Buscar

STUMPF, Roberta Giannubilo. Filhos das Minas, americanos e portugueses Identidades coletivas na Capitania das Minas Gerais (1763 1792)

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 278 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 278 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 278 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Roberta Giannubilo Stumpf 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Filhos das Minas, americanos e portugueses: 
 
Identidades coletivas na Capitania das Minas Gerais (1763-1792) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Paulo 
Universidade de São Paulo 
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas 
Departamento de História 
2001 
 
 
Roberta Giannubilo Stumpf 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Filhos das Minas, americanos e portugueses: 
 
Identidades coletivas na Capitania das Minas Gerais (1763-1792) 
 
 
Dissertação de mestrado apresentada ao 
Departamento de História da Faculdade 
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas 
da Universidade de São Paulo. 
 Área de concentração: História Social 
 Orientador: Prof. Dr. István Jancsó 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Paulo 
Universidade de São Paulo 
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas 
Departamento de História 
2001 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
 A István Jancsó, mestre que aprendo a respeitar cada dia mais, pela paciente 
orientação, pelas longas conversas que estimularam e engrandeceram a minha pesquisa. 
À Andréa Slemian, Débora Regina Pupo, João Paulo Garrido Pimenta, Milton 
Ohata, Thómas Wisiak, amigos que participaram durante tantos anos dos seminários de 
pesquisa, os quais me ajudaram muito a avançar em minhas hipóteses. 
À banca de qualificação, professoras Cecília Helena L. Salles de Oliveira e Márcia 
Regina Berbel, pelas sugestões e críticas, e pelo entusiasmo demonstrado pelas minhas 
idéias. 
À professora Melânia Silva de Aguiar, por ter me recebido em sua casa, em Belo 
Horizonte, e por ter me mostrado, quando ainda dava os primeiros passos, que eu estava no 
caminho correto. 
À professora Júnia Ferreira Furtado, pelas sugestões bibliográficas, por ter me 
concedido tantos livros essenciais à minha pesquisa e, acima de tudo, pela sua 
hospitalidade. 
Aos funcionários do Arquivo Público Mineiro e do Instituto Histórico Geográfico 
Brasileiro, em especial à Lúcia Maria Alba da Silva, pelo empenho em reproduzir os 
documentos com qualidade primorosa. 
À FAPESP que viabilizou a minha pesquisa. 
Á Débora Regina Pupo e Márcia Maria Arcuri, amigas de todos os dias, que releram 
meus escritos com paciência e dedicação, às quais sou extremamente grata. 
Aos meus pais e irmãs que acreditaram e souberam respeitar o meu trabalho tão 
distante de suas realidades. 
E por fim meu especial agradecimento a Fábio Cidrin, meu companheiro, pela sua 
compreensão e estímulo, que amenizaram as eventuais dificuldades. 
 
SUMÁRIO 
 
 
 
 
Abreviaturas p.5 
 
 
 
Resumo p.6 
 
 
 
Introdução p.7 
 
 
 
Capítulo 1º- Ideais políticos em contexto de mudanças p.12 
 
 
 
Capítulo 2º- Causas da decadência no discurso oficial p.50 
 
 
 
Capítulo 3º- Causas da decadência para os filhos das Minas p.99 
 
 
 
Capítulo 4º- Politização e crise das identidades:1788-9 p.146 
 
 
 
Capítulo 5º- A identidade particularista: significados p.201 
 
 
 
Referências bibliográficas p.245 
 
 
 
 
 
ABREVIATURAS 
 
 
 
 
ADIM -Autos de Devassa da Inconfidência Mineira 
AHU -Arquivo Histórico Ultramarino 
AMI -Anuário do Museu da Inconfidência 
APM -Arquivo Público Mineiro 
CI -Coleção Inconfidentes 
CMOP -Câmara Municipal de Ouro Preto 
RAPM -Revista do Arquivo Público Mineiro 
REA -Revista Estudos Avançados 
RIHGB -Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro 
RIHG/MG -Revista do Instituto Histórico Geográfico de Minas Gerais 
SG -Secretaria de Governo 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
O presente estudo analisa as identidades coletivas nas Minas Gerais de 1763-1792 e 
seu processo de politização. Por tratar-se de um período no qual o declínio do rendimento 
do quinto somava-se à crise do Antigo Sistema Colonial, privilegiamos sobretudo a análise 
das alternativas políticas aventadas para reverter este quadro, presentes tanto no discurso 
oficial como nas representações das Câmaras das Minas Gerais. Reconstruindo o diálogo 
mantido ao longo deste período entre as autoridades metropolitanas e homens principais da 
terra que, revestidos de representatividade, participavam dos debates sobre os rumos 
administrativos e políticos da Capitania, pretende-se mostrar o grau de consonância entre os 
interesses régios e os das elites locais. Com base nisso, o estudo busca determinar o 
impacto dos efeitos da política metropolitana sobre as identidades coletivas enquanto 
representações de adesão destas elites a comunidades de várias abrangências: a da 
Capitania, a da América portuguesa e, afinal, a da monarquia bragantina. Neste sentido, 
respeitando as etapas distintas que constituem este processo, cujo desfecho será o ensaio de 
sedição de 1788-9, pretende-se contribuir para a análise da fragmentação dos antigos 
referenciais políticos e o surgimento de novas alternativas, agora contrárias ao projeto 
reformista do Estado absolutista luso. 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
This study intends to analyze the collective identities of Minas Gerais, from 1763 to 
1792, and its process of politicization. Focusing on the period characterized by the decrease 
of the quinto taxation and the crisis of the Colonialism ( “a crise do Antigo Sistema 
Colonial”), we have mainly emphasized in analyzing the political alternatives destined to 
reverse that situation, featured not only the official discourse, but also in the representações 
of the councils of Minas Gerais. Looking at the debate established between the Portuguese 
authorities and the local elite who participated in the political and administrative decisions, 
we aim to demonstrate the level of congruity between interests of the Crown and of the 
elite, in that particular period. The main objective of this study is to determine the impact of 
the dominant policy of the Metropolis on the collective identities. This expresses the 
adherence of this elite to communities of distinct configuration: Minas Gerais, the 
Portuguese America and, in the end, the Monarchy of Bragança. Thus, considering the 
several phases of the process that resulted in the conspiration of 1788-9, we shall contribute 
to the analysis of the fragmentation of old political references, and the rising of the new 
alternatives already opposes to the current policy of the Monarchic State. 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
Quando iniciamos esta pesquisa pretendíamos dar continuidade às conclusões a 
que chegamos em trabalho anterior1, no qual pudemos constatar que os envolvidos na 
conspiração de 1788-9 na Capitania das Minas Gerais reconheciam-se e eram reconhecidos, 
predominantemente, como filhos de Minas, bem mais do que explicitamente portugueses, 
ainda que da América. Assim, a proposta inicial deste trabalho era estudar a trajetória da 
identidade particularista no período de 1763-1792, correspondente ao declínio da produção 
aurífera, como também à crise do Antigo Sistema Colonial2 naquela unidade do Império 
português. 
No entanto, nosso primeiro contato com a documentação veio mostrar a 
fragilidade de nosso objetivo. Os documentos pesquisados, quando reveladores dos 
sentimentos políticos dos habitantes de Minas Gerais, mostraram que ser natural das Minas 
era exclusivamente uma forma específica de ser português, ao menos até 1788. É no ensaio 
de sedição3, que a identidade particularista adquire um sentido diverso daquele que 
anteriormente tinha vigência, com o que a identidade portuguesa nas Minas perde o caráter 
universalizante que antes era seu peculiar atributo. 
Isso posto, entramosem colisão com toda uma vertente historiográfica que, na 
busca anacrônica do brasileiro já configurado na Capitania, descurou do fato de, 
prevalecendo entre todas as expressões denotando identidade coletiva, a particularista, nas 
suas diversas formas, sempre radicada na especifidade da formação social das Minas Gerais 
( e na sua História), não vinha revestida de conteúdo político conflitante com a identidade 
coletiva portuguesa.4 Os habitantes da Capitania, desde que brancos e livres, sentiam-se 
 
