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jan/ abr 2009 [ 63 D O U T R I N A INTRODUçãO Este trabalho tem a pretensão de examinar o papel do aplicador da lei nos casos de contratações diretas da Administração Pública celebradas sem a realização de prévia licitação. Não nos propomos, aqui, a estudar cada um dos casos destacados nos arts. 17, 24 e 25 da Lei nº 8.666/1993, mas a demonstrar, a partir de um exame geral dos institutos da dispensa e da inexigibilidade de licitação, a relevância da atuação do intérprete da lei quando diante de um caso concreto que requer decisão. Nosso intuito, ao cabo, é demonstrar como o recurso à lei é um passo na solução dos casos concretos que não esgota, em absoluto, mesmo em situações nas quais se imagina ser limitada a discricionariedade administrativa, a correta avaliação e a sensibilidade técnico- jurídica do aplicador. Para este estudo, propomos um roteiro que parte do exame do princípio constitucional da licitação e das suas exceções legais, para, expondo os caracteres constitutivos de cada figura, destacar, ao longo do texto, os momentos de mediação interpretativa fundamental para a correta aplicação dos institutos que permitem a celebração de contratos administrativos sem a realização de prévia licitação. 1. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA LICITAçãO E SUAS ExCEçõES A Constituição Federal estabelece o regramento da Administração Pública no Território nacional a partir de seu art. 37. Um dos temas que mereceu maior preocupação do constituinte de 1988 foi o das contratações realizadas pelo Poder Público. Nesta seara, a redação constitucional denuncia que a pretensão do constituinte foi limitar, tanto quanto possível, o âmbito de aplicação da discricionariedade administrativa, àquela altura vista como sinônimo do arbítrio tão característico do regime precedente. Para tanto, a Constituição sujeitou à legislação ordinária de regência a regulamentação minuciosa do tema, estabelecendo como princípio maior a existência de prévia licitação pública como conditio sine qua non para a realização lícita e legítima de contratações públicas. O papel do intérprete nas hipóteses de contratação direta sem licitação da Lei nº 8.666/1993 Fernando José Gonçalves Acunha é Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná e especialista em Direito Administrativo e Gestão Pública pelo UniCEUB. Fernando José Gonçalves Acunha 64 ] REVISTA DO TCU 114 D O U T R I N A A preocupação constitucional com a realização de licitações como forma de garantir a lisura na aplicação de recursos públicos foi de tal forma extensa que o legislador não livrou nem mesmo entidades dotadas da personalidade jurídica de direito privado que sejam compostas – parcial ou integralmente – por capital público (como é o caso das empresas públicas e das sociedades de economia mista), do âmbito de aplicação da regra1. Refere Carlos Pinto Coelho Motta (2005, p. 6) que “a obrigatoriedade da licitação como antecedente dos contratos com a Administração, explícita no art. 2º da Lei 8.666/93, é expressão do princípio da moralidade”. Essa e outras manifestações colhidas da doutrina e da jurisprudência (tanto do Poder Judiciário, quanto dos Tribunais de Contas, em especial do TCU) revelam o entendimento corrente, acertado a nosso ver, segundo o qual o princípio da licitação é uma garantia e deve ser enaltecido. Entretanto, o legislador constituinte, ciente das dificuldades que a realidade apresenta e da complexidade do ordenamento jurídico, fez constar que a licitação é, em termos jurídicos, uma regra geral – e não a única regra –, para a celebração de contratos administrativos2, aplicável universalmente, ressalvados os casos especificados na legislação. Sabe-se, contudo, que, se a regra é a realização da licitação, e se há exceções a essa regra, tais exceções comportam uma interpretação restritiva e limitada, só sendo cabível a não utilização da licitação pública quando se estiver diante de situações que indiquem ser inviável, ou altamente desvantajoso para o ente ou órgão público, a realização do certame3. Já aqui emerge o papel fundamental do intérprete. A leitura simples da lei não permite resolver problemas (ao contrário, a lei, como qualquer texto, é sempre um campo aberto de possibilidades de solução, ou de geração de novos problemas). Há de se analisar, sempre, o caso concreto para que se determine se o que se apresenta é uma das possibilidades legislativamente regulamentadas de exceção à regra geral da licitação, único caminho que tornará lícita a contratação direta. Mas a constatação da possibilidade da contratação direta, decorrente não apenas da expressa disposição da lei e da Constituição, mas da interpretação sistemática do ordenamento jurídico em harmonia com a realidade, que nem sempre permite a realização prévia dos certames, será importante para a continuidade do presente trabalho. 2 INExIGIBILIDADE DE LICITAçãO Partindo do pressuposto lançado no parágrafo anterior, passa-se ao exame das diferenciações legais existentes entre os institutos da dispensa e da inexigibilidade de licitação, uma vez que suas hipóteses de cabimento, assim como seus procedimentos de utilização, são bastante diversos. A análise inicial da questão aqui tratada pode se dar a partir da lição de Joel de Menezes Niebuhr (2003, p. 122): Ao lado do tema da obrigatoriedade de licitação pública, vem a talho o seu inverso, isto é, a inexigibilidade e a dispensa dela. A inexigibilidade ocorre em face da inviabilidade de competição, o que esvazia o sentido da licitação pública, que pressupõe disputa. A dispensa relaciona-se às hipóteses em que a realização de licitação pública, conquanto a disputa fosse viável, causaria gravames ou prejuízos a outros valores pertinentes ao interesse público, que não deveriam, por obséquio à razoabilidade, ser suportados. Nesta ordem de idéias, os casos de inexigibilidade, por se referirem à inviabilidade de licitação pública, não são prescritos taxativamente pelo legislador, a rigor, nem precisam de norma jurídica que os autorize. Já os casos de dispensa, em sentido oposto, requerem específica