" In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 31. 20 "Conceito operacional (=cop) é uma definição para uma palavra e expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos" In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 56. 17 CAPÍTULO 1 BIOÉTICA Desde muito tempo vislumbram-se discordâncias a respeito das palavras Moral e Ética e isto se deve à própria etimologia destes termos os quais, gera confusão, visto que Ética vem do grego “ethos” que significa modo de ser, e Moral tem sua origem no latim, que vem de “mores”, significando costumes. Portanto, primeiramente, acredita-se de extrema importância diferenciar os institutos moral e ética, já que os mesmos servirão de base para este trabalho. Fundamental também para a realização desta pesquisa adentrar-se objetivando maiores esclarecimentos, na literatura pertinente á Bioética, pois nas aulas proferidas na Universidade, percebe-se que a matéria está sempre envolvida em assuntos relacionados com a medicina e o poder de intervenção dos médicos sobre o ser humano, objeto do presente estudo. Para tanto, realiza se um estudo específico neste capítulo, buscando na doutrina especializada, adequada fundamentação para melhor discernimento sobre moral, ética e bioética abrangendo histórico, conceito, divisões e princípios. 1.1 MORAL E ÉTICA A origem do vocábulo “moral”, como já mencionado, vem do latim (mos-mores) e designa os costumes, a condução da vida, as regras de comportamento. Sua etimologia reflete um sentido razoavelmente amplo, direcionado ao agir humano, aos comportamentos cotidianos e, às escolhas existenciais. Induz ao pensamento espontâneo de hábitos sociais, normas, regras de 21 Para Gil (2006, p. 44): “A pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científico”. 18 comportamento, princípios e valores. 22 Segundo López, a Moral pode ser conceituada como: O conjunto de regras de conduta consideradas válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada. Esse conjunto de normas, aceito livre e conscientemente, regula o comportamento individual e social das pessoas. 23 Deste modo, prossegue o autor, tem-se como moral o conjunto de costumes, normas e regras de conduta estabelecidas em uma sociedade e cuja obediência é imposta a seus membros, variando de cultura para cultura e se modifica com o tempo, no âmbito de uma mesma sociedade. 24 Comumente, os termos "ética" e "moral" são empregados como sinônimos, porém, entende-se que se reserva a este último apenas o próprio fato moral, enquanto o primeiro designa a reflexão filosófica sobre o mesmo. Segundo Carlim a moral se ocupa do comportamento das pessoas em sociedade, enquanto que a ética é a ciência prática de caráter filosófico, porque expõe e fundamenta princípios universais sobre a moralidade dos atos humanos. Cita Vasques, para o qual a moral é o conjunto de normas e regras designadas a regular as reações dos indivíduos numa comunidade social, sendo que a ética, é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens. Conclui Carlim ainda que a moral não é científica, mas pode ser objeto de uma ciência, que a investiga de forma sistemática, racional e objetiva; no seu entender este é o papel da ética. 25 “A moral é a face subjetiva, nela a norma é regra da ação reconhecida interiormente pelo sujeito. A ética é face objetiva, já que a norma 22 DURAND, Guy. Introdução Geral à Bioética. História, Conceitos e Instrumentos. São Paulo: Loyola, 2003. 23 LÓPEZ, M. Fundamentos da Clínica Médica: a relação paciente-médico, p. 215. 24 LÓPEZ, M. Fundamentos da Clínica Médica: a relação paciente-médico. 25 CARLIN, Volnei Ivo. Ética e Bioética: novo direito e ciências médicas. Florianópolis: Terceiro Milênio, 1998, p. 27. 19 constitui-se em princípios norteadores dos costumes do grupo social”. 26 Etimologicamente, como já se viu, Moral, significa costume, conjuntos de normas adquiridas pelo homem, ao que complementa Silva, aludindo que: Moral é a moral prática, é a prática moral. É moral vivida, são os problemas morais. É a moral reflexa. Os problemas morais, simplesmente morais são restritos, nunca se referindo à generalidade. O problema moral corresponde à singularidade do caso daquela situação, é sempre um problema prático-moral. Os problemas éticos são caracterizados pelas generalidades, são problemas teórico-éticos. 27 Castro Filho discorre sobre a moral comparando-a com a ética: A maioria dos estudiosos distingue ética de moral, argumentando que esta é originária da cultura da sociedade, da prática, e quanto aquela parte de uma reflexão filosófica (uma filosofia moral), mas só terá sentido se representar a realidade, haja vista as implicações temporárias. 28 Logo, Cohen e Segre, para distinguir moral e ética, referem-se ao conceito de Barton e Barton. Para eles, a moral é uma reflexão, sobre o que é certo e o que é errado, no campo das condutas humanas, ou seja, são valores que dão origem a normas, desde os Dez Mandamentos, até o Código Penal29. Já a ética são as normas em si, que regulam como determinada pessoa deve comportar-se, seja ela um médico, ou um advogado. 30 Concorda Chauí, para quem a moral refere-se ao comportamento normativo, em que as regras são definidas pela sociedade, e a ética refere-se ao comportamento autônomo do indivíduo capaz do desejo. Deste modo, a 26 CARLIN, Volnei Ivo. Ética e Bioética: novo direito e ciências médicas. Florianópolis: Terceiro Milênio, p. 28. 27 SILVA, Alcino Lázaro. Hérnias. São Paulo: Rocca, 2006. Temas de ética médica. Belo Horizonte: Cooperativa Editora de Cultura Médica, 1982, p. 23. 28 CASTRO FILHO, Sebastião de Oliveira. Congelamento de embriões: evolução legislativa. 2001. In: SCHAEFER, F. Procedimentos Médicos: Realizados à Distância e o Código de Defesa do Consumidor. Curitiba: Juruá, 2006. p.24. 29 BARTON, W.E, BARTON, G.M. Ethics and law in mental health administration, 1984. In: SEGRE, M. e COHEN, C. (orgs). Bioética. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1999. p.15. 30 BARTON, W.E, BARTON, G.M. Ethics and law in mental health administration, 1984. In: SEGRE, M. e COHEN, C. (orgs). Bioética. p.17. 20 moral impõe as regras do comportamento e da ação e define as sanções para a prática desviante, enquanto a ética supõe um sujeito livre, capaz de estabelecer valores por si mesmo e de respeitá-los. 31 Complementa a autora aludindo que mesmo diferentes quanto à sua origem, ética e moral aparecem imbricados em três pontos, quais sejam: primeiro, quando a prática da ética e o comportamento moral se definem pela disposição do indivíduo (ética) e da sociedade (moral) de dar fim à todo o tipo de violência, em seu sentido mais amplo; em segundo, quando ambas constituem ocampo da práxis, onde o agente da ação, a ação e a finalidade da ação são uma só e mesma coisa; e, terceiro, quando ambas operam no campo do necessário e do possível, de forma que o que será possa ser diferente do que é, pela ação humana.32 Galvão refere-se à ética, reafirmando que a mesma tem origem grega, e discorrendo que seria uma boa-conduta, uma pessoa que possui valores internos. 33 Já, Vásquez34 aponta que a Ética é teórica e reflexiva, enquanto a Moral é eminentemente prática. Uma completa a outra, havendo um inter-relacionamento entre ambas, pois na ação humana, o conhecer e o agir são indissociáveis. Segundo os ensinamentos do educador Freire, a ética é: [...] respeito aos outros, coerência, capacidade de viver e de aprender com o diferente, não permitir que o mal-estar pessoal ou a antipatia com relação ao outro o façam acusá-lo do que não fez [...].35 Portanto, trata-se de obrigações a que o sujeito deve perseverantemente se dedicar. Dito de outro modo, não há ética nas ações 31 CHAUÍ, Marilena. Ética e democracia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1994. 32 CHAUÍ, Marilena. Ética e democracia. 33 GALVÃO, Antônio Mesquita. Bioética: a ética a serviço da vida: uma abordagem multidisciplinar. Aparecida, SP: Santuário, 2004. p. 151. 34 VÁSQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. 18. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. 35 FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Saberes Necessários à Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 20. 21 sorrateiras, na promoção da desarmonia, no fomento à intriga, na maledicência, na traição. Por isso, viável se ressaltar ainda Freire quando explica que “a ética de que se fala é marca da natureza humana, algo indispensável à convivência, que lhe dá suporte quando constata, compara, avalia, valora, decide e rompe". 36 Por fim, uma das concepções que distingue, de forma sumária estes dois institutos é apresentada pelos autores Kipper; Oselka e Oliveira, os quais afirmam que enquanto a moral estabelece normas assumidas pelos seres-humanos, para garantir uma boa-convivência, a ética não faz referida função. A ética procura justificar a moral, e não estabelece normas, a ética é a norma em si, decorrente da moral. 37 Para garantir a manutenção dos padrões morais através do tempo e sua continuidade, as sociedades tendem a naturalizá-la. A naturalização da existência moral esconde o mais importante da ética: o fato de ela ser criação histórico-cultural [...]. O homem como único ente, que só pode ser enquanto realiza o seu dever-ser revela- se como ‘pessoa’ ou unidade espiritual, sendo a fonte, base de toda a axiologia e de todo o processo cultural. 38 Enfim, sendo a ética a ciência da moral, isto é, de uma esfera de comportamento humano, é mister a discussão acerca dos padrões éticos da sociedade com a finalidade de apontar caminhos para uma nova moral, ou seja, para novas regras da orientação das relações dentro de grupos sociais em constante transformação”. 39 Viável ainda a alusão de Carlin de que a sociedade antiga apresentava-se em duas classes, existiam duas morais: a dos homens livres que era efetiva, vivida e se fundamentava nas grandes doutrinas éticas dos filósofos da antigüidade e a dos escravos não conseguia desenvolver-se teoricamente. Na sociedade medieval, a moral correspondia às características econômica-sociais e espirituais. Era influenciada no conteúdo da Igreja, somente os servos não atinham 36 FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Saberes Necessários à Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 14-22. 37 KIPPER, D. J.; OSELKA, G W; OLIVEIRA, R. A. Bioética clínica. In: ANJOS, M. F. dos; SIQUEIRA, J. E. de. (Org.). Bioética no Brasil: tendências e perspectivas. Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2007, p. 117. 38 CARLIN, Volnei Ivo. Ética e Bioética: novo direito e ciências médicas. Florianópolis: Terceiro Milênio, p. 39. 39 CARLIN, Volnei Ivo. Ética e Bioética: novo direito e ciências médicas, p. 59. 22 uma formulação codificada de seus princípios e regras. A moral aristocrática se assemelhava à dos homens livres. 40 Já, com a produção industrial, o operário é visto como instrumento de produção e não como ser humano, alude o autor, porém, apesar desta transformação, a sociedade continua ainda a viver baseada na exploração do homem pelo homem, lançando mão da moral “para justificar e regular as relações de opressão e de exploração” no âmbito de determinadas políticas, o que nos faz considerar que ao longo do tempo a moral muda historicamente de acordo com as mudanças no desenvolvimento social. 41 O interesse pelos temas relativos à moral, e por conseguinte, à ética, existem há séculos, tendo sua origem no mundo grego antigo. Entretanto, o termo bioética, também denominado ética biomédica, a qual relaciona-se com temas morais originados na prática da medicina ou na atividade de pesquisas biomédicas, juntamente com a disciplina que o designa, são novos, como se poderá constatar no texto a seguir. 1.2 BIOÉTICA Antes de se definir a bioética, faz-se uma abordagem doutrinária sobre seu surgimento, ressaltando-se a importância da Bioética, cuja referência central é o ser humano, desde o nascimento até a morte. Aliás, “é sobre essas duas fases da vida que hoje a ciência está fazendo seus melhores progressos e, obviamente, colocando problemas éticos antes nunca postos”. 42 1.2.1 Histórico A bioética propicia o entendimento das relações do homem 40 CARLIN, Volnei Ivo. Ética e Bioética: novo direito e ciências médicas, p. 59-60. 41 CARLIN, Volnei Ivo. Ética e Bioética: novo direito e ciências médicas, p. 61. 42 BARCHIFONTAINE, C. P. de; PESSINI, L. (Org.). Bioética: Alguns desafios. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2001. p. 67. 23 com a vida tornando-o responsável pelas escolhas boas ou más, o que, pode-se dizer, é justamente o ponto de vista ético. Diniz afirma com base em Clotet que a bioética surgiu há cerca de trinta anos, em decorrência do grande desenvolvimento científico, da biologia molecular e da biotecnologia, e em decorrência deste desenvolvimento acelerado, começaram a haver relatos de mau-uso destes âmbitos, que eles seriam utilizados não para o benefício, e sim para o malefício, já que não havia uma definição moral e ética para sua aplicação. Ademais, a teologia e filosofia passaram a participar destas aplicações. 43 Costa, Garrafa e Oselka pontuam que foi publicada uma obra no ano de 1971, chamada de Bioethics: Bridge to the Future, pelo autor Van Rensselear Potter, que exercia a função médica de cancerologista. Os autores ainda exprimem que a obra foi publicada pois havia uma preocupação com a humanidade, os seres vivos e o meio ambiente, ou seja, da vida planetária.44 Sgreccia alega, que foi o oncólogo, Van Rensellear Potter que cunhou o termo, acrescendo que no ano de 1970, já havia sido publicado um artigo, cujo título era The Science of Survival, em que fazia menção ao termo.45 Em colocação própria, Sgreccia aduz que a bioética surge devido à uma situação alarmante, uma preocupação pela vida, devido aos avanços tecnológicos.46 Santos narra de forma semelhante aos doutrinadores anteriores, que Potter é responsável pelo surgimento da bioética, e com base no próprio Potter, destaca que a disciplina bioética une a ética e a biologia, mediante seus valores. 47 Galvão traz uma fundamentação similar, discorrendo que a bioética surge devido aos precedentes do Tribunal de Nuremberg, o conhecido tribunal que julgava os crimes de guerra realizados pelos nazistas, contra os seres-43 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 5. 44 COSTA, Sergio Ibiapina Ferreira; OSELKA, Gabriel; GARRAFA, Volnei (coords). Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998, p. 15. 45 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética, I. Fundamentos e Ética Biomédica. 2. Ed., São Paulo: Loyola,1996, p. 24. 46 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética, I. Fundamentos e Ética Biomédica, p. 24. 47 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Equilíbrio de um pêndulo: bioética e a lei: implicações médico-legais. São Paulo: Ícone, 1998. p. 38. 24 humanos. O autor indica que a preocupação teve fundamento nos avanços dos transplantes de órgãos e de outros descobrimentos científicos. 48 Kipper, Oselka e Ayer seguem a mesma linha de pensamento, relacionada ao desenvolvimento tecnológico e sua aplicação sanitária. Os autores mencionam centros estrangeiros, nos quais são realizados estudos sobre este tema, como o Kennedy Institute of Ethics e o Hastings Center nos Estados Unidos. 49 Portanto, verifica-se que o entendimento majoritário dos autores é que foi o oncólogo, ou cancerologista, Van Rensellear Potter que cunhou o tema, pois estava preocupado, alarmado, com o desenvolvimento da ciência médica, e temia o seu mau-uso, que fosse aplicado de forma indevida. Definido isso, busca- se agora um conceito para a bioética. É interessante fazer um apontamento neste sentido. No período da década de setenta, houve o surgimento das histórias em quadrinhos, as “revistinhas” nos Estados Unidos, e nesta época, existiam autores que faziam referências à experimentos do governo americano aos soldados. É o caso do personagem “Wolverine”, famoso por compor o grupo de mutantes X-Men. Pode parecer inapropriado este comentário em um trabalho acadêmico, entretanto, as pessoas manifestavam seu temor de formas diferentes. Alguns criavam doutrinas, com embasamento legal, enquanto outros transformavam a situação em entretenimento. Referente ao conceito de bioética pode-se inicialmente aludir que o mesmo está relacionado com a própria palavra, como os autores pesquisados fazem menção e são referenciados no próximo tópico. 1.2.2 Conceito O termo bioética, literalmente, significa ética da vida. O vocábulo de raiz grega bios designa o desenvolvimento observado nas ciências da 48 GALVÃO, Antônio Mesquita. Bioética: a ética a serviço da vida: uma abordagem multidisciplinar p. 55. 49 KIPPER, D. J.; OSELKA, G. W.; AYER, R. Bioética Clínica. In: ANJOS, M. F. dos; SIQUEIRA, J. E. de (orgs.) Bioética no Brasil: tendências e perspectivas. São Paulo: Idéias e Letras. p.117. 25 vida, como a ecologia, a biologia e a medicina, dentre outras. Ethos busca trazer à consideração os valores implicados nos conflitos da vida. 50 Concorda Kuramoto, discorrendo que a palavra ética tem origem grega, da palavra éthiké, e bio também vem do grego, especificamente da palavra bíos, a qual significa vida. Portanto, constata-se que é a ética da vida. 51 Galvão advoga que a melhor maneira de entender uma palavra, é buscando o significado etimológico. Assim como Kuramoto, Galvão afirma que bio e ética são palavras advindas das expressões gregas, bios e éthicos, verificando que é uma vida seguida de modo ético. 52 Segre declara de forma semelhante, que seria a parte da ética preocupada com a vida, na qual a vida seria o principal objeto de estudo, e envolvendo todos os seus aspectos, desde o nascimento, desenvolvimento, até a morte. 53 Mesmo com este conceito firmado a partir da etimologia da palavra, a maioria dos autores destaca o conceito que consta na Encyclopedia of Bioethics. Na obra de Diniz, colhem-se dois conceitos operacionais, o primeiro do ano de 1978, que descreve a bioética como “o estudo sistemático da conduta humana no campo das ciências da vida e da saúde, enquanto examinada à luz dos valores e princípios morais”. Já em 1995, passou a referir-se a ela como “estudo sistemático das dimensões morais das ciências da vida e do cuidado com a saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto multidisciplinar”. 54 Na introdução à segunda edição da Enciclopédia de Bioética encontra-se o termo bioética definido como: 50 PESSINI, L.; BARCHIFONTAINE, C.P. Problemas atuais de Bioética. 51 KURAMOTO, J. B. Bioética e Direitos Humanos. In: SIQUEIRA, J. E. de; PROTA, L.; ZANCANARO, L. (orgs.). Bioética: estudos e reflexões. Londrina: UEL, 2000. P. 28. 52 GALVÃO, Antônio Mesquita. Bioética: a ética a serviço da vida: uma abordagem multidisciplinar, p. 53. 53 SEGRE, M. Definição de Bioética e sua relação com a ética, deontologia e diceologia In: SEGRE, M. e COHEN, C. (orgs). Bioética. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1999. p.23. 54 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito, p. 10. 26 [...] o estudo sistemático das dimensões morais, incluindo a visão, a decisão, a conduta e as normas, das ciências da vida e da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto interdisciplinar. 55 Portando, constata-se que a definição de bioética envolve um processo de confronto entre os fatos biológicos e os valores humanos na tomada de decisões envolvendo os problemas práticos em diferentes áreas da vida, como na assistência médico-sanitária: [...] cobra todo su sentido la definición de la bioética como el proceso de contrastación de los hechos biológicos con los valores humanos, a fin de globalizar los juicios sobre las situaciones y de esa forma mejorar la toma decisiones, incrementando su corrección y su calidad. Una área particular de la bioética sería la bioética sanitaria o bioética clínica, que en consecuencia se podría definir como la inclusión de los valores en la toma de decisiones sanitarias, a fin de aumentar su corrección y su calidad56. Como toda forma de instrumento ético, são necessários princípios para a sua utilização. Para tanto, adiante serão abordados os princípios bioéticos e o seu surgimento. 