1 Trata-se de um trabalho realizado em nível de iniciação científica cujo objetivo foi estudar as identidades 
políticas presentes nos Autos de Devassa da Inconfidência Mineira. Autos de Devassa da Inconfidência 
Mineira. Brasília/ Belo Horizonte, Câmara dos deputados/ Governo do Estado de Minas Gerais, 1976, 10 
Volumes. 
2 Nos termos propostos por NOVAIS, Fernando- Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial 
(1777-1808). 6°edição, São Paulo, Editora Hucitec, 1995. 
3 Sobre o termo ver JANCSÓ, István- Na Bahia contra o Império. História do ensaio de sedição de 1798. 
São Paulo/Bahia, Editora Hucitec/EDUFBA, 1996. Segundo Maxwell, o termo "Inconfidência mineira não é 
apropriado, já que das idéias não se passou à ação. O termo, cunhado pelos donos do poder, dá maior relevo à 
repressão bem sucedida do que à conspiração fracassada. MAXWELL, Kenneth- "Conjuração mineira: novos 
aspectos". In: REA. Volume 3, número 6, São Paulo, maio/agosto 1989, p.4. 
4 Ver, por exemplo, as seguintes obras: CALMON, Pedro- História do Brasil. Rio de Janeiro, Editora José 
Olympio, 1959, Volume IV. SILVA, Norberto- História da Conjuração Mineira. Rio de Janeiro, Imprensa 
diferentes de todos os súditos portugueses, inclusive dos que viviam nas outras partes da 
América, o que não conflitava, em nada, com sua total adesão ao Estado português. Às suas 
especifidades é preciso rastrear na condição de vassalos, e não somente enquanto colonos, 
já que a identidade mais genérica que portavam não era definida em função da naturalidade 
(das Minas, americana) e sim do sistema político que definia seu estar no mundo, e que era 
o da monarquia portuguesa. Frente a tais constatações, admitimos que, para atingirmos 
nosso objetivo inicial, teríamos que percorrer uma direção contrária, e investigar a 
fragmentação dos antigos referenciais políticos para então entender a eclosão de 
alternativas que apontam para o novo. 
Quanto à periodização, partiu-se de 1763, quando pela primeira vez não foram 
pagas integralmente as 100 arrobas de ouro, com a crise aurífera tornando-se visível tanto 
para as autoridades quanto para os habitantes da Capitania das Minas Gerais. Desde então o 
quadro de alternativas para enfrentar a decadência abriu-se em leque, muitas delas 
extrapolando o âmbito da mineração, pois as esferas econômica e política imbricavam-se 
mutuamente. Se até 1788, os habitantes atribuíam ao Estado a tarefa de remediar a perda da 
vitalidade econômica da região, a ineficácia das diretrizes metropolitanas deu um tom 
diverso às reflexões dos súditos da Coroa sobre a situação das Minas e o futuro que lhes era 
reservado. A tudo isto vinha somar-se a lenta erosão das estruturas do Antigo Regime, o 
que levou-nos a pensar que em 1763 não teve iniciou apenas a crise aurífera, mas também 
um período de remanejamento de antigos referenciais políticos, processo que elegemos 
como eixo de nossas investigações. Em 1792, por fim, encerrou-se a repressão ao 
movimento sedicioso de 1788-9, com a execução de Tiradentes no Rio de Janeiro, e o 
degredo dos demais envolvidos. 
A natureza da documentação, por sua vez, limitou nossa análise aos sentimentos 
de pertencimento político da elite local porque estes foram os únicos que deixaram para a 
 
Nacional, 1948, 2 tomos; LIMA JR, Augusto- Notícias históricas (de norte a sul). Rio de Janeiro, Livros de 
Portugal, 1953; Idem- A Capitania das Minas Gerais. Belo Horizonte/São Paulo, Editora Itatiaia/Editora da 
Universidade de São Paulo, 1978. LATIF, Miran de Barros- As Minas Gerais. Belo Horizonte, Editora 
Itatiaia, 1991. CARVALHO, Daniel de- "Formação Histórica das Minas Gerais" In: I Seminário de Estudos 
Mineiros. Conferências pronunciadas no I Seminário de estudos mineiros, realizado de 3 a 12 de abril de 
1956, Belo Horizonte, Imprensa da Universidade de Minas Gerais, 1956, pp. 7-30;. ÁVILA, Afonso- 
"Inconfidência: projeto de nação possível". In: Análise & Conjuntura. Volume 4, nº2 e 3, maio/dez de 1989, 
Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, pp.61-80. MONTES, Maria Lúcia- "1789: A idéia republicana e o 
imaginário das Luzes". In: Seminário Tiradentes, hoje: Imaginário e política na República brasileira. 
Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro/ Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1994, pp.25-76. 
IGLÉSIAS, Francisco- Trajetória política do Brasil (1500-1964). São Paulo, Companhia das Letras, 1993. 
posteridade registros que permitam entender o caráter harmônico de sua adesão à 
comunidade política- nação pelos padrões do Antigo Regime- portuguesa. Inseridos nas 
redes de poder, ou conhecedores dos debates político-ideológicos europeus, estes homens 
contavam com espaço político e arsenal teórico para a exposição de suas insatisfações. 
Embora os autores das representações das Câmaras, documentos que privilegiamos em 
nosso estudo, não fossem os mesmos que se envolveram na frustrada conspiração do final 
da década de 1780, todos eles pertenciam a um grupo seleto que nas Minas conseguiu 
ocupar posição de destaque graças ao apoio do Estado português. Neste sentido, 
partilhavam de interesses comuns e tinham as mesmas expectativas em relação às diretrizes 
metropolitanas, como se revela no diálogo que mantiveram com as autoridades 
metropolitanas. 
A estrutura desta dissertação foi elaborada de forma a dar visibilidade aos 
caminhos percorridos pela análise dos sentimentos políticos da elite local. Estamos certos 
de que o sentimento de pertencimento à comunidade política portuguesa tinha estrita 
relação com a satisfação destes súditos quanto à atuação do Estado português nas Minas, 
cujas autoridades eram subordinadas às diretrizes formuladas no Reino. Assim, no primeiro 
capítulo detivemo-nos sobre a análise das bases teóricas que orientavam as ações do Estado 
português, fosse no Reino ou nas colônias. Para tanto, recorremos ao universo político-
ideológico europeu do Setecentos5, em especial à filosofia da Ilustração, que deu à época o 
tom dos debates, e às modificações por ela introduzidas nos conceitos políticos. Demos 
especial ênfase a esta corrente de pensamento tanto porque a atuação das autoridades 
metropolitanas se caracterizou, na segunda metade do Setecentos, pelas diretrizes 
ilustradas, quanto porque as críticas à atuação delas vinham dessas mesmas bases teóricas. 
A seguir, empenhamo-nos na análise das práticas políticas em curso na Capitania, 
durante o período, tema do segundo capítulo. Através da análise da correspondência oficial, 
buscamos entender a percepção que as autoridades tinham da irrecusável decadência, 
percepção que orientou suas ações políticas e determinou, na maior parte das vezes, sua 
visão da região e de seus habitantes. 
 
5 Utilizamos a definição do termo "político-ideológico" sugerida por Falcon: trata-se de "processos mentais e 
políticos, as novas visões de mundo, as culturas em conflito, as distintas formas de pensamento". FALCON, 
Francisco José Calazans- A época pombalina (política econômica e monarquia ilustrada). SãoPaulo, 
Editora Ática, 1982, p.7 (Ensaios, 83). 
No terceiro capítulo procuramos entender as posições dos habitantes frente às 
diretrizes metropolitanas para, mediante o controle dos eixos da discussão envolvendo a 
elite local e as autoridades, esboçarmos divergências e convergências entre os interesses 
locais e os da Coroa. Neste capítulo, analisou-se com especial atenção as representações 
dos oficiais das Câmaras, canal da exposição das queixas e sugestões dos habitantes 
endereçadas à Coroa. 
O segundo e o terceiro capítulo contemplam um período de 25 anos (1763-1788) 
analisado como um todo, na medida em que as diretrizes metropolitanas formuladas para 
reverter o quadro de decadência do ouro mantiveram-se praticamente as mesmas, razão 
para que o teor das representações seguisse esta mesma constância. No entanto, ao longo 
deste período, a inflexibilidade das autoridades em levar as propostas dos habitantes em 
consideração foi paulatinamente se acentuando, principalmente após 1777, quando 
Martinho de Melo e Castro sucedeu a Pombal no Ministério do Ultramar. Tornando-se clara 
a intenção de Melo e Castro de alterar radicalmente a política anterior quanto à elite local, o 
que implicava em afastar seus integrantes dos cargos anteriormente conquistados, nota-se 
rápida mudança no quadro anterior, mediante acentuado aumento das expressões de 
profundo desagrado. Assim, embora o período seja caracterizado pela permanência no 
tocante à condução das políticas metropolitanas, ele é repleto de nuanças que ganham 
nitidez com a "inconfidência", assunto do capítulo seguinte. 
No quarto capítulo, a análise centra-se nos Autos de Devassa da Inconfidência 
Mineira, corpos documental único. Embora esta documentação há muito vem sendo 
trabalhada, ainda não o foi na perspectiva da análise dos vocábulos políticos e da 
freqüência com que estes foram utilizados6. Foi esse método que recorremos para 
esclarecer a diversidade de alternativas que emergiram em contraposição à identidade 
portuguesa, e para chegarmos, a partir dos registros dos Autos, à delimitação dos partícipes 
da nova comunidade política projetada pelos conjurados para o que, então, ainda era a 
Capitania das Minas Gerais. 
Por fim, no último capítulo, buscamos entender os critérios ordenadores da 
identidade particularista, rastreando sua trajetória ao longo do período de 1763-1792, na 
 
6 Trata-se dos termos que nos permitam analisar os sentimentos políticos expressos nos Autos e a 
territorialidade pensada para se configurar o Estado projetado, assim como daquele que era negado 
pertencimento. 
busca dos motivos pelos quais esta identidade tenha emergido como a mais freqüentemente 
citada no contexto sedicioso. É neste quinto capítulo de nossa dissertação, que retomamos 
ao que tinha sido o objetivo original deste trabalho. 
Finalmente, dadas as características do último capítulo, consideramos 
desnecessárias as tradicionais "conclusões", pelo que se abriu mão delas. 
* 
Os documentos manuscritos que utilizamos pertencem quase que 
exclusivamente ao Arquivo Histórico Ultramarino, acervo que apenas muito 
recentemente pode ser consultado também no Brasil. Os referentes à Capitania de Minas 
Gerais estão disponíveis no Arquivo Público Mineiro, em Belo Horizonte, ou no Instituo 
Histórico e Geográfico Brasileiro, no Rio de Janeiro, sendo que este último coloca a 
documentação à disposição em disquetes, o que auxilia em muito a pesquisa. 
Ao transcrevermos esta documentação, assim como as demais pertencentes aos 
fundos- Secretaria de Governo, Câmara Municipal de Ouro Preto- do Arquivo Público 
Mineiro -, optamos pela atualização da ortografia, recorrendo ainda a eventuais 
modificações na pontuação, sem contudo alterar o sentido das frases. Preservamos o tempo 
verbal das citações transcritas para assim evitarmos alterá-las demasiadamente, embora 
nem sempre sua forma se harmonize com aquela por nós utilizada. Cremos que assim 
facilitamos a leitura desta documentação até agora praticamente inédita. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Capítulo 1º 
Ideais políticos em contexto de mudanças 
 