previsão normativa, cabendo, portanto, ao legislador enunciá-los, mesmo em obediência ao princípio da legalidade. Interessante é o comentário do Ministro Benjamin Zymler (2006, p. 95), do Tribunal de Contas da União, que diferencia as situações de dispensa e inexigibilidade de licitação em razão de critérios lógicos de etapas sucessivas, afirmando a necessidade de primeiro se verificar se a competição é viável ou não (caso em que se aplica a inexigibilidade) para, apenas posteriormente, sendo ela viável, decidir-se se ela será ou não realizada (dispensa de licitação). Vejamos a lição: jan/ abr 2009 [ 65 D O U T R I N A A contratação direta por inexigibilidade de licitação (art. 25 da Lei nº 8.666/1993) decorre da inviabilidade de competição. Já a contratação direta com arrimo na dispensa de licitação tem por pressuposto a viabilidade de competição. No entanto, dispensa-se a licitação em virtude de circunstâncias peculiares que acabam por excepcionar o princípio da isonomia. Assim sendo, por imperativo lógico, a inexigibilidade precede a dispensa de licitação. Primeiro, deve o aplicador do direito observar se a licitação é possível. Se não for, é caso imediato de inexigibilidade. Se for possível, poderá ser caso de dispensa de licitação. Tal entendimento – que contraria um impulso até mesmo natural, dado que as hipóteses de dispensa (arts. 17 e 244) estão situadas antes das hipóteses de inexigibilidade de licitação (art. 255) na Lei 8.666/93 –, bem evidencia uma interpretação mais coerente a respeito do tema. Ora, uma licitação só poderá ser considerada vantajosa ou não se, primeiro, for possível. Não há como, v.g.,por absoluta falta de condições de competição, um agente administrativo pretender licitar objeto cujo fornecedor é exclusivo, ou para o qual não haja, em absoluto, nenhum critério objetivo de avaliação e julgamento. É bem por isso que o esclarecimento acima avulta em importância. A inexigibilidade de licitação, como dito, tem azo quando ocorre uma situação fática em que não é possível realizar-se a disputa. Por isso mesmo, a afirmação acima transcrita de Niebuhr (2003, p. 122), que refere que nem mesmo haveria a necessidade de previsão legal que regulamentasse a inexigibilidade. A impossibilidade de haver concorrência licitatória para determinada contratação pela Administração Pública é uma das situações que apresenta um sem número de hipóteses de cabimento. Não é prévia e abstratamente determinável, como seria necessário para o caso de seu arrolamento legislativo numerus clausus. Justamente por isso, a lei não apresenta um rol taxativo das hipóteses de cabimento. Antes, enuncia um princípio, segundo o qual é inexigível a licitação sempre que a competição for impossível ou inviável (pela inexistência de critérios de julgamento, pela exclusividade na prestação de certa atividade, entre outros), passando, a seguir, a estipular exemplos legais dessa impossibilidade de competição. Mas, é bom que se diga, a lei não esgota a atividade do intérprete, a quem sempre caberá avaliar, diante dos fatos que se apresentam à sua análise, se a norma que permite a contratação direta é aplicável ou não. Essa conclusão aponta, ainda, noutro sentido: a margem de cognição e avaliação dos fatos por parte do administrador (que é o intérprete por excelência, dado ser o agente a quem compete licitar ou contratar diretamente), nos casos de inexigibilidade de licitação, é bastante maior do que nos casos de dispensa, já que não presente o artifício da legislação exauriente como suporte e limite ao agente público para pautar suas escolhas por realizar ou não uma licitação. 66 ] REVISTA DO TCU 114 D O U T R I N A Os pressupostos específicos da inexigibilidade de licitação variam conforme o caso tratado. Veja-se, v.g., que, quando a hipótese for a do inciso I do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, será inexigível a licitação sempre que o bem ou serviço pretendido pela Administração for exclusivo de determinado fornecedor ou prestador de serviços. No caso do inciso II do mesmo artigo (contratação por inexigibilidade de licitação dos serviços técnicos profissionais referidos no art. 13 da lei), o objeto deverá apresentar-se como singular e prestado por profissional com notória especialização. E, no caso do inciso III, será inexigível a licitação para a contratação de profissionais de setor artístico consagrados pela crítica ou pela opinião pública. Em cada caso, a jurisprudência e a doutrina têm identificado os traços característicos destes requisitos. Veja-se, outra vez a título exemplificativo, que a qualificação do serviço como singular é tarefa complexa, como também o é a notória especialização do profissional. Adentrar os meandros de cada um desses elementos não faz parte do escopo deste trabalho, sendo suficiente, a nosso ver, a notícia de que a matéria pode assumir tal grau de complexidade e que, por isso, o papel do intérprete na mediação entre a lei e a realidade é imprescindível. A lei fornece o princípio que ilumina a matéria (não realização de licitação quando a competição não puder ocorrer), mas a avaliação de quando a contratação direta pode ou não ocorrer sempre caberá ao aplicador do direito. A insistência nesse ponto dá-se exatamente porque, mais adiante, será fundamental ressaltar o papel do intérprete ainda quando a lei aparentemente for mais restritiva e supostamente oferecer margem menor de avaliação e mediação interpretativa. Defender-se-á que, ao contrário do que possa parecer, também nessas situações é à interpretação que caberá o papel definitivo sobre a aplicação ou não do texto ao caso por ele regulamentado. 