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lilIIiltiltll @ DP&A editora Ltda' Pr oibida a reprodução, total ou parcial' por qualquer meio ou processo, seja reprográfico' fotográfico' gráEco, rlicrofilmagem etc' Estas proibições aplicam-se também às características gráficas ei ou editoriais' A violação dos direitos autorais é punível como crime lCodigo Penal arr' lu4 e §§l Lci o'895/80)' com busca, apreensão e indenizações diversas (Lei 9.610/98 - Lei dos Direitos Autorais - arts. 122, 123, 124 e 126)' DP&Aeditora Rua Joaquim Silva, 98 - 2q andar - Lapa cEP 20.241-110 - RIO DE IÀNEIRo - RI - BRASIL Te1./Fax: (2t ) 2232-17 68 L,-mai1: clPa@dPa com br Home Page: www'dPa'com'br Laboratório de Politicas Públicas (LPP/UERI) Rua São Francisco Xavier' 524 Pavilhão João Lira Filho - 2o andar - Bloco F - sala 2136 Rio de janeiro - RJ - Brasil cEP 20550-013 Tel.: (5521) 2565'7569 I 2234'1896 Impresso no BÍasil 2003 Sumário Capítulo I Descontrução, transformação e construção de novos cenários das práticas da afro-americanidade Jesús "Chucho" Garcia Capítuto ll Raça, demografia e indicadores sociais Andr é Augusto P ereira Br andã o Capítuto ttl Professoras negras no Rio de faneiro: história de um branqueamento Maria Lúcia Rodrigues Müller Capítuto lV A prática pedagógica de especialistas crn relaçôes mciais e educação Iolanda de Oliveira Capítuto V O negro na confluência da educação e da literatura Márcia Maria delesus Pessanha Capítuto Vl O pré-vestibular para negros como instrumento rle política compensatória - o caso do Rio de Janeiro Sér§o da Rocha Souza Capítuto Vll Ncgros egressos de uma universidade pública no Rio de Janeiro Moema De Poli Teixeira 19 73 107 145 173 i'i"J)"{t;Iii,i,tl i;ri;i":.iili;r,,\i. i,f i,, lr,ii;;,i);i,{i f t }li{]T J:[ *l!iJj-ii.rl-,:üsi",).',irtr__iti?:r,.:_:)ti:,,11:,,,-,'.i-:i1..1,,.,,)jiÀ,L]êüÂ.' 193 Capituto I Desconstrução, transformação e construção de novos cenários das práticas da afro-americanidade lesús "Chucho" García- A temática afro-americana, principalmente na América Latina e no Caribe, foi reduzida por uma vasta bibliografia que limitou sua caracterização apenas a aspectos "folclóricos" como música, dança e religião. Esta bibliografia reducionista, que na maioria dos casos era carregada de preconceitos, obscurecia outros aspectos de grande significação na vida dos afro- descendentes por afirmação. Em primeiro lugar, não se difundiam seus códigos culturais ancestrais transferidos para o novo mundo (em suas diferentes fases de conservação, criação, recriação e ir-rovação), tampouco se falava da luta pela conquista de espaços nas esferas sociais, políticas e jurídicas das sociedades latino- americanas e caribenhas nos processos de moclernização dos estados. No século XIX, após as guerras de independência dos países de nosso continente, surgiram as ConstituiçÕes, mas nem os indígenas nem os afro-descendentes foram considerados cidadãos; além disso, os afro-subsaarianos que haviam sido * Formou se em educação, pela Universidade Central da Venezuela (UCV). Foi coordenador do centro de estudos afro-americanos Miguel Acosta Saignes da UCV (1988-1993), além de editor da Revista AJro-América, coordenador da fundação afro-américa e rede afio-venezuelana, membro do diretório da aliança estratégica afro-latino americana, que agrupa mais de cluzentas organizações afro do continente e membro permanente da agência de consulta sobre raça e pobreza na América Latina, Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento e Diálogo Interamericano. Washir-rgton. I)P&A editora seqüestrados para nossos países continuaram submetidos à escravidào duranle nluitos altcls' As primeiras constituiçÕes das repúblicas que então estavam nascendo, foram responsáveis pelas primeiras açÕes cle "exclusão" e "anti-cidadania". Essa aberrante exclusão foi baseada e conduzida por fundamentos ideológicos da época' ao contrário do que afirma Frank Thnnenbaum: "Nttnca se questionou se o negro era apto ou não para a liberdade: o negro liberto era considerado como um homem livre e não como um liberto' Legalmente este homem era visto como igual a todos os demais homerts livrcs" 11972, P.45). Talvez o autor de "De escravos a