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Introdução ao Estudo do Direito Tércio Sampaio Ferraz, cap 2 (Resumo) DIREITO COMO OBJETO DE CONHECIMENTO

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Capítulo 2 – O direito como objeto de conhecimento
Direito e conhecimento do direito – Origens 
Nas sociedades primitivas, o princípio do parentesco era a base da organização social, regendo as relações políticas, econômicas e culturais, e organizando a comunidade em famílias e clãs. Dentro da comunidade, todos são parentes. Dentro da comunidade, o indivíduo só é alguém se pertencer parentalmente ao clã. O parentesco também determinava poder de estabelecer o equilíbrio social (por exemplo, os pais de família eram os únicos que poderiam apartar brigas e resolver conflitos dentro do clã). No direito arcaico, a ordem vigente era sagrada, pois era desejada pela divindade. Mas atenção: a ordem não era criada pela divindade, mas sim desejada (a idéia de um deus criador surge somente na tradição judaica e posteriormente na cristã). Nas comunidades primitivas, o infrator era imediatamente expulso da comunidade. Ou estamos dentro da comunidade, e assim com o direito, ou fora dela. O direito era visto como o bem, em contraste com o antijurídico, visto como o mal. Esse direito maniqueísta era atenuado pela intervenção de sacerdotes ou de juízes esporádicos que regulavam a aplicação do direito. Com o desenvolvimento das sociedades (ou pelo aumento quantitativo, ou pelo aumento da complexidade das interações humanas), o princípio do parentesco é gradualmente substituído. Nas culturas pré-modernas (China, Índia, Grécia, Roma) surgem os mercados, que sanaram as necessidades dos não parentes, pois a posição do comerciante deixa de ser determinada por sua situação na família ou no clã (por exemplo, comercializar deixa de ser uma atividade exclusiva dos patriarcas). Com isso, o direito como ordem passa a se ligar aos homens enquanto seres livres, e não mais somente como membros da comunidade. O direito finalmente perde o seu caráter maniqueísta. Agora, o tratamento dado ao infrator se resume a procedimentos decisórios regulados, surgindo assim formas de jurisdição: juízes, tribunais, advogados etc. O direito passa a abarcar o lícito e o ilícito. Dessa maneira, além de regras que determinam o que se deve fazer, surgem agora regras que determinam o que não de seve fazer. Surge também um grupo especializado: os juristas, que desenvolveram sua própria linguagem, critérios e justificações. 
Antiguidade Clássica – Jurisprudência grega e romana
Na Antiguidade Clássica, o direito era um fenômeno sagrado. Ele era tido como o exercício de uma atividade ética: a prudência, que era a virtude moral da ponderação nos atos de julgar. Como a prudência se ligava ao direito, passou a ser chamada de jurisprudência. Enquanto a jurisprudência romana era um quadro regulativo geral, a legislação regulava matérias especiais. Inicialmente, a jurisprudência era realizada por juízes leigos, mas após um tempo foi sendo exercida por juízes profissionais. Os jurisconsultos manifestaram-se então sob a forma dos responsa, que, mais tarde, apareciam em uma forma escrita, em termos de uma informação sobre determinadas questões jurídicas levadas aos juristas por uma das partes, apresentadas no caso de um conflito diante do tribunal. Os responsa são, por assim dizer, o início de uma teoria jurídica entre os romanos. O desenvolvimento de principia e de regular apareceriam mais tarde.
Para os romanos a palavra jurisprudência ligava-se ao que a filosofia grega chamava de fronesis (discernimento, capacidade e sabedoria de julgar). Já para os grego a fronesis era numa virtude desenvolvida pelo homem prudente, capaz de tomar decisões. Para que a fronesis fosse exercida, era necessário o que Aristóteles chamava de dialética (a arte no confronto de opiniões e ideias). Dialéticos eram discursos somente verbais, mas suficientes para criar um diálogo coerente. A dialética oferecia um método eficiente de argumentação. Ela ensinava a discutir realizando o confronto de opiniões e estabelecendo um diálogo entre elas. 
