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Texto 1 - A importância das disciplinas propedêuticas.pdf

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A importância das disciplinas propedêuticas: necessária mudança no 
paradigma do estudo do Direito 
 
Jarbas Luiz dos Santos 1 
 
Bastante comum era ouvir nos corredores das Faculdades de Direito que as disciplinas a 
serem estudadas dividiam-se entre as “disciplinas relevantes” e as “perfumarias jurídicas”. 
Integravam as primeiras as “disciplinas técnicas” – com destaque ao Direito Civil e ao Direito 
Processual (vez que a formação jurídica era essencialmente privatística), enquanto a segunda 
categoria era integrada pelas “disciplinas de formação” ou “humanísticas” - Introdução ao Estudo 
do Direito, Filosofia Jurídica, Sociologia Jurídica, Teoria Geral do Estado e História do Direito. 
Fato é que o curso de Direito tornara-se, então, verdadeiro curso técnico de nível 
superior, em verdadeira alteração da rota tomada quando da fundação dos cursos jurídicos no 
Brasil, no ano de 1827, nas cidades de Olinda e São Paulo. Desde seu início, os cursos de Direito 
eram centros de formação humanística por excelência, o que explica o fato de que muitos de seus 
egressos não atuavam na área jurídica, mas em outras áreas do conhecimento, com destaque à 
Política e à Literatura (lembremos de Gonçalves Dias, José de Alencar, Álvares de Azevedo, Castro 
Alves, Olavo Bilac Monteiro Lobato, Jorge Amado, Lygia Fagundes Telles, Ariano Suassuna, etc). 
Essa alteração de rota, contudo, apresenta como principal sintoma a má formação dos profissionais 
da área jurídica – o que se verifica não apenas pelos baixos índices de aprovação nos exames da 
OAB e nos concursos públicos, mas também pela qualidade do trabalho dos profissionais 
aprovados em referidos exames e concursos. 
Bastante fácil e cômodo culpar a vida contemporânea - caracterizada pelo “tecnicismo”, 
pela velocidade da troca de informações (nem sempre “verdadeiras” ou sequer plausíveis), pela 
escassez do tempo e pelo dinamismo - pela degradação e insuficiência do ensino em geral e, de 
modo mais agudo, do ensino jurídico. Dificultoso se mostra adotar nossa parcela de culpa pelo que 
se verifica. 
Tenho por nossa parcela de culpa a recusa obstinada que temos em refletir de forma 
sincera – não somos sinceros sequer com nós mesmos. No âmbito da ciência jurídica, a falta de 
reflexão representa a ruína da essência da vida em sociedade, posto que a vida social vê-se imersa 
em questões jurídicas - “O direito se apresenta como fenômeno cotidiano da vida contemporânea”, 
mas não apenas cotidiano, como também complexo, assim como a própria vida. Como 
consequência, tentar reduzir o Direito ao estudo de normas num encadeamento lógico e 
harmonioso não apresenta resultados frutíferos. Antes, o resultado produzido está distante de 
responder aos anseios da Justiça como elemento último da realização do Direito. E por falar em 
Justiça, o cerne dos estudos da Filosofia Jurídica, nunca se faz demais lembrar que nem mesmo a 
impossibilidade de chegarmos a um consenso sobre a definição do “justo” afasta a necessidade de 
se almejar, buscar e lutar por ela. 
 