1.2.3 Princípios Bioéticos A bioética surgiu com Potter, mas quem é responsável pelo seu polimento são Childress e Beauchamps. Sgreccia afirma que T.L. Beauchamps e J.F. Childress publicaram uma obra chamada de Principles of Biomedical Ethics. Nesta obra são citados princípios a serem seguidos para a boa aplicação da bioética, para suprir a preocupação que Potter mencionou. 57 No mesmo entendimento, Santos pontua que os filósofos Tom L. Beauchamps e James F. Childress, na obra Princípios da Ética Biomédica, 55 REICH, W.T. (org.). Bioethics Enciclopedya. 1995. In: PESSINI, L.; BARCHIFONTAINE, C.P. Problemas atuais de Bioética. 6. ed. São Paulo: Loyola; 2002. [s.p.]. 56 GRACIA D. Bioética clínica. Santa Fé de Bogotá: El Buho; 1998, p. 30. 57 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética, I. Fundamentos e Ética Biomédica, p. 166. 27 determinaram quatro princípios, Beneficência, Não-Maleficência, Autonomia e Justiça.58 Kipper, Oselka e Ayer, narram que os filósofos citados acima estabeleceram métodos para análise dos problemas que surgiam.59 Clotet e Kipper complementam o estudo, argumentando que os princípios também vieram para que houvesse harmonia na solução dos conflitos, como, por exemplo, no caso de doação de órgãos e laqueadura de trompas. 60 Verifica-se, portanto, que a bioética é principialista, uma ética de princípios, como exprime Kuramoto. 61 Constatado isto, os referidos princípios passam a ser estudados. 1.2.3.1 Princípio da Beneficência Kuramoto trata do princípio da beneficência, alegando que a expressão tem origem latina, da palavrabonum facere, ou fazer o bem, no caso em tela, ao paciente. Este princípio faz referência ao juramento hipocrático dos médicos, de tratar bem os pacientes, os fazendo o bem. 62 Clotet e Kipper seguem a mesma linha de pensamento ao definir o princípio da beneficência, argumentando que o médico deve ser benevolente quanto ao paciente. 63 Os autores ainda complementam seu ponto de vista, fazendo referência ao Relatório Belmont, na qual o princípio da beneficência é visto de duas maneiras: a princípio de não lesionar, e por fim, trazer o maior número 58 SANTOS, M. C. C. L. O equilíbrio de um pêndulo: bioética e a lei: implicações médico-legais, p.42. 59 KIPPER, D. J.; OSELKA, G. W.; AYER, R. Bioética Clínica. In: ANJOS, M. F. dos; SIQUEIRA, J. E. de (orgs.) Bioética no Brasil: tendências e perspectivas, p. 118. 60 CLOTET, J.; KIPPER, D. J. Princípios da beneficência e maleficência. In: COSTA, S. I., OSELKA, G.; GARRAFA, V. (coords.). Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho federal de Medicina, 1998, p. 41. 61 KURAMOTO, J. B. Bioética e Direitos Humanos. In: SIQUEIRA, J. E. de; PROTA, L.; ZANCANARO, L. (orgs.). Bioética: estudos e reflexões, p. 28. 62 KURAMOTO, J. B. Bioética e Direitos Humanos. In: SIQUEIRA, J. E. de; PROTA, L.; ZANCANARO, L. (orgs.). Bioética: estudos e reflexões, p. 31. 63 CLOTET, J.; KIPPER, D. J. Princípios da beneficência e maleficência. In: COSTA, S. I., OSELKA, G.; GARRAFA, V. (coords.). Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho federal de Medicina, p.42. 28 de benefícios possíveis.64 Sgreccia refere-se ao princípio da beneficência chamando-o de princípio do benefício. No mesmo viés que os autores citados, fala da origem do princípio no juramento hipocrático, da palavra ser originada do latim. Todavia, traz ainda uma nomeação diversa ao princípio, ao chamado de “princípio de não malefício”, percebendo-se que o autor não faz distinção entre os princípios da beneficência e não-maleficência. Ademais, esclarece que o referido princípio está relacionado com um tratamento benevolente ao paciente. 65 Kipper, Oselka e Ayer argumentam, assim como Clotet e Kipper, que o princípio da beneficência envolve duas ações, fazer o bem e prevenir o mal, pois é decorrente de uma obrigação moral com o paciente de beneficiá-lo. 66 Constata-se que o conceito e aplicação do referido princípio tem descrição similar, senão idêntica, entre os autores mencionados, o qual seria fazer o bem. 1.2.3.2 Princípio da Não-Maleficência Kuramoto argumenta que o princípio da não-maleficência seria também decorrente do juramento hipocrático, de ajudar, ou ao menos não agravar a situação. A palavra tem origem no latim, de primun non nocere, não fazer o mal, não lesionar. 67 Clotet e Kipper ao esclarecerem o princípio da não- maleficência, também mencionam o juramento hipocrático, e reafirmam que a palavra em origem no vocábulo latino primum non nocere. Sustentam ainda que o 64 COSTA CLOTET, J.; KIPPER, D. J. Princípios da beneficência e maleficência. In: COSTA, S. I., OSELKA, G.; GARRAFA, V. (coords.). Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho federal de Medicina, 1998, p. 45. 65 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética, I. Fundamentos e Ética Biomédica,1996, p. 167. 66 KIPPER, D. J.; OSELKA, G. W.; AYER, R. Bioética Clínica. In: ANJOS, M. F. dos; SIQUEIRA, J. E. de (orgs.) Bioética no Brasil: tendências e perspectivas. São Paulo: Idéias e Letras.P. 120. 67 KURAMOTO, J. B. Bioética e Direitos Humanos. In: SIQUEIRA, J. E. de; PROTA, L.; ZANCANARO, L. (orgs.). Bioética: estudos e reflexões. Londrina: UEL, 2000.P. 31. 29 referido princípio envolve uma abstenção, uma inação por parte do profissional. 68 Kipper, Oselka e Ayer advogam que o princípio da não- maleficência obriga o médico a não lesionar o paciente, e ainda pontua que, especialmente na medicina, os riscos de causar danos ao paciente são grandes, por negligência. 69 Verifica-se que os autores, assim como no princípio anterior, possuem entendimento uniforme quanto a este. Entretanto, existem relatos que, desde que o juramento hipocrático foi adotado pela comunidade médica, há aqueles que não o respeitam, por inúmeras razões. Entre elas, está o fato de acreditarem que, o sacrifício de uma pessoa, para salvar outras, pode ser justificado, desrespeitando o juramento e os princípios evidenciados. O tema foi abordado no filme alemão “Anatomia”, em que uma estudante de medicina depara-se com membros da Sociedade Anti-Hipocrática, a qual realiza experimentos em seres- humanos para estudá-los. 1.2.3.3 Princípio da Autonomia A palavra autonomia tem aplicação abrangente, já que é empregada tanto no ordenamento jurídico, quanto na bioética, como princípio. No espaço jurídico, Kretz faz a seguinte colocação: A autonomia da vontade, como princípio no ordenamento jurídico, toma contornos diversos. Vários autores têm se posicionado pelo uso da terminologia “autonomia privada”, uma vez que esse princípio se encontra intimamente ligado à idéia de relação jurídica, negócio jurídico e direito contratual. Essa questão de divergência, quanto à nomenclatura, se deve a si próprio posicionamento adotado pelos doutrinadores, isto é, quem prefere a expressão “autonomia da vontade”, defendem a Teoria da Vontade.70 Já Kuramoto ao se referir ao princípio da autonomia no âmbito 68 CLOTET, J.; KIPPER, D. J. Princípios da beneficência e maleficência. In: COSTA, S. I.; OSELKA, G.; GARRAFA, V. (coords.). Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho federal de Medicina, p.47. 69 KIPPER, D. J.; OSELKA, G. W.; AYER, R. Bioética Clínica. In: ANJOS, M. F. dos; SIQUEIRA, J. E. de (orgs.) Bioética no Brasil: tendências e perspectivas, p. 119. 70 KRETZ, A. Autonomia da Vontade e Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais. Florianópolis: Momento Atual, 2005, p. 5 e 6. 30 da bioética, pontua que a palavra tem origem grega, de autos e nomos, eu e lei, contatando-se que trata da vontade da pessoa de criar seu próprio código de conduta, de ser seu próprio governo, e fazer suas próprias escolhas, atuar da forma que entender melhor. 71 Muñoz e Fortez, da mesma maneira de Kuramoto, referem-se ao princípio da autonomia aludindo à sua origem dos vocábulos gregos autos e nomos, uma lei própria. Neste sentido, argumentam que, quando há apenas uma linha a ser seguida, não há autonomia, pois a pessoa não tem opção de exercício do princípio. 72 Sgreccia discorre que o referido princípio trata da consolidação das prerrogativas das pessoas, de escolherem, de se auto-determinar. O doutrinador faz menção à relação entre o médico e o paciente, no sentido que o médico deve indicar o melhor tratamento para curar a moléstia que atinge seu paciente, mas cabe somente ao paciente aceitar ou não o tratamento. Há, entretanto, exceções, nos casos de tratamento psiquiátricos, em que é necessária intervenção pelo bem do paciente, mas, estando ele em função de suas faculdades mentais, deve optar o caminho a percorrer. 73 Kipper, Oselka e Ayer pontuam que o princípio da autonomia está relacionado com a capacidade da pessoa identificar o que lhe trará maior benefício. Neste sentido, assim como Sgreccia, fazem uma observação, que a pessoa deve racionalizar o seu problema, para poder tomar a melhor decisão, além de ter alternativas para escolher entre as mesmas. 74 Atualmente, constata-se que muitas pessoas recusam-se a tratar-se das moléstias que as atacam, seja um câncer, ou até um quadro de diabetes. Nestes casos, o princípio da autonomia da pessoa evidencia-se. 71 KURAMOTO,J. B. Bioética e Direitos Humanos. In: SIQUEIRA, J. E. de; PROTA, L.; ZANCANARO, L. (orgs.). Bioética: estudos e reflexões. p. 31. 72 MUNÕZ, D. R.; FORTES, P. A. C. O princípio da autoomia e o consentimento livre e esclarecido. In: COSTA, S. I., OSELKA, G.; GARRAFA, V. (coords.). Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho federal de Medicina, 1998, p.57. 73 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética, I. Fundamentos e Ética Biomédica, p. 167. 74 KIPPER, D. J.; OSELKA, G. W.; AYER, R. Bioética Clínica. In: ANJOS, M. F. dos; SIQUEIRA, J. E. de (orgs.) Bioética no Brasil: tendências e perspectivas, p. 120. 31 1.2.3.4 Princípio da Justiça Assim como o vocábulo autonomia, a palavra justiça tem significação ampla, sendo que se registram manifestações de filósofos como Aristóteles quanto ao tema. Na filosofia Aristotélica a Justiça é elencada como a virtude principal. Aristóteles desdobra a justiça particular em dois tipos: a distributiva e a corretiva. A justiça distributiva é exercida pelo legislador, ou seja, na distribuição da honra, riqueza e demais bens da comunidade. Já a justiça corretiva é exercida pelo juiz ao aplicar punições aos delinqüentes quando da solução de litígios. O desenvolvimento de seu pensamento filosófico encontra fundamento na idéia de igualdade proporcional, uma vez que não existe igualdade nem na natureza e nem entre os homens. 75 No âmbito da bioética, Kuramoto discorre sobre o princípio da justiça, destacando que, quando se trata de distribuir os recursos sanitários, isto deve ser feito de forma justa e imparcial. 76 Sgreccia esclarece que o princípio da justiça está agregado à distribuição de tratamento de forma igual pelo Estado, ou seja, todos possuem os mesmos direitos, e por isto, devem ser tratados de forma igual. 77 Santos argumenta que o princípio da justiça obriga ao Estado a distribuir de forma justa os serviços médicos, ou da área da saúde. Mesmo que as pessoas sejam diferentes, devem ser tratadas de forma igual. 78 Kipper, Oselka e Ayer descrevem o princípio, como a maioria dos autores, de forma a tratar as pessoas de forma igual, e faz uma importante colocação. Em decorrência da dificuldade de todos terem acesso à saúde de forma uniforme, surge, por isso um conflito sobre a distribuição, à população, de 75 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Nova Cultural, 1996. (Coleção os Pensadores). 76 KURAMOTO, J. B. Bioética e Direitos Humanos. In: SIQUEIRA, J. E. de; PROTA, L.; ZANCANARO, L. (orgs.). Bioética: estudos e reflexões, p. 32. 77 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética, I. Fundamentos e Ética Biomédica,1996, p. 167. 78 SANTOS, M. C. C. L. O equilíbrio de um pêndulo: bioética e a lei: implicações médico-legais, p. 45. 32 assistência médica. 79 Basta ler um jornal, ou assistir algum noticiário para verificar que o sistema de saúde brasileiro ainda é precário e as pessoas custam a ter acesso ao mesmo. Mesmo sendo uma prerrogativa constitucional, nem sempre há cumprimento da mesma. 1.2.4 Divisão da Bioética A bioética pode ser dividida quanto aos seus campos de atuação ou a situação de aplicação. Sgreccia narra que a bioética é dividida em três categorias: geral, especial e clínica. A bioética geral está relacionada basicamente com a legislação, no sentido de delimitação. A bioética especial preocupa-se com as “novidades” na medicina, dentre elas, a engenharia genética e a experimentação clínica. Por fim, a bioética clínica, ou de decisão, agrega as situação médicas práticas, e decide quais caminhos, ou neste caso, princípios a adotar, uma forma de utilização de critérios. 80 Já Garrafa divide a bioética conforme sua situação, sendo ela emergente ou persistente. A bioética de situação emergente é similar com a bioética especial definida por Sgreccia, pois aborda o desenvolvimento desenfreado da área médica, como a clonagem e o projeto genoma humano. Já a bioética de situação persistente aborda a situação das pessoas que não conseguem ter acesso aos recursos médicos de forma igualitária. 81 79 KIPPER, D. J.; OSELKA, G. W.; AYER, R. Bioética Clínica. In: ANJOS, M. F. dos; SIQUEIRA, J. E. de (orgs.) Bioética no Brasil: tendências e perspectivas, p. 122. 80 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética, I. Fundamentos e Ética Biomédica, p. 46. 81 GARRAFA, V. Bioética e ciência: até onde avançar sem agredir. In: COSTA, S. I., OSELKA, G.; GARRAFA, V. (coords.). Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho federal de Medicina, 1998, p. 100. 33 1.3 RELAÇÃO DIREITO E BIOÉTICA Até o presente momento, verifica-se que a bioética é a ética da vida, ou seja, o conjunto de regras para todos os seres que habitam nosso planeta viverem em harmonia. Neste sentido, para o fechamento do presente capítulo, é importante identificar como a bioética interage com o Direito. A bioética em seu sentido estrito ou seja, a ética relacionada com as novas conquistas biotecnológicas, abrangente, estão, de questões como manipulação genética, reprodução assistida, transexualidade, manutenção da vida artificial, eutanásia [...] somente o limitado âmbito de problemas delas decorrentes já é o suficiente para impor ao direito uma modificação substancial. 82 Galvão sustenta que por muito tempo, o médico era visto como um semi-Deus, pois era uma pessoa que trazia segurança às pessoas, principalmente em momentos ruins, em que alguém se encontrava doente, precisando de assistência. Nesta época, existiam poucos médicos e poucas faculdades de medicina. Com o decorrer do tempo, o aumento de faculdades de medicinas e o fato de as pessoas buscarem conhecimento específico e geral mediante a educação, os pacientes e seus familiares começaram a questionar as condutas médicas, alternando entre profissionais. 83 No mesmo sentido, Sgreccia faz alusão à teologia, afirmando que o médico era tido como “servidor dos sofredores”, sendo o “Christus servus”, e o paciente sendo o “Christus patiens”. Nesta colocação, o médico é o servo de Cristo, cuidando dos pacientes, estando obrigado a cuidar dos doentes. 84 Galvão ainda sustenta que, especificamente na década de oitenta, tornaram-se públicas denúncias, feitas pela bioética, contra médicos por mau-exercício da sua profissão. Neste viés, surge o biodireito, que busca a aplicação do direito mediante a utilização da bioética. O autor aduz que o biodireito está inserido na bioética, e que existem operadores do direito dedicados a este campo, tendo em vista o número de denúncias contra médicos e profissionais da 82 CARLIN, Volnei Ivo. Ética e Bioética: novo direito e ciências médicas, p. 98. 83 GALVÃO, Antônio Mesquita. Bioética: a ética a serviço da vida: uma abordagem multidisciplinar, p. 156. 84 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética, I. Fundamentos e Ética Biomédica, p. 39. 34 área da saúde.85 Coan no mesmo sentido que Galvão, acresce que o biodireito é uma disciplina que envolve direitos da quarta geração, que estão evidenciados pelo acelerado desenvolvimento da biomedicina. O autor ainda afirma que é um campo polêmico, pois aborda a responsabilidade do profissional da saúde. 86 Para encerrar este capítulo, a contribuição de Carlin, o qual complementa que um dos objetivos do político-jurídico é preencher a lacuna legislativa existente, buscando uma norma melhor em busca de uma sociedade melhor, onde todos possam ter direito a uma vida digna e utilizar-se dos avanços médico-científicos que lhes são ofertados diariamente. Na realidade, a consciência jurídica é um fenômeno em constante evolução, sendo que o papel reservado a este direito deverá ser, sem dúvida realizador dos valoressociais, mas a partir de um interagir dialético com a Bioética. 87 E, alude ainda o autor que a reflexão bioética enquanto reconhecimento do valor ético da vida humana, assume impressionante atualidade em virtude dos avanços das ciências biomédicas, o que significa dizer que a reflexão bioética, com seu anunciado compromisso democrático, nada mais é do que lidimo resultado da incorporação social dos direitos humanos de terceiras e quartas gerações. Com efeito a reflexão bioética é decorrência da crise de confiança cega na ciência, como se tudo o que se faz em seu nome necessariamente se resolve em vantagem para o homem. A ética é a ordenação destinada a conduzir o homem de acordo com uma hierarquia de bens, uma tábua de valores, um sistema axiológico de referência. “É a ordenação ideal para a atividade livre do ser humano. 88 Portanto, constata-se que a bioética terá cumprimento mediante o biodireito, sendo que os dois estão estritamente interligados. A bioética 85 GALVÃO, Antônio Mesquita. Bioética: a ética a serviço da vida: uma abordagem multidisciplinar, p. 157 . 86 COAN, E. I. Biomedicina e biodireito: desafios bioéticos: traços semióticos para uma hermenêutica constitucional fundamentada nos princípios da dignidade da pessoa humana e da inviolabilidade do direito à vida. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Biodireito: ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p.247. 87 CARLIN, Volnei Ivo. Ética e Bioética: novo direito e ciências médicas, p. 113. 88 CARLIN, Volnei Ivo. Ética e Bioética: novo direito e ciências médicas, p. 119-123. 35 apresenta princípios e a preocupação com a vida, e o biodireito serve para auxiliar a bioética, pois é o campo jurídico de discussão dos problemas bioéticos. Neste viés, no capítulo seguinte são abordados os tipos de sexo, identidade sexual, condições sexuais, além de direcionar o estudo ao transexualismo, objeto principal deste trabalho. 