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Resumos, resenhas e fichamentos Resumos, resenhas e fichamentos Francisco Possebom e Rute Augusto Possebom Professores de Língua Portuguesa Introdução Estudantes frequentemente têm de elaborar sínteses das leituras que fazem. Essas reduções são úteis para estudar para provas, para utilizar uma ideia em um trabalho ou como exercício proposto por professores. A maioria das pessoas concorda que elaborar sínteses de textos longos é útil e importante. O problema é que não há, no Brasil, definições e padrões únicos para tais exercícios. O que um autor chama de resumo outro chama de resenha; a palavra fichamento, por exemplo, abrange uma infinidade de possibilidades. Diante desse quadro, é fundamental que cada professor, ao indicar um desses trabalhos a seus alunos, defina-o e explique como espera que seja feito. Igualmente importante é que todos os professores de um curso adotem o mesmo padrão. Este artigo apresenta uma definição, acompanhada de um modelo, para cada um dos trabalhos mais comuns. Não é a melhor nem a única. É apenas uma opção para os colegas. Buscou-se aqui estabelecer as definições mais simples e objetivas, mais acessíveis aos estudantes, principalmente os ingressantes no Ensino Superior e os do Ensino Médio. 1. As reduções mais comuns Os trabalhos e exercícios mais comuns de síntese de publicações, principalmente livros, são os seguintes: a) Esquema: conjunto de palavras e símbolos que sintetiza as principais idéias de um texto. Para Maria Margarida de Andrade (1993, p. 24), “corresponde [...] a uma radiografia do texto, pois nele aparece apenas o „esqueleto‟, ou seja, as palavras-chave, sem necessidade de se apresentar frases redigidas”. b) Resumo: “apresentação concisa e frequentemente seletiva do texto, destacando-se os elementos de maior interesse e importância, isto é, as principais ideias do autor e da obra” (LAKATOS; MARCONI, 1992, p. 72). É “um texto mais curto, mas que contenha todos e apenas os dados que garantem a compreensão do que diz o texto original” (BANDEIRA; TUFANO, 1995, p. 75). Há professores que preferem chamá-lo de resenha. c) Resenha: “é uma síntese ou um comentário” de um livro, composto por “um cabeçalho, no qual são transcritos os dados bibliográficos completos da publicação resenhada; uma pequena informação sobre o autor do texto, dispensável se o autor for muito conhecido; uma exposição sintética do conteúdo do texto” e “um comentário crítico” (SEVERINO, 2002, p. 132). Alguns preferem chamá-la de resenha críticaou recensão. d) Fichamento: é a elaboração de um esquema, resumo ou resenha de uma obra, para estudo ou pesquisa; ou seja, é um sinônimo de qualquer uma das três definições anteriores. É uma prática muito antiga, da época em que as sínteses de obras lidas só podiam ser manuscritas ou datilografadas em máquina de escrever. O meio mais prático de armazenar as informações era anotá-las em fichas de cartolina, guardadas em ordem alfabética. A popularização dos computadores levou os estudantes a armazenar suas sínteses em arquivos eletrônicos, que podem ou não ser impressos, mas o nome fichamento permaneceu. A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT) não possui padrões para os trabalhos acima. Apenas define resumo como “apresentação concisa dos pontos de um documento” (ABNT, 2003, item 2.2) . 2. Esquema Por ser composto por palavras-chave e símbolos, geralmente só é entendido por quem o fez e sua utilização costuma ser limitada a estudo para prova ou planejamento de trabalhos. Apenas como exemplo, apresenta-se aqui um esquema dos Elementos da Comunicação: Elementos da Comunicação Referente Emissor Mensagem Receptor Canal Código 3. Resumo O resumo é um texto coerente, com introdução, desenvolvimento e conclusão, escrito com as palavras do aluno que o fez. Não é uma lista de tópicos nem uma sequência de frases copiadas do original, embora possa conter citações literais. Sempre deve ser iniciado pela referência completa, no padrão ABNT (2002), da obra resumida. Um bom resumo exige a leitura de todo o texto que lhe deu origem. Enquanto se lê, é útil