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Ensino de Física: Da Resolução de Problemas à Formulação de Questões André Bessadas Penna-Firme Faculdade de Educação – UFRJ Rio de Janeiro - RJ Resumo Neste estudo fazemos uma reflexão sobre Resolução de Problemas como atividade base dos procedimentos pedagógicos vigentes no Ensino de Física ao nível da Escola Média. Baseado em grande parte na experiência obtida no trabalho com a disciplina de Prática de Ensino de Física, apresentamos também elementos para uma análise crítica dos caminhos tomados na Formação inicial de Professores nos cursos de Licenciatura Plena em Física. Propomos uma rediscussão de metodologias usuais em Física, relatando uma experiência onde uma estratégia Formulação de questões pelo aluno desempenhe papel importante. Pretende-se assim buscar uma prática mais voltada para a independência e criatividade do aluno reforçando a idéia de uma formação voltada para a investigação e a pesquisa. Palavras Chave: Ensino de Física, Resolução de Problemas, Erro como Instrumento Didático, Criatividade e Independência. Abstract In this paper we perform a general analysis of Problem Solving as the more fundamental activity carried out in most pedagogic methods used in Physics Teaching at medium level school. Based in our experience in the discipline Physics Teaching Practice we present some elements for a critical analysis of the approaches carried in most Initial Teaching Physics Graduate Courses. We propose one general review of usual methodologies given in Physics classes reporting one experience where the Questioning was as well as important as Problems. Out of this we aim to suggest one possible teaching practice devoted mainly to independence and creativity of the students, in such way as to strengthen future Physics Teachers graduate in an investigation and research perspective. 1. Introdução O objetivo deste trabalho é fazer uma reflexão sobre ´metodologias´ ou formas de ensinar, usualmente praticadas em classes de Física na Escola Média, bem como nos cursos de Formação inicial de Professores. Pretendemos dar uma contribuição nesta discussão fornecendo elementos que possam nos fazer avançar na busca de alternativas a serem implementadas prioritariamente nos cursos de Formação. Para introduzir este tema, consideramos importante nos reportarmos a Bachelard, epistemólogo, cientista e educador, preocupado com a formação de espirito cientifico em alunos dos diversos níveis de ensino. Em seu trabalho, A Formação do Espirito Cientifico (Bachelard, 1978), confere grande importância à questão dos problemas como geradores e articuladores de todo e qualquer conhecimento em ciência. Segundo sua visão, a busca de soluções para problemas consistentemente bem formulados representa a gênese de todo conhecimento cientifico “Para um espirito cientifico, todo conhecimento é reposta a uma dada questão. Se não houver questão, não pode haver conhecimento cientifico. Nada ocorre por si mesmo nada é dado. Tudo é construído” (Bachelard, 1978. Pag. 72) Portanto, o trabalho com resolução de problemas em Física é etapa fundamental na perspectiva de aquisição de novos conhecimentos pelos nossos alunos. No entanto, nos parece que há equívocos no uso predominante desta pratica que, efetivamente, não tem gerado uma melhor capacidade de compreensão de conceitos físicos e nem tampouco o desenvolvimento de habilidades de caráter lógico-matemáticos. Atualmente, é parte inegrante do trabalho da maioria dos profissionais, atuando nas áreas de Física e Matemática, a seguinte sistemática: Fundamentação Teórica extensa seguida da resolução de exercícios aplicativos e de fixação e apresentação de listas de problemas mais elaborados. Após a conclusão de uma unidade retomam-se novas teorias, com novos problemas, configurando-se aí a existência de um ciclo periódico no qual prevalece uma incompreensão conceitual geral pelos alunos. Há neste sentido uma clara separação entre Teoria e Prática, no sentido de que o bom conhecimento das leis e conceitos fundamentais é condição necessária e suficiente para um bom desempenho nas infindáveis listas de exercícios e, por consequência, uma boa formação em Ciência. Uma parcela considerável de