36 CAPÍTULO 2 SEXUALIDADE, IDENTIDADE DE GÊNERO E SEXO De maneira tradicional, a relação entre sexualidade, identidade e sexo, constituintes da identidade, tem sido considerada em uma seqüência lógica onde a um sexo físico-biológico correspondem um determinado comportamento de gênero e uma maneira específica de vivência da sexualidade. Ou, conforme salienta Louro (2004): “A coerência e a continuidade supostas entre sexo-gênero- sexualidade servem para sustentar a normatização da vida dos indivíduos e das sociedades.”89 2.1 A SEXUALIDADE SOB DIFERENTES OLHARES Na era vitoriana90 a sexualidade era abordada como prática legítima na família conjugal, mais exatamente no quarto dos pais, com a única função da reprodução. Não era concebida como tema de discursos e, de acordo com Giddens (1993), a sexualidade foi censurada e não foi um segredo aberto, representado, analisado ou avaliado junto à população. De acordo com Foucault, a sexualidade passou a ser enquadrada numa nova ordem discursiva, a partir da sua institucionalização, por meio dos diferentes mecanismos sociais91. O autor, contribui, retratando bem o comportamento sexual da época: Um rápido crepúsculo se teria seguido à luz meridiana, até as noites monótonas da burguesia vitoriana. A sexualidade é, então, 89 LOURO, G. L. Um corpo estranho: Ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004, p. 78. 90 O período entre os anos de 1837 e 1901 na Grã-Bretanhã, referente ao reinado da rainha Vitória, ficou conhecido como Era Vitoriana, uma época de grande avanço econômico e consolidação do Império colonial britânico. (FLORES; VASCONCELOS, 2000). 91 FOUCAULT, M. A história da sexualidade. 1993. 37 cuidadosamente encerrada. Muda-se para dentro de casa. A família conjugal a confisca. E absorve-a, inteiramente, na sociedade da função de reproduzir. Em torno do sexo, se cala. O casal, legítimo e procriador, dita a lei [...]. E se o estéril insiste, e se mostra demasiadamente, vira anormal: receberá este status e deverá pagar as sanções92. Atualmente, a sexualidade ultrapassou a intimidade do quarto e ganhou as ruas, os outdoors e as bancas de jornal. Faz parte do cotidiano das pessoas e é consumida no decorrer das horas, no rádio do carro, na televisão das casas, na Internet, nos jornais e nas revistas. Tornou-se um grande espetáculo para ser visto e consumido, tendo a mídia como sua grande difusora. Esta veicula simultaneamente campanhas educativas e imagens eróticas, reunindo um conjunto de informações que ambiguamente atende a transformações socioculturais e aprofunda estereótipos. A mídia veicula, ainda, corpos esculturais, padrões de relacionamento e de beleza e fórmulas de prazer e de felicidade, transformando pessoas e sentimentos em mercadorias, em resposta ao mercado publicitário. Sendo assim, frente a tanta publicidade, a sexualidade continua representando um desafio, questionamentos e debates entre autores em termos de forma e conteúdo, visualizando a promoção da saúde reprodutora dos indivíduos. No entanto, pode-se afirmar que em nossa sociedade o tema sexualidade persiste envolto em mistérios e tabus, pois, “Os conceitos atuais sobre sexualidade ainda guardam consigo a essência de gerações anteriores, carregados de mitos e crenças”93. O que representa um verdadeiro atraso, frente a um tema tão relevante, carente de clara discussão entre adultos e, principalmente entre os adolescentes. Teoricamente, a sexualidade assim como se conhece, inicia-se juntamente à puberdade ou adolescência, o que deve ocorrer por volta dos 12 anos de idade (Art. 2º - Estatuto da Criança e do Adolescente). Entretanto, em prática, sabe-se que não se configura exatamente desta forma. 92 FOUCAULT, M. A história da sexualidade, p. 9. 93 JESUS, M.C.P. de. Educação Sexual e compreensão da sexualidade na perspectiva da enfermagem. In: RAMOS, F.R.S., et al. Projeto adolescer: um encontro de enfermagem com o adolescente brasileiro. Brasília: ABEn, 2000, p.47. 38 Para a maioria das pessoas, falar de sexualidade remete imediatamente ao ato sexual e à reprodução. Mas a sexualidade é muito mais abrangente. Pode ser definida como uma forma de expressão dos afetos, uma maneira de cada indivíduo se descobrir e descobrir os outros. A sexualidade engloba a identidade sexual (masculina e feminina); os afetos e a auto-estima; as alterações físicas e psicológicas ao longo da vida; o conhecimento anatômico e fisiológico do homem e da mulher; a higiene sexual; a gravidez, a maternidade e a paternidade; métodos anticoncepcionais; doenças sexualmente transmissíveis; os transtornos sexuais, entre outros. Declara Gherpelli que quando se fala de sexualidade, pressupõe-se falar de intimidade, uma vez que ela está estreitamente ligada às relações afetivas. A sexualidade é um atributo de qualquer ser humano. Mas para ser compreendida, não se pode separá-la do indivíduo como um todo. Ela é parte integrante e intercomunicante de uma pessoa consigo mesma e para com as outras. Portanto, é muito mais do que simplesmente ter um corpo desenvolvido ou em desenvolvimento, apto para procriar e apresentar desejos sexuais. 94 Trata-se, também, de uma forma peculiar que cada indivíduo desenvolve e estabelece, para viver suas relações pessoais e interpessoais a partir de seu papel sexual. Daí pode-se afirmar que a sexualidade é um instrumento relacional importante, embora não seja o único. E, ainda afirma a autora que a sexualidade não é um fato isolado, mas é moldada e expressa concretamente nas relações que o sujeito estabelece, desde a mais tenra idade,consigo mesmo e com os outros. 95 Assim, de acordo com o conceito contemporâneo, a sexualidade é uma experiência individual regida por diferentes desejos e condutas que a tornam um processo absolutamente pessoal e natural. A forma como cada indivíduo se percebe como um ser sexual é intrínseca à sua natureza e não pode ser 94 GHERPELLI, Maria Helena Brandão Vilela. A Educação Preventiva em Sexualidade na Adolescência. Série Idéias n. 29, São Paulo: FDE, 1996. Disponível em: <http://www. crm ariocovas.sp.gov.br/eds_a.php?t=002>. Acesso em: 4.maio de 2009. 95 GHERPELLI, Maria Helena Brandão Vilela. A Educação Preventiva em Sexualidade na Adolescência. 39 modificada por fatores externos como a moral, a religião e a imposição de papéis sexuais, sem que isto resulte em grande sofrimento e angústia. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), a sexualidade representa “[...] um aspecto central do bem estar humano, do começo ao fim da vida, envolvendo sexo, identidade de gênero, orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução.” 96 Vitiello define a sexualidade como: A sexualidade, entendida a partir de um enfoque amplo e abrangente, manifesta-se em todas as fases da vida de um ser humano, tendo na genitalidade (coito) apenas um de seus aspectos, talvez nem mesmo o mais importante. A sexualidade permeia todas as manifestações humanas. 97 Em suma, como se afirmou inicialmente, nos últimos anos tem- se falado muito no assunto. Criaram-se diversas teorias, realizaram-se vários estudos, e o tema conquistou um espaço fantástico nos jornais e revistas. No entanto, toda esta publicidade ocasiona, muitas vezes, uma idealização da vida sexual, dando a falsa impressão de que existe uma fórmula única de viver plenamente a sexualidade, um padrão sexual, um modelo estruturado ao qual todos os indivíduos devem se adaptar. E, desse modo, inverte-se o ritmo natural das coisas. Porém, conforme Gherpelli, seja qual for a sua visão íntima sobre o assunto, é interessante que se possa manter uma relação de compreensão e aceitação de sua própria sexualidade. O esclarecimento de dúvidas e a capacidade de se sentir a vontade com seus desejos e sensações, colabora imensamente ao amadurecimento desta, o que gera sensação de conforto e evita conflitos internos provenientes de dúvidas e medos, gerando uma experiência positiva e saudável. E, ainda complementa a autora declarando que a sexualidade existe para servir ao indivíduo e não o contrário, o indivíduo para viver a serviço da sexualidade. Até parece que ela é o seu objetivo de vida e não uma conseqüência 96 LIMA, Junia Dias de. O Despertar da Sexualidade na adolescência. In: PEREIRA, José Leopídio; et al. (org.). Sexualidade na adolescência no novo milênio, p.15. 97 LIMA, Junia Dias de. O Despertar da Sexualidade na adolescência. In: PEREIRA, José Leopídio; et al. (org.). Sexualidade na adolescência no novo milênio, p.15. 40 natural de seu desenvolvimento como ser humano. 98 Cano, Ferriani e Gomes, afirmam que a sexualidade é um dos importantes aspectos da adolescência, enfatizando que é nessa fase da vida do ser humano que a identidade sexual está se formando99, sobre a qual se disserta a seguir. 2.2 IDENTIDADE DE GÊNERO OU SEXUAL Tem-se a noção de gênero o entendimento de relações estabelecidas a partir da percepção social das diferenças biológicas entre os sexos100, sendo essa percepção, por sua vez, fundada em esquemas classificatórios que opõem masculino/feminino, sendo esta oposição homóloga e relacionada a outras: forte/fraco; grande/pequeno; acima/abaixo; dominante/dominado. 101 Prossegue o autor complementando que essas oposições são hierarquizadas, cabendo ao pólo masculino e seus homólogos a primazia do que é valorizado como positivo, superior. Essas oposições/hierarquizações são arbitrárias e historicamente construídas. Assim, [...] a divisão entre os sexos parece estar na ordem das coisas [...] ela está presente, ao mesmo tempo, em estado objetivado [...] em todo o mundo social, e em estado incorporado, nos corpos e nos habitus dos agentes, funcionando como sistemas de esquemas de percepção, de pensamento e de ação. 102 Silva discorre sobre a identidade de gênero ou sexual afirmando que a mesma não tem necessariamente ligação com o sexo gonádico, ou 98 GHERPELLI, Maria Helena Brandão Vilela. A Educação Preventiva em Sexualidade na Adolescência. Série Idéias n. 29, São Paulo: FDE, 1996. Disponível em: <http://www. crm ariocovas.sp.gov.br/eds_a.php?t=002>. Acesso em: 4.maio de 2009. 99 CANO, Maria Aparecida Tedeschi; FERRIANI, Maria das Graças Carvalho; GOMES, Romeu. Sexualidade na adolescência: um estudo bibliográfico. Revista Latino-Am. Enfermagem, v. 8, n. 2. Ribeirão Preto, abr. 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104- 11692000000600019&script=sci_arttext&tlng= pt >. Acesso em: jun./2009. 100 SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v.20, n.2, p. 71-99, jul./dez. 1995. 101 BOURDIEU, P. A dominação masculina. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1999. 102 BOURDIEU, P. A dominação masculina. 1999. p. 17. 41 endócrino, ou até mesmo morfológico. A autora exprime que a identidade de gênero, ou sexual, possui elementos conscientes ou inconscientes, ou seja, influência psicológica, além de ser interligada com as características físicas da pessoa. Verifica-se que a identidade de gênero será compreendida por fatores internos e externos. 103 Peres continua esta linha de pensamento, sustentando que a identidade de gênero será responsável em identificar a pessoa em homem ou mulher, pois a própria sociedade tem necessidade de rotular as pessoas, seus atos e suas funções. Desta forma, o que não se enquadra neste conjunto será excluído, porque não é bem visto. 104 Erikson pontua que isto é importante para a sociedade, pois assim haverá a manutenção da ordem, já que cada um saberá o seu papel social, não havendo uma confusão. O autor ainda destaca que os questionamentos quando à identidade de gênero ocorre durante a puberdade, pois é durante esta fase de formação intelectual que a pessoa adquire um comportamento próprio, que pode ser alterado, mas que é necessário, pois não encontrar ou adquirir um papel, será causador de angústia à pessoa. 105 Todavia, verifica-se atualmente que estas identificações de gênero não são necessariamente confiáveis, pois a sociedade é um ente mutável, e os papéis das pessoas mudam, pois aquilo que é visto como feminino e masculino não quer dizer que seja necessariamente ligado ao sexo da pessoa. Vemos atualmente que, com o movimento feminista, os papéis femininos mudaram, todavia, o seu sexo continua o mesmo, da mesma forma que os papéis masculinos mudaram. Por exemplo, se vê que as mulheres exercem papéis antes vistos como masculinos, de chefia de empresas ou de lares, papel anteriormente ocupado por homens, enquanto as mulheres eram objeto de domínio masculino. Na 103 SILVA, M. de C. A. Identidade de gênero e expressão sexual masculina e feminina. Scientia Sexualis – Revista do Mestrado em Sexologia da Universidade Gamão Filho, Rio de Janeiro, v.3, n. 2, p. 80, dez 1997. 104 PERES, A. P. A. B. Transexualismo, o direito a uma nova identidade sexual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.91 105 ERIKSON, E. H. Identidade Juventude e Crise. 2. ed. Tradução por Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987, p. 186. 42 mesma linha, percebe-se que alguns homens sentem-se ameaçados por esta mudança,enquanto outros não têm dificuldades em compartilhar o espaço, pois percebem que as mudanças sociais são infreáveis. Estas colocações são importantes para este trabalho, pois o transexual encontra-se em um vácuo sexual, pois possuem sexo dominantemente masculino, por exemplo, mas tem identidade de gênero feminina, o que acarreta como Erikson expressou, uma profunda angústia no ser. Ou seja, não são nem uma coisa nem outra. Por fim, entender as relações de gênero como fundadas em categorizações presentes em toda a ordem social, permite compreender não somente a posição das mulheres, em particular, como subordinada, mas também a relação entre sexualidade e poder. A sexualidade, longe de ser um “domínio da natureza” é considerada aqui como um “fato social” enquanto condutas, como fundadora da identidade e como domínio a ser explorado cientificamente. 106 A sexualidade é perpassada por aqueles esquemas de classificação, fundados na oposição e hierarquização entre masculino/feminino, a partir da oposição entre ativo/passivo, o que estabelece uma ligação entre sexualidade e dominação: as imagens, o vocabulário e as significações mobilizadas em cada sociedade para evocar as relações sexuais são, em todos os lugares, utilizados para dizer igualmente a dominação de sexo em geral. 107 A seguir, aborda-se o sexo numa apreciação de equilíbrio entre diferentes fatores, e, as síndromes responsáveis por alterações sexuais nos indivíduos. 2.3 SEXO O sexo tem sido um mistério por muito tempo na história da 106 BOZON, Michel e GIAMI, Alain. Les scripts sexuels ou la mise en forme du désir – présentation de l’article de John Gagnon. Actes de la recherche en sciences sociales, Paris, n.128, p.68-72, juin. 1999. In: ANJOS, Gabriele dos. A sexualidade é política: atuação, identidade e estratégias de manutenção de um grupo gay em Porto Alegre. Porto Alegre, 1999. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/soc/n4/socn4a11.pdf>. Acess em: 17.09.2009. 107 BOZON, Michel e GIAMI, Alain. Les scripts sexuels ou la mise en forme du désir – présentation de l’article de John Gagnon. Actes de la recherche en sciences sociales, p. 14. 43 evolução humana. Para algumas pessoas, o sexo destina-se somente à procriação, para outras é fonte de prazer, decorrente de uma vida saudável. Del-Campo afirma que o sexo não pode mais ser abordado, senão levando em consideração vários fatores. O autor indica que existem vários tipos de sexo: genético, dividindo-se em cromossômico e cromatínico; endócrino; morfológico; psicológico e jurídico. 108 Seguindo o mesmo pensamento que Del-Campo, Maranhão exprime que o sexo deve ser visto por vários correntes, sendo resultante de um equilíbrio de vários planos, desde o físico até o psicológico. Maranhão ainda divide o sexo em: genético; endócrino; morfológico; psicológico e jurídico. 109 Estabelecido que o sexo abrange vários elementos, parte-se para um relato direcionado as diversas classificações que integram o mesmo. 2.3.1 Sexo Genético O sexo genético também é denominado sexo genotípico. Para Del-Campo, conforme as divisões expressas anteriormente, o sexo genético divide- se em cromossômico e cromatínico. O autor sustenta que o ser-humano possui 46 cromossomos, sendo 22 pares autossômicos e um sexual. Neste sentido, o homem possui 44 cromossomos A (automossômico), mais um cromossomo XY; enquanto a mulher possui 44 cromossomos A (automossômico), mais um cromossomo XX. Neste sentido, o XX representa a mulher, e o XY representa o homem, sendo estes os cromossomos sexuais. 110 Maranhão sustenta semelhantemente, entretanto, declara que somente após 1961 conclui-se que o ser-humano possui 46 cromossomos, sendo 44 , ou 22 pares, autossomas e um par sexual. Assim Del-Campo, pontua que os homens possuem 44 cromossomos autossomos e dois sexuais, do tipo XY, e as 108 DEL-CAMPO, E. R. A. Medicina Legal. 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2007. p. 192. 109 MARANHÃO, O. R. Curso Básico de Medicina Legal. p. 127. 110 DEL-CAMPO, E. R. A. Medicina Legal. p. 192 44 mulheres possuem 44 cromossomos autossomos e dois sexuais, do tipo XX. O Autor ainda faz referência à reprodução dos seres-humanos, sendo que os óvulos possuem carga genética de 22 pares autossomos e um cromosso tipo X; e os espermatozóides podem ter fórmula idêntica, ou possuir 22 pares autossomos e um cromossomo Y. Se os óvulos e os espermatozóides tiverem fórmula 22 A + X, dar- se-á origem à uma pessoa do sexo feminino, pelo menos cromossomicamente. Se o espermatozóide tiver fórmula 22 A + Y, dar-se-á origem a uma pessoa do sexo masculino, cromossomicamente. 111 Del-Campo ainda discorre sobre o sexo cromatínico, ou sexo nuclear. O sexo cromatínico nada mais é do que a presença de um corpúsculo cromatínico nas pessoas do sexo feminino. O autor da descoberta deste corpúsculo foi Murrey Barr, no ano de 1949, sendo que o corpúsculo também pode ser chamado de corpúsculo de Barr, em homenagem ao seu descobridor. 112 Maranhão também destaca que o sexo cromatínico foi descoberto por Murrey Barr, já o mesmo percebeu a presença de uma substância nas pessoas do sexo feminino, a qual ele denominou corpúsculo cromatínico ou cromatina sexual. O autor ainda aduz que esta substância não é encontrada em homens, somente em raros casos, mesmo assim, está sempre presente em pessoas do sexo feminino. 113 Existem certas síndromes que atingem homens e mulheres no âmbito cromossômico, as quais os afligem sexualmente, com efeitos físicos. O fato de se mencionar estas síndromes é a de que estas podem estar presentes em transexuais, objeto ora estudado. Como exemplo de um transexual portador de uma destas síndromes, têm-se Lili Elbe, uma pintora famosa do século passado foi umas das primeiras pessoas do sexo masculino a realizar procedimentos cirúrgicos para modificar o seu sexo morfológico, e era portadora da síndrome de Klinifelter. 114 Estas síndromes são descritas a seguir. 111 MARANHÃO, O. R. Curso Básico de Medicina Legal, p. 127. 112 DEL-CAMPO, E. R. A. Medicina Legal. p. 193. 113 MARANHÃO, O. R. Curso Básico de Medicina Legal, p. 128. 114 NICOLE KIDMAN SERÁ MULHER TRANSEXUAL EM FILME SOBRE VIDA DE PINTORA DINAMARQUESA. Disponível em: <http://mixbrasil.uol.com.br/upload/noticia/3_53_74306.shtml>. Acesso em: 17.09.2009. 45 2.3.1.1 Síndrome de Turner Del-Campo esclarece que a síndrome de Turner afeta às pessoas do sexo feminino, apesar de as mulheres afetadas não apresentarem a cromatina de Barr. Esta síndrome se caracteriza pela presença de apenas 45 cromossomos, sendo 44 do tipo A, e apenas um do tipo sexual (44 A + X). O autor alega que esta síndrome atinge uma a cada três mil mulheres, sendo que as mulheres afetadas na maioria são estéreis, seus ovários são atrofiados, possuem baixa estatura e não possuem os caracteres secundários desenvolvidos, em decorrência da falta de produção do hormônio estrógeno. 115 Maranhão refere-se à síndrome de Turner como a “síndrome de ovário rudimentar”, e re-afirma que as pessoas atingidas são do sexo feminino. As características apresentadas pelo autor, referentes à esta síndrome, são similares às de Del-Campo: cromossomo de forma 44 + X, amenorréia, mamas pouco desenvolvidas, baixa estatura, infantilismo sexual e a pele da face aparentemente ficaria com aspecto senil. A cromatina de Barr verifica-se presente, apesar de não se assemelharem fisicamente às mulheres sem a síndrome. 