Também havia a crítica, que segundo Aristóteles era uma das espécies mais importantes de dialética. A crítica não era bem uma ciência, com um objeto próprio, mas uma arte capaz de ser dominada por qualquer um. A crítica era um meio de enfrentar a ambiguidade natural da linguagem. O pensamento jurisprudencial, assim como a dialética, discute opiniões, trata os conflitos e busca soluções. Por exemplo, discute-se a aquisição por usucapião do filho de uma escrava furtada. A quem deve pertencer a criança, ao dono verdadeiro ou àquele que a alimentou, pois nasceu quando a escrava estava em sua posse? Segue uma série de possibilidades de soluções, organizadas em um conjunto de alternativas embasadas por uma argumentação. A crítica analisa o caso em particular, contrapõe as razões favoráveis e desfavoráveis (dialética) e assim obtém uma regra geral que decide o caso e serve para outros. O pensamento prudencial era o poder de argumentar e provar. Com isso, eram criadas possibilidades para que o comportamento desviante também tivesse seu lugar, permitindo ao acusado uma argumentação para neutralizar seu comportamento. Por exemplo, se a escrava foi furtada, mas adquirida de boa fé, neutralizava-se o caráter antijurídico do ato. Isso fez com que os tribunais fossem considerados estruturas diferenciadas da polis, induzindo a uma verbalização e uma reflexão da própria imagem da sociedade romana que se julga a si mesma mediante processos jurídicos, na qual o juiz torna-se alguém que decide e responde por sua decisão quanto juiz. Mas, para que isso fosse possível o direito teria que alcançar pouco a pouco um nível de abstração maior, para se tornar capaz de acolher indagações a respeito de divergentes pretensões jurídicas. É justamente aqui que nasce o pensando prudencial com suas regras, princípios, figuras teóricas, socialmente separando-se do próprio direito permitindo que o direito em si não seja visto como forma de luta, mas como um ordem reguladora dotada de validade para todos, em nome de qual se discute e se argumenta. Com o desenvolvimento da prudência a expressão aplicação do direito toma então um sentido autêntico. 
A teoria jurídica romana não era exatamente uma contemplação no sentido grego (theoria), mas, antes, a manifestação autoritária dos exemplos e dos feitos dos antepassados e dos costumes daí derivados. Assim, o pensamento jurisprudencial dos romanos, embora se ligue de alguma forma à prudência e à retórica gregas, tem um sentido próprio, alheio até certo ponto ao problema da relação estanque entre teoria e práxis. Enquanto a prudência grega era uma promessa de orientação para a ação no sentido de descobrir o certo e o justo, a jurisprudência romana era, antes, uma confirmação, ou seja, um fundamento do certo e do justo. Com isso, a jurisprudência tornou-se entre os romanos um dos instrumentos mais efetivos de preservação de sua comunidade, quer no sentido de um instrumento de autoridade, quer no sentido de uma integração social ampla.
Idade Média – O direito como dogma
O advento do Cristianismo permitiu uma distinção decisiva e fundamental entre a esfera da política e a da religião. Assim, por exemplo, se para os antigos o ser humano distinguia-se dos outros animais por ser um animal político no sentido de um cidadão da polis, para a Idade Média o homem passa a ser visto como um animal social. Segundo o pensamento medieval, o homem era um ser criado à imagem e semelhança de Deus, que inscreveu no coração do homem a lei do livre arbítrio. Por ser livre, o homem era destinado à salvação. E para salvar-se, tinha que se conformar à ordem divina, cuja máxima era a lei. Lei e ordem passaram a ser a chave da concepção medieval do direito. Assim, o direito não perdeu seu caráter sagrado. Enquanto que para os romanos o direito era um saber das coisas divinas e humanas, para a Idade Média os saberes divinos e humanos eram distintos, ainda que guardassem uma relação de subordinação. A ciência do direito propriamente dita nasce em Bolonha (século XI), com um caráter novo, mas sem abandonar o pensamento prudencial romano. Seu caráter novoera a dogmaticidade. O jurista cuidava da harmonização das diversas análises textuais, desenvolvendo uma atividade exegética. Isso era necessário porque as análises nem sempre concordavam entre si, gerando contrariedades que seriam discutidas pelo jurista, que chegaria então a uma solução. Para alcançar essa solução, o jurista utiliza instrumentos para evitar a incompatibilidade: a divisão do objeto no tempo e no espaço, a hierarquização dos textos conforme a dignidade de sua autoridade e a distinção entre textos gerais e especiais. A teoria jurídica torna-se assim uma disciplina universitária, cujo ensino era dominado por livros que gozavam de autoridade. Como uma disciplina universitária, a teoria jurídica neutraliza as emoções e os interesses pessoais com o intuito de tratar questões públicas. A influência grega na igreja reintroduz, assim, vários mitos gregos, como o mito do inferno, que agora se transformam em dogmas de fé e os dogmas que produzem a Teologia influenciarão o pensamento jurídico que vai, então, assumir o caráter de pensamento dogmático. Tal pensamento nasce, pois, dessa amálgama entre a ideia de autoridade romana e a ideia de verdade bíblica, transcendente. A teoria do direito medieval, ao conciliar o espírito grego da fronesis, no sentido de orientar a ação, com o espírito romano da prudência, no sentido de confirmar o certo e o justo, instaura pouco a pouco uma teoria que vai servir ao domínio político dos príncipes, como instrumento de seu poder. A partir daí é que se abre o caminho para uma progressiva tecnização da teoria jurídica, em termos de um instrumento político.
