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Previdência dos Servidores Públicos © Ionete de Magalhães Souza J. H. MIZUNO 2013 Revisão: Douglas Dias Ferreira Produção do e-book: Schaffer Editorial Ficha Catalográfica Elaborada Por Meyre Raquel Tosi Bibliotecária – CRB 9 n. 759 351.84 Oliveira, Raul Miguel Freitas de. S715p Previdência dos servidores públicos: regime próprio e previdência complementar dos agentes públicos (Atualização conforme a Lei Federal nº 12.618/2012 e Lei Paulista nº14.653/2011) / Raul Miguel Freitas de Oliveira. Leme: J. H. Mizuno, 2013. Inclui referências. 1. Previdência – Servidores públicos.. 2. Serviço público – Previdência. I. T ítulo. ISBN 978-85-7789-142-9 CDU 351.84 Índice para o Catálogo Sistemático Previdência – Servidores públicos 351.84 Serviço público – Previdência 351.84 Nos termos da lei que resguarda os direitos autorais, é expressamente proibida a reprodução total ou parcial destes textos, inclusive a produção de apostilas, de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive através de processos xerográficos, reprográficos, de fotocópia ou gravação. Qualquer reprodução, mesmo que não idêntica a este material, mas que caracterize similaridade confirmada judicialmente, também sujeitará seu responsável às sanções da legislação em vigor. A violação dos direitos autorais caracteriza-se como crime incurso no art. 184 do Código Penal, assim como na Lei n. 9.610, de 19.02.1998. O conteúdo da obra é de responsabilidade do autor. Desta forma, quaisquer medidas judiciais ou extrajudiciais concernentes ao conteúdo serão de inteira responsabilidade do autor. Todos os direitos desta edição reservados à J. H. MIZUNO Rua Prof. Mário Zini, 880 – Cidade Jardim – CEP: 13614-230 – LEME/SP Fone/Fax: (19) 3571-0420 Visite nosso site: www.editorajhmizuno.com.br e-mail: atendimento@editorajhmizuno.com.br À minha esposa, Juliana, pelo amor e companheirismo. Aos meus filhos, Enrico, Beatrice e Augusto, razão de minha vida. Apresentação Uma das missões do professor universitário é a de orientar os alunos inscritos em programas de mestrado e doutorado. No exercício dessa função tenho criado laços de amizade, com tudo o que isso implica em termos de estima, carinho e respeito, que perdura muito tempo depois de ter o aluno obtido o título de mestre e doutor. Isto ocorreu comigo em relação ao Professor José Cretella Júnior, que foi meu orientador no mestrado e doutorado. E vem ocorrido em relação aos alunos que tenho orientado desde que iniciei a carreira docente na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Muitos têm sido os que publicam as suas dissertações e teses e me convidam a fazer a apresentação. Sempre aceito com muito orgulho e satisfação. Não foi diferente o que ocorreu com Raul Miguel Freitas de Oliveira. Foi por mim orientado no mestrado e no doutorado. Hoje é Professor Doutor da Universidade de São Paulo, na Faculdade de Direito de Ribeiro Preto, onde ingressou por concurso público realizado em fins de 2011 e sagrou-se vencedor. O livro que vem agora a público corresponde à sua dissertação de mestrado, que tratou, com muita propriedade, do complexo tema do regime previdenciário próprio do servidor público, instituído com a Emenda Constitucional nº 20, de 1998, com alterações introduzidas pelas Emendas Constitucionais nº 41, de 2003, e 47, de 2005. A dissertação vem atualizada e enriquecida por um capítulo pertinente à previdência complementar, só instituída e disciplinada posteriormente ao encerramento e entrega da dissertação. No trabalho, Raul Miguel analisa a evolução histórica da proteção previdenciária dos servidores públicos no Brasil, culminando com a sua inserção no Regime Próprio de Previdência do Servidor (capítulo primeiro); comenta as reformas previdenciárias como uma preocupação mundial e a forma pela qual foi feita no Brasil, por meio das aludidas emendas à Constituição (capítulo segundo); faz a classificação das normas constitucionais (regras e princípios), defendendo a aplicação, em matéria de previdência social, dos princípios do equilíbrio financeiro e atuarial, da contribuição e da solidariedade, todos decorrentes de interpretação da própria Constituição (capítulo terceiro). Esses princípios são desenvolvidos nos três capítulos subsequentes. No