docentes em exercício nos estabelecimentos de Ensino Médio não nos parece suficientemente conscientes das limitações e benefícios inerentes a essa dinâmica, seus pontos positivos e negativos, bem como da eficácia deste modelo, que a nós, parece ultrapassado para promover a aprendizagem. Neste trabalho pretendemos contribuir para esta discussão fornecendo elementos que possam nos fazer avançar na busca de alternativas, a serem implementadas prioritariamente nos cursos de formação de professores. Entre outros fatores, a sistemática citada acima no ensino da Física tem nos levado frequentemente, a resultados profundamente frustrantes em termos de desempenho dos nossos estudantes frente aos desafios impostos por um mundo cada vez mais competitivo, veloz e rico em estímulos de natureza cientifica. A nova lei de diretrizes e bases da educação e os PCNs em particular sugerem uma maior contextualização dos conteúdos, buscando na medida do possível as relações existentes com o cotidiano vivenciado pelos nossos alunos. Configura-se aqui uma idealização, pois cotidianos se multiplicam nas particularidades e diferenças individuais. Torna-se, na maioria das vezes, difícil para o adolescente perceber relações claras entre os modelos constitutivos dos conceitos físicos e as peculiaridades mal percebidas dos fenômenos naturais. Criam-se, assim, verdadeiros bloqueios nos níveis de correlação que deveriam ser estabelecidos no encaminhamento de soluções raciocinadas, numa perspectiva cientifica e adequada à situação enfrentada. Cabe aqui ressaltar que o recorte da realidade feito pela Física e a criação de modelos para representar essa realidade não são absolutamente questões triviais e diretas, bastando um simples olhar para os cotidianos para encontrar as correlações necessárias. (Pierson, 1997) Nossa experiência, como avaliadores e membros de bancas elaboradoras de provas de Seleção e Concurso Público, tem mostrado uma realidade dura para a qual vale uma reflexão. Um dos objetivos deste trabalho é, portanto, rever a eficiência da dinâmica de um ensino alicerçado pela solução de problemas, discussão de suas soluções e formulações necessárias, seguidas da solução de novos problemas. A partir de um certo conjunto expressivo de problemas resolvidos, os professores acreditam que o aluno esteja pronto para seguir adiante, adquirindo novos conhecimentos, em graus mais refinados de elaboração, numa estratégia claramente acumulativa, onde pouca ou quase nenhuma relação entre essas partes se faz presente. Parece-nos que numa tentativa de superar essas dificuldades, deveríamos pensar numa “interdisciplinarizacao” da própria Ciência, pois as diferentes unidades, fragmentadas ao longo dos cursos, não têm mantido até aqui minimamente qualquer tipo de correlação entre si, conforme é possível verificar em boa parte dos livros didáticos adotados atualmente nas escolas médias. A idéia principal que defendemos neste artigo é, em primeiro lugar, mostrar que a atual estratégia de solução de problemas em sala de aula não tem, definitivamente, alcançado bons resultados no sentido de uma compreensão do que de fato representa o conhecimento cientifico e a Física em particular. Está claro para nós, que esta sistemática, por sua vez, é um fator predominante para que o ensino de Física venha se transformando ao longo dos anos numa mecânica e enfadonha memorização de fórmulasmatemáticas sem nenhum significado, sem nenhuma realidade concreta e sem nenhum atrativo. Esta estratégia de ensino, pode-se dizer, é a base das práticas pedagógicas vivenciadas pelos estudantes de licenciatura em seus cursos de formação. É impressionante a carência de uma reflexão mais profunda sobre os processos de aquisição de conhecimento na maior parte dos cursos oferecidos aos futuros professores. A estratégia na sala de aula do terceiro grau é basicamente a mesma das escolas médias, num processo que privilegia resultados tecnicistas e em grande medida excludentes. Essa constatação revela claramente a dinâmica de um sistema perverso que vem se reproduzindo há muitos anos e que ainda hoje apresenta fortes sinais de resistência à mudança. Esta, entretanto, deveria começar seguramente pelos cursos de formação, que em parceria com