3 DISPENSA DE LICITAçãO Já é tempo de analisar a dispensa de licitação (sempre com a advertência de que o ponto de interesse do instituto, neste trabalho, são os casos do art. 24 da Lei nº 8.666/1993), a qual, a seu turno, liga-se à inconveniência da realização da disputa pública. Têm entendido, doutrina e jurisprudência, que as hipóteses nas quais será admissível a sua utilização estão exaustivamente arroladas na lei. Isso porque, seguindo a orientação de ser a licitação prévia uma regra, cingir-se-iam as suas exceções a um cabimento bastante restrito. Dessa forma, é evidente que a ordenação sobre o tema, tendo em vista preservar a moralidade administrativa e o respeito aos princípios da isonomia e da impessoalidade, restringiu ao máximo as hipóteses de discricionariedade do administrador. Ora, como a dispensa envolve um juízo de valoração a respeito das situações em que a realização de um certame é ou não é conveniente, entende-se que tal margem de escolha foi atribuída, única e exclusivamente, ao legislador, o qual, ao fixar o rol legal de situações nas quais a licitação pode ser entendida como não pertinente, esgotou a possibilidade de deliberação sobre o tema. O interesse público e a forma de seu atendimento já teriam sido, assim, previamente estabelecidos pelo legislador. Noutras palavras, não caberá ao aplicador da lei, sob o pretexto de atender a determinada necessidade pública, considerar não pertinente a licitação fora das hipóteses expressamente consignadas pelo legislador. Seu papel criativo, na condição de intérprete, será outro, conforme exposição a seguir. Corroborando este entendimento, Vera Lúcia Machado D’Ávila (2005, p. 101) leciona o seguinte: C o m o t o d a r e g r a , e s t a t a m b é m comporta exceção, ou seja, excepciona-se a obrigatoriedade da realização de procedimento licitatório quando, por definição do texto legal, o ajuste pretendido pela Administração se inserir nas hipóteses de dispensa ou inexigibilidade de licitação. A dispensa é figura que isenta a Administração do regular procedimento licitatório, apesar de no campo fático ser viável a competição, pela existência de vários particulares que poderiam ofertar o bem ou serviço. Entretanto, optou o legislador por permitir que, nos casos por ele elencados, e tão-somente nesses casos, a Administração contrate de forma direta com terceiros, sem abrir o campo de competição entre aqueles que, em tese, poderiam fornecer os mesmos bens ou prestar os mesmos serviços. jan/ abr 2009 [ 67 D O U T R I N A Há, portanto, uma presunção legal que nas hipóteses elencadas no art. 12, incs. I e II, e § 2º, e no art. 24 da Lei nº 8.666/93, com a redação dada pelas Leis ns. 8.883/94 e 9.648/98, o interesse público restará melhor atendido se não ocorrer a competição entre os particulares aptos a concorrer entre si. Jorge Ulisses Jacoby Fernandes (2007, p. 335) tem interessante comentário sobre o tema: Para que a situação possa implicar dispensa de licitação, deve o fato concreto enquadrar-se no dispositivo legal, preenchendo todos os requisitos. Não é permitido qualquer exercício de criatividade ao administrador, encontrando-se as hipóteses de licitação dispensável previstas expressamente na lei, numerus clausus, no jargão jurídico, querendo significar que são apenas aquelas hipóteses que o legislador expressamente indicou que comportam dispensa de licitação. É de se destacar, entretanto, a interpretação ampliativa que a jurisprudência do TCU vem fazendo, com a criação das chamadas “hipóteses supralegais de dispensa”, por meio das quais situações de contratação direta não expressamente arroladas no art. 24 da Lei de Licitações têm sido admitidas. Exemplo desse entendimento é a Decisão nº 1383/2002-Plenário,em que o TCU considerou regular uma contratação direta de um barco feita pela BBTUR para o chamado “Réveillon do Milênio”. Considerou que a atividade turística constituía-se na “atividade-fim” da empresa e que, por aplicação direta do regime estabelecido no art. 173, § 1º, da Constituição Federal, exigir a licitação nestas hipóteses seria contrariar a interpretação finalística da regulamentação constitucional a respeito da matéria. Neste sentido, veja-se a manifestação do Relator, Ministro Benjamin Zymler: (...) 5. Com efeito, por tratar-se a BBTUR de empresa exploradora de atividade econômica sua sujeição ao regime das empresas privadas é inquestionável. Tal circunstância, entretanto, não a subtrai a priori do espectro de incidência da Lei nº 8.666/93. A aparente antinomia entre o que dispõem os arts. 37, XXI, e 173, § 1o, da Constituição Federal, resolve-se pelo enfoque finalístico das atividades desempenhadas por entidades dessa natureza, e de igual forma pelas sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, quando exploradoras de atividade econômica, frise-se. Nessa linha, tal como aludiu o douto Procurador-Geral, entendeu este Plenário que o dever de licitar impõe-se tão-somente às atividades-meio das paraestatais. De outra parte, em relação às atividades finalísticas destas, as quais correspondem os atos negociais, incidem as normas de direito privado, notadamente do direito comercial. 6. Assim, considerando que a contratação do afretamento do navio Ecstasy deu-se em contexto pertinente à atividade empresarial precípua da empresa pública auditada, qual seja, a promoção e comercialização de serviços turísticos, a ela não se impõe a realização de prévio certame licitatório. (...) Esta é a redação da parte inicial do dispositivo da decisão: O Tribunal Pleno, diante das razões expostas pelo Relator, DECIDE: 8.1. acolher as razões de justificativas apresentadas pelos responsáveis indicados no item 3 supra; 8.2. prestar as seguintes informações à Comissão de Fiscalização e Controle do Senado Federal, em atendimento aos questionamentos dela oriundos: a) a contratação do navio Ecstasy, junto à empresa BANCOR LEADERS E CARNIVAL, para o chamado “Cruzeiro Marítimo do Milênio” foi efetuada de maneira regular, uma vez que as empresas públicas e sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica, nos contratos comerciais diretamente relacionados às suas atividades-fins, não se sujeitam ao procedimento licitatório imposto pela Lei nº 8.666/93, sujeitando-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, a teor do que dispõe o art. 173, § 1o, II, da Constituição Federal (...). 