cidadãos" desconhecesse as colocações dos icleólogos clas novas repúblicas' que discutiarn sobre a questão c1a libertação dos afro-descetldentes perguntandà-se: "Mas será que estes homens ffIerecem este nome? Éstes filhos de escravos, nascidos e educados entre escravos' que viveram e serviramconito seus pais a um mesmo senhor até os ltt itnos?" ( Mt 'sçurtrc, I 830)' Durante o século XX, houve a consideração sobre a mo<lernização de nossos Estados e discutiu-se sobre quais grupos humanos deveriam ser usados nessa tnodernização, e_ nessa época ain<la prevaleciam as proposiçoes elaboradas pelos arquitetos du, ,oru, repúblicas que vitoriosamente haviam passado de un-t século ao outro. Ressurge então a questão ética e cria-se um novo trauma para sua integração nas novas repúblicas' A bibliografia do períoclo que abarca os primeiros cinqüenta anos do século XX nos revela esta questào. O intelectual argentino losé Ingenieros afirmava: "Povoar não é civilizar quando esse povoamento é feito com chineses e índios da Ásia e com negros da Africa i Mais adiante acrescenta' referindo-se aos negros como "seres mais próximos dos sírrios antropóides do que o homem civilizado e tudo o que já se tem feito a favor das raças inferiores é anti-científico' O nláximo que podemos fazet é protegê-los para que morratll comodamente" (Cel,rpur,l, 2000). RetaÇões raciais e educaçáo: novos desafios l)(-,(:onstruÇão, transformação e construção I)rrr sua vez, o marxista peruano iosé Carlos Mariategui ( S( l'(lveu: A contribuição do negro que chegou como escraYo parece ser menos vtrliosa e mais negativa. O negro trouxe consigo sua sensualidade, sua sr-rperstição e sua natureza primitiva. Não está em condiçÔes de contribuir com a criação de nenhuma cultura, o único que faz é obstruí-la por meio cla influência crua e vir.ente de sua barbárie (C,rn'lpsEl-, 2000). O intelectual losé Vascoucelos afirmava que "às diferenças íísicas é preciso acrescentar as profundas particularidades de lristória e de raça que caracterizam cada um dos grupos étnicos tla América contemporânea, pois, como todos sabem, nós procedemos de uma cultura hispânica e latina e os do norte são lrcrpetradores de uma da tradição germânica e saxônica" (1992, p. 125). É evidente que para o critrdor teórico da novtr americanidade expressa em sua raça cósmica, as contribuiçÕes rlos africanos e sells descendentes estavam totalmente úrvisíveis aos seus olhos. Na construção teórica da modernidade venezuelana, na década de 1930, o economista Alberto Adriani Í.rzia a seguinte colocação: O perigo negro é o mais grave e suzr solução é mais difÍcil. AVenezueia já tem uma popuiação considerável ile negros, e não é conveniente tratá-los corro raça inferior. Por outro lado, seria difícil recusar irnigrantes negros dos Estados Unidos. Talvez fosse prossível proceder de outra tnaneira cont os negros antilhanos que têm um nível inferior ao de nossos negros nacionais e que, mesmo que pudessem favorecer temporariamente nossa propriedade econômica, seriam um elementcl nclcivo para nossa vida intelectual, social e política. Em nosso país (os negros) têrn sido a matéria prima, o elemento no qual os exércitos recrutaram quase todas as suas revoluçoes. Um aumento sensível da população negra poderá perturbar o desenvolvimento normal de nossas instituições democriiticas e de toda nossa vida nacional, e principaimente comprometer gravemente nossa ur.ridade moral ( 1987). Na maioria dos países do continente americano, o discurso teórico da modernidade e da cidadania da década de1930 foi construído sobre a base da exclusão dos setores sociais menos I{t't;rqocs raciais e educação: novos desafios l,rvort't itlos, t' tliscrintinados do ponto de vista étnico, ou seja, sol» t' o.s irlr-o-clcscendentes e indígenas. Estas consideraçÕes seriam pr.ojctadas até os nossos dias. Como afirma Martín Hopenhayn: ...há duas tarefas funclamer-rtais que são claramente necessárias para unr projeto integraclor. En-r prirneiro lugar, é preciso superar a longa tradição do que aqui chamamos de clialética da negação do outro, aonde uma cultura (da mulher, do índio, do negro, do pagão, do mestiço, clo homem do campro, do r-narginal-urbano etc.) constitui o