os colégios de Aplicação se configurariam em privilegiados laboratórios para novas e ousadas metodologias. Por incrível que pareça muitos cursos de Licenciatura ainda não detectaram essa inconveniente realidade e seguem buscando culpados, como por exemplo, a usual crítica sobre a má formação daqueles que se arriscam a ingressar nos Cursos Superiores de Formação de Professores. Em geral ainda é comum em Física, o velho pressuposto de que o aluno é uma tabula rasa, onde suas idéias acerca dos conceitos a serem formalmente abordados, não têm nenhuma influencia ou papel a desempenhar no processo de aprendizagem. Neste sentido, é natural que a resolução de problemas ocorra numa perspectiva completamente desconectada de qualquer elemento prévio do aluno, perdendo, assim, seu significado como elemento gerador de conhecimento..É absolutamente necessário problematizar o conhecimento trazido pelo aluno para sala de aula, dialogar com ele, procurando inconsistências e contradições, para que uma contraposição ao conhecimento sistematizado possa ter algum significado. Bachelard (Bachelard, 1978), neste sentido, propunha uma catarse intelectual, uma espécie de psicanálise do conhecimento, onde o professor ao questionar esses saberes, problematizando-os, faz emergir as limitações e parte para uma descrição da realidade mais próxima da dos cientistas. Criticava fortemente o fato de os professores não reconhecerem a existência de obstáculos pedagógicos para a plena formação do pensamento cientifico do estudante. Obstáculos não podem ser negados, negligenciados ou escamoteados na prática educacional “Sempre me surpreendeu o fato de que os professores de Ciências, mais do que outros, não compreendam que não se possa compreender. Poucos são aqueles que aprofundam a psicologia do erro” (Bachelard, 1996) Bachelard foi um dos primeiros a afirmar que o estudante chega a aula de Física com uma série de conhecimentos empíricos já construídos, fruto da sua interação com a vida cotidiana e que carrega durante sua educação escolar. Não se deve adquirir uma cultura, mas mudar de cultura, derrubando os obstáculos amontoados pela vida cotidiana. (Delizoicov, 2000). Envolvido com a questão de como desenvolver uma nova pedagogia voltada para a formação de mentes questionadoras, Bachelard enfatizou que o trabalho com os problemas constitui-se na verdadeira gênese do conhecimento para o aluno, a fonte do desenvolvimento de um genuíno espirito cientifico. No âmbito dessa discussão, Thomas Kuhn ressalta que os problemas servem de desencadeadores de conhecimento, sendo exatamente no interior desses problemas que a aprendizagem se efetua. As leis e modelos fundamentais não dizem nada fora do contexto das aplicações concretas. Ele com isso rompe a visão do problema como pura e simples aplicação da teoria. O verdadeiro conteúdo cognitivo da ciência está localizado não nas regras e nas teorias, mas, antes de tudo, nos exemplos compartilhados, fornecidos pelos problemas. (Kuhn, 1975). Ao trabalhar com os problemas paradigmáticos, o estudante adquire habilidades de aplicar as leis e as regras gerais às situações especificas, caracterizando um processo, através do qual novos problemas serão vistos como casos análogos àqueles já trabalhados. A lei apenas informa quais as similaridades que devem ser procuradas entre as diversas situações problemas apresentadas (Zylberstajn,1991). De forma geral, a prática pedagógica, segundo a sistemática já mencionada, resume-se a uma lógica exclusivamente dedutivista, etapa conclusiva do método matemático-experimental adotado na Física. Os problemas na nossa Escola não possuem origem clara, no sentido de que suas motivações não são explicitadas, não são dados da realidade e nem tampouco conduzem a uma atitude de problematizações e ressignificações posteriores. Nesta conduta, perde-se a dimensão fundamental para a formação de uma cultura cientifica, que é a da curiosidade espontânea, do questionamento de enunciados, da busca de novos problemas, e de situações que conduzam a busca de sentidos e ao desconhecido ou mesmo a formulação de novas questões, de caráter mais aberto, relacionadas `as anteriores. Vale, neste ponto, mencionar Paulo Freire que argumentava que o