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Plenitude de defesa no tribunal do juri

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jusbrasil.com.br
15 de Março de 2017
Plenitude de defesa no Tribunal do Júri
Por Daniel Zalewski
O silêncio no plenário era forte e marcante. Os 
murmúrios que acompanharam aquela sessão não 
estavam mais presentes. Ardia no peito do jovem 
advogado uma mistura de sentimentos e sensações. O 
cansaço físico era aparente, e também notório o 
sentimento de satisfação, pois sabia do belo trabalho que 
havia feito naquele plenário.
O olhar do réu, pela primeira vez em semanas, brilhava 
pela luz da esperança. Os jurados estavam visivelmente 
atordoados com o que aquele plenário havia acabado de 
proporcionar, pois muitos tiveram inicialmente a 
intenção de condenação.
Fortemente batia também o coração do promotor de 
justiça, pois a condenação mais certa do ano, pela 
primeira vez, estava indo por água a baixo. Desolados 
estavam os membros da mídia que faziam a cobertura 
daquela arena, eis que davam como certa a prisão do réu, 
e não aceitariam nada diferente disso.
Na sequência, o juiz que presidia a sessão pergunta ao 
membro do parquet se ele iria à replica.
O promotor, com receio de dar a chance de manifestação 
novamente ao defensor, balança timidamente a cabeça 
em sinal de negativa.
Nesse momento, o jovem advogado, filho de um grande 
jurista, e que carregava nos ombros grande 
responsabilidade em decorrência da filiação, dá um pulo 
da cadeira, soca a bancada de defesa, e com uma voz 
imponente, afirma:
"Com toda vênia Meritíssimo, não é cabível tal absurdo, 
pois a Constituição Federal garante a plenitude de defesa, 
e como este causídico vai se dar por satisfeito, e terá 
garantida a sua defesa plena, se nem sequer pode 
“calcular” o tempo de sua fala?"
Nessa hora, o ilustre advogado mostrou que do pai não 
herdou apenas o sobrenome, mas também a coragem, o 
senso de justiça e, principalmente, o dom sagrado: era, de 
fato, um plenarista.
A TESE
A Constituição Federal brasileira consagra o princípio da 
PLENITUDE DE DEFESA no Tribunal do Júri, positivada 
no art 5º, inciso LXXXVIII, alínea a: utilizando-se 
somente a língua portuguesa já é possível fazer-se a 
diferenciação entre os processos do tribunal do júri 
(princípio da plenitude) e o processo penal de forma geral 
(princípio da ampla defesa e a paridade de armas de 
modo geral).
Nesse sentido, o doutrinador Guilherme de Souza Nucci 
(2013, p. 31) ensina:
“A expressão 'amplo' indica algo vasto, extenso, enquanto 
a expressão 'pleno' significa algo completo, perfeito. A 
ampla defesa reclama uma abundante atuação do 
defensor, ainda que não seja completa e perfeita. 
Contudo, a plenitude de defesa exige uma integral 
atuação defensiva, valendo-se o defensor de todos os 
instrumentos previstos em lei, evitando-se qualquer 
forma de cerceamento."
Dessa forma, a defesa deve ser completa, e não somente 
ampla. Mas como é possível fazer-se uma defesa completa 
ante a impossibilidade de nova manifestação em plenário 
quando da tréplica caso o ilustre parquet desista de sua 
manifestação no momento da réplica?
Sabe-se que, não raras as vezes, o representante do 
Ministério Público utiliza-se deste artifício como meio de 
facilitar a condenação do sujeito, uma vez que, ao 
suprimir-se de falar, deixa assim a defesa sem o direito de 
novamente se manifestar, fazendo com que a primeira 
parte dos debates orais seja a sua única e deficiente 
defesa, indo assim de encontro ao que a Carta Magna
dispõe a respeito do direito a completa defesa.
Conforme o relatado acima, não há que se falar em 
paridade de armas quando dos procedimentos abrigados 
sob o manto do Tribunal do Júri, eis que a Constituição
traz expressa a plenitude de defesa, e essa somente se 
perfectibiliza com a existência de “mais garantias” ao réu, 
principalmente se for levado em consideração o fato de 
que os jurados não necessitam fundamentar a sua decisão 
(seja ela condenatória, seja ela absolutória), condenando 
sigilosamente o réu e sem motivação por crimes dolosos 
contra a vida, que normalmente possuem penas altas.