capítulo quarto trata do princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, apresentando o seu conceito e explicando a forma como são realizados os cálculos atuariais nos planos previdenciários; dá os conceitos de custo e custeio, explica os regimes de financiamento de repartição simples, capitalização e repartição de capitais de cobertura nos modelos de planos de benefício definido e de contribuição definida; trata também dos conceitos de superávit e déficit nos planos de previdência, demonstrando a relação entre estes fenômenos e as hipóteses atuariais eleitas na estruturação do plano. O capítulo quinto é dedicado à análise do princípio da contribuição, incluindo a evolução histórica, a natureza jurídica, a contribuição dos inativos e pensionistas, e finalizando com a defesa da necessidade de uma conformação atuarial na fixação do montante da contribuição. No capítulo sexto é explicado o princípio da solidariedade no regime previdenciário próprio do servidor, a partir do conceito de solidariedade social. O capítulo sétimo é o que foi concluído posteriormente ao término da dissertação. Trata especificamente do Plano de Previdência Complementar tal como criado no Estado de São Paulo, pela Lei nº 14.653, de 22.12.2011, e na União, pela Lei nº 12.618, de 30.4.2012. Como se constata pela leitura do trabalho, o tema é dos mais complexos e atuais e foi desenvolvido de forma aprofundada pelo seu autor. A sua leitura bem revela a especialização do seu autor em tema ainda muito pouco estudado no direito brasileiro. Não é demais lembrar que a escolha do tema, pelo candidato ao mestrado, se deu em função de seus anteriores estudos sobre matéria. Tenho certeza de que o livro será de consulta obrigatória, de grande ajuda, para os estudiosos do tema e para os profissionais que, dentro ou fora da Administração Pública, têm que enfrentar no dia-a-dia as tormentosas questões que o tema suscita. É mais um antigo aluno, hoje professor universitário, que tenho a satisfação de ter como amigo. Vou continuar acompanhando, com muito carinho, a evolução de sua carreira que, tenho certeza, é das mais promissoras e se desenvolverá com muito sucesso. Largo São Francisco, 11 de setembro de 2012. MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO Professora Titular da Faculdade de Direito da USP Introdução A presente obra tem por objetivo básico a compreensão do conteúdo normativo das expressões “caráter contributivo e solidário” e “critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial”, constantes no caput do artigo 40 da Constituição Federal de 19881, assim como o conhecimento a respeito do estágio atual de desenvolvimento do Regime Próprio de Previdência Social e do Regime de Previdência Complementar aplicáveis aos servidores e demais agentes públicos. As expressões “caráter contributivo” e “critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial” foram introduzidas no texto constitucional pela Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, e o termo “solidário”, pela Emenda Constitucional n. 41, de 19 de dezembro de 2003, com consequências marcantes na conformação atual da previdência do servidor público, pois não existiam na redação original do artigo 40 da Constituição Federal, no texto de 05 de outubro de 1988. Assim sendo,pode-se concluir que a matéria previdenciária dos servidores públicos recebeu uma nova disciplina jurídica a partir da inclusão dessas expressões normativas no texto constitucional. As citadas emendas constitucionais foram denominadas genericamente de “Reformas da Previdência Social” e modificaram mais marcantemente a previdência social dos servidores públicos, composta atualmente pelo Regime Próprio de Previdência Social e pelo Regime de Previdência Complementar dos agentes públicos. Na exploração do objeto desta obra, a primeira questão a ser esmiuçada refere-se à confirmação da natureza principiológica das aludidas expressões, ressaltando-se os valores resguardados em tais princípios, assim como a função estrutural por eles desempenhada no regime previdenciário próprio dos servidores públicos. Também é explorada, em primeiro plano, a forma como se insere o Regime Próprio de Previdência Social no Sistema de Seguridade Social brasileiro, assim como sua evolução, uma vez que esses aspectos