As idéias iluministas foram responsáveis por introduzir no universo político-
ideológico europeu uma nova visão de mundo, que marcou todo o Setecentos, embora os 
primórdios desta corrente de pensamento datem de 1680-1715, quando se viveu "a crise da 
consciência européia"7. No entanto, foi mesmo no século XVIII que elas conquistaram 
maior espaço porque os homens perceberam que os caminhos que elas apontavam eram os 
que deviam ser trilhados, em detrimento daqueles que até então haviam seguido. 
Dado o caráter crítico da Ilustração, o qual nenhum iluminista deixou em maior ou 
menor grau de apresentar, todos os aspectos da realidade foram objetos de questionamento. 
Nada escapou ao crivo dos filósofos, nem mesmo aquelas idéias que tradicionalmente 
aceitas, pareciam estar imunes ao julgamento dos homens, tais como as concepções 
políticas do Antigo Regime. É o caráter crítico da Ilustração que explica, antes de mais 
nada, o seu impacto no universo político-ideológico europeu, mais do que o número de 
homens que se sentiam, e eram assim denominados, iluministas. Eram estes uma minoria, 
uma elite intelectual, já que também não eram muitos os que se preocupavam em buscar 
alternativas à crise do Antigo Regime, embora esta fosse cada vez mais sentida por todos. 
Desta forma, o que queremos compreender é como esta crise estrutural, na qual a 
do Antigo Sistema Colonial foi parte constitutiva, pode ser sentida também no plano das 
idéias. Uma vez que os antigos pressupostos ancorados na tradição não se revelavam mais 
eficientes, e as novas idéias surgiam como possibilidades, o que se verificou foi uma 
querela entre o antigo e o novo, ou então, como propôs Paul Hazard, entre a tradição e a 
novidade. Desta forma, se a filosofia iluminista não correspondeu ao pensamento político 
do Setecentos, foi esta querela que o sintetizou. 
Cada nação deu a este debate contornos específicos, na medida em que nem 
sempre os pressupostos iluministas foram incorporados da mesma forma, nem para se 
pensar os mesmos níveis. No entanto, o que parece inegável é que mesmo nas nações 
"tradicionais" eles estiveram presentes e de alguma forma contribuíram para se pensar a 
realidade e para projetar mudanças. Nem mesmo Portugal, uma potência de segunda ordem 
 
7 HAZARD, Paul- Crise da consciência européia (1680-1715). Lisboa, Edições Cosmos, 1948. 
no cenário europeu, fato que todos os estadistas reconheciam8, ficou isenta de sua 
influência. 
É justamente porque a filosofia iluminista ganhou configurações específicas em 
cada situação particular de tipo nacional e, mais do que isto, apresentou diferenças entre 
homens e grupos de uma mesma nação, que a tentativa de buscar uma definição do 
Iluminismo como um bloco homogêneo de idéias não é uma tarefa fácil, embora não seja 
impossível9. Em todo caso, ainda que as diversidades sejam perceptíveis, podemos afirmar 
que havia denominadores comuns, ou seja, alguns pressupostos iluministas foram 
acolhidos por todos, nas mais diferentes nações. São estes denominadores invariáveis que 
nos permitem utilizar o termo Ilustração ou Iluminismo no singular, assim como atribuir a 
alguns de seus pressupostos um caráter universal. Puderam estes ser acolhidos nas diversas 
comunidades políticas graças ao livre trânsito das idéias no contexto europeu, o que 
possibilitava aos homens tomarem conhecimento do que era discutido além das fronteiras 
de suas pátrias. Se é nisto que reside a universalidade destesprincípios, não podemos 
esquecer que o próprio objeto de conhecimento dos iluministas era a natureza humana, e 
por este motivo puderam servir de referência para se pensar realidades diversas. 
Os teóricos do Iluminismo nunca deixaram de lado a tentativa de definí-lo, 
embora alertassem para a ineficácia de qualquer resultado a que se possa chegar. Da leitura 
do livro de Hazard, por exemplo, podemos arriscar uma definição da Ilustração como 
sendo uma filosofia que se estruturou a partir da crença na razão, no progresso e na 
civilização, a qual, por sua vez, embasou as esperanças em tornar os povos prósperos e 
felizes. No entanto, é o próprio autor quem afirma que os iluministas foram também 
pessimistas, e que souberam reconhecer a importância da sensibilidade. Hazard conclui, 
assim, que definir o pensamento ilustrado é sobrecarregá-lo com incoerências, uma vez que 
eram "os próprios filósofos que se gabaram de ser ecléticos"10. 
Luciano Guerci, ciente destas dificuldades, procurou amenizá-las ao buscar 
entender o Iluminismo principalmente como um movimento intelectual. Também Falcon 
 
8 Ver sobre esta questão: DIAS, Maria Odila da Silva- "Aspectos da Ilustração no Brasil". In: RIHGB. 
Volume 278, jan/março de 1968, Rio de Janeiro, Departamento de Imprensa Nacional,1968. 
9 GUERCI, Luciano- L´Europa del Settecento- permanenze e mutamenti. Torino, UTET Libreria, 1988, p. 
359. 
10 HAZARD,Paul- O pensamento europeu no século XVIII (de Montesquieu a Lessing). Lisboa, Editorial 
Presença, 1983, p.289. 
classificou-o como um estilo de vida11. A partir da leitura destes autores, acreditamos que 
nos resta tentar uma caracterização provisória e sistemática, a ser usada com certa 
flexibilidade, a qual poderemos chegar apenas se considerarmos a existência de 
denominadores comuns a todo ilustrado, mesmo que seja preciso mostrar constantemente 
que estes não eram tão comuns assim. 
Sem nenhuma hesitação, podemos dizer que a razão é a palavra chave da Ilustração. 
Os próprios homens da época tinham consciência de viver uma idade em que ela era 
predominante, ou que começava a ser. Ao tornar-se um instrumento de investigação da 
realidade, a razão gerou uma inquietude de tudo saber e de tudo duvidar, que empolgou 
seus adeptos. Certamente este novo conceito de verdade incomodou aqueles que 
ancoravam suas crenças e certezas na tradição, ameaçadas pela comprovação empírica a 
que estavam sujeitas. Frente a tais ameaças, os opositores da razão julgavam-na prepotente. 
Outros motivos levaram os próprios ilustrados a reconhecer as desvantagens que o culto 
excessivo da razão representava. D´Alembert, por exemplo, considerava que ela poderia 
ser uma trava à fantasia, à criação poética, como se os novos conhecimentos trouxessem 
também a perda de certos prazeres. Rousseau colocava a sensibilidade e a razão num 
mesmo patamar: "Apesar do que dizem os moralistas, o entendimento humano deve muito 
às paixões, que indiscutivelmente, também lhe devem muito"12. Guerci reconheceu com 
grande acerto que o que tem sido comumente denominado como pré-romântico neste 
período, na verdade, fazia parte do próprio movimento Ilustrado. Segundo o autor, não há 
porque tentar reduzir as ambigüidades desta filosofia13. 
Ao lado da razão, um segundo denominador comum ao Iluminismo é facilmente 
reconhecível: a opção pelo horizonte mundano e terreno. Os filósofos colocaram o homem 
 
11 GUERCI, Luciano- Op.cit., pp.359-364. Segundo Falcon, "o fato indiscutível, essencial, quando se trata de 
caracterizar a Ilustração, é a existência de uma mentalidade ilustrada, em que pesem todas as suas possíveis 
divergências internas. É esse aspecto que justifica até mesmo considerarmos a Ilustração como 'um estilo de 
vida' ". FALCON, Francisco- Op.cit. p.96. 
12 ROUSSEAU, Jean-Jacques- Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os 
homens. Comentários Jean-François Braunstein, Brasília/ São Paulo, UnB/ Editora Ática, 1989, p. 62. 
(1ºedição de 1755) 
13 Lucília de Almeida Neves Delgado, por exemplo, ao definir Rousseau como iluminista e sentimental segue 
uma linha de raciocínio que Guerci se empenha em rebater. Segundo ela, o filósofo "foi pensador ligado ao 
tempo do racionalismo e também um sonhador que antecipou o movimento romântico do século XIX". 
DELGADO, Lucília Almeida Neves- "A origem da desigualdade e a soberania da maioria em Jean Jacques 
Rousseau". In: Revista do Departamento de História, nº9, Belo Horizonte, FAFICH/ UFMG,1989, pp.57-
58. 
e não mais a religião no centro do interesse e do saber, realizando, assim, a passagem do 
transcendente para o imanente, conforme observou Falcon14. O eterno conflito que os 
homens viviam entre seu corpo e sua alma foi amenizado e, ao verem-se despojados deste 
peso, puderam se lançar à conquista da felicidade mundana, não só a individual mas, se 
possível, de toda a humanidade. A esperança e o otimismo invadiram os pensadores 
iluministas porque a busca de uma felicidade terrena não lhes parecia um projeto utópico. 
Foram eles quem melhor souberam observar os males da humanidade e, 
concomitantemente, apontar para as soluções. Não perceberam as dificuldades, e 
conformaram-se passivamente com elas. Foram críticos e esperançosos, assumindo os 
riscos de tentar mudar o que desde sempre parecia ter se estabelecido. Acreditaram na 
potencialidade humana e na eficácia dos instrumentos que dispunham e, desta forma, 
puderam ser otimistas e esperançosos quanto ao futuro de todos os povos. Este já se 
anunciava glorioso principalmente porque bons resultados iam sendo alcançados com o 
desenvolvimento das artes e da ciência a que os iluministas se dedicaram. 
No entanto, este ponto também foi motivo de controvérsias entre os filósofos, e 
foi Rousseau quem deu maior intensidade a esta polêmica. Para ele, as ciências e as artes 
eram a origem dos males comuns à sociedade de sua época, pois o homem natural, que 
tanto valorizava, não tinha apresentado nenhum interesse por eles. Mas Rousseau acabava 
por se contradizer ao apontar o ideal de perfectibilidade como sendo próprio da natureza 
humana. Ao considerar a inevitabilidade do progresso, ao menos neste ponto, reconciliava-
se com os demais filósofos. Por outro lado, se o desenvolvimento científico e das artes era 
considerado como a maneira mais eficaz de colocar os homens de volta aos trilhos do 
progresso, ele apontava para uma outra questão de difícil solução. Estavam certos de que, 
com a intensificação da produtividade, seria possível melhorar o bem estar da humanidade, 
mas também era verdade que isso resultaria num consumo crescente de artigos luxuosos e, 
portanto, supérfluos. Havia um certo temor de que isto resultasse numa sociedade desigual. 
Os iluministas sempre condenaram o luxo porque ele era um dos principais fatores a 
exteriorizar a diversificação social contrária aos princípios de igualdade energicamente 
defendidos. 
 
