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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS CURSO DE DIREITO O RECONHECIMENTO DO TRANSEXUAL PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO RODRIGO CHANDOHÁ DA CRUZ Itajaí (SC), 2009 16 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS CURSO DE DIREITO O RECONHECIMENTO DO TRANSEXUAL PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO RODRIGO CHANDOHÁ DA CRUZ Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Professora MSc. Andrietta Kretz Viviani Itajaí (SC), 2009 AGRADECIMENTO A Deus, que me deu forças para explorar este assunto, não só com o fim de obter a graduação no curso de Direito, mas para, de alguma forma, ajudar os transexuais e abrir os olhos da sociedade para este tópico tão importante. Aos meus pais, Hélcio e Suzana, por terem respeitado minha escolha por um tema tão controvertido, e acreditarem que eu seria capaz de trabalhar com um assunto tão complexo, de forma justa, além de seu constante apoio durante os meus anos de faculdade, e por me manterem no caminho certo. À minha madrinha, Lilian, pelo ombro de mãe nas horas difíceis, não só na construção deste trabalho, mas por ter sido um grande porto seguro durante toda a minha trajetória acadêmica. Ao Cartório da 2ª Vara Cível, da Comarca de Itajaí, principalmente à Naliete Polonia de Souza e Elisa Catarina Kleis, que foram muito, muito mais do que chefes para mim, pois foram a extensão da minha família e da faculdade de Direito, além de serem grandes exemplos de seres-humanos e profissionais, a quem terei eterna gratidão pelo ensino e pelo amor prestado. Aos meus amigos, que fiz na faculdade e no Fórum de Itajaí, que sempre alegravam minha vida, e que me ajudaram a crescer como ser humano e profissional. À Professora Andrietta Kretz Viviani, minha orientadora, pela orientação e suporte na construção deste trabalho. Por fim, a todos que, assim como eu, acreditam que nosso ordenamento jurídico necessita de reformas, para reconhecer que todas as pessoas têm os mesmos direitos para exercer, e que acreditam que a diferença não empobrece, mas enobrece. 16 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho à todas as pessoas sexualmente confusas, que lutam pelo reconhecimento de seus direitos. 17 Àqueles que se comprometem autenticamente com o povo é indispensável que se revejam constantemente. Esta adesão é de tal forma radical que não permite a quem a faz,comportamentos ambíguos. (Paulo Freire - Pedagogia do Oprimido) 18 TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí, Novembro de 2009 Rodrigo Chandohá da Cruz Graduando 19 PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Rodrigo Chandohá da Cruz, sob o título “O reconhecimento do transexual pelo ordenamento jurídico brasileiro”, foi submetida em novembro de 2009 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: MSc. Andrietta Kretz Viviani, Orientadora; Josemar Sidinei Soares, professor membro e Antônio Augusto Lapa, coordenador de monografia e, aprovada com a nota ( ) ( ). Itajaí, Novembro de 2009 Profª. MSc. Andrietta Kretz Viviani Orientadora e Presidente da Banca Prof. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia Prof. Josemar Sidinei Soares Membro 20 ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS Art. Artigo CC/2002 Código Civil Brasileiro de 2002 CFM Conselho Federal de Medicina CID Classificação Internacional de Doenças CP Código Penal CRFB/1988 Constituição da República Federativa do Brasil ECA Estatuto da Criança e do Adolescente GLBT Gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros MS Ministério da Saúde OMS Organização Mundial de Saúde SUS Sistema Único de Saúde ROL DE CATEGORIAS Bioética O termo bioética, literalmente, significa ética da vida. O vocábulo de raiz grega bios designa o desenvolvimento observado nas ciências da vida, como a ecologia, a biologia e a medicina, dentre outras. Ethos busca trazer à consideração os valores implicados nos conflitos da vida. 1 Dignidade da Pessoa Humana [...] a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade. Esta, portanto, como qualidade integrante e irrenunciável da própria condição humana, pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo (no sentido ora empregado) ser criada, concedida ou retirada, já que existe em cada ser humano como algo que lhe é inerente. 2 Ética [...] respeito aos outros, coerência, capacidade de viver e de aprender com o diferente, não permitir que o mal-estar pessoal ou a antipatia com relação ao outro o façam acusá-lo do que não fez [...].3 Homossexual O homossexualismo consiste na perversão sexual que leva os indivíduos a sentirem- se atraídos por outros do mesmo sexo, com repulsa absoluta ou relativa para os de 1 PESSINI, L.; BARCHIFONTAINE, C.P. Problemas atuais de Bioética. 6. ed. São Paulo: Loyola; 2002. 2 SARLET, Ingo Wolfang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 40-41. 3 FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Saberes Necessários à Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 20. IX sexo oposto. Há, portanto, um homossexualismo masculino (de homem para homem) e um homossexualismo feminino (de mulher para mulher). 4 Intersexualismo O intersexualismo, também denominado de hermafroditismo, dá-se quando um indivíduo possui simultaneamente características de ambos os sexos, devendo se submeter à cirurgia para adequação do sexo genético, gonodal e fenotípico, que deve ser realizada após um estudo detalhado da identidade e do sexo psicossocial desenvolvido. 5 Moral O conjunto de regras de conduta consideradas válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada. 6 Registro Civil O registro Civil de nascimento é um direito do cidadão e tem a sua gratuidade garantida por lei. Esse documento é extremamente importante, pois ele é a prova da existência oficial e jurídica de todosos brasileiros. Maria Helena Diniz afirma que “o registro de nascimento é uma instituição pública destinada a identificar os cidadãos, garantindo o exercício de seus direitos”. 7 Sexo O sexo é, mental em seus impulsos e manifestações, transcendendo quaisquer impositivos da forma em que se exprime. Reside na mente, a expressar-se no corpo espiritual e conseqüentemente no corpo físico8. O sexo deve ser visto por vários correntes, sendo resultante de um equilíbrio de vários planos, desde o físico até o 4 GOMES, H. Medicina Legal. 33 edição, ver. e atualiz. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004. p. 476- 477. 5 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o direito a uma nova identidade sexual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. 6 LÓPEZ, M. Fundamentos da Clínica Médica: a relação paciente-médico, Rio de Janeiro: Medsin Editora Médica e Científica, 1997. p. 215. 7 DINIZ. M. H. Sistemas de Registros de Imóveis. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. 8 XAVIER, Francisco Cândido. Evolução Em Dois Mundos. Espírito André Luiz. [s.l]: FEB, 2002. X psicológico. Maranhão ainda divide o sexo em: genético; endócrino; morfológico; psicológico e jurídico. 9 Sexualidade A sexualidade, entendida a partir de um enfoque amplo e abrangente, manifesta-se em todas as fases da vida de um ser humano, tendo na genitalidade (coito) apenas um de seus aspectos, talvez nem mesmo o mais importante. A sexualidade permeia todas as manifestações humanas10. “[...] um aspecto central do bem estar humano, do começo ao fim da vida, envolvendo sexo, identidade de gênero, orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução”. 11 Transexual São pessoas que sofrem de neurodiscordância de gênero, nome que se originou em pesquisas norte-americanas, onde foi constatado em cadáveres de transexuais do sexo masculino, que a hipófise cerebral (que é a parte do cérebro que responde aos estímulos sexuais) possui estrias mais estreitas diferentes aos dos homens comuns, sendo idênticas a de uma mulher biológica. Baseando-se em tal pesquisa é que hoje alguns profissionais entendem o transexualismo como hermafroditismo hipofásico. Fato que faz com que a idéia de que um transexual seria uma pessoa que desejaria trocar ou mudar de sexo, seja ultrapassada e ultrajante, onde o transexual não deve ser colocado neste patamar discriminatório de mutantes, quando na verdade, a procura dos transexuais nada mais é do que a simples adaptação física, para exercer suas vidas emocionais, sociais, espíritas e sexuais, o que infelizmente não são alcançadas pela maioria, e numa minoria são conquistadas aos poucos e as duras penas. 12 Transexualidade 9 MARANHÃO, O. R. Curso Básico de Medicina Legal. 8. ed., 4. tiragem. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 127. 10 LIMA, Junia Dias de. O Despertar da Sexualidade na adolescência. In: PEREIRA, José Leopídio; et al. (org.). Sexualidade na adolescência no novo milênio, 2007, p.15. 11 LIMA, Junia Dias de. O Despertar da Sexualidade na adolescência. In: PEREIRA, José Leopídio; et al. (org.). Sexualidade na adolescência no novo milênio, 2007, p.15. 