são indispensáveis para a completa compreensão do objeto desta obra. Ultrapassado o estudo da confirmação da natureza principiológica de cada uma das expressões, adentra-se no significado de cada um dos princípios, com vistas a se buscar o alcance de cada um deles na estruturação, reestruturação e manutenção do regime de previdência social dos servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, tanto para cobertura de benefícios previdenciários básicos quanto para cobertura dos benefícios complementares. Na segunda parte, procura-se delinear o estudo num viés mais propositivo, pela elaboração de conceituações para cada um dos princípios constitucionais aplicáveis à matéria, pretendendo-se inserir os efeitos que cada um desses princípios produz (ou deveria produzir) nesse regime previdenciário dos servidores públicos, quando interpretados como normas fundamentais do sistema. Esta segunda parte da pesquisa pode ser sintetizada como uma procura de respostas ao seguinte questionamento: como devem ser entendidos o princípio da contribuição, o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial e o princípio da solidariedade na previdência social dos servidores públicos? Na elaboração das respostas, constata-se que existem ainda muitas dúvidas quanto ao significado e, principalmente, quanto à realização de tais princípios por parte do administrador público e dos servidores públicos, destinatários finais do regime de proteção previdenciária. Da constatação pode também defluir que é reservado aos juristas o esforço de fornecer parâmetros que possam auxiliar o esgotamento de tais dúvidas. Em virtude da novidade da discussão do tema, verifica-se também que, possivelmente, o real significado dos princípios estudados advirá do labor das cortes de Justiça brasileiras, que sobre eles já se manifestaram em algumas oportunidades, tendo sido a motivação para, nos capítulos relativos à análise de cada um dos princípios, ter-se buscado o entendimento, por exemplo, do Supremo Tribunal Federal em polêmicos julgamentos a respeito de limites ao montante de contribuições previdenciárias ou mesmo de sua obrigatoriedade em relação aos servidores públicos inativos. O último capítulo, finalmente, pretende ser um breve apanhado do atual estágio do Regime Próprio de Previdência Social e do Regime de Previdência Complementar dos agentes públicos, este último disciplinado por recentíssimas leis no Estado de São Paulo e na União Federal2. A obra, em termos gerais, direciona-se à compreensão do significado e do alcance dos princípios da contribuição, do equilíbrio financeiro e atuarial e da solidariedade na previdência do servidor público, em especial na modificação do comportamento do administrador público na gestão dos aludidos regimes previdenciários, e também – por que não dizer? – do próprio servidor público usufrutuário da proteção, que poderá ser chamado a participar da construção de seu próprio futuro previdenciário, por exemplo, como membro de órgãos internos colegiados das entidades de gestão. 1 Eis o conteúdo do artigo 40, “caput”, da Constituição Federal: “Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.” [grifo nosso] 2 A previdência complementar dos agentes públicos paulistas, gerida pela SP-PREVCOM, foi criada pela Lei Paulista nº 14.653, de 22 de dezembro de 2011, e a dos agentes públicos federais, gerida pelo FUNPRESP, pela Lei Federal nº 12.618, de 30 de abril de 2012. Sumário CAPÍTULO 1 O Regime Próprio de Previdência Social 1.1 O Regime Próprio de Previdência Social no Sistema de Seguridade Social 1.2 Breve análise da evolução histórica da proteção social dos servidores públicos no Brasil CAPÍTULO 2 As Reformas da Previdência Social 2.1 As reformas nos sistemas de previdência social como uma preocupação mundial 2.2 As reformas do sistema de previdência social do Brasil: principais modificações e críticas CAPÍTULO 3 Classificação das Normas Constitucionais 3.1 Conceitos de princípios 3.2 A distinção entre regras e princípios constitucionais 3.3 Tipologia dos princípios 3.4 Os princípios da contribuição, do equilíbrio financeiro e atuarial e da solidariedade no RPPS CAPÍTULO 4 O Princípio do Equilíbrio Financeiro e Atuarial no Regime Próprio de Previdência Social 4.1 Alguns conceitos de equilíbrio financeiro e