Desde a Idade Média, o pensamento jurídico se fez em torno do poder real. Ao colocar o rei como personagem central do direito, surge o conceito de soberania. As disputas pela soberania giram em torno das questões sobre o fundamento do poder soberano e sobre os limites desse poder. Dessa forma, a soberania (tida como o direito do soberano) abre portas para a problematização da legitimidade. Segundo a soberania, o direito só podia ser um, dentro de um determinado território e dentro de determinadas esfera do poder. Segundo a soberania, a fonte e o limite do poder político era Deus. O objetivo do poder é o bem comum, e o bem comum é a obediência às leis que o poder prescreve.
Era moderna – O direito como ordenação racional 
 A partir do Renascimento, o direito perde progressivamente seu caráter sagrado. Essa perda significará a tecnicização do saber jurídico e a perda do caráter ético que a Idade Media cultivara. A era seguinte, chamada de Direito Racional (1600 a 1800) caracteriza-se pela influência dos sistemas racionais sobre o direito. O direito medieval tinha um caráter dogmático que exigia respeito aos textos interpretados, tomados como pontos de partida da argumentação. No entanto, com o distanciamento da visão medieval, a teoria jurídica perde a conexão metódica com suas bases. O humanismo renascentista modifica o método de interpretação dos textos, permitindo a entrada da ciência moderna na teoria jurídica. Nasce um pensamento jurídico neutro, como exigem as questões técnicas, conduzindo à racionalização e formalização do direito. Essa formalização liga o pensamento jurídico ao pensamento sistemático. O conceito de sistema é a maior contribuição do jusnaturalismo moderno ao direito privado europeu. A teoria jurídica europeia passa a ter um caráter lógico-demonstrativo de um sistema fechado, cuja estrutura dominou e até hoje domina os códigos jurídicos. O direito conquista uma dignidade metodológica. A redução de proposições a relações lógicas é pressuposto óbvio da formulação de leis naturais, universalmente válidas. A teoria jurídica passa a ser uma construção sistemática da razão, um instrumento de crítica da realidade. Portanto, o método sistemático era um instrumento crítico-avaliativo do direito. Esboça-se uma teoria de regulação do comportamento através de normas gerais que possibilitam a convivência entre os cidadãos. Os modelos de direito natural são entendidos não como hipóteses científicas, mas como exemplos. Desse modo, a teoria jurídica consegue transformar o conjunto de regras que compõem o direito em regras técnicas para a comparação das situações vigentes com as situações idealmente desejadas. Há uma reconstrução racional do direito, que passa a ser entendido como um conjunto de enunciados respaldados na razão. As categorias máximas de direito natural se unem para fundar a obrigatoriedade da obediência. 
Com base nesses dois princípios fundamentais, Pufendorf divide as normas de direito natural em absolutas e hipotéticas. As primeiras são as que obrigam, independentemente das instituições estabelecidas pelo próprio homem; as segundas, ao contrário, as pressupõem. Esta segunda classe de normas é dotada de certa variabilidade e flexibilidade, possibilitando ao direito natural uma espécie de adequação à evolução temporal.
A teoria do direito na era moderna, se de um lado quebra o elo entre a jurisprudência e o procedimento dogmático fundado na autoridade dos textos romanos, de outro não rompe com o caráter dogmático que, ao contrário, tenta aperfeiçoar ao dar-lhe uma qualidade de sistema que se constrói a partir de premissas, cuja validade repousa em sua generalidade racional. 
O jurista da era moderna, ao construir os sistemas normativos, passa a servir aos seguintes propósitos, que são também seus princípios: a teoria instaura-se para o estabelecimento da paz, a paz do bem-estar social, a qual consiste não apenas na manutenção da vida, mas da vida mais agradável possível.