68 ] REVISTA DO TCU 114 D O U T R I N A Segue no mesmo sent ido outra famosa determinação do Tribunal de Contas da União, referente à contratação de frete por parte da Petrobras Distribuidora. Nesse caso, analisado por meio do Acórdão nº 121/1998-Plenário, o TCU considerou que seria impossível exigir que a empresa licitasse a contratação do frete, dadas as peculiaridades do mercado, a possibilidade de frustração de sua atividade-fim e o regime proposto pelo constituinte no art. 173 da CF. Esta é a ementa do julgado, que, a despeito de longa, sintetiza com clareza os argumentos existentes para fundamentar tal posição: Vistos, relatados e discutidos estes autos que cuidam agora do Pedido de Reexame interposto por dirigentes da PETROBRÁS Distribuidora S/A - BR, contra o Acórdão nº 240/97 -TCU- Plenário, prolatado no presente processo de Denúncia apresentada pela Associação Brasileira de Caminhoneiros - ABCAM, e de Relatório de Acompanhamento em que se apurou a responsabilidade da Diretoria Executiva da BR, pelo descumprimento a Decisão Plenária nº 414/94 -TCU (Ata 30/94), prolatada no TC-008.355/93-2. Considerando que, em Sessão Extraordinária de 22-10-97 (de caráter reservado), o Tribunal julgou procedente a mencionada Denúncia e aplicou multa aos membros da Diretoria Executiva da empresa, em virtude do descumprimento do decisum anterior, determinando ainda que os Dirigentes da BR promovessem a alteração de seu manual de licitações para tornar obrigatória a realização de procedimentos licitatórios para a contratação de transporte de seus produtos; Considerando que o E. Plenário autorizou o cancelamento da chancela de “sigiloso” que incidia sobre a espécie; Considerando que o pedido de exame do Manual Geral de Contratações da BR caracteriza Consulta (art. 1º, inciso XVII, da Lei 8.443/92), e que a ausência de competência dos dirigentes para propor essa modalidade de processo invalida a pretensão contida na solicitação da empresa; Considerando que a exigibilidade de observância das normas sobre licitações às empresas estatais, de maneira genérica, pode se inferir inicialmente da junção do disposto em seu Artigo 37 (redação original), e o conteúdo do Inciso XXI, desse mesmo dispositivo constitucional; Considerando que o Artigo 173, § 1º, da CF/88 (redação original), ao dispor que a exploração direta da atividade econômica pelo Estado, ressalvados os casos previstos na Constituição, só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei, estabelece também que a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias; Considerando que as empresas estatais, notadamente as constituídas sob a forma de sociedade anônima, estão presas a um dever de eficiência, nos termos da Lei das Sociedades Anônimas nº 6.404/76 (Art. 153 - O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios; e Art. 238 - A pessoa jurídica que controla a companhia de economia mista tem os deveres e responsabilidades do acionista controlador (artigos 116 e 117), mas poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação); Considerando que o Artigo 37 da CF/88 estabelece uma obrigatoriedade geral de licitar para todas as entidades da administração indireta ou descentralizada, sem exceção, quando lido isoladamente; Considerando que nenhuma disposição normativa tem vida fora do contexto em que está necessariamente inserida, e que o universo normativo não é um conjunto desordenado de prescrições, mas, sim, um sistema, organizado, articulado e hierarquizado, no qual as contratações são apenas aparentes; Considerando ainda que, em confronto com o disposto no Artigo 173 da CF/88 (em sua redação original) o Artigo 37 apenas estabelece uma regra geral, que não é absoluta, pois encontra exceção exatamente na disciplina jurídica constitucionalmente estabelecida para as empresas estatais exploradoras da atividade econômica, as quais devem atuar em regime de competição, ao lado dos particulares, em relação aos quais não pode ter nem privilégios jan/ abr 2009 [ 69 D O U T R I N A nem desvantagens, salvo aqueles decorrentes dos fins sociais que determinam sua criação. ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante as razões expostas pelo Relator, e com fundamento nos arts. 32, Parágrafo único; 48 e Parágrafo único; ambos da Lei nº 8.443/92, c/c os arts. 228 e 233 do RITCU, em: 8.1 - conhecer do presente Pedido de Reexame interposto pelos Responsáveis acima indicados (item 3, supra), para, no mérito, dar-lhe provimento parcial; 8.2 - tornar insubsistente o Acórdão recorrido nº 240/97-TCU-Plenário; 8.3 - dar nova redação à Decisão nº 414/94-TCU-Plenário,para excluir a obrigatoriedade de a PETROBRÁS Distribuidora - BR, realizar processo licitatório para as contratações de transportes que sejam atividade-fim da empresa, como a de transporte de produtos, permanecendo esta obrigatoriedade para as atividades-meio; e 8.4 - dar conhecimento à PETROBRÁS Distribuidora - BR, e à Petróleo Brasileiro S/A - PETROBRÁS, da deliberação ora proferida, mediante a remessa de cópia do Relatório/Voto que a fundamentaram. Aqui, outra vez, o papel criativo do intérprete. A atuação do TCU, num exame superficial, poderia ser considerada até mesmo ilegal, eis que permitiu a contratação direta fora das hipóteses que a lei arrolou. Mas, em verdade, trata-se de interpretação correta, que dá plena efetividade a um comando constitucional diretamente aplicável ao caso (art. 173, § 1º, da CF/88). Trata-se, em suma, da interpretação e da aplicação do ordenamento jurídico como um todo, uma leitura contextualizada de disposições de lei que, avaliadas isoladamente, não permitiriam soluções coerentes das situações concretas. 4 A ATIVIDADE INTERPRETATIVA NAS CONTRATAçõES DIRETAS DA ADMINISTRAçãO Passada, de forma genérica (até porque o escopo do trabalho impede um exame exaustivo do tema) a diferenciação das duas situações em que se excepciona a licitação prévia6, é tempo de nos voltarmos à preocupação central do trabalho, já pincelada, ao longo do texto, na exposição acima. Trata-se, enfim, da atividade interpretativa na aplicação dos institutos que permitem a contratação direta de particulares por parte da Administração sem a realização de prévia licitação. Conquanto, as situações nas quais serão admitida a não realização de licitação por conta de sua inconveniência sejam exaustivamente tratadas em lei (à exceção dos especialíssimos casos de “hipóteses supralegais de dispensa”, acima mencionados, para os quais o intérprete é, também, fundamental), a possibilidade de sua aplicação concreta constitui-se em ato interpretativo e discricionário do administrador. Explica-se. O administrador, para não realizar a licitação por entender ser cabível a dispensa, está jungido às hipóteses já previstas em lei. Apenas quando um dos casos expressamente consignados na legislação ocorrer é que será cabível a opção pela dispensa no caso concreto. 