atuarial no RPPS e no RPC 4.2 A realização dos cálculos atuariais nos planos previdenciários 4.3 O conceito de custo previdenciário e sua definição no RPPS 4.4 O conceito de custeio previdenciário no RPPS 4.5 Os regimes clássicos de financiamento dos planos previdenciários 4.5.1 O modelo teórico puro do regime de repartição simples e considerações sobre sua utilização no RPPS 4.5.2 O modelo teórico puro do regime de repartição de capitais de cobertura e considerações sobre a sua utilização no RPPS 4.5.3 O modelo teórico puro do regime de capitalização e considerações sobre a sua utilização no RPPS 4.6 As modelagens clássicas: os planos previdenciários de Benefício Definido (BD) e de Contribuição Definida (CD) 4.7 O déficit, o superávit e o equilíbrio em planos de previdência 4.7.1 A relação entre as hipóteses atuariais e o equilíbrio financeiro e atuarial do plano 4.8 Algumas questões polêmicas sobre os conceitos de custo, custeio e regimes de financiamento no RPPS 4.9 Proposta de um conceito completo para o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial CAPÍTULO 5 O Princípio da Contribuição no Regime Próprio de Previdência Social 5.1 Evolução histórica da contributividade na previdência do servidor público 5.2 Anotações sobre a natureza jurídica da contribuição previdenciária 5.3 Contribuição previdenciária dos inativos e pensionistas, progressividade das alíquotas e limite de razoabilidade 5.4 A exigência constitucional da conformação atuarial da contribuição do RPPS CAPÍTULO 6 O Princípio da Solidariedade no Regime Próprio de Previdência Social 6.1 A solidariedade social 6.2 A solidariedade social na previdência social 6.3 A solidariedade enquanto princípio do RPPS CAPÍTULO 7 Do Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores Públicos ao Regime de Previdência Complementar dos Agentes Públicos 7.1 Introdução 7.2 A previdência complementar dos agentes públicos do Estado de São Paulo 7.3 A previdência complementar dos servidores públicos titulares de cargo efetivo daUnião Federal Referências Capítulo 1 O Regime Próprio de Previdência Social 1.1 O Regime Próprio de Previdência Social no Sistema de Seguridade Social A Seguridade Social pode ser definida como um conjunto de ações da sociedade e dos poderes públicos para o atendimento das contingências sociais, portanto uma espécie de sistema protetivo da sociedade contra determinados riscos previstos em lei. Segundo Sérgio Pinto Martins1, “a palavra ‘conjunto’ revela que a Seguridade Social é composta de várias partes organizadas, formando um sistema”. Para o doutrinador, seria esse sistema formado por princípios próprios que compõem as bases das normas jurídicas que caracterizam o Direito da Seguridade Social como ramo do Direito didaticamente autônomo. O entendimento da Seguridade Social como um sistema normativo é referendado por Wagner Balera2, que ressalta a relevância do estudo de cada parte do todo, no seguinte sentido: “Considerando que a noção de sistema é a de conjunto de peças que compõe o todo, parece-nos adequado examinar cada peça isoladamente e no conjunto dentro do qual a mesma se encaixa”. O artigo 194 da Constituição Federal de 19883 configura-se como a base constitucional do Sistema de Seguridade Social composto pela assistência social, previdência social e saúde: Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Wagner Balera4 ainda anota que: “Sob a designação genérica de seguridade social, o Direito Previdenciário estuda o inventário de mecanismos de proteção social com que conta o aparato normativo a fim de, intervindo modeladoramente no mundo fenomênico, superar certas questões sociais”. A previdência social é, em consequência, parte integrante do conjunto de ações que compõem o Sistema de Seguridade Social brasileiro, podendo-se dizer que a ela também são aplicáveis os princípios gerais previstos no parágrafo único do artigo 194 da Constituição Federal. A previdência social pode ser conceituada também como um conjunto de princípios, regras e instituições voltadas à proteção das pessoas físicas, a ela vinculadas, contra os riscos sociais previstos nos incisos do artigo 201 da Constituição Federal, dos quais são exemplo: doença, invalidez, morte, idade avançada, proteção à maternidade, entre outros. Maria Lucia Luz Leiria5 