essencial no processo educativo é conduzir o aluno de uma curiosidade ingênua para uma curiosidade epistêmica (P. Freire, 2001). É Importante acrescentar que podemos citar diversos exemplos que deixam claro o total despreparo dos egressos dos cursos de Licenciatura mais tradicionais ao lidar com problemas de Física, onde os padrões não estão dados a priori nos textos de graduação. A resolução de problemas apresentados pelo professor é de fato uma etapa significativa para o desenvolvimento de habilidades lógico-matemáticas, de uma certa intuição física e familiaridade com a maneira de trabalhar própria da Fís ica. No entanto, não esgotam as possibilidades da compreensão do saber científico. Segundo os PCNs para o Ensino Médio, no primeiro caderno das Bases legais: “A aprendizagem de concepções científicas atualizadas do mundo físico e natural e o desenvolvimento de estratégias de trabalho centradas na solução de problemas é finalidade da área, de forma a aproximar o educando do trabalho de investigação científica e tecnológica, como atividades institucionalizadas de produção de conhecimentos, bens e serviços.” (PCN do Ensino Médio. A Linguagem da Matemática e das Tecnologias) Ao contrário do que afirma os PCNs, não nos parece que uma simples dinâmica de resolução de problemas, sem a consciência de seu papel como desencadear e elemento estruturador de novos conhecimentos, não conduzira minimamente o aluno a uma aproximação com a dinâmica própria da pesquisa cientifica. É comum o contexto e as situações descritas desses problemas se configurarem em um espaço abstrato, idealizado, onde as conexões com a realidade se perdem em substancialidade.. Tais problemas, na maioria das vezes, não têm uma origem, uma razão de ser, não partem, portanto, de questionamentos e de discussões. Podemos dizer que surgem das expectativas do professor, fruto em parte de suas experiências prévias, e não de um processo coletivo de construção e elaboração mútuos. É freqüente, em nossos educandos, um certo despreparo para o exercício da crítica, mesmo de resultados e conclusões obtidas, aspecto absolutamente fundamental na perspectiva de um ensino voltado para aproximar o aluno da pesquisa cientifica. Por mais absurda que possa aparecer, uma resposta na maioria das vezes não é questionada ou contra argumentada, o que revela que o foco dessa prática é a obtenção de números, corretamente manipulados por meio das expressões matemáticas adequadas. Isso significa, em termos gerais, a nãoretomada das hipóteses de partida, e verificação da plausibilidade e da confiabilidade das deduções alcançadas, processo característico das práticas científicas. Estamos diante de um caminho percorrido em uma direção somente, sem uma volta ao início, importante para uma analise da confiabilidade das conclusões, ou em termos mais concretos, para a verificação se os números encontrados são fisicamente aceitáveis ou não. Esta é uma lacuna que distorce o papel estruturador e central dos problemas. Nos indica, na verdade, que as atenções não estão direcionadas genuinamente para a Física e seus conceitos, para atitudes e valores científicos, mas centrado na plena e na correta manipulação individual de fórmulas e de equações, em geral sem significado para o educando. Pesquisas na área do Ensino das Ciências demonstraram claramente que os alunos trazem para sala de aula idéias próprias, pré-concepções sobre a natureza do mundo físico, formuladas ao longo de suas experiências cotidianas. Esse conhecimento não cientifico será o paradigma a ser acionado pelo aluno na confrontação com as situações problema a ele apresentados. Boa parte dos alunos não tem plena consciência de suas próprias concepções, extremamente arraigadas e resistentes a mudança, e que serão prontamente acionadas na medida em que situações problema vão lhe exigindo resposta. Portanto, falar em ensino de ciência representa necessariamente falar de um certo estagio de revolução conceitual a se dar na perspectiva do aluno. Para isso, o professor deverá criar mecanismos para demonstrar as imperfeições e inadequações das chamadas concepções próprias, ao explicar os fenômenos físicos, gerando assim, no aluno, uma sensação de desequilibração, desconforto e