116 2.3.1.2 Síndrome de Klinifelter Enquantoa síndrome de Turner atinge as mulheres, a síndrome de Klinifelter atinge aos homens, na proporção de um a cada quinhentos. Cromossomicamente, eles apresentam cariótipos da seguinte forma: 44 A + XXY; ou 44 A + XXYY; ou 44 A + XXXY; ou 44 A + XXXYY; ou 44 A + XXXXY. Os efeitos desta síndromes são o afinamento da voz, estatura elevada e as mamas são hipertrofiadas. Quanto ao pênis, ele não é muito desenvolvido, o que não impede que o mesmo funcione, podendo ter ereção e ejaculação, apesar de serem estéreis, já que os testículos não produzem espermatozóides. Os portadores da síndrome de Klinifelter apresentam leve diminuição da capacidade mental. 117 Da mesma forma que Del-Campo, Maranhão esclarece que os 115 DEL-CAMPO, E. R. A. Medicina Legal. p. 194. 116 MARANHÃO, O. R. Curso Básico de Medicina Legal. p. 133. 117 DEL-CAMPO, E. R. A. Medicina Legal. p. 194 46 atingidos pela síndrome são os do sexo masculino, cujas bolsas escrotais são vazias, e o autor refere-se à expressão hipoplasia118, tanto do pênis quando dos testículos, apesar de não apresentarem a cromatina de Barr. Há também associação à retardamento mental. 119 Sgreccia, ao tratar da síndrome de Klinifelter, acresce que a referida síndrome é decorrente com um defeito genético, pois o homem terá 47 cromossomos, ao invés de 46, que é o considerado normal. 120 Outra classificação pertinente ao sexo trata-se do sexo endócrino, conforme segue texto. 2.3.2 Sexo Endócrino Maranhão pontua que o sexo endócrino é decorrente das glândulas reprodutoras, as chamas gônadas. No homem, ela é representada pelos testículos, e nas mulheres é representada pelos ovários. Em se tratando estritamente das gônadas, o autor apresenta uma nova categoria de sexo, a do sexo gonádico, representado pelas gônadas descritas anteriormente. Quanto ao sexo endócrino, os testículos produzem um hormônio chamado andrógeno, ou testosterona, enquanto os ovários produzem os hormônios estrogênio e progesterona. Estes hormônios são responsáveis pelo desenvolvimento de caracteres secundários em homens e mulheres, como o crescimento de pêlos nos homens, e o desenvolvimento dos seios nas mulheres. 121 Tratando também das gônadas, Sgreccia define o sexo gonádico de forma semelhante à Maranhão, com fundamento em Ciccarese. O autor aduz que enquanto os homens possuem os testículos, as mulheres possuem os 118 KOOGAN e HOUAIS definem hipoplasia como: insuficiência de desenvolvimento de um tecido ou de um órgão. (KOOGAN, A.; HOUAISS, A. Enciclopédia e dicionário ilustrado. 4. ed. Rio de Janeiro: Seifer, 2000., p. 824). 119 MARANHÃO, O. R. Curso Básico de Medicina Legal. p. 133. 120 SGRECCIA, E. Manual de Bioética, I. Fundamentos e Ética Biomédica. p. 502. 121 MARANHÃO, O. R. Curso Básico de Medicina Legal. p. 129. 47 ovários, os quais produzem hormônios para o desenvolvimento corporal. 122 Classifica-se ainda o sexo em sexo morfológico, como se explicita a seguir. 2.3.3 Sexo Morfológico Maranhão discorre sobre o sexo morfológico, indicando que ele é responsável pela maior distinção entre homens em mulheres, tanto internamente quanto externamente. As mulheres possuem ovários, trompas, vagina, útero, enquanto os homens possuem pênis, testículos, próstata. E as diferenças não atingem somente aos órgãos reprodutivos, mas também ao resto do corpo, como, por exemplo, os homens, morfologicamente, possuem um esqueleto mais forte, rude, enquanto o esqueleto feminino é mais frágil e gracioso. Há, todavia, exceções a regra, que é o caso do intersexuais, ou hermafroditas, que serão conceituados e identificados adiante neste estudo. 123 Quanto ao sexo morfológico, Sgreccia o define de sexo fenotípico ou genital, caracterizado pelos órgãos externos e internos, da mesma forma que Maranhão. O autor ainda faz referência ao sexo dos canais genitais (ductal): os homens possuem o canal de Wolf, enquanto as mulheres possuem o canal de Muller, sendo cada um próprio de cada sexo. 124 Outra classificação ainda de sexo denomina-se sexo psicológico, de acordo com texto a seguir. 2.3.4 Sexo Psicológico Apesar de, via de regra, homens e mulheres possuírem características sexuais físicas do sexo com o qual nasceram, nem sempre isto 122 SGRECCIA, E. Manual de Bioética, I. Fundamentos e Ética Biomédica, p. 502. 123 MARANHÃO, O. R. Curso Básico de Medicina Legal. p. 130. 124 SGRECCIA, E. Manual de Bioética, I. Fundamentos e Ética Biomédica. p. 502. 48 corresponde com a sua atitude como indivíduo. Por exemplo, na atual sociedade, espera-se que os homens sejam fortes trabalhadores, e com o comportamento rude e bruto, apesar de atualmente isto não estar sendo validado. Todavia, ainda é sinal de um homem masculino, assim como as mulheres que praticam esportes com freqüência e não têm preferências por trajes femininas são vistas com maus-olhos, pois a sociedade não espera isto delas. Neste viés, Maranhão descreve que o ambiente familiar, a cultura e a educação influem neste desenvolvimento.125 Todavia, existem os casos em que a pessoa possui uma profunda angústia psíquica, por não sentir-se confortável com o seu sexo morfológico, ou seja, não estando de acordo com o sexo psicológico. Este quadro será adiante descrito quanto tratar-se do transexualismo. E, por fim, a classificação correspondente ao sexo jurídico. 2.3.5 Sexo Jurídico Para Maranhão, o sexo jurídico nada mais é do que uma decorrência do registro civil, já que o mesmo é realizado perante testemunhas, normalmente pessoas leigas. Apesar disto, poderão ocorrer casos em que o registro civil poderá ser alterado, casos como o de pseudo-hermafroditismo ou até mesmo no caso de uma mudança de sexo. 126 Desta forma, sintetiza-se sexo, gênero e sexualidade, de acordo com alusão de Musskopf, o qual alega que, estes têm comum entre si, assim como com todas as outras características que definem a identidade dos seres humanos, é que elas são significadas apenas em nossos corpos. Não se referindo ao corpo humano apenas como um conjunto de órgãos e partes, mas ao ser humano enquanto presença corporal e a sua relação consigo mesmo, com outras pessoas, com a natureza e com a divindade. Uma forma de como existimos e damos significado à nossa existência. Neste sentido, o corpo é a “superfície de inscrição de valores” tanto sociais quanto sexuais. Os papéis de gênero são construídos sobre os 125 MARANHÃO, O. R. Curso Básico de Medicina Legal, p. 130. 126 MARANHÃO, O. R. Curso Básico de Medicina Legal. p. 130. 49 corpos e vivenciados através de uma sexualidade que lhes corresponde127. Prossegue o autor informando que tradicionalmente a relação entre estes três elementos constituintes da identidade tem sido considerada em uma seqüência lógica onde a um sexo físico-biológico correspondem um determinado comportamento de gênero e uma maneira específica de vivência da sexualidade. Assim, embasados ainda em Musskopf, pode-se distinguir sexo, gênero e sexualidade reconhecendo o sexo como o dado físico-biológico, marcado pela presença de aparelho genital que diferencia os seres humanos entre machos e fêmeas; além do aparelho genital, a partir de pesquisas recentes, é dada atenção também ao código genético. Logo, entendo gênero como o dado social, formado por um aparato de regras e padrões de comportamento que configuram a identidade social das pessoas “normalmente” a partir do substrato físico-biológico e, a sexualidade, como o dado sexual, composto pela forma (ou pelas formas) como e com quem é expressoo desejo erótico e sexual. Esse dado também é chamado por alguns/as de “orientação sexual”. 128 Pertinente ainda a este capítulo são as condições sexuais que cada indivíduo tem como direito constitucional adotar ou já decorrente de seu nascimento. 2.4 CONDIÇÕES SEXUAIS Como exposto anteriormente, as pessoas podem adotar certos tipos de comportamento sexual, ou nascerem com características pré-determinadas, morfologicamente ou psicologicamente. Neste sentido, surgem as condições sexuais, que são caracterizadas pela forma com a qual os indivíduos relacionam-se sexualmente ou emocionalmente com outros, ou a forma com a qual as pessoas vêem-se como indivíduo sexuado. Estas condições e características serão descritas adiante, pois para o entendimento do comportamento do transexual, é imperativo 127 MUSSKOPF, A.S. Queer: teoria, hermenêutica e corporeidade. In: J. TRASFERETTI (org.), Teologia e sexualidade: Um ensaio contra a exclusão moral. Campinas: Átomo, 2004, p.179-212. 128 MUSSKOPF, A.S. Queer: teoria, hermenêutica e corporeidade. p.179-212. 50 que as mesmas sejam identificadas. 2.4.1 Heterossexualidade Koogan e Houaiss sustentam que a heterossexualidade é representada pela sexualidade do heterossexual, que por sua vez, é a pessoa que demonstra afinidade, de cunho sexual, por pessoas do sexo oposto ao seu. 129 Colhe-se que a heterossexualidade, também denominada de heterossexualismo, faz alusão a atração romântica ou sexual que ocorre entre indivíduos de sexos opostos, sendo considerada a orientação sexual mais comum entre os seres humanos. Quanto ao adjetivo heterossexual, o mesmo serve para retratar relações de cunho pessoal ou sexual entre pessoas de sexo feminino e masculino. Por muito tempo, foi tida como comportamento sexual “normal”, todavia, a sociedade em suas mudanças admitiu que este comportamento era tido na realidade como “comum”, pois existem outras opções sexuais. Por sinal, muitas entidades da comunidade GLBT (gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros) manifestaram-se, alegando que, por muito tempo, este comportamento foi o único admitido. 130 2.4.2 Homossexualismo Croce e Croce Jr. argumentam que o homossexualismo trata de uma atração de pessoas, por outras pessoas do mesmo sexo que o seu. Quando este quadro manifestar-se nos homens, pode ser também classificado de uranismo, pederastia e sodomia. 131 Já, quando manifestar-se nas mulheres, poderá ser 129 KOOGAN, A.; HOUAISS, A. Enciclopédia e dicionário ilustrado. 4. ed. Rio de Janeiro: Seifer, 2000., p. 819 130 SEXUALIDADE. Disponível em: <http://www.colegioweb.com.br/sexualidade/heterossexualidade> Acesso em: set. 2009. 131 CROCE, D. e CROCE JR.,D. Manual de Medicina Legal. 5. ed., revista e ampliada. São Paulo: Saraiva 2004. p. 687. 51 classificado como safismo, lesbismo, lesbianismo e tribadismo. 132 Del-Campo, ao tratar do homossexualismo fala de sua origem, ponderando que alguns autores indicam ser ela decorrente da educação, outros de forma psicogênica.133 Entretanto, o autor não define um conceito para esta categoria. Já Hercules exprime que homossexual é a pessoa que possui atração sexual, de forma exclusiva, ou predominante, por pessoas do mesmo sexo que o seu, mesmo que não haja relacionamento físico. O autor ainda faz menção de uma categoria para o homossexualismo feminino, definindo-a de lesbianismo. Para Hercules, o lesbianismo ocorre quando uma mulher sente atração por outra. De acordo com o autor, o nome lesbianismo é decorrente da ilha de Lesbos, localizada no mar Egeu, na qual este tipo de prática sexual era comumente difundido.134 Há ainda uma outra forma de classificar o lesbianismo, que é safismo, em homenagem a poetisa Safo, que viveu na referida ilha durante o século VI a.C.135 Vale ressaltar que o homossexualismo pode ser, em alguns casos, uma forma inicial de transexualismo. Isto ocorre porque a mente humana é de extremamente complexa. Atualmente, tem-se o caso de Chastity Bono. Esta moça é filha da cantora americana Cher, e há alguns anos assumiu-se publicamente como lésbica. Todavia, neste ano de 2009 iniciou tratamento para submeter-se à cirurgia de mudança de sexo, no momento identificando-se como Chaz Bono. Constata-se que as pessoas muitas vezes não possuem total compreensão sobre sua opção sexual, tampouco sobre sua opção como ser humano e graças ao desenvolvimento médico, as possibilidades são infinitas atualmente. 136 132 CROCE, D. e CROCE JR.,D. Manual de Medicina Legal. p. 692. 133 DEL-CAMPO, E. R. A. Medicina Legal. p. 208. 134 HERCULES, H. de C. Medicina Legal – Texto e Atlas. São Paulo: Atheneu, 2005. p.544. 135 HERCULES, H. de C. Medicina Legal, p.545. 136 JORNAL FOLHA ONLINE – Folha de São Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u583618.shtml>, acesso em 06 de Outubro de 2009. 52 2.4.3 Intersexualismo Maranhão narra que pessoas com este quadro possuem anomalias genitais e extragenitais, dificultando a possibilidade de identificar a qual sexo pertencem. O doutrinador apresenta duas classificações para o intersexualismo: hermafroditismo verdadeiro e pseudo-hermafroditismo. Quando a pessoa possui gônadas do sexo masculino e feminino (testículos e ovários), é chamado de hermafroditismo verdadeiro ou bigonodal, entretanto, quando a pessoa somente apresenta caracteres externos de dois sexos, denomina-se pseudo- hermafroditismo, ou monogonodal. 137 Já Del-Campo aduz de forma mais objetiva, que o intersexual, em decorrência de alterações de origem genética ou hormonal, não tem sexo definido, apresentando genitália interna e externa indefinidas, sendo freqüentemente estéreis. 138 2.4.4 Travestismo Del-Campo argumenta que os travestis são pessoas que sentem prazer em utilizar as roupas do sexo oposto, como um homem vestindo-se de mulher. Apesar disto, o travesti não possui interesse em submeter-se à cirurgia de mudança de sexo, pois está consciente de seu sexo fenotípico. 139 Hercules pontua que o travestismo é um tipo de compulsão, em que a pessoa veste-se com roupas do sexo oposto ao seu, como se fosse uma fantasia. Além de roupas, utilizam maquiagem, e mudam a linguagem corporal. O autor indica que este comportamento pode ser classificado também de fetichismo travéstico, disfarcismo, inversão sexoestética e eonismo. A nomenclatura eonismo é derivada etimologicamente de Chevalier D’Éon Beaumont, que no século XVIII fazia parte da nobreza da França, que travestia-se, inclusive em missões diplomáticas. As mulheres também são representadas por Aurora Dupin, também francesa, escritora 137 MARANHÃO, O. R. Curso Básico de Medicina Legal. p. 131. 138 DEL-CAMPO, E. R. A. Medicina Legal. p. 208. 139 DEL-CAMPO, E. R. A. Medicina Legal. p. 208. 53 de profissão, que vestia-se como homem, e portava-se também como um, fumando charutos e até mesmo criando um pseudônimo para este seu lado masculino. Por fim, Hercules refere-se ao carnaval brasileiro, em que esta prática é disseminada, todavia, nesta ocasião, sem preconceito, já que faz parte da festa. 140 Croce e Croce Jr. alegam que o travestismo também pode ser chamado de eonismo, assim como Hercules. Os doutrinadores sustentam que os travestis sentem atração pelo sexo oposto ao seu, sendo assim, em sua maioria, heterossexuais. 141 França possui o mesmo entendimento que Croce e Corce Jr, e advoga que os travestis são em sua maioria heterossexuais, e em muitos casos, apenas usam as indumentárias do sexo oposto na privacidadede seu lar, para satisfazerem-se. 142 2.4.5 Transexualismo Considera-se relevante enfatizar inicialmente, que o termo transexual foi construído a partir de um conceito contemporâneo de dimorfismo sexual, referendado no saber médico, em que os especialistas reúnem e criam narrativas sobre a transexualidade, partindo de um poder que lhes é outorgado para determinar os limites entre o normal e o patológico. 143 A transexualidade é um perímetro marcado por diferentes definições, sendo que o termo transexualismo é hegemônico no discurso médico e passou a integrar a Classificação Internacional de Doenças (CID) na sua versão mais recente, a CID-10144. Por determinação do Ministério da Saúde, essa classificação passou a vigorar, no Brasil, em 1º de janeiro de 1996, e, na medida em 140 HERCULES, H. de C. Medicina Legal, p.547. 141 CROCE, D. e CROCE JR.,D. Manual de Medicina Legal. p. 692. 142 FRANÇA, G. V. de. Medicina Legal, 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A., 2001. p. 214. 143 LAQUEUR, Tomas Walter. Inventado o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Tradução de Vera Whately. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. 144 Na 10ª Revisão, foi adotada a nomenclatura “Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID 10)”. 54 que estabelece uma classificação de síndromes psiquiátricas (chamadas de transtornos), fornece, em suas Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas, critérios específicos para que um determinado diagnóstico possa ser estabelecido. Nesse documento, que deve ser seguido nas avaliações médicas oficiais, o transexualismo está catalogado no grupo F6, que se destina aos diversos tipos de transtornos de personalidade e de comportamento de adultos. Está classificado no F64 Transtornos de Identidade Sexual, e especificamente: F64. O Transexualismo: Um desejo de viver e ser aceito como um membro do sexo oposto, usualmente acompanhado por uma sensação de desconforto ou impropriedade de seu próprio sexo anatômico, e um desejo de se submeter ao tratamento hormonal e cirurgia para tornar seu corpo tão congruente quanto possível com o sexo preferido145. Croce e Croce Jr. exprimem que o termo transexualismo foi consagrado pelo médico psiquiatra Harry Benjamin, o qual afirmava que muitos indivíduos mentalmente normais tinham vontade de mudar de sexo. Os autores indicam que o transexualismo pode ser chamado também de hermafroditismo- psíquico, em que a pessoa simplesmente identifica-se com o sexo oposto, tendo o desejo de pertencer a ele. 146 Os autores aprofundam-se na questão, argumentando que o transexual deseja ter uma relação heteróloga, mas que seu objetivo principal é submeter-se à cirurgia de redesignação sexual. No caso dos homens transexuais, muitos têm desgosto pelo seu órgão genital, no caso o pênis, e esperam com a cirurgia, poder livrar-se dele. Seria, como os próprias autores pontuam: “um homem com cérebro de mulher”. 147 Antes de dar início às perspectivas psicológicas das causas do transexualismo, vale a pena ressaltar que Freud não abordou o transexualismo como situação clínica estabelecida148, pois, no final do século XIX e início do século XX, tal termo e conceituação médica não eram evidentes, sendo a questão vista 145 OMS. Organização Mundial de Saúde. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: OMS; 1993. 146 CROCE, D. e CROCE JR.,D. Manual de Medicina Legal. p. 689. 147 CROCE, D. e CROCE JR.,D. Manual de Medicina Legal. p. 689. 148 GARCIA, JC. Problemáticas da identidade sexual. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001, p.31. 55 como variação do amplo tema do homossexualismo. Em 1911, Freud publicou o "Caso Schreber" baseado na leitura do livro "Memória de um doente dos nervos" de Daniel Paul Schreber, publicado em 1903, que relatava em detalhes suas experiências psicóticas e, em especial, aspectos presentes em seus delírios, nos quais expressava desejos e sensações de se transformar em mulher149. Este é um caso interessante que Freud analisou e sobre o qual desenvolveu e aprimorou suas teorias a respeito da dinâmica da psicose, especialmente a paranóia. 150 No entanto, este não pode ser caracterizado como transexualismo, pois se enquadra em uma categoria diferencial importante, a dos psicóticos, que em suas manifestações delirantes podem se sentir pertencentes ao gênero oposto ao do seu nascimento. A partir da década de 1970 do século XX, estudiosos da psicanálise e de diversas escolas psicológicas procuraram sistematizar conhecimento a respeito do tema. As dificuldades conceituais e as divergências em relação aos referenciais psíquicos, apesar de aumentar a confusão já existente, contribuíram com informações e observações valiosas. Del-Campo define o transexual como portador de uma alteração psicológica, que faz a pessoa acreditar que pertence ao sexo oposto, e querer pertencer ao mesmo. O autor advoga que o transexual é inconformado com o seu sexo morfológico, e busca meios para exibir-se como portador do sexo oposto ao sexo, trajando roupas do outro sexo e não é incomum o transexual buscar tratamentos cirúrgicos para realizar a mudança de sexo e adquirir caracteres secundários151. 