12 IRIGUTI, Edna. Transexualismo. Disponível em: <http://www.grupoesperanza.com.br/EN TLAIDS/transexual.htm>. Acesso em jul. 2009. XI Transexualidade é a condição sexual da pessoa que rejeita sua identidade genética e a própria anatomia de seu gênero, identificando-se psicologicamente com o gênero oposto. Trata-se de um drama jurídico-existencial, por haver uma cisão entre a identidade sexual física e psíquica. 13 Transexualismo O transexualismo é definido como patologia pela Organização Mundial de Saúde (OMS), na Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento (CID 10) que o reconhece como um transtorno de identidade sexual desde 1993. É considerado uma anomalia da identidade sexual, onde o indivíduo se identifica psíquica e socialmente com o sexo oposto ao que lhe fora determinado pelo registro civil. 14 Transgenitalização A cirurgia de mudança de sexo, também conhecida pelo nome de transgenitalização, é altamente complexa, de recuperação dolorosa e requer um acompanhamento multidisciplinar não apenas no período que antecede a cirurgia, mas também na fase pós-operatória. O paciente que a ela é remetido necessita de revisões médicas constantes e de acompanhamento de psicólogos e assistentes sociais para encarar a sua nova situação, haja vista que, na maioria das vezes, passará a sofrer inúmeros preconceitos pelas diversas camadas da população. 15 13 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001. p.223 14 OMS Organização Mundial da Saúde. CID 10. 15 SUTTER, Matilde Josefina. Determinação e mudança de sexo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2003. p.109. XII SUMÁRIO RESUMO................................................................................................................. XIV INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 15 CAPÍTULO 1: ........................................................................................................... 17 BIOÉTICA ................................................................................................................. 17 1.1 MORAL E ÉTICA ................................................................................................ 17 1.2 BIOÉTICA ........................................................................................................... 22 1.2.1 Histórico .......................................................................................................... 22 1.2.2 Conceito .......................................................................................................... 24 1.2.3 Princípios Bioéticos ....................................................................................... 26 1.2.3.1 Princípio da Beneficência ........................................................................... 27 1.2.3.2 Princípio da Não-Maleficência .................................................................... 28 1.2.3.3 Princípio da Autonomia .............................................................................. 29 1.2.3.4 Princípio da Justiça ..................................................................................... 31 1.2.4 Divisão da Bioética......................................................................................... 32 1.3 RELAÇÃO DIREITO E BIOÉTICA ...................................................................... 33 CAPÍTULO 2: ............................................................................................................ 36 SEXUALIDADE, IDENTIDADE DE GÊNERO E SEXO ........................................... 36 2.1 A SEXUALIDADE SOB DIFERENTES OLHARES ............................................ 36 2.2 IDENTIDADE DE GÊNERO OU SEXUAL .......................................................... 40 2.3 SEXO .................................................................................................................. 42 2.3.1 Sexo Genético ................................................................................................ 43 2.3.1.1 Síndrome de Turner .................................................................................... 45 2.3.1.2 Síndrome de Klinifelter ............................................................................... 45 2.3.2 Sexo Endócrino .............................................................................................. 46 2.3.3 Sexo Morfológico ...........................................................................................47 2.3.4 Sexo Psicológico ............................................................................................ 47 2.3.5 Sexo Jurídico .................................................................................................. 48 XIII 2.4 CONDIÇÕES SEXUAIS ...................................................................................... 49 2.4.1 Heterossexualidade........................................................................................ 50 2.4.2 Homossexualismo .......................................................................................... 50 2.4.3 Intersexualismo .............................................................................................. 52 2.4.4 Travestismo .................................................................................................... 52 2.4.5 Transexualismo .............................................................................................. 53 2.5 A CIRURGIA DE MUDANÇA DE SEXO ............................................................. 59 CAPÍTULO 3: ........................................................................................................... 67 PROCEDIMENTO PARA O RECONHECIMENTO DO TRANSEXUAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO .................................................................................... 67 3.1 RESPONSABILIDADE PENAL .......................................................................... 67 3.1.1 Conseqüência morfológica resultante do procedimento cirúrgico ........... 68 3.2 DESENVOLVIMENTO DA SEXUALIDADE PERCEBIDA PELO DIREITO ....... 72 3.2.1 O valor do Registro civil como atestado de cidadania ............................... 73 3.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A LEI DE REGISTROS PÚBLICOS ................................................................................................................ 76 3.4 PROJETOS DE LEI ALTERANDO A LEI DE REGISTRO PÚBLICO E O CÓDIGO PENAL ....................................................................................................... 84 3.5 JURISPRUDÊNCIAS .......................................................................................... 85 3.6 LACUNA DA LEI E PROCESSAMENTO DA AÇÃO DECORRENTE DA MESMA ..................................................................................................................... 90 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 92 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .................................................................. 95 ANEXOS ................................................................................................................. 101 Fotos: Exemplos de cirurgia de mudança de sexo de homem para mulher .... 101 Fotos: Exemplos de cirurgia de mudança de sexo de mulher para homem .... 102 Fotos: Implante de silicone em homens ............................................................. 103 Fotos: Alterações na face para feminilização ..................................................... 104 XIV RESUMO O presente trabalho tem como objetivo geral o reconhecimento do transexual pelo ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto, fez-se um apanhado da legislação e da doutrina existente, que junto com os princípios bioéticos, oferecem suporte ao transexual. Com relação à metodologia, utilizou-se o método indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica. Seguindo-se este caminho metodológico, verificou-se que o transexual é reconhecido pelo ordenamento jurídico brasileiro e pode exercer seus direitos, pois a Constituição garante, através do princípio da dignidade da pessoa humana, que o mesmo tem direito a realizar o procedimento cirúrgico de adequação sexual, pois esta cirurgia é lícita, e posteriormente retificar o seu registro civil através de ação de retificação de registro civil. Palavras-chave: Bioética. Transexual. Retificação do Registro Civil. INTRODUÇÃO A presente Monografia tem como objeto o reconhecimento do transexual pelo ordenamento jurídico brasileiro. O seu objetivo institucional é produzir monografia para obtenção do título de bacharel em Direito-Universidade do Vale do Itajaí-Univali. O objetivo geral é verificar quais as possibilidades que o atual ordenamento jurídico brasileiro apresenta para o reconhecimento do transexual pelo ordenamento jurídico brasileiro, mediante um estudo doutrinário, legislativo e jurisprudencial. O objetivo específico é: a) conceituar a Bioética e seu histórico constatando sua relação com os avanços da área médica; b) abordar a sexualidade, o sexo e a identidade de gênero, direcionando o estudo para o transexualismo e a cirurgia de mudança de sexo; c) verificar as possibilidades para que ocorra o reconhecimento do transexual pelo ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto, principiar–se-á, no Capítulo 1, tratando de moral, ética, bioética, abrangendo seu conceito, histórico, princípios, divisões e sua relação com o biodireito. No Capítulo 2, tratar-se-á de sexualidade, identidade de gênero, as diferentes classificações para sexo, as diferentes condições sexuais existentes, além de um estudo direcionado ao transexualismo e a cirurgia de mudança de sexo. No Capítulo 3, destacar-se-á de responsabilidade penal do cirurgião plástico, as conseqüências morfológicas da cirurgia de redesignação sexual, projetos de lei direcionados aos transexuais, a retificação do registro civil e as lacunas da lei. O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, 16 seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre o reconhecimento do transexual pelo ordenamento jurídico brasileiro. Para a presente monografia foram levantadas as seguintes hipóteses: • 1 → A cirurgia de mudança de sexo é amparada pela comunidade médica e jurídica. • 2 → A retificação do registro civil é possível em nosso ordenamento jurídico para os transexuais que efetuaram a cirurgia de mudança de sexo. Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo16, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano17, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas, do Referente18, da Categoria19, do Conceito Operacional20 e da Pesquisa Bibliográfica21. 16 Segundo Pasold (2002, p.110) o referido método trata de “pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral”. 17 O referido método pode ser resumido em quatro preceitos que são: 1. "nunca aceitar, por verdadeira, cousa nenhuma que não conhecesse como evidente " ; 2. dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas pudessem ser e fossem exigidas para melhor compreendê-Ias"; 3. "conduzir por ordem os meus pensamentos, começando pelos objeto mais simples e mais fáceis de serem conhecidos, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo certa ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros"; 4.fazer sempre enumerações tão completas e revisões tão gerais, que ficasse certo de nada omitir" (grifo no original). In: PASOLD, César Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéiase ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 106-107. 18 "REFERENTE é a explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual. especialmente para uma pesquisa." In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 62. 19 “Categoria é a palavra ou expressão estratégica à elaboração elou expressão de uma idéia" In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 31. 20 "Conceito operacional (=cop) é uma definição para uma palavra e expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos" In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 56. 17 CAPÍTULO 1 BIOÉTICA Desde muito tempo vislumbram-se discordâncias a respeito das palavras Moral e Ética e isto se deve à própria etimologia destes termos os quais, gera confusão, visto que Ética vem do grego “ethos” que significa modo de ser, e Moral tem sua origem no latim, que vem de “mores”, significando costumes. Portanto, primeiramente, acredita-se de extrema importância diferenciar os institutos moral e ética, já que os mesmos servirão de base para este trabalho. Fundamental também para a realização desta pesquisa adentrar-se objetivando maiores esclarecimentos, na literatura pertinente á Bioética, pois nas aulas proferidas na Universidade, percebe-se que a matéria está sempre envolvida em assuntos relacionados com a medicina e o poder de intervenção dos médicos sobre o ser humano, objeto do presente estudo. Para tanto, realiza se um estudo específico neste capítulo, buscando na doutrina especializada, adequada fundamentação para melhor discernimento sobre moral, ética e bioética abrangendo histórico, conceito, divisões e princípios. 1.1 MORAL E ÉTICA A origem do vocábulo “moral”, como já mencionado, vem do latim (mos-mores) e designa os costumes, a condução da vida, as regras de comportamento. Sua etimologia reflete um sentido razoavelmente amplo, direcionado ao agir humano, aos comportamentos cotidianos e, às escolhas existenciais. Induz ao pensamento espontâneo de hábitos sociais, normas, regras de 21 Para Gil (2006, p. 44): “A pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científico”. 18 comportamento, princípios e valores. 22 Segundo López, a Moral pode ser conceituada como: O conjunto de regras de conduta consideradas válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada. Esse conjunto de normas, aceito livre e conscientemente, regula o comportamento individual e social das pessoas. 23 Deste modo, prossegue o autor, tem-se como moral o conjunto de costumes, normas e regras de conduta estabelecidas em uma sociedade e cuja obediência é imposta a seus membros, variando de cultura para cultura e se modifica com o tempo, no âmbito de uma mesma sociedade. 24 Comumente, os termos "ética" e "moral" são empregados como sinônimos, porém, entende-se que se reserva a este último apenas o próprio fato moral, enquanto o primeiro designa a reflexão filosófica sobre o mesmo. Segundo Carlim a moral se ocupa do comportamento das pessoas em sociedade, enquanto que a ética é a ciência prática de caráter filosófico, porque expõe e fundamenta princípios universais sobre a moralidade dos atos humanos. Cita Vasques, para o qual a moral é o conjunto de normas e regras designadas a regular as reações dos indivíduos numa comunidade social, sendo que a ética, é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens. Conclui Carlim ainda que a moral não é científica, mas pode ser objeto de uma ciência, que a investiga de forma sistemática, racional e objetiva; no seu entender este é o papel da ética. 25 “A moral é a face subjetiva, nela a norma é regra da ação reconhecida interiormente pelo sujeito. A ética é face objetiva, já que a norma 22 DURAND, Guy. Introdução Geral à Bioética. História, Conceitos e Instrumentos. São Paulo: Loyola, 2003. 23 LÓPEZ, M. Fundamentos da Clínica Médica: a relação paciente-médico, p. 215. 24 LÓPEZ, M. Fundamentos da Clínica Médica: a relação paciente-médico. 25 CARLIN, Volnei Ivo. Ética e Bioética: novo direito e ciências médicas. Florianópolis: Terceiro Milênio, 1998, p. 27. 19 constitui-se em princípios norteadores dos costumes do grupo social”. 26 Etimologicamente, como já se viu, Moral, significa costume, conjuntos de normas adquiridas pelo homem, ao que complementa Silva, aludindo que: Moral é a moral prática, é a prática moral. É moral vivida, são os problemas morais. É a moral reflexa. Os problemas morais, simplesmente morais são restritos, nunca se referindo à generalidade. O problema moral corresponde à singularidade do caso daquela situação, é sempre um problema prático-moral. Os problemas éticos são caracterizados pelas generalidades, são problemas teórico-éticos. 27 Castro Filho discorre sobre a moral comparando-a com a ética: A maioria dos estudiosos distingue ética de moral, argumentando que esta é originária da cultura da sociedade, da prática, e quanto aquela parte de uma reflexão filosófica (uma filosofia moral), mas só terá sentido se representar a realidade, haja vista as implicações temporárias. 28 Logo, Cohen e Segre, para distinguir moral e ética, referem-se ao conceito de Barton e Barton. Para eles, a moral é uma reflexão, sobre o que é certo e o que é errado, no campo das condutas humanas, ou seja, são valores que dão origem a normas, desde os Dez Mandamentos, até o Código Penal29. Já a ética são as normas em si, que regulam como determinada pessoa deve comportar-se, seja ela um médico, ou um advogado. 30 Concorda Chauí, para quem a moral refere-se ao comportamento normativo, em que as regras são definidas pela sociedade, e a ética refere-se ao comportamento autônomo do indivíduo capaz do desejo. Deste modo, a 26 CARLIN, Volnei Ivo. Ética e Bioética: novo direito e ciências médicas. Florianópolis: Terceiro Milênio, p. 28. 27 SILVA, Alcino Lázaro. Hérnias. São Paulo: Rocca, 2006. Temas de ética médica. Belo Horizonte: Cooperativa Editora de Cultura Médica, 1982, p. 23. 28 CASTRO FILHO, Sebastião de Oliveira. Congelamento de embriões: evolução legislativa. 2001. In: SCHAEFER, F. Procedimentos Médicos: Realizados à Distância e o Código de Defesa do Consumidor. Curitiba: Juruá, 2006. p.24. 29 BARTON, W.E, BARTON, G.M. Ethics and law in mental health administration, 1984. In: SEGRE, M. e COHEN, C. (orgs). Bioética. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1999. p.15. 30 BARTON, W.E, BARTON, G.M. Ethics and law in mental health administration, 1984. In: SEGRE, M. e COHEN, C. (orgs). Bioética. p.17. 