cimento sobre o qual se constrói uma longa tradição de exclusãc'r socioeconômica, cr-rltural e sociopolítica (2000). No fim da década de 1980 e ao longo de toda a década de 1990, principalmente em toda a América do Sul, o movimento aÍio-americano começou a impulsionar processos de auto- reconhecimento e rcconhecimento que foram marctrdos por uma prolongada luta pela inserçào nos espaços públicos e pelo reconhecimento jurídico, que ao mesmo tempo tem sido uma luta pelo reconhecimento de urna cidadania da afro- americanidade contra a exclusão dos setores historicamente menos favorecidos. Não tem sido fácil introduzir o tema afro na esfera das políticas públicas e jurídicas. Foi necessário que se abrissem espaços de discussão contra impérios conceituais que apagam nossas realidacles com as concepções de que "todos somos mestiços" e, portanto, "sonlos iguais", concluindo assim que vivemos em uma "democracia racial". As organizaçoes sociais afros, como atores sociais protagonistas de seus respectivos destinos, começaram a clesconstruir os referentes estobelecidos sobre a negação da cidadania e da participação nos processos de transformação da complexa realidade ltrtino-americana e caribenha. Como diz Mato: 'As práticas de todos os atores sociais, sejam eles empresas, organizaçÕes govemalnentajs ou organizações não- governamentais, envolvem aspectos econômicos, aspectos culturais e aspectos políticos (ou seja, todas têm conseqüências e aspectos nas relaçÕes de poder estabelecidas, seja reforçando-as ou alternando-as)" (2000, p. 20). I r,.'., ( )il,,ttLtÇao, transformaÇão e construcão l.strr prática da desconstrução da ausência da afro- rrrrt ritrtniclade na integração social foi diferente dtr , \lr('rinrcntada pelas proposições que foram defendidas pelos r,l, ,,loros do movimento afro dos Estados Unidos, como Williams I )rr liois ou Marcus Garvey, no início do século XX. | )rr Ilois afirmava que "os negros norte-americanos erarn r,r lr' alrericanos por nascimento, cidadania, ideais políticos, lrrrrirrir c religião" (Dnerrn, 1977, p.56). Du Bois "era partidário rlr' rnr caminho que reconhecesse a segregação dos negros como rrrrr lrrto na vida norte-arnericana ê que procLlrasse transformá- 1,, 1'111 1s-u de um pensamento cuidadoso e um planejamento rrrlt'li{ente, por parte dos próprios negros. Ao invés de combater .r scurcgação, acreditou que poderia tirar vantagem dela, seja o ,1rrt' fosse que o futuro puclesse reservar" (Dr,Llr.n, 1977, p. 57). l,rlvcz seja nestas noçÕes de Du Bois que estejam baseadas as lolrrrulaçÕes do movimento contemporâneo neo-afro-norte- ,rrrrcricarro que reivindica a aÇão a.firmatita, o racismo positivo. Por outro lado, Marcus Garvey tinha a seguinte opinião: " ( lonsidero que os negros norte-americanos têm contribuído para ,, cstabelecimento da civilização norte-americana e, portanto, It\rrr o perfeito direito de viverem nos Estados Unidos e desejarem itiLraldade de oportunidade e tratamento. Cada negro pode ser , itladão do país no qual tenha nascido ou escolhido viver. l,ntrctanto, prevejo a edificação de um grande Estado na ÁÍiica, {) qual, agindo em concordância com as grandes nações, fará ( ()r.[ qlle a raça negra seja respeittrda como as demais" (GaRCÍ,t, .l(X)O, p. 54). Estas considerações foram difundidas pelo próprio ( iarvey em diferentes países c1o Cirribe como Cuba, Panamá e Arnérica Central. No fundo, o objetivo de Garvey era qlle os ir Íl-cl-americanos clos Estados Unidos voltassem para a África. Irstas posiçÕes serviram conro argumento para o atual rrrovilnento Rastafarie, que ergue a bandeira do retorno à África. lhr-nbém houve um outro argumento que marcou a visão da construção da cidadania afro-descendente, que foi o da Nação tlo lslã, elabolado pelo afro-americano W. D. Fard: 11 Retações rac'iais e educação: novos desafios Aqueles que pertencem a ela (ANação Islã) não eram norte-americanos e deveriam se envolver o menos possÍvel com as instituições da América do Norte. Eran-r cidadãos cta Ciclacla Santa de Meca, não eram cidadãos norte-americanos. Sua bandeira era a muçulmana, não era a bandeira clos Estados Unidos. A universidade cle seus filhos era a Universidade do Islã, não as escolas