1
 http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/a-importancia-das-disciplinas-propedeuticas-
necessaria-mudanca-no-paradigma-do-estudo-do-direito/12381 
Juntamente à Filosofia Jurídica, os estudos acerca da origem, desenvolvimento e 
fundamentação [legitimidade] do Estado (Teoria Geral do Estado e Ciência Política), sobre o 
funcionamento da vida em sociedade (Sociologia Jurídica) e do desenvolvimento da sociedade sob 
os prismas normativo e histórico (História do Direito) compõem o rol de disciplinas que nos 
possibilitam pensar o Direito em todos seus aspectos, não o reduzindo tão somente à questão 
puramente normativa. 
Em adição a essas verdadeiras disciplinas de formação, no âmbito da Ciência do Direito 
há duas outra disciplinas que, concomitantemente à função formadora, têm a função instrumental 
- fornecer instrumentos básicos para o manuseio do conhecimento jurídico. São elas a Introdução 
ao Estudo do Direito (IED) e a Hermenêutica Jurídica. Sobre a segunda já discorremos brevemente 
na edição de 03 de junho de 2013 (“Da Filosofia ao Direito – o Estudo da Hermenêutica”), quando 
asseveramos ser a Hermenêutica o estudo acerca da interpretação, sendo o próprio 
conhecimento, necessariamente, hermenêutico. Cabe-nos, agora, discorrer brevemente sobre a 
primeira. 
À Introdução ao Estudo do Direito (IED) cabe a árdua função de apresentar ao 
ingressante no curso de Direito os conceitos básicos que lhe possibilitarão lidar com as questões 
complexas afetas à nossa sociedade. A complexidade de tais questões – até como reflexo da 
complexidade social – faz com que essas notas introdutórias não tenham por característica a 
simplicidade própria de qualquer estudo inicial ou propedêutico. Isso explica por que o conteúdo 
dos livros de IED é verdadeiramente paradoxal, vez que ao mesmo tempo introdutório e complexo, 
inicial e perene, simples e complexo. Dentre os livros desta disciplina, certamente o de autoria do 
professor Tércio Sampaio seja o mais emblemático exemplo da mencionada natureza paradoxal. 
Também por conta dessa complexidade, um verdadeiro estudo da IED exige abordagens filosófica 
(teórica, justificadora e questionadora), técnica e histórico-sociológica das questões propostas. 
Assim, a título exemplificativo, não basta conceituar família a partir das normas positivadas acerca 
do assunto, mas se deve também questionar a função da família, do ponto de vista teórico e do 
ponto de vista prático, fazendo-se um liame entre conceito normativo positivado (encontrado no 
Código Civil e na Constituição Federal), concepções filosóficas sobre o assunto (seria a família um 
mero construto da sociedade cristã e burguesa?) e constatações sócio-empíricas a respeito 
(explosão no número das famílias monoparentais e o fenômeno das famílias formadas a partir das 
uniões homoafetivas) . Veja-se, a partir do exemplo fornecido, que falacioso se mostra afirmar que 
o estudo a ser efetivado tem a marca da simplicidade. Propedêutico ou inicial ele o é na medida em 
que com ele o aluno é apresentado ao mundo jurídico, sendo que o estudo das notas introdutórias 
persistirá, ainda que sob ângulos diversos, no transcorrer do tempo, de modo que o propedêutico 
relaciona-se, em verdade, com a questão temporal – um primeiro contato, uma primeira visão, um 
primeiro questionamento, um conceito provisório do que se estuda. 
Dentro da função da disciplina IED está também a conceituação do próprio Direito, não 
apenas em seus sentidos semânticos e históricos, mas também para que se busque a delimitação 
do objeto de estudo do curso jurídico (problema epistemológico) e, a partir de então, se apontem 
os modos pelos quais o direito se expressa (estudo das fontes do direito). Posteriormente à 
apresentação de um conceito de Direito e suas fontes formais, questões de ordem técnica ganham 
relevo, vez que a partir delas possível será melhor compreendermos a norma jurídica como matéria 
básica do estudo do Direito e a Hermenêutica como “ciência” necessária para 
interpretação/aplicação de referidas normas 
Necessariamente, porém, os estudo de IED aprofundam-se, chegando-se a um terceiro 
momento, no qual se propõe uma reflexão acerca do fundamento do Direito, com a premente 
necessidade de se equacionar questões em torno da Justiça (e então se ingressa, ainda que sem se 
dar conta, no campo da Filosofia Jurídica). Por fim, como desdobramento dessas reflexões, 
questionamentos sobre a Ética surgem de maneira inexorável, até porque é em torno dela que 
parece gravitar o fenômeno jurídico. 
Em suma, cabe às disciplinas denominadas propedêuticas ou “disciplinas de formação”: 
(1) mostrar o Direitocomo algo além da mera técnica normativa fria e (2) conectá-lo à realidade a 
qual ele [o Direito] se volta, vez não se tratar de um ente com vida própria e que subsista de per si. 
Dentre essas disciplinas, cabe à Introdução ao Estudo do Direito apresentar conceitos iniciais e 
básicos, cujo aprofundamento deverá ser verificado ao longo de curso, sob pena se manter rasa a 
tábua do conhecimentos (hipótese verificada quando não se vai além dos conceitos inicialmente 
trabalhados) ou, ainda, sob pena de se construir um edifício de conhecimento sem o necessário 
alicerce (hipótese verificada quando o [falso] aprofundamento do conhecimento se dá sem o 
domínio dos conceitos básicos). Esta segunda hipótese é a que se constata com maior reiteração na 
prática, o que pode ser verificado sem grandes dificuldades pela qualidade do trabalho dos 
operadores do Direito. 
Nas palavras de Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, “Pensar 
incomoda como andar à chuva/Quando o vento cresce e parece que chove mais”. Estudar o 
Direito, o que certamente exige o pensar, é como andar à chuva - os incômodos certamente 
aparecerão. Mas, não se preocupe, o vento crescerá e a chuva parecerá mais torrencial – os 
incômodos também. Bem estudar as disciplinas propedêuticas é obter instrumentos para se andar 
à chuva, com a prudência própria dos cautelosos e destemidos.

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