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Cadeia Respiratoria IV

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Fosforilação oxidativa; Rui Fontes 
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Fosforilação oxidativa 
1- A maior parte do ATP formado durante a oxidação dos nutrientes ocorre nas mitocôndrias 
que contém duas membranas: uma externa e outra interna. A membrana externa, porque 
contém uma proteína denominada porina, permite a passagem livre e inespecífica de 
moléculas com massa molecular relativamente elevada (5 kDa). Este facto permite 
compreender que o espaço intermembranar seja, funcionalmente, considerado como 
pertencendo ao citosol. A membrana interna é mais selectiva e o transporte de muitas 
substâncias (como por exemplo o piruvato, os protões e o citrato) depende da presença de 
transportadores específicos. 
2- A oxidação do piruvato (desidrogénase do piruvato), dos ácidos gordos (oxidação em β), da 
acetil-CoA (ciclo de Krebs) e de muitos outros compostos dá-se à custa da redução do 
NAD+ ou do FAD (a NADH e FADH2) e ocorre na matriz mitocondrial ou na face interna da 
mitocôndria. As concentrações do NAD+ e do FAD são muito baixas e na ausência de 
regeneração rápida das suas formas oxidadas a oxidação dos nutrientes seria interrompida. A 
cadeia respiratória é formada por uma série de oxiredútases organizadas em complexos 
proteicos na membrana interna da mitocôndria e possibilita a regeneração do NAD+ e do 
FAD. Esses complexos catalisam, no seu conjunto, a oxidação do NADH a NAD+ e do 
FADH2 a FAD pelo O2 que se reduz a H2O. 
3- O potencial de oxiredução padrão de um determinado par oxidante/redutor é uma medida 
da estabilidade termodinâmica relativa das duas formas oxidada/reduzida: quanto maior 
o seu valor maior a estabilidade da forma reduzida relativamente à forma oxidada desse par. 
O seu valor, é em muitos casos, conhecido e pode ser obtido consultando tabelas. Dentre os 
compostos envolvidos na cadeia respiratória merecem especial destaque o O2 e o NADH. O 
valor positivo e elevado do potencial redox padrão do par O2/H2O (Eº’ = +0,815) 
significa que o O2 é um potente oxidante e tem tendência a aceitar electrões de outros 
compostos reduzindo-se a H2O. No outro extremo da escala está o par NAD+/NADH cujo 
baixo (muito negativo; Eº’ = -0,315) potencial redox padrão significa que o NADH tem uma 
grande tendência a ceder electrões oxidando-se a NAD+. O valor da diferença entre o 
potencial de oxiredução padrão do par O2/H2O e o do par NAD+/NADH é de +1,13 V o que 
permite calcular a Keq (Keq = e(nF∆Eº’/RT)) para a reacção ½ O2 + NADH → NAD+ + H2O 
como sendo de cerca de 1,7 X 1038 At-1/2. Este dado permite compreender que o processo de 
oxidação do NADH pelo O2 tem tendência a ocorrer até ao esgotamento do reagente limitante. 
A velocidade a que o processo ocorre depende de catalisadores: os complexos proteicos I, III 
e IV da cadeia respiratória. 
4- Catalisadas pelos complexos da cadeia respiratória ocorrem na membrana mitocondrial 
interna uma série de reacções de oxi-redução através das quais o oxigénio oxida o NADH. 
Estes complexos são formados por muitas subunidades proteicas, têm massas moleculares 
elevadas, têm mobilidade lateral e atravessam a membrana interna da mitocôndria no plano 
transversal mantendo uma orientação fixa nesse plano. Estes catalisadores não são apenas 
enzimas pois também catalisam o transporte de protões da matriz da mitocôndria para o 
citosol. Os dois processos (oxidação e transporte direccional de protões) são indissociáveis: os 
complexos I, III e IV são bombas que fazem a acoplagem de processos de oxidação 
específicos (processo exergónico) com o transporte de protões da matriz da mitocôndria 
para o espaço intermembranar (contra-gradiente electroquímico; processo 
endergónico). 