mesmo insatisfação com as próprias concepções. Um testemunho parece-nos pertinente neste ponto: Uma das questões do Vestibular da UFRJ de 2003, no qual tomamos parte na banca de elaboração das questões, perguntava, a certo ponto, qual a velocidade média de um maratonista que havia percorrido 42 Km em 2 horas e 15 minutos, que tem como resposta correta algo da ordem de 20 km/h aproximadamente. Para nosso espanto e perplexidade, como formulador da questão e como avaliador do concurso, havia uma quantidade imensa de provas com respostas do tipo V=190 Km/h ou até mesmo V=1350Km/h, e outras tantas com essa mesma ordem de grandeza. Fizemos uma breve reflexão naquele momento sobre como seria possível um homem normal correr a inimagináveis190 Km/h ? ou quem sabe na incrível velocidade supersônica de 1350Km/h ? Impressionou-nos nesses incontáveis casos a completa falta de raciocínio físico e mesmo bom senso do aluno em perceber que algo estava claramente errado com aquelas respostas. Na verdade, este comportamento reflete um aprendizado desvinculado da realidade sem aporte no mundo físico dos fenômenos naturais que nos cercam. Nossos cursos de formação trabalham na perspectiva do aluno treinado exaustivamente para responder e buscar solução para problemas cujo fim já é muito bem conhecido e consolidado na perspectiva do professor. Para os problemas mais abertos existem reservas, uma vez que abrem espaço para especulações nem sempre desejáveis na sala de aula. Esta situação não parece ser de interesse, pois ao que parece, a ausência de uma solução fechada dificilmente trará benefícios cognitivos para o educando (Peduzzi, 2000).. Qualquer processo de ensino, em tese, deveria buscar estimular o aluno a formular seus próprios questionamentos, colocar claramente suas dificuldades e seus próprios interesses. Um ensino mais fundamentado nessas bases nos parece propiciar uma dimensão bem mais viva e dinâmica para a Física em que o pleno exercício da liberdade intelectual, da ousadia e por que não dizer, da criatividade seriam elementos presentes no trabalho docente. 2. Padrões e modelos Nossa experiência em sala de aula, no ensino médio bem como na disciplina de Prática de Ensino de Física na UFRJ, tem revelado algumas questões relacionadas a Resolução de Problemas que merecem alguma atenção e reflexão. Vale considerar e registrar a tendência dos alunos a buscarem sempre os modelos mais adequados para certos tipos de problemas. Constatamos, por parte dos nossos alunos, o uso frequente desse recurso, que relacionado a uma simples e mal sucedida memorização de sequências lógicas, tentam sem sucesso enfrentar os problemas a serem requisitados nas avaliações. A nosso ver, é curioso notar que por mais que no trabalho diário o professor busque estratégias facilitadoras da aprendizagem, de forma que o aluno não necessite decorar fórmulas, persiste ainda o recurso da memorização acrítica de modelos e padrões lógicos, de forma a caracterizar com isso um conjunto reduzido de possíveis tipos e modelos de problemas. Quando exigimos do aluno o enfrentamento de problemas fora do alcance desses protótipos, fica evidente a frustração e o fracasso, frutos da incompreensão de grande parte dos educandos. O vestibular da UFRJ, no qual tomamos parte, mostra-nos de uma forma clara e inequívoca a incapacidade da maioria dos alunos em lidar com problemas mais criativos e fora do alcance dos padrões típicos dos livros didáticos mais tradicionais que, infelizmente, ainda fornecem o paradigma vigente para o ensino de uma Física brutalmente excludente e incapaz de formar valores e atitudes favoráveis em relação à Ciência. Contribui muito para essa discussão o fato de a Física, transmitida nos cursos de formação de professores, ser absolutamente linear, descontextualizada historicamente e sempre muito bem sucedida na abordagem dos problemas. O dramático vai e vem da história das mais importantes descobertas da Ciência, alternando períodos de grande incompreensão, e busca de construção de conceitos, com períodos de ruptura de paradigmas, simplesmente não é matéria relevante sendo considerada, portanto, dispensável pelos livros didáticos. Essa é uma visão epistemológica do conhecimento que se reproduzirá