sublinhar ou anotar as ideias principais e, caso sejam encontradas, palavras desconhecidas, as quais devem ser procuradas no dicionário. Embora não seja obrigatório, é recomendável que, no resumo de um longo texto, cada ideia importante seja seguida da indicação, entre parênteses, do número da página em que se encontra. Isto facilita a localização posterior daquelas informações. Para exemplificar, apresenta-se a seguir um fragmento de um capítulo de livro e depois o resumo do capítulo: Redação científica no periódico O Patriota , de 1813 Francisco Possebom Conhecer as características da redação científica em determinada época e local constitui importante subsídio para estudos em História da Ciência. A história das normas para apresentação escrita de trabalhos acadêmicos no Brasil é assunto de especial interesse, pois contribui para a compreensão dos padrões de redação acadêmica seguidos pelos pesquisadores do país. Uma das fontes para a pesquisa das referidas normas é o periódico O Patriota, publicação iniciada em 1813 e encerrada em 1814. A Biblioteca Nacional possui a coleção completa. Este estudo baseia-se na cópia microfilmada da coleção, disponível no Centro Simão Mathias de Estudos em História da Ciência (CESIMA), da PUC-SP. [...] O Patriota constitui uma amostra das publicações científicas nos primórdios da imprensa no Brasil. Seu fundador e editor foi Manuel Ferreira de Araujo Guimarães: [...] O fundador definia o periódico como “Jornal Litterario, Politico, Mercantil, & C. do Rio de Janeiro”. Seu primeiro número data de janeiro de 1813, ano em que circulou com periodicidade mensal, e o último é de novembro-dezembro de 1814, ano em que as edições foram bimestrais. Cada edição de O Patriota é dividida em partes, conforme a concepção do editor a respeito de áreas do conhecimento. As partes são as seguintes: “Artes”, “Botanica e Agricultura”, “Chimica”, “Commercio”, “Historia”, “Hydraulica”, “Hydrographia”, “Literatura”, “Mathematica”, “Medicina. Materia Medica”, “Politica”. Tal divisão mostra a amplitude da temática daquela publicação, abrangendo desde estudos de Medicina e Química até poemas e contabilidade dos navios no porto. É importante frisar que o que se entendia à época por “artes” é diferente do entendimento atual, como se pode observar pelo título de dois artigos enquadrados naquela parte: “Memoria sobre o emprego do assucar combinado com a polvora, extrahida do Repertorio das Artes, Manufaturas, e Agricultura” e “Novo methodo para refinar assucar” [...]. Os autores dos artigos eram, como o editor, pessoas ligadas ao governo do Príncipe Regente D. João (Sodré, 1983, p. 19). Alguns eram apresentados com suas credenciais, como é o caso de “Manuel de Arruda da Câmara, Doutor em Medicina pela Universidade de Montpellier, da Academia das Sciencias da mesma Cidade, Correspondente da Sociedade de Agricultura de Pariz, e da Academia Real das Sciencias de Lisboa, e Naturalista empregado no serviço de S. M. Fidelíssima na Capitania de Paranambuco” (jan 1813, p. 22) e de “Doutor Luiz José de Godoy Torres, Physico das tropas daquella Capitania” [Minas Geraes] (mai-jun 1814, p. 62). Aliás, alguns eram designados por “Excellentissimo”. Outros informavam somente suas iniciais, costume de uma época e de um local em que todos se conheciam. É o caso de “B.*”, autor de “Memoria sobre a plantação e fabrico do urucú” (dez 1813, p. 3). [...] O primeiro número, datado de janeiro de 1813, apresenta características que se repetem nos números seguintes,as quais comentaremos nos próximos parágrafos. [...] As margens são justificadas, isto é, alinhadas à esquerda e à direita, com hifenação. Os títulos dos artigos são grafados em itálico e acompanhados pelos nomes dos autores. Usam-se notas de rodapé para explicações. A numeração da nota de rodapé recomeça em 1 a cada página. Tanto o número de chamada como o da nota de rodapé têm o mesmo tamanho das letras do texto e são grafados entre parênteses. [...] A pessoa do discurso era a primeira do singular, como se vê nestes exemplos: “Até aqui tenho fallado do uso, que tem este genero no commercio para as fabricas de panos; agora tocarei de passagem noutros usos, que se se podem estender muito, tanto na economia, como no uso medicinal.” (jan 1813, p. 29); “[...] O gado he excellente, se exceptuar-mos o Vacum, de que vi muito pouco, e o cavallar, que em nenhuma parte destes Reinos se encontra [...]”