20 moral impõe as regras do comportamento e da ação e define as sanções para a prática desviante, enquanto a ética supõe um sujeito livre, capaz de estabelecer valores por si mesmo e de respeitá-los. 31 Complementa a autora aludindo que mesmo diferentes quanto à sua origem, ética e moral aparecem imbricados em três pontos, quais sejam: primeiro, quando a prática da ética e o comportamento moral se definem pela disposição do indivíduo (ética) e da sociedade (moral) de dar fim à todo o tipo de violência, em seu sentido mais amplo; em segundo, quando ambas constituem ocampo da práxis, onde o agente da ação, a ação e a finalidade da ação são uma só e mesma coisa; e, terceiro, quando ambas operam no campo do necessário e do possível, de forma que o que será possa ser diferente do que é, pela ação humana.32 Galvão refere-se à ética, reafirmando que a mesma tem origem grega, e discorrendo que seria uma boa-conduta, uma pessoa que possui valores internos. 33 Já, Vásquez34 aponta que a Ética é teórica e reflexiva, enquanto a Moral é eminentemente prática. Uma completa a outra, havendo um inter-relacionamento entre ambas, pois na ação humana, o conhecer e o agir são indissociáveis. Segundo os ensinamentos do educador Freire, a ética é: [...] respeito aos outros, coerência, capacidade de viver e de aprender com o diferente, não permitir que o mal-estar pessoal ou a antipatia com relação ao outro o façam acusá-lo do que não fez [...].35 Portanto, trata-se de obrigações a que o sujeito deve perseverantemente se dedicar. Dito de outro modo, não há ética nas ações 31 CHAUÍ, Marilena. Ética e democracia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1994. 32 CHAUÍ, Marilena. Ética e democracia. 33 GALVÃO, Antônio Mesquita. Bioética: a ética a serviço da vida: uma abordagem multidisciplinar. Aparecida, SP: Santuário, 2004. p. 151. 34 VÁSQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. 18. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. 35 FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Saberes Necessários à Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 20. 21 sorrateiras, na promoção da desarmonia, no fomento à intriga, na maledicência, na traição. Por isso, viável se ressaltar ainda Freire quando explica que “a ética de que se fala é marca da natureza humana, algo indispensável à convivência, que lhe dá suporte quando constata, compara, avalia, valora, decide e rompe". 36 Por fim, uma das concepções que distingue, de forma sumária estes dois institutos é apresentada pelos autores Kipper; Oselka e Oliveira, os quais afirmam que enquanto a moral estabelece normas assumidas pelos seres-humanos, para garantir uma boa-convivência, a ética não faz referida função. A ética procura justificar a moral, e não estabelece normas, a ética é a norma em si, decorrente da moral. 37 Para garantir a manutenção dos padrões morais através do tempo e sua continuidade, as sociedades tendem a naturalizá-la. A naturalização da existência moral esconde o mais importante da ética: o fato de ela ser criação histórico-cultural [...]. O homem como único ente, que só pode ser enquanto realiza o seu dever-ser revela- se como ‘pessoa’ ou unidade espiritual, sendo a fonte, base de toda a axiologia e de todo o processo cultural. 38 Enfim, sendo a ética a ciência da moral, isto é, de uma esfera de comportamento humano, é mister a discussão acerca dos padrões éticos da sociedade com a finalidade de apontar caminhos para uma nova moral, ou seja, para novas regras da orientação das relações dentro de grupos sociais em constante transformação”. 39 Viável ainda a alusão de Carlin de que a sociedade antiga apresentava-se em duas classes, existiam duas morais: a dos homens livres que era efetiva, vivida e se fundamentava nas grandes doutrinas éticas dos filósofos da antigüidade e a dos escravos não conseguia desenvolver-se teoricamente. Na sociedade medieval, a moral correspondia às características econômica-sociais e espirituais. Era influenciada no conteúdo da Igreja, somente os servos não atinham 36 FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Saberes Necessários à Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 14-22. 37 KIPPER, D. J.; OSELKA, G W; OLIVEIRA, R. A. Bioética clínica. In: ANJOS, M. F. dos; SIQUEIRA, J. E. de. (Org.). Bioética no Brasil: tendências e perspectivas. Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2007, p. 117. 38 CARLIN, Volnei Ivo. Ética e Bioética: novo direito e ciências médicas. Florianópolis: Terceiro Milênio, p. 39. 39 CARLIN, Volnei Ivo. Ética e Bioética: novo direito e ciências médicas, p. 59. 22 uma formulação codificada de seus princípios e regras. A moral aristocrática se assemelhava à dos homens livres. 40 Já, com a produção industrial, o operário é visto como instrumento de produção e não como ser humano, alude o autor, porém, apesar desta transformação, a sociedade continua ainda a viver baseada na exploração do homem pelo homem, lançando mão da moral “para justificar e regular as relações de opressão e de exploração” no âmbito de determinadas políticas, o que nos faz considerar que ao longo do tempo a moral muda historicamente de acordo com as mudanças no desenvolvimento social. 41 O interesse pelos temas relativos à moral, e por conseguinte, à ética, existem há séculos, tendo sua origem no mundo grego antigo. Entretanto, o termo bioética, também denominado ética biomédica, a qual relaciona-se com temas morais originados na prática da medicina ou na atividade de pesquisas biomédicas, juntamente com a disciplina que o designa, são novos, como se poderá constatar no texto a seguir. 1.2 BIOÉTICA Antes de se definir a bioética, faz-se uma abordagem doutrinária sobre seu surgimento, ressaltando-se a importância da Bioética, cuja referência central é o ser humano, desde o nascimento até a morte. Aliás, “é sobre essas duas fases da vida que hoje a ciência está fazendo seus melhores progressos e, obviamente, colocando problemas éticos antes nunca postos”. 42 1.2.1 Histórico A bioética propicia o entendimento das relações do homem 40 CARLIN, Volnei Ivo. Ética e Bioética: novo direito e ciências médicas, p. 59-60. 41 CARLIN, Volnei Ivo. Ética e Bioética: novo direito e ciências médicas, p. 61. 42 BARCHIFONTAINE, C. P. de; PESSINI, L. (Org.). Bioética: Alguns desafios. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2001. p. 67. 23 com a vida tornando-o responsável pelas escolhas boas ou más, o que, pode-se dizer, é justamente o ponto de vista ético. Diniz afirma com base em Clotet que a bioética surgiu há cerca de trinta anos, em decorrência do grande desenvolvimento científico, da biologia molecular e da biotecnologia, e em decorrência deste desenvolvimento acelerado, começaram a haver relatos de mau-uso destes âmbitos, que eles seriam utilizados não para o benefício, e sim para o malefício, já que não havia uma definição moral e ética para sua aplicação. Ademais, a teologia e filosofia passaram a participar destas aplicações. 43 Costa, Garrafa e Oselka pontuam que foi publicada uma obra no ano de 1971, chamada de Bioethics: Bridge to the Future, pelo autor Van Rensselear Potter, que exercia a função médica de cancerologista. Os autores ainda exprimem que a obra foi publicada pois havia uma preocupação com a humanidade, os seres vivos e o meio ambiente, ou seja, da vida planetária.44 Sgreccia alega, que foi o oncólogo, Van Rensellear Potter que cunhou o termo, acrescendo que no ano de 1970, já havia sido publicado um artigo, cujo título era The Science of Survival, em que fazia menção ao termo.45 Em colocação própria, Sgreccia aduz que a bioética surge devido à uma situação alarmante, uma preocupação pela vida, devido aos avanços tecnológicos.46 Santos narra de forma semelhante aos doutrinadores anteriores, que Potter é responsável pelo surgimento da bioética, e com base no próprio Potter, destaca que a disciplina bioética une a ética e a biologia, mediante seus valores. 47 Galvão traz uma fundamentação similar, discorrendo que a bioética surge devido aos precedentes do Tribunal de Nuremberg, o conhecido tribunal que julgava os crimes de guerra realizados pelos nazistas, contra os seres-43 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 5. 44 COSTA, Sergio Ibiapina Ferreira; OSELKA, Gabriel; GARRAFA, Volnei (coords). Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998, p. 15. 45 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética, I. Fundamentos e Ética Biomédica. 2. Ed., São Paulo: Loyola,1996, p. 24. 46 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética, I. Fundamentos e Ética Biomédica, p. 24. 47 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Equilíbrio de um pêndulo: bioética e a lei: implicações médico-legais. São Paulo: Ícone, 1998. p. 38. 24 humanos. O autor indica que a preocupação teve fundamento nos avanços dos transplantes de órgãos e de outros descobrimentos científicos. 48 Kipper, Oselka e Ayer seguem a mesma linha de pensamento, relacionada ao desenvolvimento tecnológico e sua aplicação sanitária. Os autores mencionam centros estrangeiros, nos quais são realizados estudos sobre este tema, como o Kennedy Institute of Ethics e o Hastings Center nos Estados Unidos. 