14 FALCON, Francisco- Op.cit, pp.8-9. 
O otimismo atribuído aos iluministas foi atenuando-se com esses impasses que 
contestavam suas certezas, mas foram as barreiras impostas à penetração das novas idéias, 
que com o passar dos anos mostraram-se ser muito mais profundas, que deram ao 
otimismo um caráter irreal ou pretensioso. Um certo descrédito aparece também nos 
escritos destes homens propagadores da nova filosofia, como se a crença no potencial 
humano, justamente por ter sido excessiva, abrisse os caminhos para a desilusão. 
O que é possível notar é que todos os conceitos básicos ao Iluminismo podem ser 
relativizados, o que não impede que se os tomecomo referências para o entendimento 
dessa corrente de pensamento, na qual os opostos interagiam. Partindo desta caracterização 
"aberta", podemos nos aprofundar em outros aspectos do Iluminismo, em especial as 
concepções que seus adeptos tinham sobre a história e a diversidade humana, fundamentais 
a quem se propõe a entender as identidades políticas na segunda metade do século XVIII. 
Quando nos deparamos com as interpretações dos iluministas sobre o passado, 
não há como deixar de ver que a dicotomia entre a tradição e a novidade, proposta por 
Hazard, é simplificadora. Estes filósofos representantes das inovações ideológicas, como 
sugere o autor, não declararam uma guerra absurda à tradição. As verdades, que assim 
eram entendidas devido à sua longa permanência no tempo, foram, através dos 
instrumentos racionais, devidamente questionadas, mas nem sempre negadas. Eles 
souberam reconhecer no passado os momentos dignos de glória, fossem relativos à história 
da humanidade ou à sua nação15. Se olhavam para o futuro, não deixaram de reconhecer 
que o passado poderia também orientar as suas atitudes e esperanças. Assim, a história 
passada continuava a despertar a atenção dos homens, mas os iluministas inovaram pois, 
ao colocarem as tradições à prova das leis racionais, despiram-nas do manto sagrado que 
há muito as revestia. Um novo conceito de legítimo ia sendo gestado, chocando-se às 
verdades que até então haviam sido aceitas sem qualquer ressalva. 
Este desejo de tudo verificar empiricamente constituiu-se numa obsessão, e não 
foram poucas as dissertações que procuraram mostrar a incerteza dos testemunhos, das 
 
15 Ver, por exemplo, RAYNAL, Guillaume-Thomas François (Abade Raynal)- A Revolução da América. 
Prefácio de Luciano Raposo de Almeida Figueiredo e Oswaldo Mutreal Filho, Rio de Janeiro, Arquivo 
Nacional, 1993, p.113, (1ºedição de 1772). Sobre a concepção histórica no século XVIII ver: RIBEIRO, 
Renato Janine- "Da moral da História às histórias científicas: uma revolução do conhecimento". In: Análise 
& Conjuntura. Volume 4, n°s 2 e 3, Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, maio/dez de 1989, pp. 229-
241. 
provas e até mesmo dos dogmas religiosos16. Rousseau chegou ao limite desta dúvida já 
nas reflexões iniciais do seu Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade 
entre os homens: "Começamos, então, por afastar os fatos, pois que não levam à 
questão"17; e se os invoca em outras passagens para exemplificar suas teorias, os toma 
como "prova suplementar sendo o essencial a demonstração abstrata"18. 
O estudo da história ganhou novas técnicas, teve seus estatutos modificados, 
tornou-se uma ciência. Mably, publicou em 1783, A maneira de escrever a história, um 
dos muitos trabalhos que surgiram para afirmar a supremacia desta nova metodologia. No 
entanto, a legitimidade das tradições não estava garantida apenas se resistisse à 
confirmação empírica. Seu maior obstáculo era sobreviver também à investigação 
filosófica à qual os iluministas submeteram o passado. A História passou a ser investigada 
também segundo preceitos morais, pelos quais era possível distinguir os exemplos do 
triunfo da virtude e da derrota dos vícios. O que procuravam destacar, acima de tudo, eram 
os momentos virtuosos, entendidos desta forma porque contribuíram ao progresso e ao 
bem comum da humanidade. O passado legitimador dos erros do presente, das 
desigualdades e da ignorância de se deixar tudo como está, devia ser contestado não só 
quando não existissem provas que confirmassem a sua existência, mas principalmente 
quando não era um exemplo a ser seguido. Para Bolingbroke, em Cartas sobre o Estudo e 
utilização da história, esta disciplina era "... a filosofia ensinando-nos, por meio de 
exemplos, como devemos conduzir-nos em todas as circunstâncias da vida pública e 
privada; consequentemente devemos encará-la com espírito filosófico"19. 
Entretanto, a principal inovação quanto à percepção do passado foi a radical 
mudança que os iluministas operaram no que concerne à escolha dos temas. As façanhas 
dos grandes personagens ou a cronologia dos fatos deixaram de despertar interesse, era a 
história dos homens que devia ser recuperada, já que estes passaram a ser vistos como os 
principais protagonistas. A realidade mundana desvinculou-se dos desejos da Providência 
 
16 Outro exemplo é a Dissertação sobre a incerteza dos cinco primeiros séculos da história romana escrita 
por Beaufort e publicada em 1738, tema que já havia seduzido Lévesque de Pouilly que, em 1723, leu perante 
à Academia das Inscrições sua memória sobre a incerteza dos primeiros séculos de Roma. HAZARD, Paul- O 
pensamento....- Op.cit, p. 231 
17 ROUSSEAU, Jean-Jacques- Op.cit., p.50. 
18 Conforme observou Jean- François Braustein em notas a esta publicação. Idem, p.62, nota 63. 
19 HAZARD,Paul- O pensamento...-Op.cit., p.229. 
divina; o curso dos acontecimentos passou a ser responsabilidade exclusiva dos homens20. 
Na verdade, acreditavam que os rumos tomados pela humanidade sempre tiveram em suas 
mãos, mas os homens nunca haviam se dado conta disto. Provavelmente, neste contexto só 
puderam atribuir a si próprios tamanha responsabilidade porque sentiram que tinham 
condições para arcar com ela. Dos homens não esperavam mais a passividade, a inércia e o 
conformismo, estes eram defeitos inadmissíveis para os iluministas. Se a história era 
entendida como conseqüência dos atos humanos, não haveria porque responsabilizar uma 
entidade sobrenatural por suas desgraças. Desta forma, ancorados nos acertos e erros do 
passado, os filósofos propuseram-se a agir e modificar o presente para garantir aos homens 
um futuro mais prazeroso, justo e promissor. A História tornou-se a mais forte aliada das 
suas expectativas quanto ao porvir da humanidade. 
Assim, se o homem passou a ocupar o cerne das atenções e das esperanças, a 
compreensão da natureza humana tornou-se o principal objeto de interesse dos iluministas. 
Propuseram-se, então, a refletir sobre um suposto estágio primitivo, anterior à formação 
das sociedades, para entender qual seria a essência humana que o homem civilizado havia 
deixado para trás21. Ainda que não estivessem muito certos sobre a real existência deste 
período, valia a pena admitir esta hipótese como exercício reflexivo que contribuiria para 
compreender a verdade universal válida a todos os povos, independentemente das 
diferenças que guardavam entre si. Era preciso aproximar os homens, torná-los 
compatriotas porque pertenciam a uma mesma nação no meio de tantas nações, regida 
unicamente pelas leis da natureza. Oliveira, em sua carta "sobre o desterro" de 1743, 
reconhecia que "o homem deve imaginar que em todo o mundo tem a mesma natureza, que 
todo ele está debaixo do mesmo Céu, e que em toda a parte se encontram homens da 
 