(jan 1813, p. 97). Os artigos foram agrupados em partes conforme o tema. O primeiro tema é “ARTES”, com dois artigos: “Memoria sobre o emprego do assucar combinado com a polvora, extrahida do Repertorio das Artes, Manufaturas, e Agricultura.” (jan 1813, p. 9- 10), ao fim do qual identifica-se a fonte como “Repertory of Arts, &c. n.º 125”; “Novo methodo para refinar assucar por Luiz Honoré Germain Constant, premiado a 27 de fevereiro de 1812.” (jan 1813, p. 10-21). [..] Na seqüência, vem a parte “AGRICULTURA”, [..] a parte “HYDROGRAPHIA”, [..] a parte “MEDICINA”, [..] a parte “LITERATURA”, [..] a parte “HISTORIA” [..]. Após, a parte “POLITICA”, com o “Calculo sobre a perda de dinheiro do Reino, offerecido ao Senhor Rei D. JOAM QUINTO de eterna gloria, por Alexandre de Gusmão, Seu Secretario do Estado, Fielmente copiado do seu original authographo.” (jan 1813, p. 101-107); o “TRATADO DE PAZ”, com subtítulo “Entre S. M. o Rei da Suécia, e S. M. o Rei do Reino Unido da Gran Bretanha e Irlanda.” (jan 1813, p. 108-109); o “Tratado de Amizade, União e Alliança entre a Hespanha e a Rússia.” (jan 1813, p. 110-111); o “ESTADO POLÍTICO DA EUROPA” (jan 1813, p. 112-121); e “Obras puclicadas nesta Corte no mez de Janeiro.” (jan 1813, p. 121-122). Em seguida, a parte “COMMERCIO”, com o “Mappa das embarcações Portuguezas, que entrarão em Gibraltar em 1811, suas importações, exportações, etc.” (jan 1813, p. 122-125). Finalmente, o “INDICE” (jan 1813, p. 127-128), com os nomes dos artigos e suas páginas iniciais. [...] Nos demais números de O Patriota os artigos seguem o padrão título, ementa (resumo do texto), nome do autor, credenciais do autor e texto. Os textos dos artigos maiores são divididos em capítulos. Alguns artigos numeram tópicos e parágrafos (§I, §2). Os textos seguem as regras gramaticais e estilísticas da época. A maioria das frases contém de 50 a 100 palavras, com muitas coordenações e subordinações [...]. Os títulos dos artigos seguem o mesmo padrão, como é o caso de “Memoria Historica e Geographica da descoberta das Minas Extrahida de Manuscritos de Claudio Manoel da Costa, Secretario do Governo daquela Capitania, que consultou muitos documentos authenticos, existentes na Secretaria do Governo, e em outros Archivos” (Abr 1813, p. 40) e “Methodo imaginado, e praticado no Laboratorio Chimico do Excellentissimo Antonio de Araujo de Azevedo, nesta Cidade do Rio de Janeiro, para a extracção do Oleo de Mamona. (Ricinus communis)” (fev 1813, p. 12). [...] Como se viu, os padrões mudaram ao longo desses quase dois séculos, mas algumas características conservaram-se. Um longo trajeto foi percorrido das publicações dos primeiros textos científicos no Brasil até o que existe hoje. Semelhanças e diferenças entre os padrões daquela época e os atuais permitem-nos refletir sobre a redação científica como reflexo das mudanças na Ciência. A próxima página apresenta um exemplo de resumo do capítulo acima. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciência Disciplina: História da Ciência Aluno: Francisco Possebom RA: 9999999 Turma HC1 01.02.2009 Resumo de: POSSEBOM, Francisco. Redação científica no periódico O Patriota, de 1813. In: MARTINS, Roberto de Andrade et al (Org.). Filosofia e História da Ciência no Cone Sul. Seleção de trabalhos do 5º Encontro. Campinas: AFHIC, 2008. p. 157-161. Pesquisa sobre História das normas para apresentação escrita de trabalhos acadêmicos no Brasil identificou no periódico O Patriota, publicado no Rio de Janeiro por Manuel Ferreira de Araujo Guimarães em 1813-4, características da redação científica daquela época (p. 157). Em artigos de “Botanica e Agricultura”, “Chimica”, “Historia”, “Hydraulica”, “Mathematica”, “Medicina”, entre outros, apresentavam-se resultados de pesquisas (p. 158). Frases de 50 a 100 palavras, uso de honrarias, como “Excellentissimo”, para designar autores, e notas de rodapé e de fim para explicações são algumas das características observadas, que permitem conhecer normas e costumes referentes à redação científica nos primórdios das publicações no Brasil (p. 161). 