Por meio de leis, fundamentam-se e regulam-se ordens jurídicas que devem ser sancionadas, o que dá ao direito um sentido instrumental, que deve ser captado como tal. As leis têm um caráter formal e genérico, que garante a liberdade dos cidadãos no sentido de disponibilidade. 
O DIREITO NATURAL DE PUFENDORF
Segundo Pufendorf, toda ordenação, e assim todo o direito, contém essencialmente uma proibição. Seu caráter fundamental repousa em sua função imperativa (obriga a fazer ou a deixar de fazer algo), e não em sua função indicativa (apenas mostra o conteúdo da prescrição). O mais importante princípio do direito natural é a necessidade do homem viver em sociedade. Em sua função imperativa, o direito natural se fundamenta na vontade divina, que fixou os princípios da razão humana.O domínio, jusnaturalisticamente legitimado, organiza a violência e o uso do poder em favor da sociedade política. No entanto, esse novo direito natural substitui o fundamento ético e bíblico pela noção de “estado de natureza”. O rompimento com a prudência antiga é evidente. Enquanto que a prudência antiga se voltava para a formação do caráter, com um sentido mais pedagógico, a sistemática moderna terá um sentido mais técnico, preocupando-se com o domínio de tarefas objetivas (como fundar e garantir juridicamente a paz entre os povos). Assim, a teoria jurídica jusnaturalista constrói uma relação entre a teoria e a prática. Porém, o direito reconstruído racionalmente não reproduz a experiência concreta do direito na sociedade, criando uma distância entre a teoria e a prática. Esse impasse vai ter conseqüências importantes para o pensamento jurídico. Na Antiguidade Clássica, o direito era um fenômeno sagrado, inerente à vida e à tradição romana, conhecido mediante um saber de natureza ética, a prudência. Desde a Idade Média, nota-se que, embora tenha continuando com um caráter sagrado, o direito adquire uma dimensão sagrada transcendente, possibilitando um saber prudencial já com traços dogmáticos. Porém, desde o Renascimento, ocorre um processo de dessacralização do direito, que passa a ser visto como uma reconstrução das regras de convivência. Aí, o direito aparece como regulador racional. A crise dessa racionalidade irá nos conduzir ao aparecimento de formulações românticas sobre o direito, visto agora como fenômeno histórico, sujeito às contingências da cultura de cada povo.
 
SéculoXIX – Positivação do direito e ciência dogmática do direito
O século XIX representa tanto a destruição como o triunfo do pensamento sistemático (legado do jusnaturalismo), baseado na crença na razão humana. A recepção do direito romano proporcionou o surgimento da hierarquia de fontes (leis, costumes, direito romano). Entre os séculos XVI e XVIII, o direito se tornou cada vez mais escrito. O fato do direito se tornar escrito fez surgir importantes transformações na concepção do direito e do seu conhecimento. A fixação do direito na forma escrita aumentava a segurança e a precisão do seu entendimento. No início, as hierarquias ainda afirmavam a relevância dos costumes e a superioridade do direito não escrito sobre o escrito. Mas lentamente a situação se inverte. Nesse período, a percepção da necessidade de regras interpretativas cresce, haja vista a sua multiplicação para a organização das diversas fontes existentes. Essas transformações vão culminar em duas novas condicionantes, uma de natureza política (noção de soberania nacional e o princípio da separação dos poderes) e outra de natureza técnico-jurídica (o caráter que a lei assume como fonte do direito e a concepção do direito como sistema de normas postas). A substituição do rei pela nação, conceito mais abstrato e, portanto, mais maleável, permitiria a manutenção do caráter uno, indivisível, inalienável e imprescritível da soberania (Constituição francesa de 1791) em perfeito acordo com o princípio da divisão dos poderes que, por sua vez, daria origem a uma concepção do poder judiciário com caracteres próprios e autônomos ("O poder judiciário não pode em nenhum caso ser exercido pelo corpo legislativo, nem pelo rei “).