assim definiu a previdência social: A partir da Constituição de 1988, a Previdência Social é parte do conjunto integrado de ações destinadas a assegurar os direitos aos trabalhadores quando não mais podem prover seu sustento, seja temporária, seja definitivamente, quer pela incapacidade temporária ou permanente, quer pela idade ou fator tempo de serviço efetuado. Wagner Balera6, por seu turno, conceitua a previdência social ressaltando sua estrutura do seguinte modo: A previdência social é, antes de tudo, uma técnica de proteção que depende da articulação entre o Poder Público e os demais atores sociais. Estabelece diversas formas de seguro, para o qual ordinariamente contribuem os trabalhadores, o patronato e o Estado e mediante o qual se intenta reduzir ao mínimo os riscos sociais, notadamente os mais graves: doença, velhice, invalidez, acidentes do trabalho e desemprego. O conjunto de princípios aplicáveis à previdência social, principalmente ao Regime Geral, é previsto no parágrafo único do artigo 3.º da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991 (Plano de Custeio da Previdência Social), e no artigo 2.º da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991 (Plano de Benefícios da Previdência Social), havendo íntima relação, conforme mencionado, com aqueles princípios da Seguridade Social. A previdência social, por sua vez, também pode ser entendida como um sistema, cujas partes componentes são, basicamente, três regimes previdenciários distintos: o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), cuja base é o citado artigo 201; o Regime de Previdência Complementar (RPC), previsto no artigo 202, e, finalmente, o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), previsto no artigo 40, todos da Constituição Federal. A atual conformação do que se pode denominar de Sistema de Previdência Social brasileiro decorre principalmente das modificações introduzidas pela Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, que procurou igualar o regime previdenciário dos servidores públicos ao Regime Geral de Previdência Social, assegurado aos trabalhadores da iniciativa privada. Esse aspecto da reforma previdenciária, relativo à intenção de igualamento dos regimes previdenciários geral e próprio, será abordado de forma mais aprofundada no próximo tópico. Retornando-se à demonstração da localização do regime próprio na atual estrutura do Sistema de Previdência Social brasileiro, Vicente Greco Filho7, em parecer jurídico exarado no mês de setembro de 2003, a pedido de várias entidades de classe, confirma a referida estrutura: O sistema previdenciário brasileiro responsável pelo amparo aos beneficiários é composto por um Regime Geral de Previdência Social (RGPS), por Regimes Próprios de Previdência, quais sejam: Regime de Previdência dos servidores públicos federais, dos militares, dos parlamentares, dos membros do Poder Judiciário, e dos servidores dos Estados e Municípios, e por uma Previdência Complementar (aberta e fechada) que existe em caráter supletivo aos dois regimes anteriores. Mauro Ribeiro Borges8 preferiu cindir o que denominou de “primeiro pilar ou previdência estatal básica obrigatória” em dois fragmentos: “um, que alberga os trabalhadores do setor privado, o Regime Geral de Previdência, gerido pelo INSS, e outro, o Regime Funcional de Previdência, destinado aos servidores públicos titulares de cargos efetivos, gerido pela União, Estados e Municípios”. Além disso, demonstrou o mesmo doutrinador9 que na legislação aplicável à matéria há previsão de que a previdência social compreende o RGPS e o RPPS: A promulgação da Emenda 20 propiciou a edição do Decreto 3.048, de 06.05.1999. Segundo este diploma, a Previdência Social compreende o Regime Geral e os Regimes Próprios de Previdência Social dos servidores públicos e dos militares, ou seja, o Regime Funcional. O Decreto não inclui a Previdência Complementar como integrante do Regime de Previdência Social, muito embora dele tenha tratado em seu art. 214, § 9.º, inc. XV. [grifo nosso] Aproveitando-se o ensejo, segue a transcrição do artigo 6.º do mencionado Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, que assim estabelece: Art. 6.