4. Resenha Resenha, também chamada de resenha crítica ou recensão, é um resumo acompanhado de críticas ao conteúdo de uma obra. Saliente-se que a palavra “crítica”, aqui, é usada no sentido de “análise ou julgamento” e não no sentido popular de “condenar, falar mal”. Da mesma forma que no resumo, é conveniente anotar o número da página em que se encontra cada ideia importante extraída de um texto. A resenha exige pesquisa de outras informações além do texto lido, entre elas, dados sobre o autor e o contexto histórico da época em que a obra foi publicada. Há resenhas de livros, artigos de revistas, filmes, peças de teatro, músicas e outras obras científicas ou artísticas. Vale frisar que “livro” e “revista” podem ser publicações em papel ou eletrônicas. Geralmente, o resenhista é uma autoridade no assunto e a resenha é publicada em jornais e revistas a fim de que os leitores possam decidir se lerão o livro, assistirão ao filme ou à peça, enfim, se buscarão a íntegra da obra. Justamente pela amplitude da pesquisa que uma resenha exige, ela é um ótimo exercício para os estudantes. Mesmo que eles ainda não sejam autoridades no assunto, a busca de dados para a resenha lhes proporcionará mais conhecimento e os preparará para o trabalho científico. O resenhista deve criticar a obra e não a pessoa do autor. A próxima página contém um exemplo de resenha de parte de um livro. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciência Disciplina: História da Ciência Aluno: Francisco Possebom RA: 9999999 Turma HC1 01.02.2009 Resenha de: CHARTIER, Roger. Comunidade de Leitores. In: ______. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Trad. Mary del Priore, de L‟ordre des livres: lecteurs, auters, bibliothèques en Europe entre XIV e et XVIII e siècle. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994. p. 11-27. Roger Chartier nasceu em 1945, em um comunidade de artesãos de Lyon. É historiador e ocupa os cargos de Diretor de Estudos da École des Hautes Études en Sciences Sociales – EHESS e professor visitante da Universidade da Pennsylvania. É autor de diversas obras sobre a história dos livros e da leitura. Já esteve várias vezes no Brasil. A primeira edição de “A ordem dos livros” deu-se em 1992, em francês. A tradução brasileira é de 1994. O capítulo chamado “Comunidade de leitores” é dedicado à memória de Michel de Certeau e começa com uma citaçãodaquele autor sobre a durabilidade da escrita e a efemeridade da leitura. Afirma, na abertura do capítulo, que “toda a história que se propõe a inventariar e racionalizar uma prática – a leitura – que raramente deixa marcas” depara com um desafio que “repousa, por princípio, num duplo postulado: a leitura não está, ainda, inscrita no texto, e que não há, portanto, distância pensável entre o sentido que lhe é imposto (por seu autor, pelo uso, pela crítica, etc.) e a interpretação que pode ser feita por seus leitores; conseqüentemente, um texto só existe se houver um leitor para lhe dar um significado.” (p. 11) Baseado em abundante bibliografia, como se pode observar nas dezenas de notas, com destaque para o citado Certeau, o autor salienta que a “tarefa do historiador é, então, a de reconstruir as variações que diferenciam os „espaços legíveis‟ – isto é, os textos nas suas formas discursivas e materiais – e as que governam as circunstâncias de sua „efetuação‟ – ou seja, as leituras compreendidas como práticas concretas e como procedimentos de interpretação.” (p. 12) Chartier procura analisar “como, entre os séculos XVI e XVIII, nas sociedades do Antigo Regime, a multiplicada circulação do escrito transformou as formas de sociabilidade, permitindo novos pensamentos e modificando as relações de poder”. Aponta três pólos de pesquisa para o historiador: análise de textos, história do livro e práticas de leitura (p. 12). E alerta: “Deve-se levar em conta, também, que