nas práticas pedagógicas cotidianas, uma visão deturpada de Ciência, na qual os conceitos e grandezas abstratas possuem existência por si só, sem a presença do elemento humano, dos seus fracassos, de suas lutas e dos embates com poderes constituídos e com paradigmas vigentes de uma época. É notável perceber na maior parte dos livros didáticos a completa separação de Física da sua história, que por sua vez aparece quase sempre como um adendo ou mesmo um apêndice ao final de cada unidade, podendo ser lido ou não. Na maioria das vezes os próprios professores mandam pular essas partes “chatas”, o que as caracteriza de fato como irrelevantes. 4. Uma Proposta Infelizmente, não tem sido pratica usual o estímulo para a formulação aberta de problemas e de questões pelos nossos alunos. Esta é uma dimensão da Física que tem ficado muito afastada das nossas salas de aula e para qual uma parcela considerável de nossos docentes, talvez não tenham ainda o preparo adequado, visto que vivem imersos numa dura realidade, com baixos salários e a carência de um merecido reconhecimento e valorização de seu trabalho. Isto os leva a praticar uma pedagogia mais intuitiva, menos baseada em modelos e teorias de Aprendizagem. Assim, propomos neste trabalho o resgate dessa dimensão em Física nos cursos de Formação inicial e, mais adiante, nos cursos de Formação continuada para Professores de Física. O trabalho de Luiz O.Q. PEDUZZI, Sônia Silveira PEDUZZI, “Sobre o papel da resolução literal de problemas no Ensino de Física: Exemplos em Mecânica” (Peduzzi, 2000) traz uma importante contribuição a esta discussão,quando propõe uma maior utilização de problemas abertos com estímulo à solução literal nos cursos de Física. O aluno teria uma maior liberdade para formular hipóteses e, a partir delas, chegar às suas próprias conclusões. Esta nos parece uma idéia que além de nova e interessante, poderia ser capaz de gerar uma nova postura do estudante mais voltado à pesquisa. No entanto, esbarraríamos, mais uma vez, no despreparo dos professores em lidar com questões abertas. O trabalho com soluções literais é altamente abstrato e exigiria grande habilidade matemática dos nossos alunos e ajuda pedagógica intensa dos professores, o que de certo modo, além de restringir a liberdade e a independência de pensamento do aluno, corre-se o risco, uma vez mais, de deslocar o eixo do ensino para os aspectos técnico- matemáticos. No trabalho “Problemas e Problematizações”, por outro lado, D. Delizoikov (Delizoikov, 2000) sugere o uso de temas geradores para o trabalho com problemas. Inspirado em Paulo Freire, o autor propõe entre outras coisas que estes temas sejam preferencialmente de relevância social, de forma a estabelecer as bases de uma linguagem comum entre professores e alunos, por meio de palavras chaves, que funcionariam como ponto de partida para o tratamento dos conceitos físicos envolvidos numa situação concreta. Pedro Demo resume bem no trecho a seguir parte das motivações que nos levaram a este texto, e que tem despertado muitos pesquisadores para o engajamento numa reflexão sistemática sobre possíveis alternativas para o tratamento de problemas em Ciências: “Aprender não significa acabar com dúvidas, mas conviver criativamente com elas. O conhecimento não deve gerar respostas definitivas, e sim perguntas inteligentes” (Demo, 1998, pg 45).. O ensino nas ciências exatas, em geral, procura habilitar o aluno ao uso de atributos lógicos, visando a solução de situações problema. Visa, portanto, a obtenção de repostas, e quase nunca a obtenção de questões ou perguntas. Certa vez, um de meus professores, no curso de Licenciatura em Física fez um comentário marcante, e vale aqui reproduzi-lo, sem mencionar o autor: “....em Física as coisas funcionam assim: na graduação vocês (alunos) aprendem a resolver problemas já conhecidos com respostas já conhecidas, formuladas pelos livros didáticos. No mestrado deve-se trabalhar com um problema formulado pelo orientador, cuja resposta também já é bem conhecida. Somente, então, no doutorado, vocês terão que formular o próprio problema de vocês”. Naquele momento, um sentimento de grande frustração me abateu ao perceber que a grande parte dos licenciandos jamais