149 SCHREBER, D.P. Memórias de um doente dos nervos. Tradução de Marilene Carrone. Rio de Janeiro: Edições Graal; 1984, p.32. 150 FREUD S. Obras completas: tomo II. 3. ed. Traducción de Luiz Lopez-Ballesteros y De Torres.Madrid: Editorial Biblioteca Nueva; 1973. In: GARCIA, JC. Problemáticas da identidade sexual. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001, p.31. 151 DEL-CAMPO, E. R. A. Medicina Legal. p. 208. 56 Na mesma linha de pensamento, Maranhão afirma que o transexual é uma pessoa que possui fenótipo de um sexo, e deseja possuir de outro, por exemplo, homem que quer ser mulher. O doutrinador faz uma observação interessante, afirmando que o tratamento psicoterápico não surte efeito, sendo que para estas pessoas a cirurgia de correção é o único caminho a ser tomado. 152 Segundo Garcia153, existem duas categorias psicológicas de entendimento da etiologia do transexualismo: uma hipótese não-conflitiva e outra, conflitiva. A hipótese não-conflitiva avalia a relação mãe-filho como sendo emocional e corporalmente feliz e que se prolonga em uma simbiose na qual o menino se identifica com o gênero da mãe. Já a hipótese conflitiva é um mosaico de diferentes teorias propostas no qual o pedido de mudança sexual nada mais é do que uma "formação de compromisso patológico", ou seja, "nesse contexto o transexualismo é considerado uma defesa contra a homossexualidade, uma forma de perversão, um transtorno narcísico ou uma perturbação da fase de separação- individuação"154. Segundo os mesmos autores, haveria concordância geral de que o transexualismo apareceria como manifestação de um transtorno de personalidade do tipo "borderline", pois os transexuais apresentam muitas características similares à desses indivíduos (ansiedade crônica, difusa e flutuante; isolamento; depressão; baixa tolerância ao estresse; etc.). Constata-se que havia uma tentativa dos especialistas em doenças psicológicas, ou psíquicas, enquadrarem os transexuais em algum outro distúrbio já existente, como a depressão ou a síndrome borderline. Seria como uma resistência em reconhecer que o transexualismo era uma síndrome diferenciada dos outros quadros já existentes e evidenciados, apesar de possuir características semelhantes, como a ansiedade e o isolamento. Sgreccia destaca que o transexual possui, em suas próprias palavras,um “pulsão psicológica” em pertencer ao sexo oposto, de todas as formas 152 MARANHÃO, O. R. Curso Básico de Medicina Legal. p. 134. 153 GARCIA, J.C. Problemáticas da identidade sexual. 2001. 154 FERRAZ, F.C. Perversão. 2. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2002. 57 possíveis, mesmo que até o presente momento a medicina somente consiga a modificação morfológica. 155 O transexualismo pode manifestar-se a qualquer tempo do desenvolvimento psíquico da pessoa. Na atualidade, existem centros especializados em prestar apoio à famílias, cujos filhos de menos de 10 anos já demonstram comportamento transexual. De fato, foi exibido na televisão americana um programa, cuja apresentadora era Barbra Walters, a qual entrevistava famílias com crianças transexuais, e investigava como eram suas vidas, como as pessoas se portavam ao seu redor, etc. Entre os argumentos das crianças, sobre seu comportamento e preferência pelo sexo oposto, elas afirmam que “tinham sido vítimas de um jogo doentio por Deus”, tamanho o inconformismo com o seu sexo morfológico, além do relato da mãe, no qual o filho, inocentemente, pegou uma tesoura e a aproximou inocentemente do pênis, na tentativa de remover o órgão. Para algumas famílias, a convivência era mais fácil, já para outras, os pais tinham muito dificuldade em aceitar e entender o comportamento dos filhos, que foge de qualquer padrão. Um filme que aborda o assunto é “Transamérica”, que aborda a história de um transexual, que, antes de submeter-se aos tratamentos, relacionou-se sexualmente com uma mulher, cuja relação deu fruto a um filho. O filme gira em torno da relação complicada entre o pai transexual e o filho que não sabia ter, de forma um tanto trágica, e um tanto cômica. No filme, entretanto, chama a atenção o fato de o transexual ter tentado o suicídio, de tão insatisfeito que estava com seu sexo fenotípico, ou morfológico. Há também casos de que o transexualismo vem à tona em pessoas de idade mais avançada, que tomam conhecimento sobre sua condição. No filme “Normal”, há o relato de um homem, casado há 25 anos com sua esposa, pai de dois filhos, o qual após certa idade, decide submeter-se à cirurgia de mudança de sexo. No filme, várias questões são abordadas, como: a esposa, que decide continuar com o marido, que quer ser mulher, torna-se lésbica? Para a filha mais nova, a aceitação é mais fácil, ao contrário do que ocorre com o filho mais velho. Além dos efeitos no meio familiar, a sociedade da cidade em que o casal vive fica 155 SGRECCIA, E. Manual de Bioética, I. Fundamentos e Ética Biomédica. p. 503. 58 assustada com a mudança, pois o homem passa a vestir-se com vestimentas femininas e submeter-se à terapia hormonal. Até o pastor da Igreja que o casal freqüenta tem uma opinião sobre o fato, autorizando a esposa a separar-se do marido, com base nas escrituras religiosas. No entanto, com o decurso do tempo, as pessoas percebem que a opção de submeter-se a uma cirurgia não muda a pessoa, muda somente os olhos com os quais as vemos. Neste sentido, a lição mais importante do filme é que a pessoa tem o direito a viver de forma digna, não importa o modo de vivê-la. Estes relatos são semelhantes às explanações de Hercules, o qual narra que os transexuais acreditam ser “um erro da natureza”, e por esta razão, buscam os meios cirúrgicos e médicos para adequarem-se ao sexo pretendido. O referido autor traz outras classificações para o transexualismo: transgenitalismo e castrofilia. 156 França segue a mesma linha de pensamento que os outros autores, classificando o transexualismo como “síndrome de disforia sexual”. O autor apresenta um ponto de vista interessante, ponderando que os transexuais não tendem a relacionar-se sexualmente, até que se sintam satisfeitos com seu corpo, após a cirurgia de mudança de sexo. 157 O autor158 ainda traz uma valiosa informação, que tenta explicar a origem do transexualismo na pessoa: Cinco teorias tentam explicar sua eitologia: 1. teoria genética – atualmente a mais aceita, que atribui existir um gene específico no cromossoma sexual capaz de se transmitir; 2. teoria fenotípica – que atribui a influência da própria conformação física do indivíduo androginóide, lenvando a mulher para o transexualismo masculino, e a conformação anatômica andróide, levando o homem para o transexualismo feminino; 3. teoria psicogênica – que admite a influência da orientação e do comportamento dos pais como capazes de marca tendências nitidamente masculina ou feminina; 4. teoria neuroendôcrina – que afirma existirem alterações nas estruturas dos centros de identidade sexual, em face do hipotálamo não receber a quantidade necessária de hormônios; - 5. teoria eclética – que aceita 156 HERCULES, H. de C. Medicina Legal, p.547. 157 FRANÇA, G. V. de. Medicina Legal, p. 217. 158 FRANÇA, G. V. de. Medicina Legal. p. 217. 59 os mais diversos fatores andróginos e exógenos como causadores dessa alteração. Por fim, divide os transexuais em três categorias: Transexual pseudo-travestido; Transexual travestido-fetichista e Transexual travestido- verdadeiro. O transexual travestido-verdadeiro é o transexual que, de acordo com o autor, realmente identifica-se com o sexo oposto, vestindo-se de acordo com este, buscando de qualquer forma a modificação de sua genitália. O transexual travestido- fetichista veste-se constantemente com indumentárias do sexo oposto, mas não possui grandes conflitos com sua identidade sexual. Por fim, o transexual pseudo- travestido veste-se com roupas do sexo oposto apenas ocasionalmente, com pequeno grau de conflito sexual. 159 Constatado que o transexual verdadeiro, de fato, busca de todos os meios a mudança de sexo mediante a cirurgia, parte-se agora para um estudo sobre as condições e procedimentos a serem adotados para a realização da mesma. 2.5 A CIRURGIA DE MUDANÇA DE SEXO A maioria dos autores não são favoráveis à cirurgia de mudança de sexo, apesar de a mesma ser prevista e autorizada pela resolução nº 1.652/02 do Conselho Federal de Medicina. Os motivos pelos quais existe resistência são inúmeros Hercules esclarece seu ponto de vista quanto à cirurgia de mudança de sexo masculina: Não raro o alcançado não passa de um resultado grotesco, um simulacro de genitália externa feminina, representado por pregas ladeando uma fenda longitudinal que se continua com um canal, tudo construído com retalhos cutâneos do pênis e da bolsa escrotal.nada 159 FRANÇA, G. V. de. Medicina Legal. 2001. 60 que o mais novel dos iniciantes não consiga perceber sem a menor dificuldade160. O autor ainda destaca que as características secundárias são obtidas pelo uso de hormônio feminilizante de forma contínua, e finaliza declarando que, por mais que o paciente sujeite-se a tratamentos estéticos, sua incompatibilidade com o novo aparelho sexual será sempre denunciada, devido a seus atributos físicos. 161 Croce e Croce Jr exprimem de forma semelhante, que a cirurgia é mutilante e irreversível, e que não cumpre a função de transformar homem em mulher, nem mulher em homem, trazendo apenas um prazer psicológico ao paciente. Os doutrinadores ainda esclarecem que tanto a parte funcional, quanto a parte sensorial não atingirão a perfeição, da mesma forma que seriam, caso a pessoa tivesse nascido com o sexo desejado. 162 Caixeta advoga de forma expressiva que, atualmente, os médicos psiquiatras contam com um arsenal de mais de setenta tipos de anti- depressivos para tratar depressões e outros tipos de patologias psíquicas163.Todavia, foi sustentado anteriormente por Maranhão, que o transexualismo é uma síndrome tão enraizada no psíquico da pessoa, que os tratamentos não surtem efeito. Caixeta ainda mostra-se contrário ao procedimento cirúrgico, pois o médico torna-se um ser soberano, já que trata-se de uma cirurgia milimétrica. 164 Todavia, quando alguém se submete a um procedimento cirúrgico, o médico sempre está atuando de forma soberana sobre o paciente, pois parte-se do princípio que o mesmo estudou e especializou na área em que atua, para produzir bons resultados decorrentes do procedimento. Maranhão sustenta que o resultado, no caso do transexual masculino, é a criação de uma vagina, mas sem elasticidade, sem lubrificação 160 HERCULES, H. de C. Medicina Legal, p.547 161 HERCULES, H. de C. Medicina Legal, p.547 162 CROCE, D. e CROCE JR.,D. Manual de Medicina Legal, p. 690. 163 CAIXETA, M. Psicologia Médica, Rio de janeiro: Guanabara Koogan, [s.d.], p. 364. 164 CAIXETA, M. Psicologia Médica, [s.d.], p. 365. 61 própria, além de não garantir prazer como uma zona erótica. 165 França apresenta uma perspectiva interessante, que resume os comentários negativos da maioria dos doutrinadores: Castrar e emascular um indivíduo, querendo valer-se de um suposto “sexo psicossocial”, parece-nos, à primeira vista, um método apressado e simplista de resolver uma situação complexa que deita suas raízes num psiquismo alterado. Uma coisa é certa: pode-se até mudar o “sexo civil”. No entanto, ninguém poderá transformar, realmente, um sexo em outro: nem o endocrinologista, nem o psiquiatra, nem o juiz, nem mesmo Deus. 166 No mesmo sentido, Maranhão ainda advoga que a cirurgia não traz a satisfação psíquica esperada pelos transexuais, já que alguns chegam a suicidar-se, em decorrência de não conseguirem encaixar-se na sociedade. 167 Os referidos comentários atacam a funcionalidade da cirurgia, ou seja, de como a pessoa operada poderá viver. Todavia, o ponto de maior polêmica trata do fato de o transexual operado não poder gerar filhos. Sgreccia faz menção a uma afirmação da Igreja Católica, que trata da relação entre as pessoas, e que uma das finalidades da união é a procriação.168 Entretanto, no melhor sentido de que cada pessoa ou instituição deve ser responsável por seus próprios atos, não mencionam que a própria Igreja Católica prega o celibato. Neste sentido, o direito de não ter filhos abrange a todos, e todos optam em favor de uma opção, seja de submeter-se a um procedimento cirúrgico, ou dedicar sua vida ao estudo de uma filosofia religiosa. Apesar de todos os pontos de vista negativos, como dito anteriormente, o CFM proferiu a resolução 1.652/02, a qual revogou a Resolução nº 1.482/1997, a qual também referia-se aos transexuais. A referida resolução descreve os requisitos para que a pessoa esteja apta a submeter-se à cirurgia de mudança de sexo, e, apesar da contrariedade dos doutrinadores, a evolução desta área garante aos transexuais a 165 MARANHÃO, O. R. Curso Básico de Medicina Legal. p. 134. 166 FRANÇA, G. V. de. Medicina Legal, 2001. p. 218. 167 MARANHÃO, O. R. Curso Básico de Medicina Legal, p. 135. 168 SGRECCIA, E. Manual de Bioética, p. 515. 62 possibilidade de submetem-se a procedimentos com alto índice de sucesso, no que tange à aproximação do sexo desejado, já que existem cirurgiões plásticos especializados e dedicados a estes procedimentos. Entre as especificações, os mais importantes para seguir o procedimento correto estão nos arts. 3º e 4º da Resolução nº 1.482/1997. Art. 3º Que a definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos critérios abaixo enumerados: 1) Desconforto com o sexo anatômico natural; 2) Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto; 3) Permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos; 4) Ausência de outros transtornos mentais. Art. 4º Que a seleção dos pacientes para cirurgia de transgenitalismo obedecerá a avaliação de equipe multidisciplinar constituída por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social, obedecendo os critérios abaixo definidos, após, no mínimo, dois anos de acompanhamento conjunto: 1) Diagnóstico médico de transgenitalismo; 2) Maior de 21 (vinte e um) anos; 3) Ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia. Constata-se, portanto, que a própria resolução traz a sua definição do que é um transexual, enumerando as características no art. 3º, e, no que tange à cirurgia, traz os requisitos expressos no art. 4º. Chama a atenção o item do referido artigo, que fala da ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia. Faz sentido esta colocação, pois a pessoa que vai realizar a cirurgia de mudança de sexo, submete-se a tratamento hormonal, para ficar mais parecida com o sexo oposto. O homem faz uso de próteses de silicone e aplicações de colágeno no rosto para ficar mais parecido com uma mulher, com traços mais finos, além de a voz afinar com o uso do hormônio feminilizante. No caso das mulheres transexuais, ao utilizarem a testosterona, a linha do cabelo começa a retroceder, a voz fica mais grossa, e a menstruação para de ocorrer. 63 A resolução ainda indica os locais em que as cirurgias devem ser realizadas, como, por exemplo, os procedimentos cirúrgicos de adequação de fenótipo feminino para masculino devem ser praticados em hospitais universitários, ou hospitais públicos, com fim de pesquisa. Isto está expresso no art. 5º da referida resolução. Verifica-se que, a resolução nomeia a cirurgia não como “mudança de sexo”, mas sim como adequação de sexo. Com isto, constata-se que os responsáveis pela resolução compreendem que a pessoa que se submete a este procedimento, está na realidade, adequando-se ao sexo que pertence, ou seja, há o entendimento de que a pessoa está buscando uma cura, mediante a adequação. O cirurgião plástico, especializado em urologia, Dr. Gary Alter, que atua em Los Angeles, estado da Califórnia, nos Estados Unidos, em seu web- site, traz exemplos de cirurgias que obtiveram sucesso, além de explicar o procedimento cirúrgico. Ademais, afirma que os métodos cirúrgicos estão bastante desenvolvidos atualmente, o que garante ao paciente que o mesmo possa obter o orgasmo com o novo órgão. 169 Diniz esclarece, com fundamento em Tereza Rodrigues Vieira e Murilo Rezende Salgado, como se operam as cirurgias de mudança de sexo: Na operação que converte a genitália masculina na feminina ter-se-á: a) extirpação dos testículos ou seu ocultamento no abdômen, aproveitando-se parte da pele do escroto para formar os grandes lábios; b) amputação do pênis, mantendo-se apenas as mucosas da glande e do prepúcio para a formação do clitóris e dos pequenos lábios com sensibilidade erógena; c) formação de vagina, forrada, em certos casos, com a pele do pênis amputado; e d) desenvolvimento das mamas pela administração de silicone ou estrógeno. A mudança do sexo masculino para o feminino está aperfeiçoada, podendo até mesmo não causar suspeita no parceiro sexual. 170. Acima foi exposto o procedimento cirúrgico de homem que é convertido em mulher. Agora, a mesma autora, explica como se opera a mudança na mulher, que quer converter-se em homem. 169 GARY ALTER In: <http://www.altermd.com/>. Acesso em set. 2009. 170 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. p. 273. 64 Já a conversão da aparência genital feminina para masculina é muito problemática,porque a formação de pênis funcional é quase impossível, e, além disso, a cirurgia é complexa, uma vez que requer: a) ablação dos lábios da vulva sem eliminação do clitóris; b) fechamento da vagina; c) histerectomia, ou seja, ablação do útero; d) ovariotomia, para fazer desaparecer a menstruação, se o tratamento com testosterona não a eliminar; e) elaboração de escroto com os grandes lábios, com bolinhas de silicone, o que torna os testículos insensíveis sexualmente; f) faloneoplastia, ou seja, construção de neopênis, com retalho abdominal, que reveste o pênis, e com o uso de uma prótese, transferindo-se alguns nervos, apara que possa haver semi-ereção. Em regra, há insensibilidade sexual, embora em alguns casos não ocorra perda da capacidade de sentir orgasmo, e a ausência de ejaculação é total. Um médico italiano pediu permissão à autoridade de saúde da Itália para realizar um transplante inédito de pênis apesar de não saber se o órgão implantado poderá sustentar uma ereção; g) ablação das glândulas mamárias. Em ambos os casos, ter-se-á confecção de uma aparente genitália, sendo tal transformação sexual completada por tratamento hormonal e cirurgia plástica. Já houve decisão de uma Corte inglesa determinando que o sistema de saúde público do país deveria pagar operações de mudança de sexo e divulgando que a proibição desse pagamento seria ilegal. 171 Foi publicado recentemente que o SUS, o Sistema único de Saúde estaria realizando estes tipos de cirurgias gratuitamente, através da Portaria 1.707/08. Entretanto, houve o pedido de suspensão desta portaria, pelo Deputado Federal Miguel Martine, do partido PHS, através do Projeto de Decreto Legislativo 1050/08, que está atualmente em tramitação. O congressista sustentava que o SUS já estava abarrotado de pessoas que necessitavam de outros tipos de tratamento, e que esta cirurgia não passava de um luxo, pois um câncer, na opinião o legislador, é mais importante de ser tratado do que o transexualismo. No entanto, como foi constatado no presente capítulo, os transexuais sofrem da mesma forma que um paciente doente, com um câncer maligno. O maior desejo do transexual é ver-se livre da genitália, que lhe traz grande desconforto. O Ministério da Saúde não ficou inerte aos comentários do deputado, afirmando que não há motivo para que o Estado não preste assistência aos transexuais. Imperativo ressaltar que este deputado faz parte de uma coligação com apoio de fundos religiosos. 