A teoria clássica da divisão dos poderes garante, de certa forma, a neutralidade do judiciário. Essa neutralidade propiciou o aparecimento de uma nova forma de saber jurídico: a ciência do direito. A neutralização política do judiciário significa a canalização da produção do direito para o legislativo. Com o surgimento da concepção da lei como fonte do direito, conclui-se que o direito mudará sempre que a legislação mudar. Em todos os tempos, o direito sempre foi percebido como algo estável frente às mudanças do mundo. Porém, para a consciência social do século XIX, a mutabilidade do direito passa a ser natural. “Todo direito muda” torna-se regra. Essa institucionalização da mutabilidade do direito corresponderá ao fenômeno da positivação do direito. Há um sentido filosófico e um sentido sociológico de positivação. 
Sentido filosófico
A positivação designa o ato de se estabelecer um direito por força de um ato de vontade. Daí a tese de que todo e qualquer direito é um conjunto de normas que valem por força de serem postas pela autoridade constituída, e só por força de outra posição podem ser revogadas. À medida que tais atos de vontade são atos decisórios, positivação passa a ser termo correlato de decisão. A positivação passa a ser um fenômeno em que todas as valorações, regras e expectativas de comportamento da sociedade têm de ser filtradas através de processos decisórios antes de adquirir validade jurídica. Em outras palavras, direito positivo é aquele posto por decisão, e cujas premissas da decisão que o põem também são postas por decisão. A tese de que só existe um direito, o positivo nos termos expostos, é o fundamento do chamado positivismo jurídico.
Sentido sociológico
A positivação é representada pelo aumento da importância da lei votada pelos parlamentos. O antigo regime se caracterizava pelo enfraquecimento da justiça, que se projetava no arbítrio das decisões. A crítica dos iluministas e a necessidade de segurança por parte da burguesia passaram a exigir a valorização dos preceitos legais no julgamento dos fatos. Aí, surgiu um respeito quase mítico pela lei (base da Escola da Exegese), que influenciou os países dominados pelo espírito napoleônico. A redução do jurídico ao legal (que culminou no legalismo) não foi só uma exigência política, mas também econômica. Afinal, com a Revolução Industrial, a velocidade das transformações tecnológicas aumenta, exigindo do direito respostas mais rápidas. Agora, todo comportamento era passível de ser juridicizado, e o caráter jurídico não dependia mais das condutas que sempre foram consideradas direito (como acontecia com o direito consuetudinário). 
A percepção da mutabilidade provocou, a princípio, uma perplexidade. Afinal, a pergunta de alguém que se refere à ciência do direito é: que ciência é essa que precisa apenas de uma penada do legislador para que bibliotecas inteiras se tornem obsoletas? A primeira resposta veio da Escola Histórica do Direito (Alemanha). Surge a concepção do direito não como um fenômeno que ocorre na história, mas que é histórico em sua essência, o que permitirá a qualificação do acontecimento presente também como história. Assim, cria-se a possibilidade de conceber o conhecimento jurídico como metodicamente histórico. A afirmação da historicidade do direito foi uma reação à perplexidade gerada pela positivação. Afinal, se o direito muda, isso não invalida a qualidade científica de seu conhecimento, pois ele muda historicamente. 
Os institutos jurídicos agora são vistos como um conjunto de elementos em constante desenvolvimento, e é a partir deles que as regras jurídicas são construídas e entendidas. Assim, a Escola Histórica marca o aparecimento do “direito dos professores”. O direito dos professores aparece quando a ocupação com o direito passa para as faculdades de direito e seus mestres. A expressão “ciência do direito” é transformada em termo escolar, e assim se difunde por toda a Europa. Isso não significava que o direito era criado e produzido pelos professores, mas que a doutrina passava a ocupar um lugar mais importante que a prática, e que os doutrinadores (professores) eram mais relevantes que os profissionais de direito. Contudo, essa relevância era paradoxal: apesar da ênfase dada à lei (obra do legislador), a doutrina (ao menos na Alemanha) possuía certa independência em relação ao poder central. As universidades alemãs se localizavam fora das capitais políticas. A única exceção era Berlim. Assim, os professores viviam fora dos centros políticos, embora sua atuação repercutisse neles. De outro lado, os mestres (Savigny, por exemplo) nunca tiveram relação positiva com a prática do dia a dia, que era ignorada por eles. Os livros dos mestres não ensinavam a mera história do direito, mas voltavam-se para o direito vigente. 