20 Segundo Donghi, esta concepção da história tipicamente cristã, a qual queriam romper os iluministas, era a 
princípio anti-revolucionária. Isto porque, nem mesmo os períodos que inauguravam uma realidade 
totalmente nova não eram vistos como uma conseqüência dos atos humanos, apesar da descontinuidade que 
apresentavam em relação ao passado. Estes eram determinados também pela Providência divina, desta forma 
não eram fatos históricos, mas naturais. DONGHI, Tulio Halperin-Tradicion politica española e ideologia 
revolucionaria de mayo. Buenos Aires, Centro Editor de América Latina, 1985, p.111. 
21 "Não é, pois, fácil empreendimento distinguir o que há de originário e de artificial na atual natureza do 
homem e conhecer profundamente um estado que não mais existe,que talvez nunca tenha existido, que 
provavelmente não existirá jamais e, do qual, deve-se contudo ter noções corretas para bem julgar de nosso 
estado presente" ROUSSEAU, Jean-Jacques- Op.cit, p.42. 
mesma espécie"22. Nota-se assim o mesmo desejo "pacifísta" que está contido na frase que 
anos depois se tornou emblemática com a Revolução Francesa: "igualdade, fraternidade e 
liberdade". Tratava-se enfim de reconhecer as semelhanças para extinguir os conflitos, as 
guerras e as injustiças, contra os quais os iluministas lutaram com tanto ardor, na maior 
parte das vezes da maneira pela qual julgavam ser correto combater: através das palavras. 
Os versos do ilustrado espanhol Jovellanos são um dos inúmeros exemplos desta atitude: 
" Un solo pueblo entonces, una sola 
y gran familia, unida por un solo 
y común idioma, habitará contenta 
los indivisos términos del mundo"23 
De tudo o que estamos mostrando, não há como não deixar de perceber uma 
semelhança entre a Ilustração e o Cristianismo. Afinal, ambas as correntes de pensamento 
difundiam um espírito de comunhão entre os homens, e tiveram a mesma pretensão de 
iluminar o mundo, tirando-o das trevas24. Daí muitas vezes terem se chocado, 
principalmente porque muitos religiosos, aos quais Hazard intitula apologéticos, sentiram 
que sua hegemonia estava ameaçada pelo cosmopolitismo das idéias iluministas, muito 
mais tolerantes que as suas, capazes portanto de atrair um maior número de adeptos. No 
entanto, até a metade do Setecentos, o que predominou foi uma harmoniosa convergência 
entre a luz da revelação e a da razão ou, ao menos, a não exclusão de nenhuma das duas25. 
Religiosos menos conservadores puderam, inclusive, abraçar o Iluminismo para corrigir os 
defeitos do próprio Cristianismo que eles foram capazes de reconhecer. Assim como os 
demais iluministas, empenharam-se em condenar os abusos, os fanatismos e as 
superstições desta religião e, de certa forma, saíram-se vitoriosos. As instituições como o 
Santo Ofício ou a Companhia de Jesus, entendidas por estes homens, laicos ou religiosos, 
 
22 HESPANHA- António Manuel & Silva, Ana Cristina Nogueira da- "A Identidade portuguesa". In: Mattoso, 
José & Hespanha, António Manuel (direção) História de Portugal. (O Antigo Regime) Volume 4. Lisboa, 
Editorial Estampa, p.32. 
23 Resposta a una epístola de Moratín. Apud. SANCHEZ AGESTA, Luis- El pensamiento político del 
despotismo ilustrado. Sevilla, Grafitálica, 1979, pp. 249-250. Sarrailh mostra que Jovellanos e Condorcet 
eram a favor de uma língua universal como meio de estabelecer a fraternidade entre os povos. SARRAILH, 
Jean- La España ilustrada de la segunda mitad del siglo XVIII. Mexico, Fondo de Cultura Económica, 
1957, p.171. 
24 A metáfora da luz utilizada pelos iluministas é antiga, mais remota até que o próprio Cristianismo, estando 
presente nas religiões dualísticas orientais, no platonismo e no neoplatonismo assim como na tradição 
hebraico-cristã. GUERCI, Luciano- Op.cit. p.395. 
25 idem, ibidem. 
como uma trava ao avanço das novas idéias e conseqüentemente ao triunfo da liberdade de 
consciência, foram extintas. No entanto, apesar das semelhanças passíveis de serem 
visualizadas entre estas duas correntes igualmente cosmopolitas, do embate entre elas o 
Iluminismo levou vantagem, já que seu "novo ideal de fé", ao ser muito mais 
universalizante, pode atrair os homens das mais diversas crenças. 
Os iluministas partilhavam de um mesmo desejo: serem cosmopolitas, homens do 
mundo que não pertenciam a uma nação, e sim a muitas. No século XVIII, "ninguém se 
manteve (mantinha) no lugar de origem (...) a imagem trágica do Exílio tende(ia) a 
desaparecer"26. O sábio, dizia Feijóo, "se siente ciudadano del mundo; cualquier tierra es 
para él pátria"27. No entanto, este esforço incessante na afirmação da harmonia entre os 
povos não determinou que os iluministas obscurecessem as diferenças que estes 
guardavam entre si. Na verdade, souberam valorizá-las, porque para estabelecer as 
semelhanças era preciso considerar que estas se escondiam sob o signo da diversidade 
humana. A cada passo dado rumo ao conhecimento da natureza dos homens, eterna e 
imutável, o que se evidenciava eram as arbitrariedades impostas a ela. Quando se 
predispuseram a entender no que os homens se assemelhavam, inevitavelmente 
defrontavam-se com suas diversidades. Duas questões que caminhavam juntas, neste 
século em que os opostos se explicavam constantemente. O sucesso que os relatos dos 
viajantes e das expedições científicas alcançaram na época talvez possa ser explicado por 
esta curiosidade em conhecer as diversas formas com que os homens viviam nos quatro 
cantos do mundo 28. O eurocentrismo foi deixado de lado, dando lugar a um relativismo 
cultural em conformidade com as idéias daquele tempo. 
Mais uma vez os iluministas foram buscar na História as respostas para o 
entendimento da diversidade humana. Afinal, não teria sido no seu curso que os elementos 
de distinção tomaram forma, já que no princípio os homens eram todos iguais? Não era a 
História, portanto, o núcleo estabelecedor das diferenças? Mas este retorno aos tempos 
 
26 HESPANHA-, António Manuel & Silva, Ana Cristina Nogueira da- Op.cit, p. 237. 
27 Teatro crítico, II, 10 , parágrafo 41. Apud SANCHEZ AGESTA, Luis-Op.cit, p.29. 
28 Hazard mostra como os relatos dos viajantes e as expedições científicas contribuíram à formação de uma 
consciência de igualdade entre os homens e, concomitantemente, para a percepção das diferenças. HAZARD, 
Paul- O pensamento...- Op.cit., pp.15-31. Segundo Figueiredo e Muntreal Filho, o sucesso editorial da Obra 
de Raynal deve-se não só às críticas feitas ao Antigo Regime mas também à "importância que tinham, na 
época, os relatos de viagens, as 'histórias', categorias favoritas nas bibliotecas do século XVIII". Figueiredo, 
Luciano Raposo de Almeida e Muntreal Filho, Oswaldo- " Prefácio". In: RAYNAL, Guillaume-Thomas 
François- Op.cit, p. 5. 
passados não lhes serviu para empreenderam uma crítica às diferenças entre os povos, pelo 
contrário, os iluministas as aceitavam, e não pretendiam corrigí-las, pois reconheciam sua 
irreversibilidade. Tolerantes, respeitavam as múltiplas formas de viver que a humanidade 
encontrou desde que começou a viver em coletividade, mas condenaram as alternativas que 
desrespeitaram a natureza humana, a ser preservada a todo custo29. Era preciso voltar às 
leis naturais e combater as civis que as contrariavam, por mais temp0o que estas tivessem 
vigorado. O passado tornava-se então uma referência obrigatória a seus planos de atuação. 
Assim, por mais que manifestassem um desejo em pertencer ao mundo, ao 
atribuírem importância às diferenças entre as sociedades, souberam eles próprios dar vazão 
também aos seus sentimentos nacionalistas. Inclusive, quando se tratou de elaborar um 
plano concreto de ação, a realidade que se prontificaram a pensar tinha contornos bem 
específicos. Debruçaram-se sobre as trajetórias das comunidades políticas, já que se alguns 
males eram comuns a todos os homens, era possível identificar aqueles que eram próprios 
a cada nação, cuja origem havia de ser buscada em seu passado. Já foi lembrado que os 
iluministas atribuíam aos homens a tarefa de solucionar seus males. Quando estes eram 
localmente reconhecidos, os remédios podiam ser mais facilmente prescritos. Cada 
comunidade nacional devia empenhar-se em corrigir seus defeitos específicos, tendo para 
isto que voltar à sua trajetória coletiva, e reconhecer com isso os caminhos erroneamente 
percorridos a fim de evitá-los futuramente. Optar por novos rumos era a maneira mais 
eficaz decorrigir o passado e garantir um porvir mais satisfatório. Não havia mais razão 
para os homens se conformarem com os males característicos de suas comunidades. Estes 
podiam ser remediados porque já não eram mais entendidos como naturais. Pelo contrário, 
se eles eram históricos e se os homens eram os protagonistas da História, estes tinham total 
responsabilidade por remediá-los. 
Foi esta lógica que invadiu os escritos dos ilustrados, dentre os quais podemos 
citar o beneditino espanhol Feijóo que rebatia às críticas dos estrangeiros quanto à 
decadência da Espanha, pois considerava "una equivocación grosera en que se confunde el 
 