172 Neste viés, o legislador também esquece que o acesso à saúde é um direito constitucional, previsto no art. 6º e o art. 196 da CRFB/88: 171 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. p. 273. 172 Site: http://www.miguelmartini.com/clipping/ver.php?id=117 65 Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, (grifo nosso) o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, (grifo nosso) garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Além disto, a Constituição prevê também as atribuições do Sistema Único de Saúde, como é o caso do artigo 200: Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos [...]. Como em toda profissão, existem procedimentos e códigos éticos a serem seguidos, seja na Medicina, na Advocacia, ou em qualquer outra área de atuação. Neste sentido, existem relatos de médicos que realizam os procedimentos descritos acima, mas que não respeitam as condições descritas pela resolução do CFM. Por exemplo, não são especializados em cirurgias de mudança de sexo, ou, muitas vezes, nem são médicos, e atuam pautados em princípios morais, no sentido de que precisam ajudar o transexual, todavia, sem possuir qualificação profissional para atuar em uma situação tão delicada. 173 Antes de se encerrar este capítulo, é imperativo trazer à tona os princípios bioéticos que foram expostos no primeiro capítulo. Ao submeter-se a um procedimento cirúrgico, de mudança de sexo, os princípios da autonomia, justiça, beneficência e não-maleficência estão presentes: Há autonomia, pois o 173 Um fato similar foi tratado no seriado C.S.I., um programa de investigações policiais. No episódio intitulado “Ch-ch-changes” (ou mudanças, em tradução livre), uma pessoa fazia cirurgias de mudança de sexo nas pessoas, sem ser habilitada, e não operando os pacientes em locais higienizados. Em um dos casos, o paciente na mesa de cirurgia morreu, e os que sobreviveram aos procedimentos relataram que os resultados foram extremamente insatisfatórios. Além disto, muitos transexuais não têm paciência para respeitar o tratamento, e querem fazê-lo de forma acelerada, podendo causar prejuízo ao seu organismo, como tomando hormônios feminilizantes em excesso, e sem prescrição médica. 66 paciente é quem decide a qual tratamento irá submeter-se; há justiça, pois os recursos médicos estão sendo aplicados de forma justa; há beneficência, pois o transexual ficará extremamente contente com a cirurgia, a qual lhe trará benefícios; e por fim, não há mal o procedimento, pois o paciente está ciente das limitações que encontrará ao submeter-se ao procedimento. Finalizando, constataram-se conceitos de diversos estilos de vida sexual e verificou-se como se opera a cirurgia de mudança de sexo, ou melhor, de adequação sexual, sendo assim, parte-se agora para o elemento chave desta monografia, qual seja, identificar como o transexual é reconhecido pelo ordenamento jurídico brasileiro, verificando as possibilidades para a retificação do registro civil. 67 CAPÍTULO 3 PROCEDIMENTO PARA O RECONHECIMENTO DO TRANSEXUAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO No capítulo anterior, foram esclarecidos conceitos relacionados com as opções e comportamentos sexuais. Neste capítulo aborda-se a responsabilidade penal do cirurgião que realiza a cirurgia de mudança de sexo, além do procedimento de ingressar com a ação de retificação de registro civil, indicando os dispositivos legais que serão utilizados para fundamentar tal pedido, bem como verificar qual o entendimento jurisprudencial quanto ao assunto. 3.1 RESPONSABILIDADE PENAL Antes de adentrar neste tópico, esclarece-se que o presente trabalho monográfico não possui o intuito de aprofundamento sobre a temática da responsabilidade, portanto destaca-se de forma somente elucidativa a possibilidade de ocorrência de responsabilização penal do médico, que realiza a cirurgia de mudança de sexo. Sendo assim, não se aborda a responsabilidade civil, a qual estaria relacionada com a qualidade de tal procedimento cirúrgico, portanto, o estudo será direcionado ao ato em si. É imperativo explicitar isto, pois, como descrito no capítulo anterior, apesar de haver um grande desenvolvimento na área médica quanto às técnicas cirúrgicas, o resultado almejado nem sempre é cem por cento satisfatório, aproximando-se ao máximo possível dos limites médicos do órgão desejado. Desta forma, tendo em vista que a responsabilidade civil é um tema extremamente complexo para ser abordado de forma reduzida e, principalmente neste tipo de cirurgia, opta-se por excluí-la deste capítulo, para queo mesmo não seja menosprezado, já que somente o tema gera um extenso trabalho, 68 buscando a responsabilização do cirurgião no ordenamento jurídico, e tratando dos contratos realizados entre médico e paciente, além de suas obrigações. Por isto, repete-se que somente abordar-se-á a responsabilidade penal, partindo do pressuposto que a cirurgia teve um altíssimo grau de êxito. Para Noronha, a responsabilidade penal [...] é a obrigação que alguém tem de arcar com as conseqüências jurídicas do crime. É o dever que tem a pessoa de prestar contas de seu ato. Ele depende da imputabilidade do indivíduo, pois não pode sofrer as conseqüências do fato criminoso (ser responsabilizado) senão o que tem a consciência de sua antijuridicidade e quer executá-lo (ser imputável)174. No caso deste estudo, na cirurgia do transexual, não existe a responsabilidade penal do médico, visto ser considerada uma cirurgia de adequação sexual, decorrente do exercício regular de sua profissão (art. 23, III do CP). Apesar de lesionar fisicamente o paciente, não se poderia negar a existência de um interesse terapêutico, comprovado por rigorosos exames clínicos. Como já esclarecido anteriormente, a cirurgia de mudança de sexo gera a ablação, ou remoção dos órgãos sexuais do indivíduo, acarretando, consequentemente, a impotência sexual do paciente. Todavia, não existe somente um tipo de impotência, como se poderá constatar adiante no dissertar deste capítulo. 3.1.1 Conseqüência morfológica resultante do procedimento cirúrgico Tendo em vista que a cirurgia causa a remoção do órgão sexual da pessoa, ou como referem-se os autores, emascula a pessoa, é preciso identificar quais os tipos de impotência que existem. Diniz pontua que existem três tipos de impotência, a couendi, generandi e concipiendi. A impotência couendi acarreta a impossibilidade de realizar o ato sexual. Já a generandi, deixa a pessoa incapaz para fecundar, para ter filhos, 174 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. 69 enquanto a concipiendi, gera a incapacidade de conceber os filhos. 175 Gonçalves exprime de forma similar os tipos de impotência. O autor define a couendi como um tipo de impotência “instrumental”, ou seja, aquela que impede que a pessoa possa relacionar-se sexualmente. Neste sentido, o autor ainda pontua que a impotência generandi é relacionada ao homem estéril, que não consegue gerar filhos, enquanto a concipiendi é relacionada à mulher, que não pode conceber filhos. 176 Constatando entendimento comum entre os autores, verifica-se que, a princípio, o único tipo de impotência que a cirurgia realmente gera é a couendi, entretanto, couendi no sexo anterior, pois, após a cirurgia e o tempo de recuperação necessário, nada impede que esta pessoa possa relacionar-se sexualmente com outra. No que tange às impotências generandi e concipiendi, estas não são geradas muito menos, pois, atualmente, graças ao desenvolvimento médico no campo da fertilização humana, verifica-se que é possível congelar óvulos e espermatozóides, para posteriormente ter filhos. O método, obviamente, não será o convencional, de filhos gerados mediante o ato sexual, todavia, serão filhos da mesma forma. Por exemplo: Um homem transexual, o qual antes da cirurgia colhe espermatozóides e os congela para uso posterior, pode ter um filho(a) biológico, usando seu espermatozóide para fecundação em um óvulo de uma pessoa do sexo feminino, ou ainda, pode utilizar uma barriga de aluguel. Para a mulher transexual, o procedimento é similar, já que a mesma pode congelar seus óvulos, posteriormente fecundá-los com espermatozóides, hoje, conseguidos com facilidades nos conhecidos bancos de esperma, e através de uma barriga de aluguel, ter um filho(a). Verifica-se que a medicina é um campo fértil e favorável aos transexuais. Frente ao fato da cirurgia gerar, de certa forma, uma lesão corporal na forma qualificada, gerando a inutilização de um membro, faz-se aqui 175 DINIZ, M. H. Curso de direito civil brasileiro. v.5, 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 269. 176 GONÇALVES, C. R. Direito de Família, v. 2, 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 43. 70 referência ao art. 129 do Código Penal (CP): Art. 129 - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. § 1º - Se resulta: I - incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 (trinta) dias; II - perigo de vida; III - debilidade permanente; IV - aceleração de parto: Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos. § 2º - Se resulta: I - incapacidade permanente para o trabalho; II - enfermidade incurável; III - perda ou inutilização de membro, sentido ou função; IV - deformidade permanente; V - aborto. Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos177. Frente ao contexto, Teles exprime que, quando a cirurgia plástica, que extirpa o órgão sexual da pessoa e constrói outro em seu lugar, apesar de ser fato típico, é lícito, já que o “ofendido” consente tal procedimento, o que caracteriza assim, uma excludente de ilicitude, pois, como o próprio autor destaca, “a integridade do corpo é um bem disponível”. 178 Já Capez, ao discorrer sobre o assunto, faz referência ao parágrafo segundo, inciso IV do referido art. 129 do CP. Entretanto, o mesmo autor afirma que, quando a cirurgia trouxer benefícios, entre eles, a correção do desajuste psicológico, o procedimento tem finalidade curativa. Neste viés, o dolo é de beneficiar, aliviar o paciente, e não lesioná-lo, constituindo fato atípico. 179 Quanto ao exposto, a Resolução nº 1.652/02 faz menção ao art. 129 do Código Penal da seguinte forma: CONSIDERANDO que a cirurgia de transformação plástico- reconstrutiva da genitália externa, interna e caracteres sexuais secundários não constitui crime de mutilação previsto no artigo 129 177 Art. 129 do Código Penal 178 TELES, N. M. Direito penal. Parte Especial, volume II. São Paulo: Atlas, 2004, p. 219 179 CAPEZ, F. Curso de Direito Penal, parte especial. v. 2, 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 133. 71 do Código Penal, visto que tem o propósito terapêutico específico de adequar a genitália ao sexo psíquico [...]. 180 Por fim, Mirabete concorda com Capez e Teles, fazendo referência ao caso de um famoso cirurgião plástico, que havia sido denunciado pelo Ministério Público, e condenado, por ter realizado tal procedimento. Todavia, o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a sentença condenatória, alegando que o médico, que procura curar o transexual com a ablação de seus órgãos, não age dolosamente. 181 O famoso cirurgião plástico referido no parágrafo anterior é o Dr. Roberto Farina. Silveira, em seu livro faz referência a um acórdão, em que há um trecho que narra os fatos que ocorreram com este médico, que o levaram a ser denunciado. De acordo com o referido autor, Farino estava no XV Congresso de Urologia Brasileiro, o qual ocorreu em novembro de 1975. No referido congresso, o Dr. Farina expôs uma tese, e para exemplificá-la, exibiu o filme de uma cirurgia de mudança de sexo, que havia realizado no ano de 1971, ainda destacando que já havia realizado o procedimento em outros nove pacientes. O público ficou impressionado com o fato, todavia, a reação mais inesperada foi a do Ministério Público, que o denunciou por lesão corporal, fundamentada no art. 129, § 2º, inc, III do CP, ou seja, lesão corporal grave, que gera a inutilização de um membro.182 Apesar de ter agido no sentido de beneficiar os seus pacientes, o médico foi condenado na data de 06/07/78, à pena de dois anosde reclusão. Apesar disto, a sentença, como explanado por Mirabete, foi reformada, absolvendo o médico. 183 Portanto, verifica-se que o cirurgião que realiza cirurgia de mudança de sexo não sofrerá nenhum tipo de sanção penal, desde que, siga à risca a Resolução do CFM nº 1.652/02184, e respeite todas as condições para realizar os 180 Art. 129 do Código Penal In: Resolução nº 1.652/02. 181 MIRABETE, J. F. Manual de Direito Penal. Parte especial, v. II, 23. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 107. 182 SILVEIRA, J. F. O da. O Transexualismo na Justiça. Porto Alegre: Síntese, p. 119. 183 SILVEIRA, J. F. O da. O Transexualismo na Justiça. p. 120. 184 A resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.652/2002 revogou a resolução nº 1.482/1997, e esta Dispõe sobre a cirurgia de transgenitalismo. Neste sentido, é o parecer da comunidade médica referente a tal procedimento. 72 procedimentos. Finalizado este tópico, parte-se para uma abordagem sobre o desenvolvimento da sexualidade no âmbito educacional e o efeito decorrente no julgamento das lides que envolvem controvérsias à sexualidade. 3.2 DESENVOLVIMENTO DA SEXUALIDADE PERCEBIDA PELO DIREITO Desde crianças, somos expostos a diferentes perspectivas sobre a sociedade e a vida nesta. Alguns crescem em famílias em que os próprios pais são responsáveis pela formação psíquica dos filhos em relação aos diferentes estilos de vida, desde o consumo de drogas, passando por diferentes opções sexuais até o transexualismo. Todavia, alguns pais encarregam a escola desta tarefa, e deixam estes ensinamentos para os professores. Neste sentido, Louro exprime que desde crianças, homens e mulheres aprendem a fazer gozações de pessoas que não se encaixam no padrão de gênero e sexualidade que são mais difundidos na sociedade em que vivem. Ademais, advoga que a homofobia não é só consentida no ambiente familiar, como também é ensinada, a qual acarreta um desprezo, um afastamento, pela imposição ao ridículo, pois a “homofobia” é tratada como uma doença contagiosa, e todos os que conviverem com crianças que têm este comportamento, serão interpretados como aderentes a esta prática. A autora argumenta, com base em Peter McLaren, que isto cria um “apartheid sexual”, um tipo de segregação, que neste caso ocorre dos dois lados, dos que não querem conviver com os homossexuais, e daqueles que não querem ser diariamente agredidos por seu comportamento. Por fim, a autora assevera que, o homossexual “admitido(a)”, é aquele que se mascara, esconde sua condição, vive enrustido(a).185 A referência ao homossexualismo é importante, pois as pessoas que tem este tipo de comportamento sofrem retaliações semelhantes aos transexuais. Louro esclarece que, enquanto os transexuais, travestis, estão emergindo publicamente, há pessoas que percebem este movimento como 185 LOURO, G. L. (org.) O Corpo educado. Belo Horizonte: Autêntica, p. 29. 73 desestabilizador da sociedade, ou seja, como se estivesse a levando para “um mau caminho”. 186 A razão pela qual se fez este breve relato sobre comportamento social e sexual, é que, alguns anos atrás, quando um transexual buscava declarar seu direito, mediante a utilização do Poder Judiciário, por muito tempo seus pedidos, fundados em prerrogativas constitucionais foram negados, por Juízes e Desembargadores. Uma destas formas é através da ação de retificação de registro civil. Um exemplo disto foi o caso da transexual mais famosa de nosso país: Roberta Close. Por muitos anos, a modelo e apresentadora tentou retificar seu registro judicialmente, todavia, havia sempre resistência. Sintetizam-se algumas considerações, sobre a retificação do registro civil logo a seguir. 3.2.1 O valor do Registro civil como atestado de cidadania O Registro Civil de nascimento deve ser considerado como o primeiro passo para o exercício da cidadania, pois, é através dele que se tem acesso a diversos benefícios. A Certidão de Nascimento é o primeiro documento de valor jurídico na vida do cidadão. Este documento é necessário para se obter Carteira de Identidade, Cadastro da Pessoa Física, Título de Eleitor, Carteira de Trabalho; fazer cadastro em programas governamentais (como o Bolsa-Família); ter acesso à Previdência Social; abrir conta em banco; obter crédito; casar; e até para se obter Certidão de Óbito. A certidão de nascimento é o documento que certifica o registro de nascimento de uma pessoa. O artigo 54 da Lei 6.015187, que trata dos Registros 186 LOURO, G. L. (org.) O Corpo educado. p. 31. 187 Art. 54. O assento do nascimento deverá conter: (Renumerado do art. 55, pela Lei nº 6.216, de 1975). 1°) o dia, mês, ano e lugar do nascimento e a hora certa, sendo possível determiná-la, ou aproximada; 2º) o sexo do registrando; (Redação dada pela Lei nº 6.216, de 1975). 3º) o fato de ser gêmeo, quando assim tiver acontecido; 4º) o nome e o prenome, que forem postos à criança; 5º) a declaração de que nasceu morta, ou morreu no ato ou logo depois do parto; 6º) a ordem de filiação 74 Públicos, determina o conteúdo do documento. Nele constam nome, sexo, data, horário e local de nascimento, além dos nomes dos pais, avós e da pessoa que declarou o nascimento perante o cartório de registro civil e das testemunhas presentes. Plácido e Silva definem o registro civil da seguinte forma: É o vocábulo registro, na expressão registro civil, compreendido nas duas significações: 1ª) Na de assento, lançamento, inscrição de atos e fatos, referentes à existência, capacidade e estado das pessoas naturais e existência legal das pessoas jurídicas. Neste caso, a expressão tanto se refere às pessoas naturais como às pessoas jurídicas. Em relação às pessoas naturais, o registro civil compreende o assento de nascimento, de casamento, de óbito, bem assim, a inscrição, a averbação da concessão de emancipação, de declaração de interdição ou de ausência.188 O Registro Civil é essencial para o bom funcionamento do país. O governo necessita de dados precisos sobre os nascimentos para a elaboração de políticas públicas. Beviláqua ensina que ao registrar o nascimento de uma pessoa, expedindo a correspondente Certidão de Nascimento, está o Oficial do Registro Civil de Pessoas Naturais inserindo-a no mundo jurídico, tornando-a sujeito de direitos e obrigações na ordem jurídica, soprando-lhe vida legal. É tarefa de transcendente nobilitância. 189 Prosseguindo o mesmo autor declara que, por outro lado, já com as lentes da sociologia e da psicologia, ao atribuir-lhe nome, ascendência familiar, lugar de nascimento, está inserindo-a num contexto social e humano, do que resultam raízes que lhe trazem segurança social e psicológica. Beviláqua, dissertando na sua obra Teoria Geral do Direito Civil, lecionou : de outros irmãos do mesmo prenome que existirem ou tiverem existido; 7º) Os nomes e prenomes, a naturalidade, a profissão dos pais, o lugar e cartório onde se casaram, a idade da genitora, do registrando em anos completos, na ocasião do parto, e o domicílio ou a residência do casal. 8º) os nomes e prenomes dos avós paternos e maternos; 9o) os nomes e prenomes, a profissão e a residência das duas testemunhas do assento, quando se tratar de parto ocorrido sem assistência médica em residência ou fora de unidade hospitalar ou casa de saúde.(Redação dada pela Lei nº 9.997, de 2000) 188 PLÁCIDO E SILVA. Dicionário Jurídico, p. 1184. 