A Escola História aumentou o abismo entre a teoria e a prática, que vinha a ser o jusnaturalismo, com influências até hoje no ensino universitário e na prática dos juristas. Porém, a dogmática jurídica, enquanto teoria do direito vigente, ocupou pouco a pouco o lugar principal. A investigação histórica foi se tornando uma disciplina capaz de estabelecer o que ainda era utilizável no direito romano, assumindo apenas uma função secundária em face da dogmática. Assim, a investigação histórica perde sua importância. Em resumo, aquilo que a razão representou para os jusnaturalistas passou a ser substituído pelo fenômeno histórico. Assim, surgiu da exigência de fundamentação da mutabilidade do direito a dogmática. A tarefa do jurista, que se torna então dogmática, a partir daí adere cada vez mais à teorização e sistematização da experiência jurídica, convergindo para o positivismo legal, com a limitação do pensamento jurídico ao estudo da lei positiva e ao estabelecimento da tese e da estatalidade do direito. Tudo isso configura a ciência dogmática do direito. 
Características da ciência dogmática do direito
O direito como um sistema fechado, sem lacunas - Trata-se de um sistema fechado que exige a ausência de lacunas. Nesse sentido, o direito constitui uma totalidade que se manifesta através de conceitos e proposições em íntima conexão. Nessa totalidade, as lacunas (aparentes) devem sofrer uma correção através de um ato interpretativo, não através da criação de uma nova lei especial, mas através da reduçãode um caso à lei hierarquicamente superior. Isso significa que as leis de maior amplitude genérica contêm (logicamente) as outras na totalidade do sistema. Assim, toda e qualquer lacuna é apenas aparente. O sistema jurídico é uma realidade perfeita e acabada, explicada pela a análise sistemática da dogmática. Essa concepção foi a base na Escola Histórica do Direito. A ideia de um sistema fechado, sem lacunas, é apenas uma ficção. Porém, há autores que defendem que o direito é uma totalidade acabada de fato.
A ideia do sistema como um instrumento do pensamento dogmático do direito – A essa segunda característica se liga o procedimento construtivo e o dogma da subsunção. Pelo procedimento construtivo, as regras jurídicas são referidas a um princípio ou a um pequeno número de princípios e daí deduzidas. Pelo dogma da subsunção, o raciocínio jurídico se caracteriza pelo estabelecimento tanto de uma premissa maior (que conteria a diretiva legal genérica) quanto da premissa menor (que expressaria o caso concreto), sendo a conclusão a manifestação do juízo concreto ou decisão. Esses dois procedimentos marcam o desenvolvimento da dogmática no século XIX.
No século XIX, a atividade dogmática não se vincula mais a nenhum direito sagrado, nem mesmo a um conteúdo ético teologicamente fundado, mas a formas abstratas. Normas, conceitos e regras passam a ser o material da ciência dogmática, que se transforma na elaboração de um material abstrato. Porém, paga-se um preço por isso: o risco de um distanciamento progressivo da realidade, pois a ciência dogmática, sendo abstração de abstração, vai se preocupar cada vez mais com a função de suas classificações, com a natureza jurídica dos seus conceitos. 
Atualidade – O direito como instrumento decisório
A primeira metade do século XX acentua as preocupações metodológicas já presentes no século anterior. O início do século é dominado por correntes que insistem numa concepção renovada do saber jurídico, ligando-o à realidade empírica. Como herança dos métodos dedutivos do jusnaturalismo, permeados pelo positivismo formalista do século XIX, podemos lembrar algumas teorias jurídicas, sobretudo do direito privado, onde o jurista aparece como o teórico do direito que procura uma ordenação dos fenômenos a partir de conceitos gerais. Neste momento, é possível notar a preocupação de construir conceitos (direito subjetivo, direito de propriedade, direito das coisas etc). A característica desse tipo de teorização é a preocupação com a completude, manifestada na atribuição aos conceitos de uma subdivisão, criando assim subconceitos de uma forma sistemática, o que permite a criação de conceitos mais amplos e menos amplos. Assim, a ciência dogmática do direito se constrói num esquematismo binário, que reduz os conceitos jurídicos a duas possibilidades: ou se trata disso ou se trata daquilo. Ou se trata de direito público ou de direito privado, ou de um direito real ou de um direito pessoal, e por aí vai. A ciência dogmática do direito encara o direito como regras dadas, sendo conservadora. Ela encara o direito como um conjunto compacto de normas, instituições e decisões que lhe compete interpretar e direcionar, tendo em vista a solução dos conflitos sociais. Assim, o jurista contemporâneo preocupa-se com o direito que ele postula: preciso em suas determinações, orientado para uma ordem finalista e que protege a todos indistintamente.

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