70 ] REVISTA DO TCU 114 D O U T R I N A A recíproca, contudo, não é verdadeira. Verificado que um dos casos legais que ensejam dispensa de licitação efetivamente ocorreu, a opção por realizar ou não a licitação é conferida ao agente público. Deverá analisar a realidade e, com base nas razões contra e a favor do procedimento, adotar a postura que mais bem atenda ao interesse público e que signifique a aplicação mais coerente do ordenamento jurídico-administrativo. Nesse ponto, permanece intocada a discricionariedade da Administração, que deverá aquilatar, lançando mão de juízos de conveniência e oportunidade, se é recomendável, no caso concreto, submeter a contratação à prévia licitação. Claro que um dos critérios para avaliar a conveniência da licitação é verificar sua potencial vantagem. Se o administrador, analisando um caso concreto, chega à conclusão de que a licitação será tão mais gravosa na espécie que é bastante recomendável sua supressão pela adoção da dispensa, assim deverá proceder. Mas não foge ao juízo discricionário conferido ao agente público, a quem incumbirá perquirir se há vantagem para o Poder Público em realizar ou não o certame. Não é diferente a opinião do Ministro Benjamin Zymler (2006, p. 128), que traz o seguinte comentário acerca da situação: Embora exista, em tese, viabilidade de competição, a decisão sobre a realização ou não do certame está a cargo do administrador. Este, observadas as situações previstas na norma e tendo em vista o interesse público, opta pela realização ou não do certame. Esse entendimento é corroborado pelo inciso VII do art. 24 da Lei nº 8.666/1993, que trata da situação na qual os licitantes acorreram ao certame, mas ofereceram preços manifestamente superiores àqueles praticados no mercado nacional. Idêntico raciocínio aplica-se, também, a obras e serviços de pequeno valor, hipóteses examinadas no art. 24 da Lei nº 8.666/1993 (incisos I e II). Em princípio, inúmeras empresas poderiam ser consideradas aptas a executar o objeto. Contudo, o legislador, em homenagem à racionalidade administrativa e aos princípios da eficiência e da razoabilidade, optou por conferir ao administrador discricionariedade para realizar ou não o certame. Dessarte, o administrador sopesará o custo decorrente da realização do certame com a possível redução do valor a ser contratado, resultante da concorrência que se estabeleceria entre os licitantes. Já nos casos de inexigibilidade, terá o administrador público de constatar, diante do caso concreto, se há ou não possibilidade de se instituir a concorrência. Sendo impossível, a inexigibilidade impõe-se (não é mera faculdade, como no caso da dispensa), o que nos faz concluir que na competição impossível a margem de discricionariedade é muito menor do que na competição desvantajosa. Conquanto em ambos os casos o papel do intérprete seja fundamental, revela-se distinto. jan/ abr 2009 [ 71 D O U T R I N A Esse é um ponto que merece ser ressaltado. Num raciocínio inicial, poder-se-ia pensar que a inexigibilidade de licitação comporta um âmbito maior de discricionariedade do que a dispensa. Mas isso não é assim. A dispensa de licitação é, ontologicamente, uma faculdade (desde que ocorrido o fato previsto hipoteticamente na norma reguladora da dispensa). Caberá ao intérprete, constatando a ocorrência do fato descrito na norma, interpretar o ordenamento jurídico e dele extrair a solução mais condizente com sua integridade. Levará em conta os argumentos contrários à licitação (que vão desde a rapidez da contratação direta, a urgência de satisfação de certa necessidade, um eventual valor baixo da contratação que não justificaria movimentar a máquina administrativa num certame licitatório etc.) e os favoráveis (impessoalidade, existência de critérios objetivos para obtenção da proposta mais vantajosa, entre outros) para construir, no caso, uma solução adequada ao problema apresentado. O papel interpretativo nos casos de inexigibilidade é diferente. A interpretação ocorre antes, para verificar se a norma que permite a contratação direta é ou não aplicável. Uma vez constatada, mediante análise dos dados da realidade, que a licitação não se pode realizar, a utilização da inexigibilidade de licitação é premente. E é assim porque a inexigibilidade não depende do juízo de oportunidade e conveniência do administrador. Como já se disse, a posição da interpretação, neste caso, é outra. Trata-se de situação em que faltam critérios objetivos para se dar ensejo à competição. Nessas situações, a impossibilidade de concorrência não pode ser corrigida pela atuação humana, mas, ao contrário, é por ela acirrada. Daí dizer-se que, ao contrário do que comumente se pensa, ser a inexigibilidade um caso em que a discricionariedade é praticamente inexistente. O que há, em grande medida, são situações de competição inviável em que a margem de cognição e avaliação dos fatos conferida ao agente administrativo é maior. Aqui é que a interpretação cumpre o papel fundamental. Deverá avaliar a situação de forma a verificar se a competição é ou não, concretamente, impossível. Para isso, não conta com o auxílio de um rol legal taxativo que lhe dê suporte, mas tem a seu lado o princípio que estabelece a inexigibilidade: a avaliação de que se aplica tal instituto sempre que, diante das características do caso concreto, for impossível competir. Cabe dizer que, a despeito de serem diferentes as atividades interpretativas em ambos os institutos, tanto na análisede oportunidade e conveniência sobre o certame (dispensa), quando no exame da possibilidade ou não de competição (inexigibilidade), a postura do aplicador da lei deverá ser sempre coerente. 