189 BEVILÁQUA. Teoria Geral do Direito Civil.75 As vantagens do registro civil são consideráveis, quer para o Estado, quer para o indivíduo. O Estado tem nos registros civis o movimento da sua população, no qual se pode basear para medidas administrativas, de polícia ou de política jurídica. O indivíduo tem um meio seguro de provar o seu estado, a sua situação jurídica, e essa mesma facilidade de prova é uma segurança para os que com ele contratarem190. É certo que a preocupação primeira do ser humano é a manutenção e a sustentabilidade de sua vida, através dos recursos mínimos necessários, para que num segundo momento possa pensar nas condições de cidadão e membro participativo de uma comunidade. Neste sentido, o registro de nascimento atribui personalidade jurídica ao indivíduo, tornando-o sujeito de direitos e obrigações. Sem o registro, o ser humano não tem condições de atestar perante o Estado e para terceiros a sua existência jurídica, sendo correto dizer que o sujeito existirá de fato, mas não para o Mundo Jurídico. 191 Atualmente, uma das principais preocupações do Poder Público é a atribuição da cidadania aos integrantes da população brasileira, pois existe uma grande quantidade de brasileiros sem as mínimas condições de vida e, inclusive, sem o seu registro civil, que lhe atribui cidadania. Portanto, constata-se que o registro civil da pessoa é ferramenta importantíssima para sua vida, pois seria como um histórico da sua vida, desde o nascimento, abrangendo o casamento, e finalmente, a morte. Neste sentido, o transexual busca a sua retificação, para que o sexo e o nome constantes no seu assento de nascimento, sejam alterados para o sexo ao qual realmente acreditam ser, por isto, a importância de alterá-lo, ou retificá-lo, antes ou após procedimento tão marcante na vida de uma pessoa como a cirurgia. 190 BEVILÁQUA. Teoria Geral do Direito Civil, p. 67. 191 MALUF, Jorge Mubárack Rachid. Gratuidade do registro civil no Maranhão. São Luís: Tribunal de Justiça, 2006. 76 3.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A LEI DE REGISTROS PÚBLICOS O valor da dignidade humana impõe-se como centro basilar de todo o ordenamento jurídico brasileiro, servindo como parâmetro de valoração a nortear a interpretação e compreensão do sistema jurídico. 192 No Brasil, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana está previsto no artigo 1º, III da Constituição Federal de 1988 e é um dos mais importantes de nosso ordenamento jurídico. Partindo-se do princípio de que a pessoa existe enquanto realidade anterior ao próprio ordenamento jurídico”193, constata-se que, o que a Constituição faz não é criar a dignidade da pessoa humana, mas reconhecê-la como princípio constitucional e fundamento dos direitos da personalidade. 194 Alude Szanianwiski, que “Esta preocupação em valorizar o sujeito como ser humano e salvaguardar sua dignidade, colocando o indivíduo como centro, como principal destinatário da norma jurídica, tem sido denominada de repersonalização do Direito”195. Portanto, se todo o ordenamento jurídico submete- se à Carta Magna, ter-se-á como conseqüência a personalização do direito civil. Kretz196, enfatizando o que Perlingieri denominou de “releitura do Código Civil e das leis especiais à luz da Constituição da República” , acredita na necessidade de uma relação entre a norma constitucional e a norma civil. Na verdade, seria uma reflexão do papel global da Constituição na teoria das fontes do Direito Civil. 192 CARDOSO, Renata Pinto. Transexualismo e o direito à redesignação do estado sexual. Artigo, 2005. Disponível em: < http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2164/Transexualismo-e-o- direito-a-redesignacao-do-estado-sexual>. Acesso em: Out. 2009. 193 OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Direito Civil: teoria geral do direito civil. 2. ed. atual. e amp. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p 11. 194 BITTAR, Carlos Alberto. O Direito Civil na Constituição de 1988. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 48. “São direitos que transcendem, pois, ao ordenamento jurídico positivo, porque ínsitos na própria natureza do homem, como ente dotado de personalidade”. 195 SZANIAWSKI, Elimar. Limites e possibilidades do direito de redesignação do estado sexual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998. p. 25. 196 KRETZ, Andrietta. Autonomia da Vontade e Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais, p.38. 77 Prossegue Kretz, mencionando que: Desde o surgimento do Direito Constitucional, esse sempre teve como expressão principal a garantia da liberdade consubstanciada na garantia de direitos da pessoa humana. Esses Direitos Humanos incorporados aos textos constitucionais passaram por se transformar em Direitos Fundamentais, ou seja, em liberdades públicas197. Sendo assim, inseridos neste contexto, certo afirmar-se que, se todos os institutos do Direito devem ser encarados e valorizados dentro da visão finalista de que devem existir na medida em que atendam ao homem enquanto tal: a noção de nação, raça e do próprio Estado, a idéia das pessoas jurídicas, tudo deve ser visto e estudado tendo-se por norte que visam a atender, a satisfazer o homem. 198 Viável se considerar Bittar, quando alude: O destaque dos elementos sociais impregnará o Direito Privado de conotações próprias, eliminando os resquícios ainda existentes do individualismo e do formalismo jurídico, para submeter o Estado brasileiro a uma ordem baseada em valores reais e atuais, em que a justiça social é o fim último da norma, equilibrando-se mais os diferentes interesses por ela regidos, à luz de uma ação estatal efetiva, inclusive com a instituição de prestações positivas e concretas por parte do Poder Público para a fruição pela sociedade dos direitos assegurados. 199 Prossegue o autor ensinando que com a promulgação da Constituição de 1988, houve a regulamentação de matéria que, antes, pertencera somente ao direito privado. Dessa forma, enquanto lei hierarquicamente superior, a Constituição condiciona as normas de Direito Civil aos seus princípios e regras. A principal noção que surge desta mudança é a “de que o interesse coletivo deve preponderar sempre em relação ao individual, sem, no entanto, aniquilar-se o 197 KRETZ, Andrietta. Autonomia da Vontade e Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais, p.38. 198 OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Direito Civil: teoria geral do direito civil. 2000. p. 11. 199 BITTAR, Carlos Alberto. O direito civil na Constituição de 1988, p. 26. 78 interesse individual totalmente”. 200 Tanto quanto o princípio da dignidade da pessoa humana, um fundamento de nosso Estado, previsto no art. 1º da CRFB/88 e a lei de registro público, nº 6.015/73, oferecem fundamento para requerer a retificação do registro civil. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana. Conforme enfatiza Fabriz201, “A dignidade da pessoa humana expressa-se como corolário de todo arcabouço ético de uma sociedade”. Echterhoff, na obra Biodireito em Discussão202, citando José Afonso da Silva, destaca : [...] “dignidade é atributo intrínseco, da essência, da pessoa humana, único ser que compreende um valor interno, superior a qualquer preço, que não admite substituição equivalente. Assim a dignidade entranha e se confunde com a própria natureza do ser humano”.203 Ainda segundo observa Fabriz204: “... a dignidade da pessoa é da pessoa concreta, na sua vidareal e quotidiana; não é de um ser ideal e abstrato. É o homem ou a mulher, tal como existe, que a ordem jurídica considera irredutível e insubstituível e cujos direitos fundamentais a Constituição enuncia e 200 SZANIAWSKI, Elimar. Limites e possibilidades do direito de redesignação do estado sexual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 23. 201 FABRIZ, Daury César. Bioética e direitos fundamentais: a bioconstituição como paradigma ao biodireito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 275. 202 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de (Coord.). Biodireito em discussão. Curitiba: Juruá, 2007. p. 93. 203 Destaques no original. 204 FABRIZ, Daury César. Bioética e direitos fundamentais: a bioconstituição como paradigma ao biodireito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 274. 79 protege. Em todo homem e em toda a mulher estão presentes todas as faculdades da humanidade”. 205 Nesse sentido, Sarlet206 preleciona: [...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. 207 Ainda, seguindo-se no entendimento de Echterhoff208: [...] “imbricado ao valor da pessoa humana está o princípio ético- jurídico da dignidade da pessoa humana. Ou seja, o valor da pessoa humana é traduzido juridicamente pelo eminente princípio fundamental da dignidade da pessoa humana”, sendo que isto significa a objetivação do valor da dignidade da pessoa humana. 209 Uma vez que a vida é o pressuposto fundamental, uma premissa maior, a dignidade se concretizará em razão da vida que somente é significativa, se for digna. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente ao ser humano, “[...] que se manifesta na autodeterminação consciente e responsável da própria vida, exigindo o respeito por parte dos demais”. 210 Trantando-se da dignidade da pessoa humana está se tratando das exigências básicas que o ser humano necessita, que a ele sejam oferecidos os recursos da sociedade para manter a sua existência com dignidade, 205 Destaques no original. 206 SARLET, Ingo Wolfang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 60. 207 Destaques no original. 208 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de (Coord.). Biodireito em discussão. Curitiba: Juruá, 2007. p. 104. 209 Destaques no original. 210 FABRIZ, Daury César. Bioética e direitos fundamentais: a bioconstituição como paradigma ao biodireito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 278. 80 que lhe sejam proporcionadas as condições indispensáveis para o pleno desenvolvimento das suas potencialidades. 211 Em seu aspecto jurídico-constitucional, a dignidade da pessoa humana é: [...] a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade. Esta, portanto, como qualidade integrante e irrenunciável da própria condição humana, pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo (no sentido ora empregado) ser criada, concedida ou retirada, já que existe em cada ser humano como algo que lhe é inerente. 212 Continuando, assevera Sarlet213 que: Com efeito, diante do compromisso assumido formalmente pelo Constituinte, pelo menos – nas hipóteses de violação dos deveres e direitos decorrentes da dignidade da pessoa – restará uma perspectiva concreta, ainda que mínima, de efetivação por meio dos órgãos jurisdicionais, enquanto e na medida em que se lhes assegurar as condições básicas para o cumprimento de seu desiderato. O princípio da dignidade da pessoa humana não está dotado simplesmente de um conteúdo ético-moral, mas constitui-se numa norma jurídica positivada, com status constitucional formal e material, carregado de eficácia e, portanto, obtendo a condição de valor jurídico fundamental para a sociedade. 214 211 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de (Coord.). Biodireito em discussão. Curitiba: Juruá, 2007. p. 98. 212 SARLET, Ingo Wolfang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 40-41. 213 SARLET, Ingo Wolfang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 26. 214 SARLET, Ingo Wolfang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 72. 81 Sendo um princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana consiste num valor-guia dos direitos fundamentais, bem como de toda a ordem jurídica, constitucional e infraconstitucional, justificando, para muitos, seu caráter de princípio constitucional de maior hierarquia axiológico-valorativa. 215 Percebe-se também, que inclusive em decisões dos nossos Tribunais, têm-se utilizado o princípio da dignidade da pessoa humana como um critério hermenêutico, ou seja, como fundamento para a solução de controvérsias à luz deste princípio. 216 Desta forma, na condição de princípio normativo, o princípio da dignidade da pessoa humana atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais, uma vez que pressupõe o reconhecimento e proteção destes. Por este motivo, se à pessoa humana não forem reconhecidos os direitos fundamentais, estar-se-á lhe negando a dignidade propriamente dita. 217 Estes inúmeros desdobramentos do presente princípio devem- se ao fato de que, como um princípio fundamental, engloba, ao mesmo tempo, o respeito e a proteção da integridade física e psíquica da pessoa. Salvaguardar a pessoa humana significa não tratá-la de modo que “[...] torne impossível representar a contingência de seu próprio corpo como momento de sua própria, autônoma responsável individualidade”. 218 Slaibi Filho exprime que, com este princípio, o homem torna-se o centro, sujeito, objeto da atividade estatal, e afirma que este fundamento é o valor máximo da Constituição. 219 Quanto à lei de registro público, nº 6.015/73, não existe 215 SARLET, Ingo Wolfang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 72. 216 SARLET, Ingo Wolfang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 83-84. 217 SARLET, Ingo Wolfang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 87. 218 SARLET, Ingo Wolfang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 89-90. 219 SLAIBI FILHO, N. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.154. 82 previsão de retificação do registro civilda pessoa, em decorrência da mudança de sexo, todavia, a brecha encontrada pelos operadores do direito está descrita no art. 58: Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios220. Fica evidente que, nossa legislação não possui, nem indica o procedimento para que uma pessoa diagnosticada com transexualismo busque auxílio jurídico, todavia, este artigo deixa uma lacuna para a mudança do prenome. É o caso de Roberta Close, famosa transexual brasileira. A mesma ingressou com pedido de retificação, pois como sempre teve aspecto físico de mulher, e seu nome artístico, conhecido publicamente era feminino, indicou este dispositivo legal para fundamentar seu pedido. O procedimento para o mesmo também se encontra na Lei de Registros Públicos, no art. 109, capítulo que trata das retificações do registro: Art. 109. Quem pretender que se restaure, supra ou retifique assentamento no Registro Civil, requererá, em petição fundamentada e instruída com documentos ou com indicação de testemunhas, que o juiz o ordene, ouvido o órgão do Ministério Público e os interessados, no prazo de 5 (cinco) dias, que correrá em cartório221. Entretanto, há divergência sobre a competência para o julgamento do feito, sendo que alguns tribunais entendem que o processo deve se interposto perante a Vara de Registros Públicos, ou Vara da Fazenda, e outros defendem que deve ser interposto perante a Vara da Família. Peres sustenta que a competência é da Vara da Família, e não da Vara de Registro Público, sendo que a autora faz referência à apelação cível nº 203.347 da Comarca de São Paulo, da qual colhe-se o seguinte:222 220 Art. 58. BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os Registros Públicos e dá outras providências. 221 BRASIL. Lei 6.015/73. 222 PERES, A. P. A. B. Transexualismo. Direito a uma nova identidade sexual. p. 169. 83 Segundo o acórdão: “A competência da Vara de Registros Públicos limita-se a julgar e processar os feitos contenciosos ou administrativos, principais, acessórios e seus incidentes relativos aos registros públicos, inclusive os de loteamento de imóveis, bens de família, casamento nuncupativo e usucapião, que, como põe em relevo o apelante, entende-se que a competência se refere apenas a processo versando exclusivamente matéria de registros. No caso, o requerente pretende, na verdade, a alteração de seu registro em razão da transformação de sexo resultante de operação a que foi submetido e mudança de nome. A ação, portanto, é relativa a estado, que, como resulta da doutrina e jurisprudência citada pelo apelante, é toda ação que envolva a modificação de qualquer aspecto da qualificação da pessoa.” 223 Neste viés, o Tribunal do Estado de Santa Catarina manifestou- se da seguinte forma: EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL - MATÉRIA DE ESTADO DA PESSOA - ELEMENTO DE IDENTIDADE - COMPETÊNCIA DA VARA DA FAMÍLIA, A TEOR DO ART. 96, I, C, DO CDOJESC - AGRAVO PROVIDO. A ação, para que fique constando sexo diverso do que nele foi lançado, não é simplesmente sobre registro pois envolve questão de estado da pessoa, da competência das Varas da Família e não da Vara dos Registros Públicos (JB 130/151)224. Desta forma, constata-se que a competência é da vara da Família, pois esta ação envolve questões referentes ao estado da pessoa. Segue um trecho do acórdão da Jurisprudência acima indicada que elucida o assunto: Como se observa, pretende o agravado a mudança de seu prenome e também a alteração de sua identidade sexual, o que, salvo melhor juízo, trata-se de ação complexa, onde o sexo da pessoa é elemento de sua identificação, portanto, indubitavelmente, a mudança de sexo está atrelada necessariamente ao estado da pessoa225. Na maioria dos casos, o juiz acolhe o pedido de retificação, todavia, há casos em que o Ministério Público apela, pois defende que a pessoa estará induzindo terceiros ao erro. 223 São Paulo. Tribunal de Justiça, Ap. Civ. Nº 203.347, rel. Des. Moreno Gonzalez. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 444, p. 91-95, out. 1972. 224 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Agravo de Instrumento n. 2001.008781-2, de Capital. Relator: Anselmo Cerello. Órgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Civil. Data: 22/10/2001. 225 Idem 84 Retornando-se ao caso de Roberta Close, destaca-se que este, revela uma tendência jurisprudencial destes casos. Por falta de legislação específica, os transexuais contam com os entendimentos dos julgadores que, evoluindo, tendem a sedimentar-se. Todo este procedimento seria facilitado, caso os projetos de leis nº 6.655/06226 e nº 70-B/95227 fossem aprovados, os quais serão descritos adiante. 3.4 PROJETOS DE LEI ALTERANDO A LEI DE REGISTRO PÚBLICO E O CÓDIGO PENAL Existem atualmente dois projetos de lei, que fariam acréscimos ao art. 58 da Lei 6.015/73 e ao art. 129 do Código Penal. O Projeto de Lei nº 6655/06, de autoria de Luciano Zica, quer modificar o art. 58 da Lei nº 6.015. Desta forma, o referido artigo passaria a ter a seguinte redação: Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição, mediante sentença judicial, nos casos em que o interessado for: a) conhecido por apelidos notórios; b) reconhecido como transexual de acordo com laudo de avaliação médica, ainda que não tenha sido submetido a procedimento médico- cirúrgico destinado à adequação dos órgãos sexuais; II – houver fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime por determinação, em sentença, de juiz competente após ouvido o Ministério Público. Parágrafo único. A sentença relativa à substituição do prenome na hipótese prevista na alínea b do inciso I deste artigo será objeto de averbação no livro de nascimento com a menção imperativa de ser a pessoa transexual. (NR). O que chama a atenção é o fato de ficar constando no registro que a pessoa é transexual, o que não agrada em nada aos transexuais, pois os mesmos ainda assim, seriam objeto de discriminação, já que o almejado é que 226 Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/homeagencia/materias.html?pk=90099>. 227 Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=15009>. 