49 Portanto, verifica-se que o entendimento majoritário dos autores é que foi o oncólogo, ou cancerologista, Van Rensellear Potter que cunhou o tema, pois estava preocupado, alarmado, com o desenvolvimento da ciência médica, e temia o seu mau-uso, que fosse aplicado de forma indevida. Definido isso, busca- se agora um conceito para a bioética. É interessante fazer um apontamento neste sentido. No período da década de setenta, houve o surgimento das histórias em quadrinhos, as “revistinhas” nos Estados Unidos, e nesta época, existiam autores que faziam referências à experimentos do governo americano aos soldados. É o caso do personagem “Wolverine”, famoso por compor o grupo de mutantes X-Men. Pode parecer inapropriado este comentário em um trabalho acadêmico, entretanto, as pessoas manifestavam seu temor de formas diferentes. Alguns criavam doutrinas, com embasamento legal, enquanto outros transformavam a situação em entretenimento. Referente ao conceito de bioética pode-se inicialmente aludir que o mesmo está relacionado com a própria palavra, como os autores pesquisados fazem menção e são referenciados no próximo tópico. 1.2.2 Conceito O termo bioética, literalmente, significa ética da vida. O vocábulo de raiz grega bios designa o desenvolvimento observado nas ciências da 48 GALVÃO, Antônio Mesquita. Bioética: a ética a serviço da vida: uma abordagem multidisciplinar p. 55. 49 KIPPER, D. J.; OSELKA, G. W.; AYER, R. Bioética Clínica. In: ANJOS, M. F. dos; SIQUEIRA, J. E. de (orgs.) Bioética no Brasil: tendências e perspectivas. São Paulo: Idéias e Letras. p.117. 25 vida, como a ecologia, a biologia e a medicina, dentre outras. Ethos busca trazer à consideração os valores implicados nos conflitos da vida. 50 Concorda Kuramoto, discorrendo que a palavra ética tem origem grega, da palavra éthiké, e bio também vem do grego, especificamente da palavra bíos, a qual significa vida. Portanto, constata-se que é a ética da vida. 51 Galvão advoga que a melhor maneira de entender uma palavra, é buscando o significado etimológico. Assim como Kuramoto, Galvão afirma que bio e ética são palavras advindas das expressões gregas, bios e éthicos, verificando que é uma vida seguida de modo ético. 52 Segre declara de forma semelhante, que seria a parte da ética preocupada com a vida, na qual a vida seria o principal objeto de estudo, e envolvendo todos os seus aspectos, desde o nascimento, desenvolvimento, até a morte. 53 Mesmo com este conceito firmado a partir da etimologia da palavra, a maioria dos autores destaca o conceito que consta na Encyclopedia of Bioethics. Na obra de Diniz, colhem-se dois conceitos operacionais, o primeiro do ano de 1978, que descreve a bioética como “o estudo sistemático da conduta humana no campo das ciências da vida e da saúde, enquanto examinada à luz dos valores e princípios morais”. Já em 1995, passou a referir-se a ela como “estudo sistemático das dimensões morais das ciências da vida e do cuidado com a saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto multidisciplinar”. 54 Na introdução à segunda edição da Enciclopédia de Bioética encontra-se o termo bioética definido como: 50 PESSINI, L.; BARCHIFONTAINE, C.P. Problemas atuais de Bioética. 51 KURAMOTO, J. B. Bioética e Direitos Humanos. In: SIQUEIRA, J. E. de; PROTA, L.; ZANCANARO, L. (orgs.). Bioética: estudos e reflexões. Londrina: UEL, 2000. P. 28. 52 GALVÃO, Antônio Mesquita. Bioética: a ética a serviço da vida: uma abordagem multidisciplinar, p. 53. 53 SEGRE, M. Definição de Bioética e sua relação com a ética, deontologia e diceologia In: SEGRE, M. e COHEN, C. (orgs). Bioética. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1999. p.23. 54 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito, p. 10. 26 [...] o estudo sistemático das dimensões morais, incluindo a visão, a decisão, a conduta e as normas, das ciências da vida e da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto interdisciplinar. 55 Portando, constata-se que a definição de bioética envolve um processo de confronto entre os fatos biológicos e os valores humanos na tomada de decisões envolvendo os problemas práticos em diferentes áreas da vida, como na assistência médico-sanitária: [...] cobra todo su sentido la definición de la bioética como el proceso de contrastación de los hechos biológicos con los valores humanos, a fin de globalizar los juicios sobre las situaciones y de esa forma mejorar la toma decisiones, incrementando su corrección y su calidad. Una área particular de la bioética sería la bioética sanitaria o bioética clínica, que en consecuencia se podría definir como la inclusión de los valores en la toma de decisiones sanitarias, a fin de aumentar su corrección y su calidad56. Como toda forma de instrumento ético, são necessários princípios para a sua utilização. Para tanto, adiante serão abordados os princípios bioéticos e o seu surgimento. 1.2.3 Princípios Bioéticos A bioética surgiu com Potter, mas quem é responsável pelo seu polimento são Childress e Beauchamps. Sgreccia afirma que T.L. Beauchamps e J.F. Childress publicaram uma obra chamada de Principles of Biomedical Ethics. Nesta obra são citados princípios a serem seguidos para a boa aplicação da bioética, para suprir a preocupação que Potter mencionou. 57 No mesmo entendimento, Santos pontua que os filósofos Tom L. Beauchamps e James F. Childress, na obra Princípios da Ética Biomédica, 55 REICH, W.T. (org.). Bioethics Enciclopedya. 1995. In: PESSINI, L.; BARCHIFONTAINE, C.P. Problemas atuais de Bioética. 6. ed. São Paulo: Loyola; 2002. [s.p.]. 56 GRACIA D. Bioética clínica. Santa Fé de Bogotá: El Buho; 1998, p. 30. 57 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética, I. Fundamentos e Ética Biomédica, p. 166. 27 determinaram quatro princípios, Beneficência, Não-Maleficência, Autonomia e Justiça.58 Kipper, Oselka e Ayer, narram que os filósofos citados acima estabeleceram métodos para análise dos problemas que surgiam.59 Clotet e Kipper complementam o estudo, argumentando que os princípios também vieram para que houvesse harmonia na solução dos conflitos, como, por exemplo, no caso de doação de órgãos e laqueadura de trompas. 60 Verifica-se, portanto, que a bioética é principialista, uma ética de princípios, como exprime Kuramoto. 61 Constatado isto, os referidos princípios passam a ser estudados. 1.2.3.1 Princípio da Beneficência Kuramoto trata do princípio da beneficência, alegando que a expressão tem origem latina, da palavrabonum facere, ou fazer o bem, no caso em tela, ao paciente. Este princípio faz referência ao juramento hipocrático dos médicos, de tratar bem os pacientes, os fazendo o bem. 62 Clotet e Kipper seguem a mesma linha de pensamento ao definir o princípio da beneficência, argumentando que o médico deve ser benevolente quanto ao paciente. 63 Os autores ainda complementam seu ponto de vista, fazendo referência ao Relatório Belmont, na qual o princípio da beneficência é visto de duas maneiras: a princípio de não lesionar, e por fim, trazer o maior número 58 SANTOS, M. C. C. L. O equilíbrio de um pêndulo: bioética e a lei: implicações médico-legais, p.42. 59 KIPPER, D. J.; OSELKA, G. W.; AYER, R. Bioética Clínica. In: ANJOS, M. F. dos; SIQUEIRA, J. E. de (orgs.) Bioética no Brasil: tendências e perspectivas, p. 118. 60 CLOTET, J.; KIPPER, D. J. Princípios da beneficência e maleficência. In: COSTA, S. I., OSELKA, G.; GARRAFA, V. (coords.). Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho federal de Medicina, 1998, p. 41. 61 KURAMOTO, J. B. Bioética e Direitos Humanos. In: SIQUEIRA, J. E. de; PROTA, L.; ZANCANARO, L. (orgs.). Bioética: estudos e reflexões, p. 28. 62 KURAMOTO, J. B. Bioética e Direitos Humanos. In: SIQUEIRA, J. E. de; PROTA, L.; ZANCANARO, L. (orgs.). Bioética: estudos e reflexões, p. 31. 63 CLOTET, J.; KIPPER, D. J. Princípios da beneficência e maleficência. In: COSTA, S. I., OSELKA, G.; GARRAFA, V. (coords.). Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho federal de Medicina, p.42. 28 de benefícios possíveis.64 Sgreccia refere-se ao princípio da beneficência chamando-o de princípio do benefício. No mesmo viés que os autores citados, fala da origem do princípio no juramento hipocrático, da palavra ser originada do latim. Todavia, traz ainda uma nomeação diversa ao princípio, ao chamado de “princípio de não malefício”, percebendo-se que o autor não faz distinção entre os princípios da beneficência e não-maleficência. Ademais, esclarece que o referido princípio está relacionado com um tratamento benevolente ao paciente. 65 Kipper, Oselka e Ayer argumentam, assim como Clotet e Kipper, que o princípio da beneficência envolve duas ações, fazer o bem e prevenir o mal, pois é decorrente de uma obrigação moral com o paciente de beneficiá-lo. 66 Constata-se que o conceito e aplicação do referido princípio tem descrição similar, senão idêntica, entre os autores mencionados, o qual seria fazer o bem. 1.2.3.2 Princípio da Não-Maleficência Kuramoto argumenta que o princípio da não-maleficência seria também decorrente do juramento hipocrático, de ajudar, ou ao menos não agravar a situação. A palavra tem origem no latim, de primun non nocere, não fazer o mal, não lesionar. 