a leitura é sempre uma prática encarnada em gestos, em espaços, em hábitos. [...] Dessas determinações que governam as práticas dependem as maneiras pelas quais os textos podem ser lidos [...].” (p. 13) Explicando que “toda a história, desejosa de restituir a significação movediça e plural dos textos”, deve levar em consideração as variações na disposição dos leitores e nos dispositivos formais e textuais, ensina que se pode “tirar proveito dessa constatação de várias maneiras: indicando os contrastes maiores que distinguem os modos de leitura; caracterizando as práticas mais populares dos leitores; ou prestando atenção às fórmulas editoriais que textos antigos oferecem a novos compradores, mais numerosos e mais humildes .” (p. 14-15) Criticando uma prática de análise histórica de seus antecessores, afirma que “a história sócio-cultural à francesa viveu muito tempo sob uma concepção mutilada do social. Privilegiando apenas a classificação sócio-profissional, ela esqueceu que outros princípios de diferenciação, eles também plenamente sociais, poderiam dar, com maior pertinência, razão a outras distâncias culturais: pertencer a um sexo ou a uma geração, adesões religiosas, solidariedades comunitárias, tradições educativas ou corporativas, etc.” (p.16). Neste parágrafo fica clara a visão externalista, sob a ótica da História da Ciência, que o autor adota em sua análise, no caso, da história da leitura. Explica que “Em sua definição social e serial, a história do livro visava caracterizar as configurações culturais a partir de categorias de textos supostamente específicas. [...] O essencial é compreender como os mesmos textos podem ser diversamente apreendidos, manejados e compreendidos.” (p.16). Acrescenta a importância de “voltar a atenção particularmente para as maneiras de ler que desapareceram em nosso mundo contemporâneo. Por exemplo, a leitura em voz alta [...]” (p. 17). É fundamental essa preocupação que ele demonstra com as mudanças, ao longo do tempo, na forma de ler, as quais influenciam o desenvolvimento de todas as atividades científicas. Um princípio norteador da História da Ciência contemporânea é o de não analisar fatos de uma época antiga pela ótica atual. Chartier o segue, como se pode notar na afirmação de que “uma história da leitura não deve, pois, limitar-se à genealogia única da nossa maneira contemporânea de ler em silêncio e com os olhos.” (p. 17). Vale ressaltar, também, a afirmação de que se deve “sublinhar o fato de que não existe compreensão de um texto, qualquer que ele seja, que não dependa das formas através das quais ele atinge o seu leitor. Daí a distinção necessária entre dois conjuntos de dispositivos: os que destacam estratégias textuais e intenções do autor, e os que resultam de decisões de editores ou de limitações impostas por oficinas impressoras.” (p. 17). Tal entendimento ressalta a influência da forma no conteúdo, sendo que ela é decidida mais pelos editores que pelos autores. Em mais uma crítica à história do livro que se praticou antes dele, e destacando a importância da forma – tipográfica – do texto, Chartier afirma: “Os autores não escrevem livros: não, eles escrevem textos que se tornam objetos escritos, manuscritos, gravados, impressos e, hoje, informatizados. Essa clivagem, espaço onde, aliás, constrói-se um sentido, foi, durante muito tempo, esquecida. A história literária percebia a obra como um texto abstrato cujas formas tipográficas não importavam.” (p.17-18) Salienta ainda a importância de “transformações formais aparentemente insignificantes”, como o formato da página, a multiplicação de parágrafos e alíneas e, no teatro, a indicação nas margens do nome de quem fala e a menção de entradas e saídas (p. 18), bem como a reedição, direcionada para “o mais humilde dos leitores”, de textos da literatura erudita (p. 20). Revela, neste excerto, uma das fontes de sua pesquisa: “O estudo dos títulos do catálogo „popular‟ permitiu observar como disposições formais e materiais podem encerrar em si mesmas os índices de diferenciação cultural. [...] Todo esse trabalho de adaptação – que diminui, simplifica, recorta