5- O complexo I (que também pode ser designado como a desidrogénase do NADH ou como 
oxiredútase do NADH:ubiquinona e que contém como grupos prostéticos FMN e complexos 
ferro-enxofre) catalisa a transferência de dois electrões do NADH para a ubiquinona (ou 
coenzima Q) formando-se NAD+ e ubiquinol ou coenzima QH2 (ver equação 1). O complexo 
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III (que também se designa por complexo b-c1 ou oxiredútase do ubiquinol:ferricitocromo c e 
que contém como grupos prostéticos hemes de tipo C e de tipo idêntico ao existente na 
hemoglobina assim como complexos ferro-enxofre) catalisa a transferência de dois 
electrões do ubiquinol (QH2) para o citocromo c (ver equação 2). Por último o complexo 
IV (que também se designa como citocromo oxídase ou oxiredútase do ferrocitocromo 
c:oxigénio e que contém como grupos prostéticos hemes de tipo A assim como iões de cobre) 
catalisa a transferência de dois electrões da forma reduzida do citocromo c para o 
oxigénio (ver equação 3). O processo oxidativo é indissociável do transporte de protões da 
matriz mitocondrial para o citosol e o processo de bombeamento cria um gradiente 
electroquímico: maior número de cargas positivas (“gradiente eléctrico”) e maior 
concentração de protões (“gradiente químico”) no lado citosólico da membrana mitocondrial 
interna. Admite-se, actualmente, que as equações (1), (2) e (3) traduzem a actividade catalítica 
dos complexos I, III e IV, respectivamente: 
NADH + Q + 4 H+ (dentro) → NAD+ + QH2 + 4 H+ (fora) (1) 
QH2 + 2 Cyt c (Fe3+) + 2 H+ (dentro) → Q + 2 Cyt c (Fe2+) + 4 H+ (fora) (2) 
2 Cyt c (Fe2+) + ½ O2 + 4 H+ (dentro) → H2O + 2 Cyt c (Fe3+) + 2 H+ (fora) (3) 
 
6- Admite-se assim, que a oxidação de uma mole de NADH pelo O2 esteja acoplada com o 
bombeamento de 10 protões. A equação soma relativa a este processo pode ser escrita: 
½ O2 + NADH + H+ + 10 H+ (dentro) → H2O + NAD+ + 10 H+ (fora) (4) 
Tal como em muitos outros processos celulares (como o catalisado pela Na+/K+:ATPase, por 
exemplo) um processo com uma enorme tendência para ocorrer num determinado sentido (a 
oxidação do NADH pelo O2) está acoplado com um processo que não ocorreria na ausência 
deste acoplamento (o transporte de protões contra gradiente). Ou dito de outro modo, a 
energia libertada no processo de oxidação do NADH pelo O2 (processo exergónico) 
permite o bombeamento de protões contra-gradiente (processo endergónico). 
7- A desidrogénase do succinato é a única enzima do ciclo de Krebs que não está situada na 
matriz mas sim na face interna da membrana interna da mitocôndria. Esta enzima 
contém, como grupos prostéticos, FAD (que é o aceitador primário dos electrões) e 
complexos ferro-enxofre e também é designada como complexo II. Os electrões do succinato 
são transferidos para a coenzima Q e não existe, neste caso, transporte acoplado de protões 
(ver equação 5). Existem outras enzimas que, tal como o complexo II, também catalisam a 
redução da coenzima Q pelos respectivos substratos e que também não são bombas de 
protões. Uma delas é uma desidrogénase do glicerol-3-P que também contém FAD (que é o 
aceitador primário dos electrões) como grupo prostético e que se situa na face externa da 
membrana interna da mitocôndria (ver equação 6). 
Succinato + Q → fumarato + QH2 (5) 
Glicerol-3-P + Q → dihidroxiacetona-P + QH2 (6) 
A oxidação do QH2 pelo oxigénio envolve, como já referido, os complexos III e IV e, de 
forma indissociável, o bombeamento de protões. O facto de a oxidação do succinato (e do 
glicerol-3-P) pelo oxigénio não envolver o complexo I explica que haja, nestes casos, um 
menor número de protões bombeados para o citosol. 