67 Clotet e Kipper ao esclarecerem o princípio da não- maleficência, também mencionam o juramento hipocrático, e reafirmam que a palavra em origem no vocábulo latino primum non nocere. Sustentam ainda que o 64 COSTA CLOTET, J.; KIPPER, D. J. Princípios da beneficência e maleficência. In: COSTA, S. I., OSELKA, G.; GARRAFA, V. (coords.). Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho federal de Medicina, 1998, p. 45. 65 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética, I. Fundamentos e Ética Biomédica,1996, p. 167. 66 KIPPER, D. J.; OSELKA, G. W.; AYER, R. Bioética Clínica. In: ANJOS, M. F. dos; SIQUEIRA, J. E. de (orgs.) Bioética no Brasil: tendências e perspectivas. São Paulo: Idéias e Letras.P. 120. 67 KURAMOTO, J. B. Bioética e Direitos Humanos. In: SIQUEIRA, J. E. de; PROTA, L.; ZANCANARO, L. (orgs.). Bioética: estudos e reflexões. Londrina: UEL, 2000.P. 31. 29 referido princípio envolve uma abstenção, uma inação por parte do profissional. 68 Kipper, Oselka e Ayer advogam que o princípio da não- maleficência obriga o médico a não lesionar o paciente, e ainda pontua que, especialmente na medicina, os riscos de causar danos ao paciente são grandes, por negligência. 69 Verifica-se que os autores, assim como no princípio anterior, possuem entendimento uniforme quanto a este. Entretanto, existem relatos que, desde que o juramento hipocrático foi adotado pela comunidade médica, há aqueles que não o respeitam, por inúmeras razões. Entre elas, está o fato de acreditarem que, o sacrifício de uma pessoa, para salvar outras, pode ser justificado, desrespeitando o juramento e os princípios evidenciados. O tema foi abordado no filme alemão “Anatomia”, em que uma estudante de medicina depara-se com membros da Sociedade Anti-Hipocrática, a qual realiza experimentos em seres- humanos para estudá-los. 1.2.3.3 Princípio da Autonomia A palavra autonomia tem aplicação abrangente, já que é empregada tanto no ordenamento jurídico, quanto na bioética, como princípio. No espaço jurídico, Kretz faz a seguinte colocação: A autonomia da vontade, como princípio no ordenamento jurídico, toma contornos diversos. Vários autores têm se posicionado pelo uso da terminologia “autonomia privada”, uma vez que esse princípio se encontra intimamente ligado à idéia de relação jurídica, negócio jurídico e direito contratual. Essa questão de divergência, quanto à nomenclatura, se deve a si próprio posicionamento adotado pelos doutrinadores, isto é, quem prefere a expressão “autonomia da vontade”, defendem a Teoria da Vontade.70 Já Kuramoto ao se referir ao princípio da autonomia no âmbito 68 CLOTET, J.; KIPPER, D. J. Princípios da beneficência e maleficência. In: COSTA, S. I.; OSELKA, G.; GARRAFA, V. (coords.). Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho federal de Medicina, p.47. 69 KIPPER, D. J.; OSELKA, G. W.; AYER, R. Bioética Clínica. In: ANJOS, M. F. dos; SIQUEIRA, J. E. de (orgs.) Bioética no Brasil: tendências e perspectivas, p. 119. 70 KRETZ, A. Autonomia da Vontade e Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais. Florianópolis: Momento Atual, 2005, p. 5 e 6. 30 da bioética, pontua que a palavra tem origem grega, de autos e nomos, eu e lei, contatando-se que trata da vontade da pessoa de criar seu próprio código de conduta, de ser seu próprio governo, e fazer suas próprias escolhas, atuar da forma que entender melhor. 71 Muñoz e Fortez, da mesma maneira de Kuramoto, referem-se ao princípio da autonomia aludindo à sua origem dos vocábulos gregos autos e nomos, uma lei própria. Neste sentido, argumentam que, quando há apenas uma linha a ser seguida, não há autonomia, pois a pessoa não tem opção de exercício do princípio. 72 Sgreccia discorre que o referido princípio trata da consolidação das prerrogativas das pessoas, de escolherem, de se auto-determinar. O doutrinador faz menção à relação entre o médico e o paciente, no sentido que o médico deve indicar o melhor tratamento para curar a moléstia que atinge seu paciente, mas cabe somente ao paciente aceitar ou não o tratamento. Há, entretanto, exceções, nos casos de tratamento psiquiátricos, em que é necessária intervenção pelo bem do paciente, mas, estando ele em função de suas faculdades mentais, deve optar o caminho a percorrer. 73 Kipper, Oselka e Ayer pontuam que o princípio da autonomia está relacionado com a capacidade da pessoa identificar o que lhe trará maior benefício. Neste sentido, assim como Sgreccia, fazem uma observação, que a pessoa deve racionalizar o seu problema, para poder tomar a melhor decisão, além de ter alternativas para escolher entre as mesmas. 74 Atualmente, constata-se que muitas pessoas recusam-se a tratar-se das moléstias que as atacam, seja um câncer, ou até um quadro de diabetes. Nestes casos, o princípio da autonomia da pessoa evidencia-se. 71 KURAMOTO,J. B. Bioética e Direitos Humanos. In: SIQUEIRA, J. E. de; PROTA, L.; ZANCANARO, L. (orgs.). Bioética: estudos e reflexões. p. 31. 72 MUNÕZ, D. R.; FORTES, P. A. C. O princípio da autoomia e o consentimento livre e esclarecido. In: COSTA, S. I., OSELKA, G.; GARRAFA, V. (coords.). Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho federal de Medicina, 1998, p.57. 73 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética, I. Fundamentos e Ética Biomédica, p. 167. 74 KIPPER, D. J.; OSELKA, G. W.; AYER, R. Bioética Clínica. In: ANJOS, M. F. dos; SIQUEIRA, J. E. de (orgs.) Bioética no Brasil: tendências e perspectivas, p. 120. 31 1.2.3.4 Princípio da Justiça Assim como o vocábulo autonomia, a palavra justiça tem significação ampla, sendo que se registram manifestações de filósofos como Aristóteles quanto ao tema. Na filosofia Aristotélica a Justiça é elencada como a virtude principal. Aristóteles desdobra a justiça particular em dois tipos: a distributiva e a corretiva. A justiça distributiva é exercida pelo legislador, ou seja, na distribuição da honra, riqueza e demais bens da comunidade. Já a justiça corretiva é exercida pelo juiz ao aplicar punições aos delinqüentes quando da solução de litígios. O desenvolvimento de seu pensamento filosófico encontra fundamento na idéia de igualdade proporcional, uma vez que não existe igualdade nem na natureza e nem entre os homens. 75 No âmbito da bioética, Kuramoto discorre sobre o princípio da justiça, destacando que, quando se trata de distribuir os recursos sanitários, isto deve ser feito de forma justa e imparcial. 76 Sgreccia esclarece que o princípio da justiça está agregado à distribuição de tratamento de forma igual pelo Estado, ou seja, todos possuem os mesmos direitos, e por isto, devem ser tratados de forma igual. 77 Santos argumenta que o princípio da justiça obriga ao Estado a distribuir de forma justa os serviços médicos, ou da área da saúde. Mesmo que as pessoas sejam diferentes, devem ser tratadas de forma igual. 78 Kipper, Oselka e Ayer descrevem o princípio, como a maioria dos autores, de forma a tratar as pessoas de forma igual, e faz uma importante colocação. Em decorrência da dificuldade de todos terem acesso à saúde de forma uniforme, surge, por isso um conflito sobre a distribuição, à população, de 75 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Nova Cultural, 1996. (Coleção os Pensadores). 76 KURAMOTO, J. B. Bioética e Direitos Humanos. In: SIQUEIRA, J. E. de; PROTA, L.; ZANCANARO, L. (orgs.). Bioética: estudos e reflexões, p. 32. 77 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética, I. Fundamentos e Ética Biomédica,1996, p. 167. 78 SANTOS, M. C. C. L. O equilíbrio de um pêndulo: bioética e a lei: implicações médico-legais, p. 45. 32 assistência médica. 79 Basta ler um jornal, ou assistir algum noticiário para verificar que o sistema de saúde brasileiro ainda é precário e as pessoas custam a ter acesso ao mesmo. Mesmo sendo uma prerrogativa constitucional, nem sempre há cumprimento da mesma. 1.2.4 Divisão da Bioética A bioética pode ser dividida quanto aos seus campos de atuação ou a situação de aplicação. Sgreccia narra que a bioética é dividida em três categorias: geral, especial e clínica. A bioética geral está relacionada basicamente com a legislação, no sentido de delimitação. A bioética especial preocupa-se com as “novidades” na medicina, dentre elas, a engenharia genética e a experimentação clínica. Por fim, a bioética clínica, ou de decisão, agrega as situação médicas práticas, e decide quais caminhos, ou neste caso, princípios a adotar, uma forma de utilização de critérios. 80 Já Garrafa divide a bioética conforme sua situação, sendo ela emergente ou persistente. A bioética de situação emergente é similar com a bioética especial definida por Sgreccia, pois aborda o desenvolvimento desenfreado da área médica, como a clonagem e o projeto genoma humano. Já a bioética de situação persistente aborda a situação das pessoas que não conseguem ter acesso aos recursos médicos de forma igualitária. 81 79 KIPPER, D. J.; OSELKA, G. W.; AYER, R. Bioética Clínica. In: ANJOS, M. F. dos; SIQUEIRA, J. E. de (orgs.) Bioética no Brasil: tendências e perspectivas, p. 122. 80 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética, I. Fundamentos e Ética Biomédica, p. 46. 81 GARRAFA, V. Bioética e ciência: até onde avançar sem agredir. In: COSTA, S. I., OSELKA, G.; GARRAFA, V. (coords.). Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho federal de Medicina, 1998, p. 100. 33 1.3 RELAÇÃO DIREITO E BIOÉTICA Até o presente momento, verifica-se que a bioética é a ética da vida, ou seja, o conjunto de regras para todos os seres que habitam nosso planeta viverem em harmonia. Neste sentido, para o fechamento do presente capítulo, é importante identificar como a bioética interage com o Direito. A bioética em seu sentido estrito ou seja, a ética relacionada com as novas conquistas biotecnológicas, abrangente, estão, de questões como manipulação genética, reprodução assistida, transexualidade, manutenção da vida artificial, eutanásia [...] somente o limitado âmbito de problemas delas decorrentes já é o suficiente para impor ao direito uma modificação substancial. 82 Galvão sustenta que por muito tempo, o médico era visto como um semi-Deus, pois era uma pessoa que trazia segurança às pessoas, principalmente em momentos ruins, em que alguém se encontrava doente, precisando de assistência. Nesta época, existiam poucos médicos e poucas faculdades de medicina. Com o decorrer do tempo, o aumento de faculdades de medicinas e o fato de as pessoas buscarem conhecimento específico e geral mediante a educação, os pacientes e seus familiares começaram a questionar as condutas médicas, alternando entre profissionais. 83 No mesmo sentido, Sgreccia faz alusão à teologia, afirmando que o médico era tido como “servidor dos sofredores”, sendo o “Christus servus”, e o paciente sendo o “Christus patiens”. Nesta colocação, o médico é o servo de Cristo, cuidando dos pacientes, estando obrigado a cuidar dos doentes. 84 Galvão ainda sustenta que, especificamente na década de oitenta, tornaram-se públicas denúncias, feitas pela bioética, contra médicos por mau-exercício da sua profissão. Neste viés, surge o biodireito, que busca a aplicação do direito mediante a utilização da bioética. O autor aduz que o biodireito está inserido na bioética, e que existem operadores do direito dedicados a este campo, tendo em vista o número de denúncias contra médicos e profissionais da 82 CARLIN, Volnei Ivo. Ética e Bioética: novo direito e ciências médicas, p. 98. 83 GALVÃO, Antônio Mesquita. Bioética: a ética a serviço da vida: uma abordagem multidisciplinar, p. 156. 84 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética, I. Fundamentos e Ética Biomédica, p. 39. 34 área da saúde.85 Coan no mesmo sentido que Galvão, acresce que o biodireito é uma disciplina que envolve direitos da quarta geração, que estão evidenciados pelo acelerado desenvolvimento da biomedicina. O autor ainda afirma que é um campo polêmico, pois aborda a responsabilidade do profissional da saúde. 86 Para encerrar este capítulo, a contribuição de Carlin, o qual complementa que um dos objetivos do político-jurídico é preencher a lacuna legislativa existente, buscando uma norma melhor em busca de uma sociedade melhor, onde todos possam ter direito a uma vida digna e utilizar-se dos avanços médico-científicos que lhes são ofertados diariamente. Na realidade, a consciência jurídica é um fenômeno em constante evolução, sendo que o papel reservado a este direito deverá ser, sem dúvida realizador dos valoressociais, mas a partir de um interagir dialético com a Bioética. 87 E, alude ainda o autor que a reflexão bioética enquanto reconhecimento do valor ético da vida humana, assume impressionante atualidade em virtude dos avanços das ciências biomédicas, o que significa dizer que a reflexão bioética, com seu anunciado compromisso democrático, nada mais é do que lidimo resultado da incorporação social dos direitos humanos de terceiras e quartas gerações. Com efeito a reflexão bioética é decorrência da crise de confiança cega na ciência, como se tudo o que se faz em seu nome necessariamente se resolve em vantagem para o homem. A ética é a ordenação destinada a conduzir o homem de acordo com uma hierarquia de bens, uma tábua de valores, um sistema axiológico de referência. “É a ordenação ideal para a atividade livre do ser humano. 88 Portanto, constata-se que a bioética terá cumprimento mediante o biodireito, sendo que os dois estão estritamente interligados. A bioética 85 GALVÃO, Antônio Mesquita. Bioética: a ética a serviço da vida: uma abordagem multidisciplinar, p. 157 . 86 COAN, E. I. Biomedicina e biodireito: desafios bioéticos: traços semióticos para uma hermenêutica constitucional fundamentada nos princípios da dignidade da pessoa humana e da inviolabilidade do direito à vida. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Biodireito: ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p.247. 87 CARLIN, Volnei Ivo. Ética e Bioética: novo direito e ciências médicas, p. 113. 88 CARLIN, Volnei Ivo. Ética e Bioética: novo direito e ciências médicas, p. 119-123. 35 apresenta princípios e a preocupação com a vida, e o biodireito serve para auxiliar a bioética, pois é o campo jurídico de discussão dos problemas bioéticos. Neste viés, no capítulo seguinte são abordados os tipos de sexo, identidade sexual, condições sexuais, além de direcionar o estudo ao transexualismo, objeto principal deste trabalho. 36 CAPÍTULO 2 SEXUALIDADE, IDENTIDADE DE GÊNERO E SEXO De maneira tradicional, a relação entre sexualidade, identidade e sexo, constituintes da identidade, tem sido considerada em uma seqüência lógica onde a um sexo físico-biológico correspondem um determinado comportamento de gênero e uma maneira específica de vivência da sexualidade. Ou, conforme salienta Louro (2004): “A coerência e a continuidade supostas entre sexo-gênero- sexualidade servem para sustentar a normatização da vida dos indivíduos e das sociedades.”89 2.1 A SEXUALIDADE SOB DIFERENTES OLHARES Na era vitoriana90 a sexualidade era abordada como prática legítima na família conjugal, mais exatamente no quarto dos pais, com a única função da reprodução. Não era concebida como tema de discursos e, de acordo com Giddens (1993), a sexualidade foi censurada e não foi um segredo aberto, representado, analisado ou avaliado junto à população. De acordo com Foucault, a sexualidade passou a ser enquadrada numa nova ordem discursiva, a partir da sua institucionalização, por meio dos diferentes mecanismos sociais91. O autor, contribui, retratando bem o comportamento sexual da época: Um rápido crepúsculo se teria seguido à luz meridiana, até as noites monótonas da burguesia vitoriana. A sexualidade é, então, 89 LOURO, G. L. Um corpo estranho: Ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004, p. 78. 90 O período entre os anos de 1837 e 1901 na Grã-Bretanhã, referente ao reinado da rainha Vitória, ficou conhecido como Era Vitoriana, uma época de grande avanço econômico e consolidação do Império colonial britânico. (FLORES; VASCONCELOS, 2000). 91 FOUCAULT, M. A história da sexualidade. 1993. 37 cuidadosamente encerrada. Muda-se para dentro de casa. A família conjugal a confisca. E absorve-a, inteiramente, na sociedade da função de reproduzir. Em torno do sexo, se cala. O casal, legítimo e procriador, dita a lei [...]. E se o estéril insiste, e se mostra demasiadamente, vira anormal: receberá este status e deverá pagar as sanções92. Atualmente, a sexualidade ultrapassou a intimidade do quarto e ganhou as ruas, os outdoors e as bancas de jornal. Faz parte do cotidiano das pessoas e é consumida no decorrer das horas, no rádio do carro, na televisão das casas, na Internet, nos jornais e nas revistas. Tornou-se um grande espetáculo para ser visto e consumido, tendo a mídia como sua grande difusora. Esta veicula simultaneamente campanhas educativas e imagens eróticas, reunindo um conjunto de informações que ambiguamente atende a transformações socioculturais e aprofunda estereótipos. A mídia veicula, ainda, corpos esculturais, padrões de relacionamento e de beleza e fórmulas de prazer e de felicidade, transformando pessoas e sentimentos em mercadorias, em resposta ao mercado publicitário. Sendo assim, frente a tanta publicidade, a sexualidade continua representando um desafio, questionamentos e debates entre autores em termos de forma e conteúdo, visualizando a promoção da saúde reprodutora dos indivíduos. No entanto, pode-se afirmar que em nossa sociedade o tema sexualidade persiste envolto em mistérios e tabus, pois, “Os conceitos atuais sobre sexualidade ainda guardam consigo a essência de gerações anteriores, carregados de mitos e crenças”93. O que representa um verdadeiro atraso, frente a um tema tão relevante, carente de clara discussão entre adultos e, principalmente entre os adolescentes. Teoricamente, a sexualidade assim como se conhece, inicia-se juntamente à puberdade ou adolescência, o que deve ocorrer por volta dos 12 anos de idade (Art. 2º - Estatuto da Criança e do Adolescente). Entretanto, em prática, sabe-se que não se configura exatamente desta forma. 92 FOUCAULT, M. A história da sexualidade, p. 9. 93 JESUS, M.C.P. de. Educação Sexual e compreensão da sexualidade na perspectiva da enfermagem. In: RAMOS, F.R.S., et al. Projeto adolescer: um encontro de enfermagem com o adolescente brasileiro. Brasília: ABEn, 2000, p.47. 