e ilustra os textos – é comandado pela maneira através da qual os livreiros e impressores especializados nesse mercado representam as competências e expectativas de seus compradores.” (p. 20) Afirma que um livro muda “enquanto o seu modo de leitura muda” (p. 22), o que justificaria o “projeto de uma história das práticas de leitura” (p. 22), abrangendo a mudança da leitura em voz alta ou baixa para a leitura silenciosa e a da leitura intensiva – livros pouco numerosos – para a extensiva, consumidora de muitos textos (p. 23). Chartier salienta a importância de três conjuntos de mutações: as tecnológicas, as formais e as culturais (p. 24), exemplificando com a passagem da scribal culture para a print culture e a substituição do livro em rolo (volumen) pelo livro em cadernos (codex) nos primeiros séculos da era cristã (p. 23-4). Novamente abordando fontes de sua pesquisa, questiona as estatísticas baseadas na posse dos livros – pois panfletos, cartazes e jornais também eram lidos pelos pobres – e no número de alfabetizados – pois os analfabetos tinham acesso ao texto lido em voz alta (p. 25). A conclusão do capítulo, no último parágrafo, retoma e explica mais detalhadamente o problema estudado – os efeitos da penetração do escrito impresso sobre a cultura dos muito numerosos –, a delimitação espacial e cronológica – França entre os séculos XVI e XVIII – e o objetivo, que é tornar operantes duas proposições de Michel de Certeau: “a leitura não é jamais limitada, não podendo ser deduzida dos textos dos quais se apropria”; e “as táticas dos leitores, insinuadas no „lugar próprio‟ produzido pela estratégia da escrita, obedecem a regras, lógicas, modelos”. Conclui que toda a história da leitura fundamenta-se em um paradoxo: “deve postular a liberdade de uma prática da qual só podemos capturar as determinações”. E sugere, dentre as muitas vias possíveis para quem quer entender, como historiador, essa “produção silenciosa” que é a “atividade leitora”: construir comunidades de leitores como sendo “interpretive communities”; observar como as formas materiais afetam seus sentidos; localizar a diferença social nas práticas mais do que nas diferençasestatísticas (p. 27). Roger Chartier expressou nos artigos que compõem “A ordem dos livros” as pesquisas que há muito tempo realiza sobre a história do livro e da leitura e que já renderam outras obras de sua autoria. A extensa pesquisa, demonstrada pelas dezenas de citações de artigos e livros, bem como pelas reproduções de páginas de originais, abordou a ainda polêmica noção de autor e de biblioteca e discutiu o futuro do livro na forma de códex. O professor da École des Hautes Études en Sciences Sociales analisa o passado procurando entender o que pensavam as pessoas daquela época e considera também os fatores externos à história do livro, como as questões econômicas, políticas e de costumes da época. O momento da publicação de seu trabalho – 1992 – era o da popularização do computador e da internet, no qual muitos previram a substituição iminente do papel pela tela eletrônica. Passados quase quinze anos, as previsões não se confirmaram e as publicações em papel parecem ter ainda muito tempo de vida útil. E se um dia realmente a tela eletrônica for tão aperfeiçoada que possa substituir o papel com vantagem, o alerta de Chartier continuará válido: o livro como o conhecemos atualmente deverá ser conservado para registro histórico, da mesma forma que ainda se conservam textos em rolos. 5. Fichamento O fichamento é usado principalmente como método pessoal de estudo. Estudantes e pesquisadores anotam em papel ou em arquivos eletrônicos os pontos principais de um texto lido, com o objetivo de usá-lo como apoio em revisões para provas ou em pesquisas. Embora existam fichamentos que são esquemas ou resenhas, o mais comum é encontrá-los na forma de resumos. Caso o fichamento seja feito por iniciativa do estudante ou pesquisador, bastará que contenha os dados de identificação da obra fichada e as anotações sobre ela. Se o fichamento for um trabalho escolar solicitado por um professor, é necessário acrescentar um cabeçalho com a identificação do curso, da disciplina e do aluno. A próxima página contém um exemplo de fichamento na forma de trabalho escolar. Universidade de São Paulo Mestrado em Letras Disciplina: Semiótica Aluno: Francisco Possebom RA: 9999999 Turma HC1 01.02.1993 Resumo de: SEVERINO, Antonio Joaquim. A documentação como método de estudo pessoal. In: ______. Metodologia do trabalho científico. 