norte-americanas. Não eram obrigados a obedecer a ConstituiÇão ott a servir às forças armadas da América do Norle ( Dtr rrrR, 1977.p.84). Estes três argulnentos representaram, em grande medida, o início da desconstrução dos princípios de cidadania excludente que haviam sido elaborados pelos ideólogos dos sistemas democráticos americanos. Em termos culturais, podemos somar a eles as colocaçÕes do movimento da negritude, formuladas por Airne Cesairey Leopold Shengor, que tinham como objetivo a reivindicação cultural africana e sua diáspora no mundo, o que também representou uma maneira cle se discutir a cidadania cultural. Estas proposiçÕes representaram os primeiros passos na desconstrução da exclusão dos afro-descendentes, mas não necessariamente reuniam as realidades e ponto exatos da agenda necessária para a conquista de uma participação mais efetiva para a construção da cidadania a partir da perspectiva dos afro- descendentes. A elaboração da agenda dos atores sociais afro-descendentes na construção de sua cidadania Voltamos a afilmar que, a elaboração de uma agenda para a construção da cidadania de afro-clescendentes precisava passar pela desconsúução do discurso teórico eurocêntrico, sustentado sobre a base do desprezo e da exclusão étnica dirigidos ao coletivo de origem africana nas Américas e no Caribe. Como afirma Adriana Maya: A desconstrução destas irnagens em todos os âmbitos da vida social e cultural é indispensável se quisermos contribuir com a construção cla paz e da conüvência que todos nós colombianos desejamos. Apesquisa lr,.,,( rln\tr ução, transformação e construção I ilior.0srr acerca das culturas afro-latino-americanas é importante nãcl I ro l scr étnica, afinal de cor-rtas este é outro vocábulo colonial, mas sim ,' t,r'incipalmente Porque sua redignificação permitirá que r.rós ,"'lrrboremos estratégias de sobrevivência cultural em âmbitos de r('l)rcssão e constante rnigração. Ou seja, é importante porque ('nccrram em si mestnzrs respostas Para os desafios trazidos pelo rrrrrndo globalizado e pós-moderno (2000). trlaborar a agenda era começar pelo auto-reconhecimento ,l,rs contribuiçÕes dos africanos e de seus descendentes na Iornração da diversidade cultural, pelo reconhecimento das r orrtribuiçÕes políticas e religiosas deste continente e do Caribe. lrsla agenda também está vinculada à territorialidade que por ,ul()s os cimarrones' e seus descendentes haviam conquistado nas Itrtas coloniais. Um território que foi acolhido com uma visão ,tilcrente a dos enfoques ocidentais de que o homem vence a nil(Lrreza: o hornem compartilha com a natureza, respeitando-a , harmonizando-a em sua vida cotidiana. Com exceção de alguns países do continente, as comunidades afi-o- clescendentes possuem um reconhecimento legal com o conseguinte clispositivo de medidas que favorecem seu papel na sociedacle' Ainda clue alguns estados tenham se definido nas últimas clécadascomo pluriétnicos e multiculturais, estas denominações são aplicadas de maneira geral às comunidacles e povos indígenas (Oxu, 2000a). A luta pelo reconhecimento externo deveria começar pelo rcconhecimento direcionado ao interior das próprias rornunidades, e nada melhor do que começar pelo espaço, pelo tcrritório. A temática da territorialidade como espaço a ser reivindicado cm urrra agenda de cidadania afro-americana surgiu, pela lrrirreira yez, lTaluta das comunidades afro da costa Atlântica da Nicarrágua, quando foi pror-novida a Lei de Autonomia número .113, emitida em 1987, na qual se afirmava qlle as terras comunitárias, incluindo as águas, bosques, terras e minas que pertenceram 13 Assim erarn chan'rados os escravos que fugiar-l-r para os montes. (N'T') Retações raciais e educaçào: novos desafios tradicionalmente às comunidades étnicas de nossas costas do Caribe, não poderiam ser vendidas, doadas, embargadas, nem ser produtos de troca em negócios (Croluca, 1997). Também se garante nesta lei a proteção e a promoção das línguas (garifuna), danças, tradições, religiões, receitas e outros aspectos que formam a identidade dos povos que habitam a costa atlântica da Nicarágua. O enfoque da territorialidade, como parte do auto- reconhecimento dos afro-colombianos, também