38 Para a maioria das pessoas, falar de sexualidade remete imediatamente ao ato sexual e à reprodução. Mas a sexualidade é muito mais abrangente. Pode ser definida como uma forma de expressão dos afetos, uma maneira de cada indivíduo se descobrir e descobrir os outros. A sexualidade engloba a identidade sexual (masculina e feminina); os afetos e a auto-estima; as alterações físicas e psicológicas ao longo da vida; o conhecimento anatômico e fisiológico do homem e da mulher; a higiene sexual; a gravidez, a maternidade e a paternidade; métodos anticoncepcionais; doenças sexualmente transmissíveis; os transtornos sexuais, entre outros. Declara Gherpelli que quando se fala de sexualidade, pressupõe-se falar de intimidade, uma vez que ela está estreitamente ligada às relações afetivas. A sexualidade é um atributo de qualquer ser humano. Mas para ser compreendida, não se pode separá-la do indivíduo como um todo. Ela é parte integrante e intercomunicante de uma pessoa consigo mesma e para com as outras. Portanto, é muito mais do que simplesmente ter um corpo desenvolvido ou em desenvolvimento, apto para procriar e apresentar desejos sexuais. 94 Trata-se, também, de uma forma peculiar que cada indivíduo desenvolve e estabelece, para viver suas relações pessoais e interpessoais a partir de seu papel sexual. Daí pode-se afirmar que a sexualidade é um instrumento relacional importante, embora não seja o único. E, ainda afirma a autora que a sexualidade não é um fato isolado, mas é moldada e expressa concretamente nas relações que o sujeito estabelece, desde a mais tenra idade,consigo mesmo e com os outros. 95 Assim, de acordo com o conceito contemporâneo, a sexualidade é uma experiência individual regida por diferentes desejos e condutas que a tornam um processo absolutamente pessoal e natural. A forma como cada indivíduo se percebe como um ser sexual é intrínseca à sua natureza e não pode ser 94 GHERPELLI, Maria Helena Brandão Vilela. A Educação Preventiva em Sexualidade na Adolescência. Série Idéias n. 29, São Paulo: FDE, 1996. Disponível em: <http://www. crm ariocovas.sp.gov.br/eds_a.php?t=002>. Acesso em: 4.maio de 2009. 95 GHERPELLI, Maria Helena Brandão Vilela. A Educação Preventiva em Sexualidade na Adolescência. 39 modificada por fatores externos como a moral, a religião e a imposição de papéis sexuais, sem que isto resulte em grande sofrimento e angústia. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), a sexualidade representa “[...] um aspecto central do bem estar humano, do começo ao fim da vida, envolvendo sexo, identidade de gênero, orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução.” 96 Vitiello define a sexualidade como: A sexualidade, entendida a partir de um enfoque amplo e abrangente, manifesta-se em todas as fases da vida de um ser humano, tendo na genitalidade (coito) apenas um de seus aspectos, talvez nem mesmo o mais importante. A sexualidade permeia todas as manifestações humanas. 97 Em suma, como se afirmou inicialmente, nos últimos anos tem- se falado muito no assunto. Criaram-se diversas teorias, realizaram-se vários estudos, e o tema conquistou um espaço fantástico nos jornais e revistas. No entanto, toda esta publicidade ocasiona, muitas vezes, uma idealização da vida sexual, dando a falsa impressão de que existe uma fórmula única de viver plenamente a sexualidade, um padrão sexual, um modelo estruturado ao qual todos os indivíduos devem se adaptar. E, desse modo, inverte-se o ritmo natural das coisas. Porém, conforme Gherpelli, seja qual for a sua visão íntima sobre o assunto, é interessante que se possa manter uma relação de compreensão e aceitação de sua própria sexualidade. O esclarecimento de dúvidas e a capacidade de se sentir a vontade com seus desejos e sensações, colabora imensamente ao amadurecimento desta, o que gera sensação de conforto e evita conflitos internos provenientes de dúvidas e medos, gerando uma experiência positiva e saudável. E, ainda complementa a autora declarando que a sexualidade existe para servir ao indivíduo e não o contrário, o indivíduo para viver a serviço da sexualidade. Até parece que ela é o seu objetivo de vida e não uma conseqüência 96 LIMA, Junia Dias de. O Despertar da Sexualidade na adolescência. In: PEREIRA, José Leopídio; et al. (org.). Sexualidade na adolescência no novo milênio, p.15. 97 LIMA, Junia Dias de. O Despertar da Sexualidade na adolescência. In: PEREIRA, José Leopídio; et al. (org.). Sexualidade na adolescência no novo milênio, p.15. 40 natural de seu desenvolvimento como ser humano. 98 Cano, Ferriani e Gomes, afirmam que a sexualidade é um dos importantes aspectos da adolescência, enfatizando que é nessa fase da vida do ser humano que a identidade sexual está se formando99, sobre a qual se disserta a seguir. 2.2 IDENTIDADE DE GÊNERO OU SEXUAL Tem-se a noção de gênero o entendimento de relações estabelecidas a partir da percepção social das diferenças biológicas entre os sexos100, sendo essa percepção, por sua vez, fundada em esquemas classificatórios que opõem masculino/feminino, sendo esta oposição homóloga e relacionada a outras: forte/fraco; grande/pequeno; acima/abaixo; dominante/dominado. 101 Prossegue o autor complementando que essas oposições são hierarquizadas, cabendo ao pólo masculino e seus homólogos a primazia do que é valorizado como positivo, superior. Essas oposições/hierarquizações são arbitrárias e historicamente construídas. Assim, [...] a divisão entre os sexos parece estar na ordem das coisas [...] ela está presente, ao mesmo tempo, em estado objetivado [...] em todo o mundo social, e em estado incorporado, nos corpos e nos habitus dos agentes, funcionando como sistemas de esquemas de percepção, de pensamento e de ação. 102 Silva discorre sobre a identidade de gênero ou sexual afirmando que a mesma não tem necessariamente ligação com o sexo gonádico, ou 98 GHERPELLI, Maria Helena Brandão Vilela. A Educação Preventiva em Sexualidade na Adolescência. Série Idéias n. 29, São Paulo: FDE, 1996. Disponível em: <http://www. crm ariocovas.sp.gov.br/eds_a.php?t=002>. Acesso em: 4.maio de 2009. 99 CANO, Maria Aparecida Tedeschi; FERRIANI, Maria das Graças Carvalho; GOMES, Romeu. Sexualidade na adolescência: um estudo bibliográfico. Revista Latino-Am. Enfermagem, v. 8, n. 2. Ribeirão Preto, abr. 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104- 11692000000600019&script=sci_arttext&tlng= pt >. Acesso em: jun./2009. 100 SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v.20, n.2, p. 71-99, jul./dez. 1995. 101 BOURDIEU, P. A dominação masculina. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1999. 102 BOURDIEU, P. A dominação masculina. 1999. p. 17. 41 endócrino, ou até mesmo morfológico. A autora exprime que a identidade de gênero, ou sexual, possui elementos conscientes ou inconscientes, ou seja, influência psicológica, além de ser interligada com as características físicas da pessoa. Verifica-se que a identidade de gênero será compreendida por fatores internos e externos. 103 Peres continua esta linha de pensamento, sustentando que a identidade de gênero será responsável em identificar a pessoa em homem ou mulher, pois a própria sociedade tem necessidade de rotular as pessoas, seus atos e suas funções. Desta forma, o que não se enquadra neste conjunto será excluído, porque não é bem visto. 104 Erikson pontua que isto é importante para a sociedade, pois assim haverá a manutenção da ordem, já que cada um saberá o seu papel social, não havendo uma confusão. O autor ainda destaca que os questionamentos quando à identidade de gênero ocorre durante a puberdade, pois é durante esta fase de formação intelectual que a pessoa adquire um comportamento próprio, que pode ser alterado, mas que é necessário, pois não encontrar ou adquirir um papel, será causador de angústia à pessoa. 105 Todavia, verifica-se atualmente que estas identificações de gênero não são necessariamente confiáveis, pois a sociedade é um ente mutável, e os papéis das pessoas mudam, pois aquilo que é visto como feminino e masculino não quer dizer que seja necessariamente ligado ao sexo da pessoa. Vemos atualmente que, com o movimento feminista, os papéis femininos mudaram, todavia, o seu sexo continua o mesmo, da mesma forma que os papéis masculinos mudaram. Por exemplo, se vê que as mulheres exercem papéis antes vistos como masculinos, de chefia de empresas ou de lares, papel anteriormente ocupado por homens, enquanto as mulheres eram objeto de domínio masculino. Na 103 SILVA, M. de C. A. Identidade de gênero e expressão sexual masculina e feminina. Scientia Sexualis – Revista do Mestrado em Sexologia da Universidade Gamão Filho, Rio de Janeiro, v.3, n. 2, p. 80, dez 1997. 104 PERES, A. P. A. B. Transexualismo, o direito a uma nova identidade sexual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.91 105 ERIKSON, E. H. Identidade Juventude e Crise. 2. ed. Tradução por Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987, p. 186. 42 mesma linha, percebe-se que alguns homens sentem-se ameaçados por esta mudança,
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