29 Foi por este motivo que as Ciências naturais ganharam enorme propulsão. Conhecendo-se a Natureza seria 
possível guiar-se por suas leis, e corrigir a dos Estados que não as respeitassem0. "Os mais antigos filósofos 
designavam por leis naturais a ordem eterna e imutável de todas as coisas criadas; os juris-consultos romanos 
viam nelas instruções dadas pela natureza a todos os animais, a maior parte dos moralistas tomou-as como 
regras ditadas pela razão e limitou-se unicamente aos homens". HAZARD, Paul- O pensamento...- Op.cit, 
p.143. 
defecto de habilidad con la falta de aplicación, la posibilidad con el hecho"30. Para ele, a 
decadência da Espanha não podia ser explicada por uma suposta incapacidade natural dos 
espanhóis, ou por um desejo da Providência em vê-los arruinados. Ela era, enfim, resultado 
da vivência coletiva destes homens ao longo de sua própria história. Mais do que defender 
sua comunidade frente aos ataques injustos, Feijóo demonstrava otimismo quanto ao futuro 
de sua nação: se o progresso poderia ser novamente alcançado a partir do esforço humano, 
a Espanha não estava condenada naturalmente a fracassar. Mas o Progresso também não 
era uma certeza, algo pré-estabelecido e inevitável. Para alcançá-lo era preciso um 
empenho constante; o destino já não era um fato a ser passivamente esperado. 
Assim, não nos parece paradoxal que os ilustrados revelassem um desejo em 
pertencer ao mundo, e dedicassem tamanho ardor no respeito às características comuns a 
cada nação31. No século do cosmopolitismo, as identidades políticas nacionais não estavam 
ameaçadas de extinção. Montesquieu, por exemplo, afirmava "que era homem antes de ser 
francês"32. Neste caso em especial, o autor dava maior destaque ao seu sentimento 
universal, sem que com isto negasse seu pertencimento à nação francesa, ainda que 
considerasse que fosse francês pelo acaso. Hazard, insiste em descrever Feijóo como 
"patriota, para ele nada havia mais querido no mundo que o seu país. Cosmopolita, era a 
favor de mais vastas comunicações entre os povos, da abolição do espírito de partido, da 
paz universal"33, não demonstrando nesta caracterização nenhuma incoerência. Como 
sintetiza corretamente Falcon: "o movimento ilustrado oferece ao historiador mais atento 
uma combinação algo paradoxal de cosmopolitismo e de afirmação de diferenças 
nacionais"34. Este paradoxo é, no entanto, apenas aparente, já que os sentimentos universal 
e nacional caminharam lado a lado, sem chocaram-se necessariamente, ao longo do 
Setecentos. Conforme vimos, este século da razão e do otimismo, também estiveram 
 
30 SARRAILH, Jean-Op.cit, p.181. 
31 Abade Raynal, por exemplo, teceu elogios à Revolução americana porque esta significou a vitória da 
liberdade contra a opressão, permitindo assim que a humanidade se deparasse com os vícios da sociedade do 
Antigo Regime. Mas o pensador francês atribui à independência da América inglesa ainda maior importância: 
com ela os ideais universais foram restaurados sem que os usos, os costumes, a religião e as leis americanas 
deixassem de ser conservados. RAYNAL, Guillaume-Thomas François- Op.cit. Rousseau em suas Cartas 
sobre a legislação da Córsega e Considerações sobre o Governo da Polônia, publicadas na década de 1770, 
dava importância à preservação das características nacionais por serem essenciais à vida política de uma 
comunidade. SMITH, Anthony D.-National Identity, London, Penguin Books,1991, p.88. 
32 FEBVRE, Lucien- Honra e pátria. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1998, p.162. 
33 HAZARD, Paul- O pensamento...-Op.cit., pp. 89-90. 
34 FALCON, Francisco- Op.cit., p.104. 
presentes a sensibilidade e o descrédito. Da mesma forma, se foi o século do 
cosmopolitismo, o nacionalismo nem por isso deixou de se anunciar. Febvre, ao dizer que 
no curso da segunda metade do século XVIII "o epíteto nacional instala-se por toda a parte, 
para continuar a triunfar sob a Revolução"35, dá destaque a um destes aspectos, mas suas 
palavras não desconsideram a predominância das idéias iluministas universais. Afinal, não 
teria sido com esta mesma revolução que elas atingiram seu apogeu? Deste emaranhado de 
idéias aparentemente contraditórias o melhor seria afirmar o que já foi dito anteriormente: 
o Setecentos foi o século dos opostos e dos extremos que, ao menos no interior da 
Ilustração, puderam coexistir em harmonia. 
Muitos estudiosos do iluminismo não estão de acordo com esta coexistência entre 
os sentimentos nacional e cosmopolita tal como proposto acima. Ortega y Gasset, ao 
analisar o século XVIII na Espanha, diz ter sido o menos espanhol de todos, como se a 
introdução de idéias estrangeiras colocasse em xeque a tradição espanhola, tão calcada no 
Cristianismo.36 Agesta, da mesma forma, diz que os iluministas espanhóis, quase sem 
exceção, "abominaron todo lo antigo e desheredaron lo español"37. Para ambos os autores, 
os intelectuais da Espanha, ao acolherem o Iluminismo, e ao sentirem-se também eles 
cosmopolitas, estavam, em última instância, negando a identidade política nacional que 
portavam. O que procuramos insistir, contrariando estes estudiosos, é que a introdução do 
Iluminismo em uma nação não resultava necessariamente na negação dos sentimentos de 
pertencimento político a ela. O que podemos observar é justamente o contrário. As 
reformas ilustradas, tal como empreenderam Portugal e Espanha, foram manifestações 
explícitas de amor a estas nações. As novas idéias foram bem acolhidas porque 
evidenciavam os males nacionais, e mais do que isto, porque alimentaram a esperança 
daqueles que, justamente por amarem suas pátrias, se preocuparam em corrigir seus 
defeitos. 
Não há como negar que o iluminismo contribuiu para que reformas de cunho 
nacionalista fossem empreendidas, e justamente porque tinham este caráter é que puderam 
ser dirigidas, como no caso português, pelo seu soberano. Ainda que aos nossos olhos 
pareça uma contradição que os estadistas portugueses tenham se orientado por uma 
 
35 FEBVRE, Lucien- Op.cit.,pp.172. 
36 SARRAILH, Jean- Op.cit, p.17. 
37 SANCHEZ AGESTA, Luis-Op.cit., p.40. 
filosofia estrangeira que era essencialmente crítica ao Absolutismo, os estadistas 
acreditavam que para reverter o estado decadente de Portugal e, concomitantemente, 
preservar a soberania monárquica, elas deveriam ser introduzidas para interagirem com as 
velhas idéias. É certo que a preservação da tradição seria dificultosa, na medida em que 
toda interação resulta numa nova ordem. Não se trata de uma contradição semântica que 
leva a concluir um desfecho prévio. É do contexto em si que se desprende a crise, na qual a 
antiga ordem estava condenada a malograr. No entanto, as autoridades portuguesas não 
poderiam partilhar dessa percepção. Em seus discursos não se percebe nenhuma disposição 
em reconhecer a ineficácia de seus esforços; o reconhecimento de que a tradição perdia 
paulatinamente a sua legitimidade, e que acrise política se anunciava era algo que 
escapava às suas consciências. 
A aceitação das idéias iluministas em Portugal explica-se também por outra razão: 
elas foram acolhidas em função de reformas nos níveis administrativos e econômicos. 
Acreditava-se que centrar ali as mudanças bastava para tirar Portugal do limbo em que se 
encontrava, e para fornecer aos homens a certeza de que a prosperidade não havia ficado 
para trás e, pelo contrário, poderia ser revivida. Assim, se o Estado era o principal agente 
das mudanças que visavam um futuro mais próspero, o pertencimento a ele era reforçado, 
na medida em que aos súditos agradava a idéia de pertencer a uma nação cujos dirigentes 
estavam preocupados com a sua felicidade. No final do século XVIII e início do XIX, o 
nacionalismo era um princípio fortemente ancorado nas idéias de liberdade, racionalidade, 
cientificidade e modernidade; só um século depois é que ele assumiu feições 
conservadoras.38 
* 
A polaridade universal-nacional, essencial à compreensão da filosofia iluminista, 
permite entender como esta corrente de pensamento, a qual tem sido analisada 
principalmente pelo seu viés cosmopolita, pôde levar os homens da época a refletirem 
sobre as identidades nacionais que portavam. E fazendo isso, estão lançadas as bases de um 
arsenal teórico satisfatório para analisar as idéias políticas defendidas tanto pelo Estado 
português quanto pela elite das Minas, a qual não ficou isenta da influência da Ilustração. 
Esta nova visão do mundo, imanente, mundana e racional, conforme a caracterização de 
 