8- Criado o gradiente electroquímico acima referido, os protões têm tendência a passar do 
citosol para a matriz mitocondrial mas, apesar da pequenez da partícula, o processo não 
ocorre por difusão simples: a carga positiva dos protões impede a sua dissolução nos lipídeos 
da membrana. No entanto existem proteídos da membrana mitocondrial interna que permitem 
a entrada de protões acoplando este movimento (a favor de gradiente electroquímico) com 
processos reactivos, que tendo em conta a razão Keq/QR,não poderiam ocorrer na célula na 
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ausência dessa acoplagem. O mais importante (mas não o único) destes processos é a síntese 
de ATP que é catalisada pela síntase do ATP; a equação que descreve o processo pode ser 
escrita: 
ADP + Pi + n (talvez 3) H+ (fora) → ATP + H2O + n (talvez 3) H+ (dentro) (7) 
9- O ATP gerado na matriz da mitocôndria é, na sua maior parte, hidrolisado no citosol da 
célula. Sendo que é na face citosólica da membrana plasmática que ocorre a hidrólise do ATP 
catalisada pela bomba de sódio/potássio e é também no citosol que ocorre a hidrólise do ATP 
aquando da contracção muscular é no citosol que se gera a maior parte do ADP e o do Pi. O 
transporte de ADP (para dentro da mitocôndria) e de ATP (para fora da mitocôndria) 
ocorrem por acção de um transportador da membrana interna da mitocôndria que é um 
“antiporter”. O transporte de ADP3- (para dentro) e de ATP4- (para fora) envolve consumo 
de energia do gradiente eléctrico criado pela cadeia respiratória. O transporte de Pi 
(para dentro da mitocôndria) é mediado por um “simporter” sendo o Pi cotransportado com 
um protão (a favor do gradiente) e, neste caso, o transporte envolve consumo de energia do 
gradiente químico criado pela cadeia respiratória. 
10- Todos os processos atrás referidos tais como a hidrólise de ATP, o transporte de ADP/ATP, 
a síntese de ATP e o transporte de protões para a matriz, o transporte de protões para o citosol 
e o conjunto de oxidações e reduções da cadeia respiratória assim como as vias metabólicas 
em que o NAD+ se reduz estão intimamente relacionados. Quando a velocidade de hidrólise 
de ATP aumenta (exercício físico, por exemplo) diminui a concentração de ATP e aumenta a 
de ADP, aumenta a velocidade de troca ADP/ATP na membrana da mitocôndria 
(“antiporte”), aumenta a velocidade de síntese de ATP e de entrada de protões para a matriz 
(síntase de ATP), aumenta a velocidade de consumo de O2 e a velocidade de saída dos 
protões para o citosol (cadeia respiratória) e aumenta o consumo de nutrientes como a 
glicose ou os ácidos gordos (glicólise, oxidação em β e ciclo de Krebs). De forma reversa 
todos estes processos estão mais lentos quando a velocidade de formação de ADP (hidrólise 
de ATP) é mais lenta. 
11- É fácil de compreender que drogas (como por exemplo a rotenona) capazes de bloquear a 
transferência de electrões do NADH para a coenzima Q impeçam a oxidação dos nutrientes e 
a síntese de ATP. Adicionada a uma preparação isolada de mitocôndrias a rotenona impede a 
oxidação do piruvato mas não a de succinato ou de glicerol-3-P. Outras drogas (como a 
antimicina A e o cianeto) que bloqueiam a cadeia respiratória num local a jusante da 
coenzima Q impedem a oxidação do piruvato, do succinato e do glicerol-3-P. 
12- A oligomicina liga-se à subunidade Fo da síntase do ATP bloqueando a transferência de 
protões através da síntase. O atractilosídeo liga-se ao antiporter ADP/ATP impedindo a sua 
acção. Tendo um efeito directo nestes locais, a oligomicina e o atractilosídeo bloqueiam 
indirectamente a cadeia respiratória. A oligomicina ao impedir o regresso dos protões à matriz 
faz com que reacção/transporte catalisada pela cadeia respiratória (ver equação 4) atinja o 
equilíbrio parando os processos envolvidos. Na ausência de ADP não há síntese de ATP e o 
processo de transporte de protões é indissociável do da síntese de ATP pelo que o efeito final 
do atractilosídeo acaba por ser idêntico ao da oligomicina. 