teria a oportunidade de vivenciar uma etapa tão crucial e determinante na Ciência que é a formulação de perguntas, de questionamentos e, mesmo, de hipóteses. Considerando que a maioria dos alunos de licenciatura se engajam mais rapidamente no mercado de trabalho, estes não terão, portanto, na maioria dos casos, oportunidades para o prosseguimento dos estudos até o doutorado. Essa afirmação, a princípio ingênua deste professor, me revelou a realidade de um ensino de caráter essencialmente excludente, voltado para uma minoria com condições materiais de prosseguir os estudos. Este episódio simples de meu cotidiano, então como aluno de graduação, representou um fato simbólico para mim, mostrando nas práticas docentes, de boa parte daqueles que lidam com a formação inicial dos Professores, um certo descompromisso diante do valor e da responsabilidade social de um futuro professor. Ocorreu-me naquele momento, então, que estamos diante de uma formação que não habilita os jovens professores a pensar minimamente em padrões científicos. Estamos sem condições, portanto, de transmitir valores e atitudes próprias da Ciência. Concluída esta parte da discussão, apresentamos enfim uma proposta no sentido de amenizar as questões difíceis até aqui levantadas. Esta proposta parte de uma experiência realizada no projeto Física no Parque de diversões, originalmente proposta pelo Prof. Roberto Pimentel do Colégio de Aplicação da UFRJ, e no qual tomei parte nos anos de 2002 e 2003. Algumas semanas antes da partida para o parque os alunos receberam cadernos com perguntas e questões a serem respondidas sobre cada um dos brinquedos do parque. Foi feita uma discussão prévia com as turmas sobre os brinquedos que iríamos enfrentar e os possíveis conceitos físicos envolvidos. Discutia-se nestes os efeitos da inércia e a Física em Referenciais não inerciais, passando pela cinemática escalar e vetorial, a cinemática e as Forças envolvidas no movimento circular e as Forças de Atrito. Foi realizada uma grande gincana onde os grupos vencedores receberam alguns prêmio simbólicos. Após a ida ao Parque, começamos a perceber que aquela experiência, vivenciada coletivamente, servia de suporte agradável para os alunos tentarem expressar incompreensões e dúvidas, e em alguns casos até formulando uma série de questões e perguntas. Esta dinâmica em sala de aula nos chamou a atenção para o fato de que a formulação pelo próprio aluno de questões e mesmo problemas é uma das maiores lacunas do atual ensino de Física, e para a qual este trabalho pretende chamar a atenção. Durante essa discussão sobre as experiências vivenciadas no parque diversões da Terra Encantada no Rio de Janeiro, começamos a pedir aos alunos que fizessem uma reflexão, sobre os aspectos que tivessem chamado a atenção de uma forma especial. A estratégia metodológica utilizada tinha por objetivo deixar o aluno inteiramente à vontade, sendo estimulado a expressar suas questões sem nenhum constrangimento quanto a possíveis imprecisões. Deixamos claro que toda e qualquer pergunta seria sempre muito bem vinda e boa o suficiente para ser explorada, pois afinal, “Não há pergunta suficientemente insignificante que não mereça uma resposta”. Deixar o aluno livre para se expressar sem aquela tão conhecida postura coercitiva e detentora dos saberes foi uma estratégia que se mostrou fundamental para a criação de um ambiente favorável à discussão e ao debate livre das idéias que iam surgindo. A partir dessa experiência, passamos a imaginar alternativas para novas situações onde os alunos fossem levados a expôr livremente suas próprias percepções, e mais importante, incentivá-los a formular novas questões. Partimos do princípio de que em Ciência, o ato de perguntar, de indagar, de questionar e de investigar é mais relevante do ponto de vista cognitivo, do que o de encontrar respostas corretas aos problemas propostos pelo professor. Esta proposta, neste sentido, procura discutir a possibilidade de um ensino onde fazer perguntas, de preferência não completamente de maneira adequada, é mais relevante do que responder questões postas pelo mestre. Assim, deveria-se buscar no erro e na sua completa desmistificação, um elemento crucial que se insere dentro