38 Enciclopédia Einaudi, volume 14 ( Estado-Guerra), verbete "nação", Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 
1989, p.277. 
Falcon, orientou uma série de reflexões que atingiram diversos níveis da realidade. Não 
cabe discorrer aqui sobre todas elas, pois isto daria um estudo à parte. No entanto, é 
necessário aprofundar um pouco mais detalhadamente as inovações introduzidas por esta 
filosofia no que concerne aos conceitos políticos, entre os quais cabe destacar soberania, 
nação e identidade. 
Antes de apontar para estas mudanças é importante deixar claro que as teorizações 
políticas do Iluminismo não romperam integralmente com as concepções políticas 
tradicionais. A própria ênfase dada ao pacto entre governantes e governados é um exemplo 
desta continuidade, já que a teoria do pactum subiectionis serviu também aos teóricos de 
outros tempos para estabelecer a legitimidade e os limites dos governos. Por outro lado, a 
depender de como o pacto foi interpretado, se unilateral ou bilateralmente, o conceito 
serviu tanto aos teóricos do absolutismo para legitimar o poder do monarca, como para 
aqueles que defendiam o direito de rebelião dos súditos. Desta forma, o conceito não 
determinava a priori concepções políticas específicas; ele em si não é comprometedor. 
Portanto, dizer que os iluministas se utilizaram de um conceito tradicional, em nada 
surpreende, já que é a sua interpretação que aponta para a novidade. 
Não se trata, aqui, de recompor as idéias dos principais teóricos sobre esta 
questão, apenas demarcar a linha evolutiva destas interpretações para a melhor 
compreensão da inovação que os iluministas operaram. Em linhas gerais, a noção do pacto 
político, até o século XVIII, resumia-se à idéia de que os homens, possuindo uma 
tendência natural para se agruparem, delegaram a uma só instância ( um monarca ou um 
grupo) o poder de os governarem, abdicando desta forma dos poderes individuais. A 
formação da sociedade, para os teóricos dos séculos XVI e XVII, não se constituía numa 
etapa distinta da constituição da política. Para os pensadores da Península Ibérica, 
predominantemente cristãos, este pacto entre os homens obedecia a uma vontade divina; o 
acordo entre monarcas e súditos tinha Deus por autor. A origem das organizações políticas 
não era um fato propriamente humano, era uma conseqüência da queda dos homens 
determinada pela Providência, porque, conforme já vimos, cabia a ela orientar o destino 
dos homens desde os tempos mais remotos. 
Percebe-se que a origem das monarquias ibéricas, tal como vinha sendo explicada 
até meados do século XVIII, o elemento volitivo humano em muito pouco predominava e 
os limites do poder político não eram determinados pelo pacto em si, mas sobretudo por 
uma força superior. Não eram às leis terrenas, que o Rei devia obedecer. As leis divinas 
ditavam mais alto, e o monarca devia seguí-las de acordo com sua consciência. Neste 
sentido, havia de ser virtuoso, cumprindo as obrigações que a ele cabia como cristão e, 
mais do que isto, como Deus na própria terra. 
As monarquias legitimavam-se no século XVI na "catolicidade dos reinos"39, e o 
Rei, chefe supremo, tinha como missão expandir o catolicismo pela terra, o que legitimava, 
por exemplo, suas conquistas no ultramar. Suas atribuições eram, portanto, espirituais. Não 
surpreende que a obra de Maquiavel tenha causado tanto impacto. Pela primeira vez, as 
teorias políticas foram pensadas desvinculadas das teológicas, estado de coisa inadmissível 
para os teóricos das nações ibéricas, embora estes estivessem conscientes de que a moral 
cristã limitava o poder temporal do Rei. 
Ser português no século XVI, por exemplo, era ser súdito do Rei de Portugal, e se 
o monarca legitimava seu poder segundo pressupostos espirituais, ser português era 
também, e principalmente, ser cristão. O bom vassalo não era somente aquele que obedecia 
ao monarca, mas aquele que, acima de tudo, obedecia a Deus. "'Portugueses' e 'católicos' 
torna(va)m-se, assim, identidades inseparáveis. Mas, como os meios de produção da 
identidade católica eram muito mais eficazes e abrangentes do que os mecanismos de 
produção de uma identidade gentilícia ( nationalis) ou reinícola, o que se passava era, de 
facto, a catolicidade minava continuamente estas últimas"40. A própria condição de cristão 
fazia com que os portugueses se sentissem superiores, como os eleitos de Deus num 
projeto de irradiação do catolicismo e, ao mesmo tempo, de combate aos infiéis. 
Acreditava-se que a nação fora, desde sempre, favorecida com dons de Deus e "distinguida 
por sinais inequívocos de eleição"41, como, por exemplo, pelo fato de ali terem aportado os 
primeiros santos, os primeiros apóstolos. Assim, no topo da identidade nacional estava o 
pertencimento a uma respublica christiana e, de certa forma, "o primado desta 
catolicidade" sobre a identidade nacional limitava o reconhecimento dos elementos de 
organização desta identidade porque nem todos os católicos eram súditos do Rei de 
Portugal, e nem todos que viviam ali podiam se sentir portugueses, pois não eram 
 
39 HESPANHA, António & Silva, Ana Cristina Nogueira da- Op.cit, p.20. 
40 Idem, p.21. 
41 Idem, ibidem. 
católicos. O que se nota nas teorias políticas sobre a origem da constituição do Estado 
português, é que se há um reconhecimento da unidade política, ela é menos perceptível do 
que o da unidade supranacional cristã. Assim, a identidade nacional era informada por 
elementos políticos próprios da realidade portuguesa, mas concomitantemente era 
organizada por critérios sobrenaturais que, por serem comuns também a outras nações 
cristãs, acabavam por reduzir a potencialidade definidora desta identidade política. 
No século XVII, com as guerras religiosas, vemos um esfacelamento desta 
unidade mais ampla e, como conseqüência, a diminuição do poder representado pelo 
Cristianismo. Assim, os teóricos políticos delegaram ao monarca atribuições muito mais 
modestas, ao menos no que concerne à territorialidade de seu poder. O soberano deixoude 
ser visto como um instrumento da expansão da religião cristã pelo vasto globo, seus 
deveres tornaram-se mais humanos, suas obrigações limitavam-se agora em preservar a 
ordem e a catolicidade dentro de seu Reino42. No que se refere às teorizações sobre o pacto 
político, havia um certo desinteresse pelas especulações teóricas legitimadoras do poder do 
monarca. A responsabilidade a ele atribuída resumia-se à conservação da ordem, e isto 
bastava para justificar a sua soberania política. No entanto, a sacralidade do pacto 
continuava a ser reconhecida, continuava a ser considerada irrevogável, portanto, a idéia de 
que a identidade portuguesa remetia ao pertencimento a uma entidade supranacional 
continuava a vigorar. De qualquer forma, esta missão imposta à instância máxima do poder, 
tão fundamental em tempos de distúrbios das consciências, acabava por ligar a comunidade 
dos súditos ao corpo do monarca, e não tanto à Igreja. No entanto, o pertencimento à Igreja 
católica continuava a ser um vínculo identificador dos portugueses porque a divindade do 
Rei ainda era reconhecida.43 
Desta forma, no Seiscentos, as teorizações políticas não eram mais importantes do 
que a realidade empírica na legitimação do poder do monarca, cuja mera necessidade de 
impor a ordem, o justificava. De qualquer forma, destas especulações se depreende uma 
tendência à dessacralização e à nacionalização de seu poder, as quais, em última instância, 
vinham contribuir para a centralização política dentro dos limites nacionais. Visto a 
 
42 Para Koselleck, a guerra civil religiosa foi o ponto de partida do Absolutismo clássico. KOSELLECK, 
Reinhart- Crítica e crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Rio de Janeiro, EDUERJ/ 
Contraponto, 1999, p.19. 
43 Enciclopédia Einaudi, Op.cit, p.282. 
urgência em se solucionar as guerras religiosas que se alastravam pela Europa, a política 
distanciou-se da moral, tornou-se inclusive mais importante do que ela. A doutrina da 
"razão do Estado" foi a mais clara evidência disto. “A exclusão da ‘moral’ na política não 
se opunha à moral secular, mas à moral religiosa com pretensão política”, conforme 
Koselleck44. O pacto, por sua vez, continuava a ser interpretado pelos tratadistas do século 
XVII unilateralmente, servindo somente para especificar as responsabilidades do soberano 
e não para afirmar os direitos dos súditos. As interpretações deste acordo político só 
levaram em conta os desejos dos vassalos quando a nação passou a residir na comunidade 
composta pelos cidadãos; idéia introduzida pelos iluministas. No século XVII o patriotismo 
ainda era uma planta estrangeira nas monarquias, segundo palavras de D´Aguesseau, 
escritas em 171545. Mas se os iluministas reviram a noção do pacto, foram os teóricos do 
século XVII os primeiros a anunciar a tendência à secularização política, ainda que com 
grandes ressalvas, já que se o Rei era o principal responsável pelo futuro de sua nação, ele 
ainda era visto como uma figura divina. 
Também os iluministas foram buscar na idéia de pacto o entendimento da 
constituição e da atribuição do poder político. À diferença dos teóricos anteriores, 
distinguiram este estágio da formação da sociedade, pois para eles estes dois momentos 
eram distintos. Segundo suas interpretações, os homens têm uma tendência natural a se 
agruparem, o que não quer dizer que, ao se reunirem em sociedade, constituíssem 
automaticamente o poder político. São os próprios homens, que num estágio posterior, 
estabeleceram, por livre e espontânea vontade, um acordo entre eles e um governante eleito 
não mais por desejo divino. Assim, se a sociedade antecede o poder político, e se este é o 
resultado de um acordo feito entre os homens, cabe a eles primar pela vigência das normas 
estabelecidas no pacto, que continuava a ser entendido como natural, mas cuja natureza 
diferia daquela dos teóricos dos séculos anteriores. O pacto era natural porque é próprio da 
natureza humana se reunir em grupos e estabelecer um acordo entre governados e 
governantes. É na esteira do pensamento de São Tomás de Aquino que os ilustrados 
 
44 KOSELLECK, Reinhart- Op.cit., p.25. Ver seu primeiro capítulo, no qual esclarece esta tendência afirmada 
acima. No que diz respeito à centralização política esclarece o autor: "O postulado de que o monarca detém o 
monopólio do restabelecimento da paz impõe ao soberano uma responsabilidade absoluta. Na época, ela 
expressou de forma cristalina na afirmação da responsabilidade exclusiva perante Deus". p.22. 
45 FEBVRE, Lucien-Op.cit, p.160. 
atribuíram naturalidade ao pacto46. Assim, se o pacto foi desacralizado, as atribuições do 
governante deviam estar voltadas para os homens. Não eram as leis divinas que deviam 
orientar suas atitudes, o que cabia ao monarca respeitar eram as leis civil e profana47. Estas 
deveriam traduzir a vontade da nação, assim como respeitar as leis da natureza, pois estas 
eram a única garantia com a qual os homens contavam para alcançar a felicidade48. 
Conforme Hazard, no século XVIII, "a felicidade torna-se um direito"49. Num período em 
que os conflitos religiosos cessaram, não era esperado dos governantes apenas a 
manutenção da ordem: os homens podiam exigir deles atitudes mais positivas. 
Ao entender o pacto de sujeição como um acordo bilateral, os iluministas puderam 
determinar o poder político, mas fazendo-o também asseguravam o direito dos homens. 
Segundo suas concepções, caso o monarca não respeitasse as regras do pacto, caberia aos 
súditos destituí-lo do poder e eleger um novo que o fizesse. O que ligava os súditos ao Rei 
não era mais a fidelidade tradicional, e sim a solidariedade de todos numa empresa 
comum50. A partir de então, a noção de soberania foi reavaliada, deixou de residir no corpo 
místico do Rei para encontrar-se plenamente no corpo da nação, formada pelos súditos, ou 
melhor cidadãos, já que aquele termo foi substituído por esse. Segundo Febvre, no século 
XVIII o real pode ser substituído pelo nacional51. 
 