72 ] REVISTA DO TCU 114 D O U T R I N A E isto em homenagem ao que Dworkin (1986) chama de princípio da integridade no direito, ou integridade jurídica. Tal princípio cumpre um papel fundamental na avaliação dos casos em questão, pois demanda que situações semelhantes sejam tratadas de forma semelhante pelo direito, ou seja, que os casos semelhantes sejam resolvidos mediante a aplicação dos mesmos princípios e regras. Não se trata de uma coerência estrita7, que imponha uniformidade nas manifestações de aplicação de direito, mas de uma coerência de princípios, que interprete situações semelhantes à luz do mesmo conjunto de princípios porque entende que o ordenamento jurídico, apesar de controverso e sujeito a inflexões múltiplas (dentre as quais as próprias convicções pessoais do aplicador), é uma rede coerente de princípios jurídicos, e não uma lista exaustiva de regras hierarquicamente justapostas8. Portanto, situações semelhantes, a menos que haja razão forte para merecerem tratamento diverso, devem ser tratadas semelhantemente. Os casos de inexigibilidade de licitação, assim, devem ser sempre lidos à luz dessa coerência de princípios. Por vezes, a realização de uma licitação em determinada localidade não será possível, dado o contexto fático experimentado em certo lugar num certo tempo histórico. Tome-se como exemplo uma contratação celebrada por entidade administrativa desprovida, por quaisquer razões imagináveis, de condições de divulgação e pesquisa que permitam a afluência de vários licitantes para determinado bem ou serviço que, no local hipotético aqui considerado, apresenta um único fornecedor. Neste caso, é defensável a contratação direta do fornecedor com base no art. 25, inc. I, da Lei nº 8.666/19939, mesmo que se saiba que, em termos absolutos, o bem/serviço não tem fornecedor exclusivo. Mas essas condições podem não se repetir noutros casos. É, aliás, bastante provável que não ocorram. Será sempre fundamental, dessa forma, que o aplicador, em cada caso, seja em termos de dispensa, seja em termos de inexigibilidade de licitação, leve em consideração os fatos concretos postos à sua análise para bem aplicar o direito e dele extrair a solução mais adequada àquele caso. Isso porque, à luz da integridade jurídica, visão do ordenamento defendida por Dworkin e aqui retomada, como já dito, a coerência de princípios demanda que situações semelhantes sejam reguladas semelhantemente, mas exige, também, que cada caso seja tratado em sua individualidade, com suas especificidades, impedindo que se faça tábula rasa da aplicação da lei, negligenciando as diferenças entre casos discrepantes cujas soluções deveriam ser também diferentes por respeito à coerência do ordenamento. CONCLUSãO O estudo pôde demonstrar que a licitação prévia, sendo regra constitucional, possui exceções cuja interpretação, assim como ocorre com qualquer exceção, deverá ser restritiva. A partir de então, pelo exame da legislação e das afirmações jurisprudenciais e doutrinárias a respeito da matéria, foi possível conceituar, de forma genérica, os institutos da jan/ abr 2009 [ 73 D O U T R I N A dispensa (em particular aquela enunciada no art. 24 da Lei nº 8.666/1993) e da inexigibilidade de licitação. A inexigibilidade de licitação é instituto cuja avaliação deve ser, logicamente, inicial. Uma licitação só poderá ser conveniente ou não se, primeiro, for possível. Viu-se, nesta toada, que não há legislação exauriente que indique ao aplicador da norma os casos em que a competição será impossível, sendo fundamental o papel do responsável pela decisão no caso concreto na avaliação sobre as circunstâncias que envolvem a contratação e a possibilidade material de se estabelecer disputa. Conquanto sempre que a disputa seja impossível a inexigibilidade de licitação deva ser aplicada, deve-se, contrario sensu, estatuir um norte hermenêutico, segundo o qual a possibilidade de competição, por menor que possa parecer numa avaliação inicial, deve conduzir o agente a rejeitar a contratação sem a licitação prévia. A dispensa de licitação, a seu turno, está legislativamente estabelecida em rol numerus clausus, sempre considerando casos não previstos na legislação, como as “hipóteses supralegais de dispensa” tratadas pela jurisprudência do TCU, v.g., na aplicação finalística do inc. III do § 1º do art. 173 da Constituição Federal. Em todos os casos de dispensa, contudo, o administrador, constatada a autorização legal, poderá decidir, amparado em critério discricionário, sobre a realização ou não da disputa. Claro que parâmetros como a eficiência da contratação, a economicidade, o respeito à impessoalidade e à isonomia, a lembrança de que a licitação é regra e suas exceções devem ser interpretadas restritivamente etc. devem ser tomados em consideração. Mas, em última análise, a decisão será discricionária. É importante notar que, na competição impossível (inexigibilidade), a margem de discricionariedade é muito menor do que na competição desvantajosa (dispensa). O que há, no primeiro caso, é uma maior amplitude de avaliação fática para que o administrador possa definir se a licitação é ou não impossível; uma vez realizada a constatação, todavia, sua margem de decisão é muito mais limitada do que em casos em que poderá decidir, por ser possível a disputa, se realizará ou não o certame. É neste sentido que se afirma que a postura do intérprete deverá, sempre, ser coerente com o ordenamento jurídico. Coerente não no sentido de repetição indefinida e apego estrito às decisões anteriores, mas de tratamento semelhante a casos semelhantes, de fidelidade aos princípios reitores da matéria. Diferentes contextos podem denunciar que contratações semelhantes (v.g., de um mesmo serviço), em locais e tempos distintos, podem merecer tratamento absolutamente discrepante. É que os princípios que regem um e outro caso podem recomendar uma decisão que, para ser coerente (íntegra), estabeleça regramentos distintos para cada qual. Caberá ao intérprete, sempre, avaliar o caso concreto e encontrar, dentro das inúmeras possibilidades oferecidas pelo ordenamento jurídico, a resposta que melhor se adéque à situação. Caberá a ele, por fim, entender que nenhuma disposição legal e nenhum precedente jurisprudencial é capaz de substituir a atividade imprescindível da interpretação na solução de casos concretos. 