fica muito claro na Lei 70 de comunidades negras, artigo l9: As práticas tradicionais que sejam exercidas sobre as águas, as praias ou rios, os frutos secundários dos bosques ou sobre a fauna e flora terrestre e aquática para fins alimentícios ou autílízaçáo de recursos naturais renováveis para a construção ou reforma de moradias, cercas, canoas e outros elementos domésticos para uso dos integrantes da respectiva comunidade negra são considerados usos pela lei e em conseqüência não precisam de permissão ( 1993). Um suporte jurídico para a auto-apropriação da territorialidade é a Decisão 391, no marco da Comunidade Andina das NaçÕes, emitida no mês de outubro de 1993, que "reconhece a contribuição histórica das comunidades indígenas, afro-americanas e locais à diversidade biológica e se atribui a seus conhecimentos, inovaçÕes e práticas um valor estratégico, que deverá ser considerado para efeito de repartir os benefícios que esta contribuição histórica gera" (Fr-onrs, 1999). A luta na esfera da educação pública (separada das propostas da territorialidade) é a necessidade de colocar o tema das contribuições dos afro-descendentes nos currículos educativos como parte do respeito à cidadania. Tanto na experiência da costa atlântica da Nicarágua quanto na experiência colombiana e, mais recentemente, no Brasil, foram conquistados importantes avanços. As colocaçoes feitas pelas ONGs afro destes países consideram a esfera educativa como um dos ângulos essenciais para a reafirmação cultural e a derrota da vergonha étnica, implantada nos sistemas educacionais oficiais. [)r,sconstrução, transformação e construção Na Lei 70 de comunidades negras da Colômbia, o artigo 39 rliz que: "O Estado velarâ para que no sistema nacional educativo sejam conhecidas e difundidas as práticas próprias das iomunidades negras e suas contribuições à história e à cultura r'olombiana, a fim de que ofereçam uma informação eqüitativa e lirrmativa das sociedades e culturas destas comunidades" (1993). Mas um dos pontos essenciais na agenda da prática da afro- irnrericanidade é a luta contra o racismo e discriminação racial. A mobilização internacional que nos últimos dois anos vem sendo rcalizada pelas ONGs afro-descendentes tem sido muito significativa. Em setembro do ano 2000 foi criada, em São Iosé de ( losta Rica, a Aliança estratégica afro-latino-americana, constituída por ONGs, redes, lideranças e grupos do continente com o fim de prepararem uma agenda de trabalho dirigida à III Conferência llniversal contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia, a Intolerância e suas formas conexas, que seria realizada na cidade cle Durban. O racismo, como produto do tráfico de negros e do sistema escraüsta praticados pelas potências européias e posteriormente pelos setores econômicos e políticos dominantes de ascendência curopéia, continua crescendo em todos os continentes, em detrimento dos descendentes de africanos e indígenas. Como dizia Fanon: "O racismo não ficou esclerosado. Foi preciso renová-lo, nalizâ-lo, mudar sua fisionomia" (1975). De acordo com Isidro Cisnero, "O racismo muito freqüentemente conduz à discriminação e à segregação de indivíduos e grupos pelo simples fato de pertencer a uma determinada categoria social, étnica ou racial. O racismo se associa indissoluvelmente à exclusão e à rejeição da alteridade (...) o racismo representa um conjunto de doutrinas que no momento em que se incorporam ao espaço público se transformam em uma verdadeira ideologia" (2000, p.2). No mês de dezembro, a Aliança estrategica latino-americana, em conjunto com a Fundação Idéias do Chile, promoveu antes da pré-conferência das Nações Unidas contra o Racismo, a 15 1716 Relações raciais e educação: novos desafios Conferência Cidadã contra o Racismo, realizada em Santiago do Chile de 3 a 4 de dezembro de 2000, na qual foram analisadas novas formas de racismo e as ONGs do continente, chegando a uma conclusão: o racismo tinha noyas formas e além disso havia se aprofundado em muitos países do continente. Definimos a Aliança como um pacto de instituições nacionais, transnacionais, redes nacionais e transnacionais, cujo objetivo principal é aglutinar os líderes