º A previdência social compreende: I - o Regime Geral de Previdência Social; e II - os regimes próprios de previdência social dos servidores públicos e dos militares. Verifica-se dos trechos doutrinários e legal transcritos que o autor referiu-se ao regime de previdência social dos servidores públicos como “Regime Funcional”, tendo o adjetivo “funcional” relação, provavelmente, com a expressão “funcionários públicos”, entendida em sentido amplo, genérico. Paulo Modesto10, em recente obra, também fez uso de denominação parecida, referindo-se ao regime previdenciário dos servidores públicos titulares de cargo efetivo como “regime previdenciário funcional”: “No regime previdenciário funcional (previdência dos titulares de cargo efetivo), o resultado deficitário é de responsabilidade exclusiva do ente público instituidor”. [grifo nosso] Entretanto, diante do atual entendimento doutrinário da matéria relativa aos servidores públicos, tal denominação (“regime funcional”) não pareceser a mais adequada, pois, como bem ressalta Maria Sylvia Zanella Di Pietro11: Na vigência da Constituição anterior, utilizava-se a expressão funcionário público para designar o atual servidor estatutário. A expressão mantém-se em algumas leis mais antigas, como é o caso da Lei paulista n. 10.261, de 28.10.68, que instituiu o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo, ainda em vigor. (...) A Constituição de 1988, que substituiu a expressão funcionário público por servidor público, previu, na redação original, regime jurídico único para os servidores da Administração Direta, autarquias e fundações públicas (art. 39). A denominação Regime Próprio de Previdência Social, por seu turno, foi a adotada no texto da Lei n. 9.717, de 27 de novembro de 1998, que dispõe sobre as regras gerais para organização e funcionamento das estruturas gestoras da previdência social dos servidores públicos nos três níveis de governo, assim como no Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, denominado “Regulamento da Previdência Social”. Focando-se na análise da estrutura do Sistema de Previdência Social brasileiro e, especialmente, na visualização da posição do Regime Próprio de Previdência Social dentro dele, tem-se que Marcelo Barroso Lima de Brito Campos12 confirma a estrutura tripartida e denomina cada parte componente de “espécies de regimes previdenciários”: Atualmente, a República Federativa do Brasil possui três espécies de regimes previdenciários: a) o Regime Geral de Previdência Social (RGPS); b) os regimes próprios de previdência social (RPPS); c) o regime de previdência complementar (RPC). [grifo nosso] O mesmo autor explicita a diversidade de regimes próprios de previdência social na atual estrutura do sistema previdenciário brasileiro, lecionando que: Os regimes próprios de previdência (RPPS) disciplinam a previdência dos servidores públicos titulares de cargos efetivos vinculados a cada um dos entes federativos (CF, art. 40, caput). Portanto, temos o RPPS dos servidores da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, também denominado de “regime jurídico peculiar” dos servidores públicos na obra atualizada de Hely Lopes Meirelles13. Érica Paula Barcha Correia14 concebe os regimes previdenciários geral e próprio diretamente no Sistema de Seguridade Social, ou seja, não diante do Sistema de Previdência Social, do seguinte modo: Sendo assim, o Sistema de Seguridade Social brasileiro abriga, de um lado, o regime geral de previdência social, regulado pelas Leis 8.212 e 8.213, ambas de 1991 e, de outro, o regime próprio dos servidores definidos no artigo 40 de nosso texto constitucional, regulado pela Lei 9.717/1998. (...) estamos, conseqüentemente, diante de dois tipos distintos de regime de previdência: a) - o regime geral, destinado àqueles que são agasalhados pelas leis trabalhistas, incluindo o servidor que ocupe cargo em comissão, sem qualquer outro vínculo com a administração pública, bem como o exercente de cargo temporário, o empregado público e o prestador de serviços; e b) - o regime próprio, implementado por Estados e Municípios, destinado, exclusivamente, aos servidores, ocupantes de cargos efetivos, regidos por estatuto específico. (...) Desse modo, somente poderão fazer parte do regime de previdência do setor público os servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. [grifo nosso] Luis Roberto Barroso15 