74 ] REVISTA DO TCU 114 D O U T R I N A REFERêNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 39.ed. São Paulo: Saraiva, 2006. 440 p. (Coleção Saraiva de Legislação). ______. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1983. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Presidência da República. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8666cons.htm>. Acesso em: 14 ago. 2008. ______. Tribunal de Contas da União. Acórdão 645/2004, Segunda Câmara. Relator: Ministro Benjamin Zymler. Processo TC nº 013.308/1999-8. Entidade: Companhia Energética do Piauí. Sessão 29/04/2004. Pedido de Reexame. Auditoria. Companhia Energética do Piauí - Cepisa. Área de licitação e contratos. Pedido de reexame de acórdão que aplicou multa aos recorrentes, em razão da contratação do segundo colocado, ante a desistência do licitante vencedor, sem adoção do preço por este oferecido; aditamentos irregulares de contratos; ausência de parecer jurídico na prorrogação de contratos; contratação direta de escritório de advocacia; e ausência de projeto básico atualizado. Inexistênciade prejuízo à entidade ou ao erário. Pertinência das razões aduzidas pelos recorrentes. Conhecimento. Provimento. Insubsistência de itens do acórdão. Disponível em: <http://contas.tcu.gov.br/ portaltextual/PesquisaFormulario>. Acesso em 29 ago. 2008. ______. ______. Acórdão nº 121/1998, Plenário. Relator Ministro Iram Saraiva. Processo TC nº 010.124/1995-0. Entidade: Petrobras Distribuidora S/A. Relator: Ministro Iram Saraiva. Sessão 26/08/1998. Pedido de Reexame. Denúncia. Irregularidades na PETROBRÁS. Pedido de reexame de acórdão que determinou a adequação do Manual Geral das Contratações da empresa à Lei 8.666/93 e aplicou multa aos responsáveis por descumprimento de decisão do Tribunal. Dispensa de licitação para transporte de produtos. Conhecimento. Provimento parcial. Insubsistência do acórdão recorrido. Alteração da redação de decisão que também determinou a referida adequação. Disponível em: <http://contas.tcu.gov.br/portaltextual/PesquisaFormulario>. Acesso em: 29 ago. 2008. ______. ______. Decisão nº 1383/2002, Plenário. Relator: Ministro Benjamin Zymler. Processo TC nº 017.072/2000-5. Entidade: Banco do Brasil Viagens e Turismo Ltda. – BBTUR. Sessão 16/10/2002. Relatório de Auditoria. Auditoria. Banco do Brasil Viagens e Turismo Ltda - BBTUR. Solicitação do Congresso Nacional. Indícios de irregularidades no fretamento do navio Ecstasy, para o Reveillon do Milênio, e em outras operações da BBTUR. Audiência dos responsáveis. Razões de justificativa acolhidas. Impossibilidade de vinculação de condutas administrativas aos prejuízos incorridos pela entidade. Riscos inerentes à atividade negocial. Ausência de comprovação de má-gestão ou prática de ato antieconômico. Informação ao Congresso Nacional. Disponível em: <http://contas.tcu.gov.br/ portaltextual/PesquisaFormulario>. Acesso em: 29 ago. 2008. D’AVILA, Vera. Lúcia. Machado. Dispensa e inexigibilidade. Conceito. Distinção. Impossibilidade de utilização indiscriminada. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella et al. Temas polêmicos sobre licitações e contratos. 5. ed., 2. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 100-102. DWORKIN, Ronald. The concept of unenumerated rights. University of Chicago Law Review, Chicago-EUA, nº 59, p. 381-432, 1992. ______. Law’s empire. Cambridge, Massachusetts-EUA: Harvard University Press, 1986, p. 176-275. FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Contratação direta sem licitação. 6. ed. 3. tiragem. Belo Horizonte: Fórum, 2007. JUSTEN FILHO, Marçal. 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Belo Horizonte: Fórum, 2006. jan/ abr 2009 [ 75 D O U T R I N A NOTAS 1 Dúvidas já existiram a esse respeito, mormente por conta da mora do legislador em editar a lei requerida pelo art. 173, § 1º, da Constituição Federal. Contudo, a interpretação reiterada da matéria, após a promulgação da Lei nº 8.666/1993, encarregou-se de afirmar a sujeição dessas empresas à regra geral da licitação até que a lei específica regulamente a matéria. Nesse sentido, veja-se a lição de Marçal Justen Filho (2005, p. 113) quando trata dos entes da Administração Indireta: “Mas há alguns controles e limitações inerentes à natureza pública dos recursos e dos motivos que autorizam a existência da entidade de direito privado. Por isso, elas são subordinadas ao princípio da eficácia, o que significa o dever de melhor aplicação possível dos recursos. Isso se traduz, inclusive, na obrigatoriedade da licitação para realizar contratos – mesmo contratos de direito privado.” (grifamos). Não se pode esquecer, contudo, a peculiar posição da Petrobras diante da redação do art. 67 da Lei nº 9.478/1997 (regulamentado pelo Decreto n° 2.745/1998), que, sob o pálio de regulamentar a regra do inc. III do § 1º do art. 173 da Constituição Federal especificamente em relação à Petrobras, realizou verdadeira delegação legislativa sem respaldo constitucional, conferindo ao Presidente da República, no exercício do poder regulamentar do art. 84, inc. IV, da CF/88, a faculdade de estabelecer o regulamento de licitações da Petrobras. É conhecida a controvérsia existente quanto ao tema envolvendo as posições do Tribunal de Contas da União (que vem reiteradamente afirmando a inconstitucionalidade do Decreto nº 2.745/1998 e do art. 67 da Lei nº 9.478/1997) e do Supremo Tribunal Federal (que sistematicamente defere medidas judiciais antecipatórias e liminares para permitir a Petrobras a adoção dos procedimentos estabelecidos em seu regulamento de licitações, sem necessidade de observar a Lei nº 8.666/1993). O tema é árduo e mereceria um estudo próprio apenas para cobrir todas as suas facetas. 