13- O dinitrofenol é uma droga que, adicionada a uma preparação de mitocôndrias isoladas, 
permite a oxidação dos nutrientes adicionados ao sistema (glicose ou succinato) na presença 
de oligomicina ou atractilosídeo porque permite a passagem de protões para a matriz (a 
favor do gradiente) através de um mecanismo independente da síntase do ATP. O 
dinitrofenol é um desacoplador da fosforilação oxidativa porque permite que o processo de 
oxidação dos nutrientes tenha lugar na ausência de fosforilação do ADP. No tecido adiposo 
castanho existe uma proteína (termogenina) que têm um papel semelhante e permite 
dissociar a oxidação dos nutrientes do do consumo de ATP. A designação de termogenina 
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tem origem no facto de permitir a produção de calor (os processos catabólicos são 
exotérmicos) de forma desproporcional ao gasto de “ligações ricas em energia” do ATP. 
14- A oxidação do NADH formado no citosol durante a glicólise é mediado por sistemas 
chamados lançadeiras que permitem oxidar o NADH citosólico e apresentar os 
equivalentes redutores ao sistema dos complexos proteicos da membrana interna da 
mitocôndria. Existem duas lançadeiras designadas de lançadeira do glicerol-3-P e 
lançadeira do malato. (i) Esta última, mais importante no fígado, rim e coração, envolve a 
redução do oxalacetato (a malato) do citosol pelo NADH, o transporte do malato (“antiporte” 
com o α-cetoglutarato) para a matriz da mitocôndria e a re-oxidação do malato (a oxalacetato) 
pelo NAD+ da matriz. Desta maneira os equivalentes redutores do NADH formado no citosol 
são transferidos (via malato) para a matriz e o NADH formado na matriz pode ser oxidado por 
acção catalítica dos complexos I, III e IV. A enzima que catalisa a redução do oxalacetato no 
citosol e a oxidação do malato na mitocôndria é a desidrogénase do malato (ver equação 8). 
(ii) A lançadeira do glicerol-3-P implica a redução pelo NADH da dihidroxiacetona-P do 
citosol e consequente formação de glicerol-3-P; a enzima que catalisa esta reacção é uma 
desidrogénase do glicerol-3-P presente no citosol (ver equação 9). O glicerol-3-P formado 
transfere os electrões para a coenzima Q através da acção catalítica doutra desidrogénase do 
glicerol-3-P presente na face externa da membrana interna da mitocôndria a que já fizemos 
referência (ver equação 6). As desidrogénases do glicerol-3-P do citosol (dependente do 
NADH) e a da face externa da membrana interna da mitocôndria (que tem como grupo 
prostético o FAD) são isoenzimas. 
Oxalacetato + NADH ↔ Malato + NAD+ (8) 
Dihidroxiacetona-P + NADH ↔ glicerol-3-P + NAD+ (9) 
 
15- Embora classicamente se aponte uma estequiometria de 3 moles de ATP formados por mole 
de NADH oxidado (relação P:O de 3) e de 2 moles de ATP por mole de FADH2 (via 
desidrogénases do succinato ou do glicerol-3-P) oxidado (relação P:O de 2) estes números 
foram recentemente questionados. Tendo em conta que parte da energia do gradiente 
electroquímico criado pela cadeia respiratória não é directamente utilizada pela síntase do 
ATP compreende-se que os resultados experimentais apontem para valores inferiores aos 
referidos acima. Mais próximos da realidade podem estar relações P:O de 2,5 e 1,5 para os 
casos do NADH e do FADH2, respectivamente. Admitindo estes números e o 
funcionamento predominante da lançadeira do glicerol-3-P (como acontece, por 
exemplo, no músculo esquelético e no cérebro) a oxidação completa de um mole de 
glicose poderia render algo como a formação de 30 “ligações ricas em energia” do ATP.

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