46 Sobre São Tomás de Aquino escreve Chatelêt: "Rompendo com a perspectiva segundo a qual a Cidade dos 
homens é diretamente de instituição divina e ligada ao pecado original, Tomás estabelece que ela é - na ordem 
da Criação- um fato natural. Se Deus quer que os homens vivam em sociedade, disso resulta que o poder, 
cujo objetivo é assegurar a unidade de uma multiplicidade, é uma questão humana que faz parte do plano 
geral da Providência e não de um desígno singular de Deus ou de seu representante. Desse modo, a definição 
do bom poder é uma tarefa exclusivamente da razão"(grifos do autor) CHATELÊT, François et alli- História 
das idéias políticas. Rio de Janeiro, Zahar, 1985, p. 32. Apud. FURTADO, Joacir Pereira- Uma República 
de Leitores-História e memória na recepção das Cartas Chilenas ( 1845-1989). São Paulo, Editora 
Hucitec, 1997, p.81. 
47 Luciano Guerci, em sua análise do Contrato social de Rousseau, detém-se na predominância das leis como 
instrumento que legitima a sujeição dos homens. Para o historiador italiano, muitos estudiosos acreditam 
erroneamente que este pensador foi o pai espiritual dos regimes totalitários, sem considerar que, para 
Rousseau, se as leis determinam a associação entre os homens é com a finalidade de os defender e proteger, 
respeitando a sua liberdade e seus interesses comuns. GUERCI, Luciano- Op.cit, p. 425. 
48 "Nada debe ser tan querido por los hombres como las leyes destinadas a hacerlos buenos, sabios y felices. 
Las leyes serán tanto más preciosas para el pueblo si las contempla como una barrera contra el despotismo, y 
como salvaguardade una justa libertad.". DIDEROT, Denis & D´ALEMBERT, Jean Le Rond- Artículos 
políticos de la "Enciclopédia". Verbete "ley". Selección, traducción y estudio preliminar de Ramón Soriano 
y Antonio Porras. Madrid, 1992, p.109. (1ºedição 1751-1765). 
49 HAZARD,Paul-O pensamento...-Op.cit., p. 32. 
50 DONGHI, Tulio H.- Op.cit., p.88. 
51 FEBVRE, Lucien- Op.cit., pp.165-6. 
Desta forma, o que acabou também por sofrer modificações foi o conceito de 
identidade nacional. Este deixou de expressar unicamente o pertencimento político a um 
Estado e passou a traduzir também a comunhão entre os homens que compartilhavam dos 
mesmos sentimentos, seja em relação a um passado comum ou a um porvir ideal. A 
identidade política tornou-se então uma opção, daí os homens no século XVIII poderem se 
sentir pertencentes a muitas nações, se auto-intitulando cosmopolitas, ou mesmo desterrar-
se de sua nação quando nela não encontravam a vigência das leis naturais e o respeito à sua 
condição humana. Por outro lado, ainda que o pertencimento político à nação pudesse ser 
questionado, não havia como negar que todos os indivíduos portavam características 
diferenciadoras determinadas pelo local onde haviam nascido. Ou seja, se os sentimentos 
políticos não traduziam uma imposição, tampouco era fácil livrar-se das características que 
inevitavelmente haviam de carregar por um dia terem pertencido a uma dada nação, por 
mais que procurassem negar este fato. Só para dar um exemplo, ainda que um indivíduo 
quisesse pertencer ao mundo, a língua utilizada para expressar este sentimento, na maior 
parte das vezes, continuava a ser aquela que era comumente falada em sua terra natal. 
Estas mudanças do século XVIII em relação ao pacto e à identidade nacional não 
foram totalmente assimiladas no Império português, embora a introdução das idéias 
ilustradas resultou num debate teórico em torno da identidade que merece ser esclarecido. 
Em Portugal havia duas concepções tradicionais de se pensar a questão: uma naturalista e 
outra política. A primeira dava continuidade às teorias segundo as quais a identidade 
portuguesa era entendida como um dado natural, determinada por um desejo da 
Providência, assim como era a índole de cada povo. Tal identidade antecedia à identidade 
política, no sentido de que antes de Portugal se constituir em comunidade politicamente 
ordenada, existia um Portugal natural definido pelo seu clima, pela qualidade de seus ares e 
de suas águas, com a identidade portuguesa sendo transmitida pelo sangue. A terra 
portuguesa tinha características próprias, sempre valorizadas pela sua excelência, a definir 
seus habitantes. "O acto fundador do reino, no século XII, não pode, neste contexto, ser 
senão desvalorizado, como um detalhe que apenas sublinhava politicamente uma realidade 
'nacional' existente desde sempre"52. Ao lado desta concepção reinava outra estritamente 
política, a qual atribuía a origem de Portugal justamente ao ato fundador de D. Afonso. 
 
52 HESPANHA- António Manuel & SILVA, Ana Cristina Nogueira da- Op.cit p.29. 
Tratava-se, então, de buscar uma genealogia dos portugueses, encontrada então na 
antigüidade da Casa Real. 
No século XVIII, segundo Hespanha e Silva, com a entrada das idéias iluministas, 
o que se verificou foi um embate entre os adeptos destas duas teorias, as quais, no caso 
português, eram representadas respectivamente pelos "casticistas" e os "estrangeirados". 
Estes últimos, adeptos do Iluminismo, "também cria[ra]m numa especifidade portuguesa. 
Mas nem a sua antropologia universalista a concebia como natural e necessária, nem o seu 
paradigma da organização social e política a julgava desejável, nos termos em que ela se 
apresentava"53. Foram eles, portanto, responsáveis pela introdução de novos paradigmas no 
que concerne à questão da identidade portuguesa, embora seus esforços não foram capazes 
de modificar a hegemonia das antigas concepções. O que vale dizer que, apesar de Portugal 
ter aberto suas fronteiras e procurado se europeizar, admitindo portanto a introdução de 
algumas das novas idéias, no que se refere às idéias políticas, basicamente a de soberania e 
de identidade, Portugal não renunciou ao seu legado teórico tradicional. Ainda no final do 
século XVIII os portugueses eram aqueles que deviam fidelidade a um soberano cujo poder 
divino estava isento de questionamentos. Tal concepção era aceita em todas as partes do 
Império português, tal como se pode desprender, por exemplo, da frase de Francisco 
Antônio de Oliveira Lopes, natural das Minas, que no interrogatório a que fora submetido, 
registrado nos Autos de Devassa da Inconfidência Mineira, acreditava que havia sido preso 
por ter tido conhecimento de que havia naquela Capitania "sujeitos temerários e esquecidos 
dos seus mais religiosos deveres que se atreve[ia]m a conspirar contra o legítimo domínio 
da Rainha Nossa Senhora desta Conquista"54. 
* 
No que concerne às discussões em torno das identidades políticas, se os teóricos 
portugueses não incorporaram as inovações introduzidas pela Ilustração, em outros níveis 
estas foram fundamentais para que pudessem conceber um projeto de reformas que 
desejaram realizar. Na verdade, o simples fato de reconhecerem o estado decadente da 
nação portuguesa, já indica o quanto aceitaram a concepção iluminista de que não era 
possível atribuir aos males de um povo a causas naturais. Também os ilustrados 
portugueses entenderam que estes eram históricos, podendo desta forma serem corrigidos 
 
53 Idem, pp.19-20. 
54 ADIM- Op.cit, Volume II, p.42. 
pois, se assim não fosse, não iriam se dedicar a esta tarefa, pois ninguém pode acreditar que 
do combate com os deuses possa-se sair vitorioso. No entanto, estes tratadistas acreditavam 
que a perda do peso político de Portugal no cenário europeu devia-se ao pouco sucesso 
alcançado na esfera econômica, razão para que a reforma tenha se concentrado nesse nível. 
Reformar a nação portuguesa era sobretudo desenvolver as atividades produtivas que 
haviam de ser modernizadas para que Portugal pudesse competir com as nações mais 
avançadas. Assim não foi uma reforma que propiciou o entendimento das especificidades 
políticas da nação portuguesa, já que o atraso não era pensado nestes termos. 
Esta noção da decadência já estava presente nos tratadistas do mercantilismo 
português do século XVII, entre os quais podemos citar Duarte Ribeiro de Macedo55. 
Também os teóricos naturalistas reconheciam o atraso de Portugal, atribuindo a sua causa a 
um mau governo que não soube respeitar as leis naturais desta nação. Portanto, não se trata 
de uma percepção da realidade própria do Setecentos, mas foi neste século que ela 
intensificou-se, principalmente porque esta "peculiaridade" negativa passou a ser anunciada 
no exterior. As características negativas da nação portuguesa serviam aos estrangeiros para 
desprestigiá-la, o que feria a susceptibilidade dos portugueses, que acreditaram que ilustrar 
sua pátria era uma das maneiras de reverter esta imagem. Desta forma, o desejo de 
modernizar o Reino significou um reforço do sentimento de pertencimento à nação 
portuguesa, no sentido de que refletia o amor dos portugueses pela sua pátria. A percepção 
do atraso, segundo preceitos ilustrados, culminou na afirmação da potencialidade de 
Portugal. 
Foram os estrangeirados, portugueses que conheciam o estado das coisas nas 
nações mais adiantadas, os grandes responsáveis por alimentar em sua pátria esta visão 
mais positiva das coisas. Reconheciam o atraso mas alimentavam a esperança de que 
Portugal poderia superá-lo, daí seus diagnósticos terem ganho

Continue navegando