A maioria da doutrina processual penal brasileira não faz 
uma definição apropriada do “mérito” da forma de 
aplicação desse princípio, inclusive alguns até 
erroneamente confundem a plenitude de defesa como 
modelo geral do processo a (ampla defesa), ou pior ainda, 
tem-na por inferior a esta, sob o discurso de que por se 
tratar de procedimento especial, os princípios específicos 
do júri não poderiam apresentar caráter mais benéfico ao 
acusado do que os destinados aos processos penais 
“comuns”.
Sem a menor sombra de dúvidas, essa seria entre todas a 
pior alternativa, uma vez que relativiza a Constituição 
Federal e a sujeitando ao Código de Processo Penal, 
fazendo assim uma inversão de deveres e valores entre a 
Constituição (norma fundamental para Hans Kelsen) e a 
norma processual penal.
Sendo assim, nos processos do Tribunal do Júri deve ser 
utilizado o princípio da plenitude de defesa, devido a sua 
especificidade. No mesmo sentido, e igualmente errôneo, 
o Ministro da Justiça e doutrinador Alexandre de Moraes, 
afirma que
"a plenitude de defesa encontra-se dentro do princípio 
maior da ampla defesa, previsto no artigo 5º, LV, da 
Constituição Federal."
Esse argumento vai contra a própria lógica (além da 
semântica, como já citado), pois não haveria necessidade 
do legislador explicitar a plenitude de defesa quando dos 
procedimentos do Tribunal do Júri, se tão somente 
bastasse a utilização da ampla defesa nesses casos.
O professor Luiz Flávio Gomes (faz uma d o tema, da qual 
em partes concordamos:
“A plenitude de defesa é aquela atribuída ao acusado de 
crime doloso contra a vida, no Plenário do Júri e, vale 
dizer, é bem mais 'ampla' do que a ampla defesa 
garantida a todos os litigantes em processo judicial ou 
administrativo.”
Importante asseverar que a plenitude de defesa NÃO 
começa no plenário do júri, e sim muito antes. A 
plenitude nada mais é que a garantia pro-réu de ter uma 
defesa completa, e uma defesa completa não é feita tão 
somente em plenário, como bem sinalado pelo ilustre 
Jean M. Severo:
" o advogado precisa conhecer o processo de capa a capa 
".
E, indo mais além, para que seja garantida efetivamente a 
plenitude de defesa, o advogado necessita atuar com ela 
de capa a capa, pois só assim terá maior base defensiva 
para entrar no plenário do júri e para fazer valer o direito 
constitucional do réu.
Nesse sentido, tem-se não ser compatível com a garantia 
da plenitude de defesa o insculpido no art. 479 CPP
(ROSA, KHALED JR., 2015): 
“Durante o julgamento não será permitida a leitura de 
documento ou a exibição de objeto que não tiver sido 
juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) 
dias úteis, dando-se ciência à outra parte.”
Ora, dar prazo idêntico para a juntada de documentos ao 
Ministério Público e a defesa beira ao absurdo, pois a 
defesa deve, por lei, ter mais garantias constitucionais, e, 
desta forma, se minimamente comprovada a necessidade 
da prova para que haja uma defesa completa, deverá o 
juiz aceitá-la integralmente em plenário, pois só assim a 
defesa estará o mais próximo de sua completude.
Outra questão polêmica e que abre todo tipo de base para 
discussão, já mencionada quando dos primeiros 
parágrafos do texto, diz respeito ao advogado fazer a 
defesa em plenário sem saber se terá a oportunidade de 
assumir a palavra novamente.
Resta mais do que demonstrado que o Ministério Público, 
atualmente, possui a diretriz tática do jogo processual, 
tornando difícil a coexistência da plenitude defensiva 
quando da dependência da manifestação do parquet para 
a finalização da defesa, e isso deve ser levado na prática 
inclusive para os casos em que o próprio membro 
ministerial pede a absolvição.
A defesa tem que ser COMPLETA, e para isso o advogado 
deve,no mínimo, poder levar as provas que bem entender 
para a arena popular (não importando o prazo), e saber 
em quais momentos e por quanto tempo terá a 
oportunidade de manifestação escrita ou oral.
REFERÊNCIAS
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e 
execução penal: 9 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 
2013.
ROSA, Alexandre Morais da; KHALED JR, Salah. 
Neopenalismos e constrangimentos democráticos. 1. Ed. 
Florianópolis: Editora Empório do Direito, 2015.
Fonte: Canal Ciências Criminais
Disponível em:
http://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/438071996/plenitude-de-
defesa-no-tribunal-do-juri

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