18. ed. São Paulo: Cortez, 1992. p. 21-29. Antonio Joaquim Severino ensina (p. 31) que “o estudante tem de se convencer de que sua aprendizagem é uma tarefa eminentemente pessoal”. O estudante de um curso superior precisa reter os conhecimentos adquiridos. Isto pode ser feito por intermédio da documentação, que deve ser mantida disponível, ou seja, recuperável. Severino recomenda que o estudante anote os dados principais do que leu em fichas, as quais são divididas em documentação temática (p. 33-34), bibliográfica (p. 34-35) e geral (p. 36). Documentação temática A documentação temática (p. 33-34) armazena pontos importantes de leituras, aulas, conferências e até idéias pessoais do estudante. Seu objetivo é subsidiar o estudo ou trabalhos escolares. Deve-se abrir uma ficha para cada tema. Deve-se sempre citar a fonte das anotações, exceto quando ela for o próprio estudante. As citações literais (trechos copiados ipsis litteris, isto é, palavra por palavra) devem vir entre aspas. O autor dedica especial atenção às citações, isto é, transcrições de trechos de textos, e explica como elas devem ser feitas: “Quando se transcreve na ficha uma citação literal, essa citação virá entre aspas, terminando com a indicação abreviada da fonte; quando a transcrição contiver apenas uma síntese das ideias da passagem citada, dispensam-se as aspas, mantendo-se a indicação da fonte; quando são transcritas ideias pessoais, não é necessário usar nem aspas nem indicação de fonte, nem sinais indicativos, pois a ausência de qualquer referência revela que são idéias elaboradas pelo próprio autor”. (p. 33-34). Dentre as fichas temáticas, é recomendável abrir uma para cada um dos principais conceitos que o aluno deve dominar. O conjunto desses termos formará um vocabulário técnico-lingüístico. Documentação bibliográfica Contém dados sobre livros, artigos e outros textos. Deve-se fichar todo livro que for lido. Cada livro deve ter sua ficha. Após cada idéia transcrita deve-se indicar a página de onde ela foi extraída (p. 34-35). Documentação geral É o armazenamento de documentos úteis retirados de fontes perecíveis (jornais, revistas, apostilas), que nem sempre são encontradas fora da época de sua publicação. Devem ser coladas em folhas de papel, na qual são anotados o nome da fonte, a data e a página (p. 36-37). 6. Recomendações para todos os trabalhos Os trabalhos aqui citados não têm ao final uma “bibliografia”, pois como cada um é a síntese de uma única obra, a referência (bibliográfica) compõe o título do trabalho e é colocada no início dele. Não há limite de tamanho mínimo nem máximo para esquemas, resumos, resenhas ou fichamentos. Tudo depende do objetivo do trabalho. Poderão ser poucas linhas ou muitas páginas. É fundamental que o professor que pedir o trabalho esclareça quais são os limites, bem como as regras de elaboração e os critérios de avaliação. REFERÊNCIAS ANDRADE, Maria Margarida. Introdução à metodologia do trabalho científico - elaboração de trabalhos na graduação. São Paulo: Atlas,1993. ______. Como preparar trabalhos para cursos de pós-graduação - noções práticas. São Paulo: Atlas, 1995. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6028 - Resumos. 2003. ______. NBR 6023 - Referências. 2002. BANDEIRA, Pedro; TUFANO, Douglas. Moderno guia de estudos. São Paulo: Moderna, 1995. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia do trabalho científico. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1992. SALOMON, Délcio Vieira. Como fazer uma monografia. 6. ed. Belo Horizonte: Interlivros, 1978. SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 22. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
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