85 conste, na parte que fala do sexo, o sexo almejado, e não transexual. No projeto da lei, a justificativa é a de que, deve-se contar fato verídico no registro civil, para que não haja conseqüências para terceiros. Isto também ocorre com o projeto de lei nº 70-b/95, cujo autor é José Coimbra, anterior ao referido anteriormente, todavia, o projeto de 1995 requer a modificação do art. 129 do Código Penal, nos seguintes termos, além de requerer a modificação do art. 58 da Lei de registros públicos: Art. 129 [...] Exclusão do crime § 9º Não constitui crime a intervenção cirúrgica realizada para fins de ablação e órgãos e partes do corpo humano quando, destinada a alterar o sexo do paciente maior e capaz, tenha ela sido efetuada a pedido deste e procedida de todos os exames necessários e de parecer unânime de junta médica Art. 58 O prenome será imutável, salvo nos casos previstos neste artigo. § 1º Quando for evidente erro gráfico do prenome, admitindo-se a retificação, bem como a sua mudança mediante sentença do juiz, a requerimento do interessado, no caso de erro do parágrafo único do art. 55, se o oficial não houver impugnado. § 2º Será admitida a mudança do prenome mediante autorização judicial, nos casos em que o requerente tenha se submetido a intervenção cirúrgica destinada aalterar o sexo originário. § 3º No caso do parágrafo anterior deverá ser averbado ao registro de nascimento e ao respectivo documento de identidade ser pessoa transexual. Verifica-se que ambos os projetos de lei, pretendem que fique constando que o referido sexo da pessoa é “transexual.” Percebe-se que existe uma certa morosidade na aprovação destas leis, decorrente de que o transexualismo foge do padrão de comportamento social previsto e aceito. Peres faz uma importante colocação quanto ao tema. Os transexuais também, ainda, não tiveram o direito à liberdade sexual reconhecido. E, como os homossexuais e os transexuais, outros indivíduos portadores de estados comportamentais diversos do heterossexual encontram-se em igual situação. Até que o sistema redescubra que as minorias hoje representativas de determinadas formas de transgressão e alteridade podem lhe interessar, manterá o 86 modelo nuclear tradicional, para que, só então, possa redefinir uma nova lógica que as acolha.228 Apesar de os referidos projetos estar em andamento de aprovação, já houve decisões que acolheram os pedidos de transexuais, inclusive que, ao tempo do requerimento, não haviam se submetido à cirurgia de redesignação sexual. Recente e muito divulgada foi a sentença, proferida pela Juíza Leise Rodrigues Espírito Santo da 9ª Vara de Família da Comarca da Capital - Rio de Janeiro, em 9 de março do ano corrente, publicada dia 14 desse mesmo mês no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, que reconheceu o estado sexual feminino de Roberta Gambine Moreira, conhecida publicamente como Roberta Close. Roberta até muito pouco tempo atrás portava e exibia documentos em que constavam sexo masculino e o nome Luis Roberto Gambine Moreira. Agora, com a averbação da retificação do nome e do sexo no registro de nascimento, pôde trocar seus documentos de identidade, Cadastro de Pessoa Física (CPF) e passaporte229. 3.5 JURISPRUDÊNCIAS Apesar de existirem os referidos projetos de lei, o direito não pode furtar-se dos desafios do mundo moderno. Neste viés, o judiciário, em decisões de pedidos de retificação de registro civil, já julgou procedente alguns casos relacionados ao tema. Assim, sem o intuito de esgotar a pesquisa jurisprudência, mas sim, com o objetivo de demonstrar alguns posicionamentos adotados sobre a temática, pelo Poder Judiciário Brasileiro, destacam-se algumas jurisprudências. O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência referente ao assunto: 228 PERES, A. P. A. B. Transexualismo: o direito a uma nova identidade sexual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.62. 229 GOIS, Ancelmo. Ela é mulher. O Globo, Rio de Janeiro, 25 de maio de 2005. Rio, p. 20. 87 EMENTA: MUDANÇA DE SEXO. AVERBAÇÃO NO REGISTRO CIVIL. 1.O recorrido quis seguir o seu destino, e agente de sua vontade livre procurou alterar no seu registro civil a sua opção, cercada do necessário acompanhamento médico e de intervenção que lhe provocou a alteração da natureza gerada. Há uma modificação de fato que se não pode comparar com qualquer outra circunstância que não tenha a mesma origem. O reconhecimento se deu pela necessidade de ferimento do corpo, a tanto, como se sabe, equivale o ato cirúrgico, para que seu caminho ficasse adequado ao seu pensar e permitisse que seu rumo fosse aquele que seu ato voluntário revelou para o mundo no convívio social. Esconder a vontade de quem a manifestou livremente é que seria preconceito, discriminação, opróbrio, desonra, indignidade com aquele que escolheu o seu caminhar no trânsito fugaz da vida e na permanente luz do espírito. 2. Recurso especial conhecido e provido. Acórdão Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Castro Filho, Humberto Gomes de Barros e Ari Pargendler votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.230 A parte chave do referido acórdão, a decisão, defere o pedido de mudança do nome e do sexo: Conheço do especial e lhe dou provimento para determinar que fique averbado no registro civil que a modificação do nome e do sexo do recorrido decorreu de decisão judicial231. Ou seja, retificar-se-á não só o nome, mas também a parte que indica o sexo da pessoa. O Tribunal do Estado do Rio Grande do Sul, concedeu uma decisão favorável para a retificação do registro civil, sem a comprovação da cirurgia de redesignação sexual. A relatora da decisão foi a ex-Desembargadora Maria 230 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo resp 678933 / RS Recurso Especial nº 2004/0098083-5, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito (1108). Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA Data do Julgamento 22/03/2007 Data da Publicação/Fonte DJ 21/05/2007 p. 571. RDR vol. 41 p. 311, RJTJRS vol. 265 p. 37. 231 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Modificação do nome e do sexo do recorrido. 88 Berenice Dias, a qual vem publicando material relacionado com homossexualismo, sendo uma grande defensora da causa. No caso dos transexuais, proferiu julgamento favorável ao caso. APELAÇÃO CÍVEL. ALTERAÇÃO DO NOME E AVERBAÇÃO NO REGISTRO CIVIL. TRANSEXUALIDADE. CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO. O fato de o apelante ainda não ter se submetido à cirurgia para a alteração de sexo não pode constituir óbice ao deferimento do pedido de alteração do nome. Enquanto fator determinante da identificação e da vinculação de alguém a um determinado grupo familiar, o nome assume fundamental importância individual e social. Paralelamente a essa conotação pública, não se pode olvidar que o nome encerra fatores outros, de ordem eminentemente pessoal, na qualidade de direito personalíssimo que constitui atributo da personalidade. Os direitos fundamentais visam à concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual, atua como uma qualidade inerente, indissociável, de todo e qualquer ser humano, relacionando- se intrinsecamente com a autonomia, razão e autodeterminação de cada indivíduo. Fechar os olhos a esta realidade, que é reconhecida pela própria medicina, implicaria infração ao princípio da dignidade da pessoa humana, norma esculpida no inciso III do art. 1º da Constituição Federal, que deve prevalecer à regra da imutabilidade do prenome. Por maioria, proveram em parte232. Colhe-se do acórdão a seguinte informação: Em face dos votos dos colegas, proponho que seja averbado na certidão do registro do nascimento do recorrente sua condição de transexual. Assim, ao menos até a realização da cirurgia de redesignação, quando então passará a ser identificado com do sexo feminino, constaria sua real identificação233. Neste sentido, a decisão assemelha-se aos projetos de lei referidos anteriormente, de manter o sexo (gênero) como transexual, e abre a possibilidade de os transexuais não precisarem esperar pela cirurgia de adequação sexual para ingressar com seu pedido de retificar o seu nome, apesar de não alterar o registro do gênero. Todavia, no presente caso, há a possibilidade da pessoa 232 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70013909874, Sétima Câmara CíveL, Comarca de Porto Alegre, APELANTE ADENILSON DE ABREU MARTINS, APELADA A JUSTIÇA. DATA DE JULGAMENTO: 05/04/2006, PUBLICAÇÃO: Diário de Justiça do dia 17/04/2006, RELATOR: Maria Berenice Dias. 233 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. ApelaçãoCível Nº 70013909874. Diário de Justiça do dia 17/04/2006, RELATOR: Maria Berenice Dias. 89 submeter-se à cirurgia, quando o gênero ou sexo será alterado na identidade. Os projetos de lei não advogam esta possibilidade, nem mesmo realizada o procedimento cirúrgico. Neste viés, o mesmo Tribunal, nos casos em que a pessoa já realizou a cirurgia, concede a alteração tanto do nome, quanto do gênero. APELAÇÃO CÍVEL. TRANSEXUALISMO. ALTERAÇÃO DO GENERO/SEXO NO REGISTRO DE NASCIMENTO. DEFERIMENTO. Tendo o autor/apelante se submetido a cirurgia de “redesignação sexual”, não apresentando qualquer resquício de genitália masculina no seu corpo, sendo que seu “fenótipo é totalmente feminino”, e, o papel que desempenha na sociedade se caracteriza como de cunho feminino, cabível a alteração não só do nome no seu registro de nascimento mas também do sexo, para que conste como sendo do gênero feminino. Se o nome não corresponder ao gênero/sexo da pessoa, à evidência que ela terá a sua dignidade violada. Precedentes. Apelação provida. Colhe-se do acórdão a seguinte informação: Pelas razões expostas, o voto é pelo provimento da apelação, para autorizar seja averbado no registro de nascimento do autor a retificação, além do nome conforme deferido na sentença, também do sexo, para constar como sendo do gênero feminino, com a devida observância do segredo de justiça234. Verifica-se que, enquanto o Poder Legislativo está envolto em procedimento para o processamento das normas de situações emergentes e persistentes em nossa sociedade, o Poder Judiciário já constatou que é necessário a sua intervenção, já que o mesmo foi provocado para a resolução de tal deslinde, como será aludido adiante. 234 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70022952261, Oitava Câmara Cível, Comarca de Carlos Barbosa, Apelante Paulo César Schafer Apelada A Justiça. Data de Julgamento: 17/04/2008 Publicação: Diário de Justiça. 25/04/2008. Relator: José Ataídes Siqueira Trindade. 90 3.6 LACUNA DA LEI E PROCESSAMENTO DA AÇÃO DECORRENTE DA MESMA Verifica-se então que o transexualismo, apesar da lacuna existente, quando impulsiona o judiciário, obtém resposta favorável para sua condição. Isto é feito nos moldes do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, há a possibilidade para que os juízes possam suprir as lacunas, existentes em nosso ordenamento jurídico, além do disposto no art. 126 do Código de Processo Civil: Art. 4. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Art. 126 O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito. O Direito não pode olvidar-se da justiça que é a virtude que lhe permeia. Para tanto, de toda norma jurídica devemos extrair o seu fim social e aplicá-la nestes limites. E, desta maneira, sendo a pessoa humana o bem jurídico primeiro a ser resguardado pelo Estado, o magistrado deve dar efetividade, limitada pelos princípios constitucionais, às normas, captando sempre o espírito da lei, sem apegar-se inteiramente à sua literalidade. Se assim não for, o Direito se desviará da justiça. Gagliano e Pamplona Filho referem-se às lacunas do direito da seguinte forma: Quando inexiste lei a aplicar diretamente ao caso, deve o magistrado se valer de outras fontes do Direito para encontrar a regra que efetivamente deve disciplinar a relação jurídica submetida à sua apreciação. Na forma do art. 4º da LICC, nesses casos, o juiz decidirá de acordo com analogia, os costumes e os princípios gerais do direito. [...] a essas fontes supletivas somam-se a doutrina, a jurisprudência e a equidade.235 235 GAGLIANO, P. S.; PAMPLONA FILHO, R. Novo curso de direito civil. v. I: parte geral, 9. ed., revisada, atualizada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 63. 91 Gonçalves exprime, no mesmo sentido, que o legislador nem sempre prevê os fatos que necessitam de intervenção legal, pois, o direito movimenta-se constantemente, já que acompanha e decorre da evolução da sociedade, a qual apresenta fatos e conflitos novos. Neste sentido, situações sem previsão jurídica ocorrem, levando ao juiz a responsabilidade de manifestar-se sobre estas. O autor ainda faz menção dos art. 126 do CPC, descrito anteriormente, e verifica que, quando um fato é levado ao judiciário, existe a garantia que o mesmo apresentará solução ao mesmo. 236 Constata-se que, apesar da lacuna existente, a doutrina especializada no caso, além do reconhecimento pelo Conselho Federal de Medicina auxiliam no julgamento. Portanto, confirma-se que o transexual, apesar de não possuir legislação referente à sua condição, é reconhecido pelo ordenamento jurídico brasileiro. Por fim, amparados pela grandeza que o Direito nos proporciona em defesa dos nossos mais genuínos direitos, pode-se afirmar, que em geral, os transexuais têm conseguido efetivar a alteração do registro civil, por meio do respeito ao objetivo fundamental do Direito, qual seja a justiça, da dignidade da pessoa humana, dos princípios constitucionais, entre outros, é possível desenvolver a aplicação satisfatória do Direito. 236 GONÇALVES, C. R. Direito Civil brasileiro. v.1: parte geral, 5. ed., revisada e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 48. 92 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com o presente estudo, verifica-se que o transexual tem um árduo caminho desde criança. Enfrentam diversos obstáculos psíquicos em tentar entender sua condição como pessoa sexual, sua sexualidade e seu sexo devido à grande confusão mental existente, já que os padrões sociais definem algo que não condiz com sua realidade. Isto porque nascem com um sexo morfológico, mas em sua mente, pertencem ao sexo oposto. Além disso, enfrentam vários desafios em seus lares com seus familiares, para viver como um transexual, pois existem pais, mães e familiares, que não compreendem, tampouco aceitam sua condição. O apoio da família e dos amigos é imprescindível para os transexuais, já que o sentimento de não se encaixar na sociedade é muito ruim, visto que estes encontram-se em um estado intermediário, não são nem mulheres nem homens. Além disto, o tratamento para “mudar de sexo” é complexo e extenuante, envolvendo hormônios, remoção de pelos e implantes nos seios, no caso dos homens. Depois de estar com aparência semelhante ao sexo desejado, passam por diversas perícias médicas, com psiquiatras, psicólogos e endocrinologistas para estarem aptos a realizar a cirurgia de transgenitalização. Retomando-se as hipóteses avençadas no início da pesquisa destaca-se que: Quanto a primeira hipótese “a cirurgia de mudança de sexo é amparada pela comunidade médica e jurídica”, a mesma restou confirmada, pois a cirurgia de adequação sexual é amparada tanto pela comunidade médica quanto pela comunidade jurídica. Isto ocorre pois o CFM proferiu resolução referente ao procedimento de transgenitalização, e os doutrinadores jurídicos já manifestaram-se, como foi exposto no corpo do trabalho, que o procedimento não caracteriza crime, sendo aliás, um tratamento médico reconhecido. A cirurgia em si é invasiva e dolorosa, e no caso dos homens que vão se transformar em mulheres, estes precisam utilizar um “supositório” no canal vaginal, para que a cirurgia tenha sucesso e a abertura construída 93 cirurgicamente não se feche. Por fim, a batalha judicial se inicia.Atualmente, a legislação não auxilia, em muito, o transexual, pois não existe lei referente ao caso do transexual aprovada, estas estão em tramitação no congresso nacional. Todavia, o poder judiciário, que não pode esquivar-se dos desafios sociais, quando é provocado, já apresentou parecer favorável aos transexuais, proferindo decisões procedentes ao pedido de retificação do registro civil, para mudança do nome e do sexo jurídico. No tocante a segunda hipótese “a retificação do registro civil é possível em nosso ordenamento jurídico para os transexuais que efetuaram a cirurgia de mudança de sexo”, também restou confirmada, pois verifica-se que os Tribunais tem tido posicionamento favorável à retificação do registro civil dos transexuais que completaram sua transição, ou seja, realização da adequação sexual, com fulcro no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, que faz com que o ser-humano, o cidadão, seja o sujeito principal da atividade estatal. Ademais, constata-se que, mesmo os transexuais que não realizaram a cirurgia, obtém posicionamento favorável do Judiciário, em conseguir a alteração do prenome, ficando a alteração do sexo pendente até o procedimento cirúrgico. Por fim, o transexualismo é uma causa muito válida de ser advogada, pois os mesmos são seres-humanos como outros qualquer, que sofrem de uma síndrome psicossocial, por sentirem uma inadequação anatômica. Isto pode ocorrer com qualquer pessoa e qualquer família, em qualquer país ou continente. Desta forma, é imprescindível que o preconceito social seja combatido fortemente pelos operadores do Direito, que estes percebam que possuem uma grande ferramenta em suas mãos, que é a Lei, e que com esta podem demandar, podem exigir que todos sejam tratados da mesma forma que um cidadão que não cause discórdia social. Neste sentido, acredito que é a hora para que todas as controvérsias sociais, como o transexualismo, homossexualismo, sejam resolvidas pelo Legislativo, para que o mesmo aja de forma coerente, e produza projetos de lei que realmente ajudem os transexuais, e não promovam o preconceito, pois o 94 mesmo, ao contrário do transexualismo, deve ser combatido e extinto. 95 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Nova Cultural, 1996. (Coleção os Pensadores). BARCHIFONTAINE, C. P. de; PESSINI, L. (Org.). Bioética: Alguns desafios. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2001. 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[s.l]: FEB, 2002. 101 ANEXOS: FOTOS: EXEMPLOS DE CIRURGIA DE MUDANÇA DE SEXO DE HOMEM PARA MULHER Pênis Pré-operatório O pênis é marcado e os nervos são preservados O escroto é preservado para construção da nova vagina É inserido um “balão” para definir o canal vaginal O resultado final da cirurgia, com o clitóris em posição normal, o canal vaginal formado, a uretra e os lábios. O dilatador vaginal antes de ser inserido na vagina O dilatador vaginal inserido na vagina, para manter o canal vaginal aberto Fotos de Cirurgia de mudança de sexo de homem para mulher Fonte: Disponível em: <http://www.altermd.com/Transsexual%20Surgery/figure1.htm>. 102 FOTOS: EXEMPLOS DE CIRURGIA DE MUDANÇA DE SEXO DE MULHER PARA HOMEM Vagina antes da operaçãoVagina após a operação Fotos de Cirurgia de mudança de sexo de mulher para homem Fonte: Disponível em: <http://www.altermd.com/Transsexual%20Surgery/female_to_male_example.htm>. 103 FOTOS: IMPLANTE DE SILICONE EM HOMENS: Seios antes do implante Fonte: Disponível em: <http://www.altermd.com/Transsexual%20Surgery/breast_surgery_example.htm>. Seios após o implante Fonte: Disponível em: <http://www.altermd.com/Transsexual%20Surgery/breast_surgery_example.htm>. 104 FOTOS: ALTERAÇÕES NA FACE PARA FEMINILIZAÇÃO: Rosto pré-operação Fonte: Disponível em: <http://www.altermd.com/Transsexual%20Surgery/facial_and_cosmetic_surgery_example.htm>. Rosto pós-operação, com “lift” nas sobrancelhas e rinoplastia Fonte: Disponível em: <http://www.altermd.com/Transsexual%20Surgery/facial_and_cosmetic_surgery_example.htm>.