afro-descendentes para que, de forma coletiva, atuem coordenadamente sob uma clireção política cuja meta é a construção de resoluções que serão incluídas na Declaração e no Plano de Ação da Conferência Mundial contra o racismo, que será aprovada em Durban, África do Sul (AuaNçe rsrnarÉGrcA Ar-Ro-LMrNo-AMERTcANA, 2001 ). A força dos argumentos das ONGs afro de todo o continente conseguiu inserir o tema na pré-conferência das Nações Unidas em Santiago do Chile, de 5 a7 de dezembro, na qual os governos reconheceram, pela primeira yez na história, que A conquista, o colonialismo, a escravidão e outras formas de servidão, foram fonte de racismo, discriminação racial, xenofobia e formas conexas de intolerância nas Américas; e condenamos as injustiças que foram cometidas especialmente contra os povos indígenas, os africanos e seus descendentes (...) seus efeitos persistem em muitas de nossas sociedades e são fontes cle discriminação sistemática que continuam afetando vastos setores da populaçào. Reconheceram também "que o racismo e a discriminação racial que a população de origem africana tem sofrido nas Américas, está na origem da situação de marginação, pobreza e exclusão em que se encontra a maioria destes indivíduos em muitos países do continente e que, apesar dos diversos esforços realizados, esta situação persiste em diversos graus" (ONu, 2000b). A participação ativa no processo da IiI Conferência Universal contra o racismo é parte de uma agenda na qual os atores sociais afro-descendentes pretendem inserir na pauta de discussões das Naçoes Unidas uma série de formulaçÕes que se incorporam ao Decênio Mundial contra o Racismo para conseguir avançar nas l)esconstrução, transformação e construçáo esÍeras políticas, econômicas, educativas, tecnológicas, culturais, tlc saúde e sociais de amplo seguimento da população latino- rrnrericana e caribenha, constituída por mais de cem milhOes de irlio-descendentes nas Américas e no Caribe. Os caminhos da tlcsconstrução do pensamento dominante, que oculta a presença rrl'ro, estão abertos para serem percorridos para que se possa continuar construindo criativamente norros referentes na práxis tlc uma agenda inesgotável. Referências bibliográficas AuRr,rNr, A-lberto. Labor Venezolanista. Caracas: Academia Nacional de Ciencias Económicas,i987. Ar rrrNza. rsrRArÉGlcA AFRo-LATINo-aMsnrceN,{. Declaración de Caracas.Caracas,abr., 200 1. ( )r\l\,rpBEL, Francisco. Raza y pobreza en América Latina. Santiago do Chile, 2000. Mimeogr. ( lr,irrucLr. La costa del Caribe y el estatuto de autonomía. Nicaragua, 1997. (lrsxrno, Isidro. Naeyas formas de intolerancia cultural. Caracas, II Reunión de Clacso, nov. 2000. Mimeogr. l)rulrR, Theodore. El nacionalismo negro en Estados tlnidos. EspaÍia: Alianza Edítorial,1977. [,rxoN, Frantz. Por la revolución africana. México: Fondo de Cultura Económica, 1975. lironus, Margarita. La decisión 391 del Pacto Andino. Colombia, 1999. Mimeogr. 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(lonstruímos aqui um estudo de séries econômicas e '|,'uiográficas que relacionam a pobreza urbana e as diferenças t,rt iais dentro desta, a partir da delimitação de uma área 1i,'ogr'áfica específica, a saber: a Baixada Fluminense, parte da llr'1iiao Metropolitana do Rio de faneiro (RM-Ri). Na formação de séries estatísticas utilizamos principalmente ,r:, tlaclos demográficos e econômicos do IBGE obtidos para r otrrposição dos Censos Demográficos e dos Censos Econômicos ,Ir llstado do Rio de faneiro, bem como nas pNADs. Nosso objetivo demandou que identificássemos padrões ,'rr, iocconômicos gerais e desagregados por Íaça, para tanto ,rlÍ,tcg,amos os "pretos" e "parclos" da classificação do IBGE na not,u«l cle afro-descendentes, posto que ambos os grupos, além ,l,r origem histórica comum, apresentam nos estudos até agora ' I )orrlor em Ciências Sociais e professor da Universidade Federal Fluminense - t I I il', c-r.r.rail: <aapbuff@hotmail.com>. ' lis;urros o termo não em sentido biológico, mas sim como um indicador de lrillcns e trajetórias históricas comuns, ou seja como "atributo socialmente ll,rl rorlrclo" (Hasnvn,tc, I 99 1 ). DP&A editora
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