de um processo individual de reestruturação interno. O erro me parece do ponto de vista pedagógico, muito mais rico e frutífero do que tem sido usualmente considerado. Na tentativa de levar os alunos a formularem críticas e a questionarem situações, muito erros e imprecisões conceituais aparecem. Com eles, é necessário trabalhar na perspectiva de uma orientação para a pesquisa com questões abertas, no sentido dado por Peduzzi, ou baseado num fato real estruturador das questões centrais, como proposto por Delizoicov. A existência de uma situação concreta, de preferência vivenciada pelo grupo, que se configure no ponto de partida para novas indagações, é de fato um aspecto articulador de toda a metodologia.O ponto mais relevante, segundo nos parece, é oferecer aos nossos alunos de Ciências a oportunidade de propor e de trabalhar com questões formuladas por eles mesmos, e discutidas por todos, com a devida orientação do professor. Seguramente, esta não é uma iniciativa que prescinde da resolução usual de problemas e de exercícios dos livros de texto, mas consiste num elemento adicional a ser inserido, e que de certo modo poderia se contrapor ao tecnicismo reducionista da mera manipulação de expressões matemáticas. Esta proposta em certa medida vai ao encontro da proposta de G. Snyders ... uma educação escolar centrada na perspectiva de suas transformações, propondo exploração de temas significativos que envolvam contradições sociais e que proporcionem uma renovação de conteúdos programáticos numa dimensão critica. Bibliografia BACHELARD, Gaston. A Formacao do Espirito Cientifico. Ed. Contraponto, 1996 DEMO , P. Aprender: o desafio reconstrutivo. Vol 24, no. 3, 1998 DELIZOICOV, D. Problemas e Problematizações. Ensino de Fisica: Epistemologia, Metodologias e Técnicas. Org. M. Pietrocola. 2000, EDUSP. FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Ed. Ediouro 2001. PEDUZZI, L.O.Q.; PEDUZZI, S. S. Sobre o papel da resolucao literal de problemas no Ensino de Fisica: Exemplos em Mecânica In Ensino de Física: Epistemologia, Metodologias e Técnicas. Org. M. Pietrocola. 2000, Ed.Usp. PEDUZZI, L.O.Q. Sobre a Resolução de Problemas no Ensino da Física. Cadernos Catarinenses de Ensino de Física. No.3, Vol 14, 1987 , p. 232-233. GARRIDO, E. Sala de Aula: Espaco de Construcao Pessoal para o aluno e de Pesquisa e Desenvolvimento para o Professor. In Ensinar a Ensinar. Org. CARVALHO, A.M.P.; CASTRO, A. R. Ed Pioneira, 2001. GIL-PEREZ, D.; MARTINEZ-TORREGROSA, J.; RAMIREZ, L.; DUMAS-CARRE,A.; GOFARD,M.; CARVALHO A.M.P. Questionando a didática de Resolução de Problemas: elaboração de um modelo alternativo. Cadernos Catarinenses de Ensino de Física, No.1, Vol. 9, 1992 , p. 7-19. KUHN, T. A Estrutura das Revoluções Cientificas. Ed. Perspectiva, São Paulo, 1975. CASIMIRO LOPES, A. A Epistemologia de G. Bachelard. Cadernos Catarinenses de Ensino de Física, No.3, Vol. 16, 1997 , p. 18-26. PIERSON, A.H. O Cotidiano e a Busca de sentido para o Ensino de Fisica. 1997. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, USP. ZYLBERSZTAJN, A. Revoluções Cientificas e Ciência Normal na Sala de aula. In Tópicos em Ensino de Ciências. Org. M.A .Moreira e Roland Axt Ed. Sagra,Porto Alegre 1991. André B Penna Firme. Bacharel e Licenciado em Física pela UFRJ. Mestre em Física Teórica pelo CBPF e Doutor em Ciências Físicas pelo CBPF em 1999. Pós Doutorado em Educação em Ciências e Epistemologia pelo International Centre of Theoretical Physics, Trieste-Itália. Vem trabalhando nas disciplinas Prática de Ensino e Didática de Física na Licenciatura em Física da UFRJ, bem como responsável pelas cadeiras de Ciências para o curso de Pedagogia na Fac. Educação da UFRJ. Desenvolve atualmente pesquisas na área de Ensino de Ciências e Matemática, Historia e Epistemologia da Ciência e desdobramentos na Educação, Ensino de Ciências com o uso de Modelos Físicos, Formação de Professores e Informática Educativa. Desenvolve ainda pesquisas em Física Teórica pura, nas áreas de Astrofísica, Teoria Quântica de Campos e Cosmologia Teóricas. Em 2003 recebeu premio da ´Gravity Research Foundation´ nos EUA por ter publicado trabalho original em Física.
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