2 Ainda que se saiba que essa regra, durante anos, tem encontrado uma prática administrativa diversa. Nesse sentido, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes (2007, p. 205- 217) traz um interessante comparativo em que mostra que os valores absolutos gastos em contratações diretas foram bastante superiores ao valor licitado entre 1993 e 2006, tendo este último ano representado, com a propagação da utilização do pregão, o primeiro da série histórica em que o volume financeiro licitado foi superior ao das contratações diretas. 3 Para Vera Lúcia Machado D’Ávila (2005, p. 110/111), a previsão de possibilidades de dispensa e inexigibilidade de licitação “não visa dar ao administrador cartão verde para que possa, a seu talante, evitar o procedimento licitatório, pois, como já afirmamos alhures, a regra para o Poder Público é a de realização da licitação para dar-se a escolha, dentre vários concorrentes, tratados em igualdade de condições, do que melhor se propuser a atender ao interesse público declarado”. 4 Aqui não se entende fundamental para o prosseguimento do trabalho estabelecer as distinções entre licitação dispensada (art. 17, Lei nº 8.666/1993) e licitação dispensável (art. 24, Lei nº 8.666/1993), que parte da doutrina vê como uma das questões de fundo em relação à contratação administrativa pela via direta, implicando, entre outros, alteração nos próprios procedimentos da contratação direta. Para maiores comentários a respeito da questão, veja-se Fernandes (2007, p. 217-219). Cabe ressaltar, contudo, que, nos casos do art. 17 da Lei nº 8.666/1993, a própria lei já dispensou a licitação, ao passo que, no art. 24, a lei permitiu a contratação direta, ou seja, permitiu que a dispensa da licitação por parte do agente, residindo, aqui, a margem de discricionariedade do administrador. Doravante, contudo, até por conta do restrito âmbito de aplicação das regras do art. 17 da Lei nº 8.666/1993 – ligadas apenas às alienações realizadas pela Administração – o foco será o exame dos casos de licitação dispensável, tratadas como dispensa de licitação. 76 ] REVISTA DO TCU 114 D O U T R I N A 5 É bom ressaltar que as hipóteses de inexigibilidade de licitação não estão restritas àquelas descritas pelo art. 25 da Lei nº 8.666/1993. Além das situações não arroladas em lei, há as hipóteses, retratadas na jurisprudência do TCU, de verdadeiras “inexigibilidades” arroladas ao longo do art. 24 da Lei nº 8.666/1993.É o caso, v.g., do inciso X do art. 24, que permite a compra ou a locação de imóvel cujas necessidades de instalação e locação imponham a sua escolha. É exatamente porque essas necessidades indicam o imóvel locado que o caso não é de permissão de não realização de competição, mas, ao contrário, de completa impossibilidade de concorrência. Outro caso é o do inciso XVII do mesmo art. 24, que impõe quem será o fornecedor de peças para equipamento durante o seu período de garantia para que não haja prejuízo exatamente à garantia (o fornecedor, também aqui, já está indicado, ocorrendo impossibilidade completa de competição, e não a mera vantagem decorrente de sua não realização). 6 Diferença essa que não é meramente retórica, mas tem notáveis implicações concretas, como a nulidade de eventual procedimento administrativo que indique fundamento incorreto de contratação e a consequente reprimenda sobre o agente responsável. 7 Sobre a desnecessidade (e até mesmo impossibilidade) de coerência estrita na aplicação do direito, esta é a manifestação de Dworkin (1992, p. 394, tradução nossa): “É claro que nem a mais estrita atenção à integridade, por todos os nossos juízes em todas as nossas cortes, produzirá decisões judiciais uniformes, ou garantirá decisões aprovadas ou que protejam alguém daqueles que odeia. Nada pode fazê-lo. A questão da integridade é princípio, não uniformidade: somos governados não por uma lista, mas por um ideal e a controvérsia está, portanto, no coração de nossa história” (Of course, not even the most scrupulous attention to integrity, by all our judges in all our courts, will produce uniform judicial decisions, or guarantee decisions you approve of, or protect you from those you hate. Nothing can do that. The point of integrity is principle, not uniformity: we are governed not by a list but by an ideal, and controversy is therefore at the heart of our story). 8 Explicando de forma mais abrangente a integridade, esta é a manifestação de Dworkin (1986, p. 219, tradução nossa): “A integridade é apenas consistência (decidir semelhantes casos semelhantemente) sob um nome mais louvável? Isso depende do que nós queremos dizer com consistência ou casos semelhantes. Se uma instituição política é consistente apenas quando repete suas próprias decisões passadas de forma estrita, então integridade não é consistência; é algo ao mesmo tempo maior e menor. A integridade requer que os padrões públicos da comunidade sejam construídos e vistos, tanto quanto possível, como a expressão de um único e coerente esquema de justiça e certeza do direito numa relação adequada. Uma instituição que aceita este ideal, por esta razão, fugirá de uma estrita linha de decisões passadas em busca de princípios concebidos como mais fundamentais para o esquema como um todo” (Is integrity only consistency (deciding like cases alike) under a prouder name? That depends on what we mean by consistency or like cases. If a political institution is consistent only when it repeats its own past decisions most closely or precisely in point, then integrity is not consistency; it is something both more and less. Integrity demands that the public standards of the community be both made and seen, so far as this is possible, to express a single, coherent scheme of justice and fairness in the right relation. An institution that accepts that ideal will sometimes, for that reason, depart from a narrow line of past decisions in search of fidelity to principles conceived as more fundamental to the scheme as a whole). 9 O Tribunal de Contas da União tem jurisprudência interessante a respeito, entendendo que a notória especialização dependerá sempre do contexto de avaliação. Neste sentido, cfr. o Acórdão nº 645/2004-Segunda Câmara.
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