explica que o “sistema constitucional de previdência social no Brasil” deve ser compreendido, primeiramente, na grande divisão entre público e privado. A previdência privada seria representada pelas entidades abertas e fechadas de previdência social, de natureza contratual, facultativa e complementar, em consonância com o artigo 202 da Constituição Federal. Quanto à segunda parte do sistema, a pública, é referida como “sistema público de previdência, identificado como Previdência Social”, por sua vez composta de “dois modelos de Previdência Social no Brasil”: (i) o regime geral (RGPS), que congrega todos os trabalhadores da iniciativa privada (bem como outras pessoas que podem voluntariamente filiar-se), e é gerido pelo INSS, uma autarquia federal; e (ii) o regime próprio dos servidores públicos (RPSP), organizado por cada uma das entidades estatais – União, Estados, Distrito Federal e Municípios –, que reúne os servidores que ocupam ou ocuparam cargos públicos efetivos. Finalmente, cabe a Paulo Modesto16 uma explicação do sistema previdenciário brasileiro de forma completa e concisa: O sistema previdenciário brasileiro é complexo, sendo constituído por dois subsistemas básicos: o público e o privado. O sistema público, de natureza estatutária, é subdividido em Regime Geral de Previdência Social – RGPS, aplicável à generalidade dos empregados privados e públicos, e os Regimes Próprios de Previdência Social - RPPS, que são aplicáveis aos titulares de cargo efetivo. O sistema privado, de natureza contratual, é subdividido em previdência complementar aberta, administrada por bancos e sociedades seguradoras, e previdência complementar fechada, administrada por fundos de pensão. Do que foi apresentado, chega-se à conclusão de que o Regime Próprio de Previdência Social previsto no artigo 40 da Constituição Federal é um dos pilares do Sistema de Previdência Social brasileiro, que, por seu turno, insere-se no Sistema de Seguridade Social. Portanto, a espécie Regime Próprio de Previdência Social sofre a influência dos princípios aplicáveis ao gênero Seguridade Social e dos princípios próprios, como se demonstra no decorrer do presente trabalho. O Regime Próprio de Previdência Social é nitidamente público, uma vez que, conforme mandamento constitucional, o caracterizam a filiação obrigatória de seus segurados (servidores públicos titulares de cargo efetivo) e o caráter contributivo. Além disso, várias são as denominações usadas na doutrina para designar o Regime Próprio de Previdência Social dos servidores públicos, tal como “regime funcional”. A estrutura na qual se insere o Regime Próprio também recebe diferentes denominações: ora “sistema de previdência social brasileiro”, ora “sistema de seguridade social”, ora “subsistema de previdência social”. Apesar de tais diferenças, entende-se que a compreensão da matéria não fica prejudicada pela adoção, no presente estudo, da expressão constante na Lei n. 9.717/1998: “Regime Próprio de Previdência Social”, cuja sigla é RPPS. Portanto, opta-se por uma denominação constante na aludida lei federal, em vez da multiplicidade de denominações doutrinárias. Além disso, adota-se neste estudo o entendimento de que tal regime previdenciário dos servidores públicos insere-se no Sistema de Previdência Social, que pode ser, para fins didáticos, tripartido, sendo suas outras partes componentes: a. o Regime Geral de Previdência Social (RGPS); b. o Regime de Previdência Complementar (RPC). Acolhendo o entendimento doutrinário majoritário sobre a matéria, entende-se que este Sistema de Previdência Social, por seu turno, encontra-se vinculado ao Sistema de Seguridade Social brasileiro, composto também pela Assistência Social e a Saúde. Portanto, a divisão adotada é semelhante àquela utilizada pelo doutrinador Paulo Modesto, na obra de que foi organizador, intitulada Reforma da previdência. Análise e crítica da Emenda Constitucional n. 41/2003, editada pela Editora Fórum, no ano de 2004, estrutura esta já proposta, inclusive, por Augusto Tadeu Ferrari e outros, na obra editada pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, na série Coleção Previdência Social, Série Estudos, no ano de 2002, intitulada Regimepróprio de previdência dos servidores: como implementar? Uma visão prática e teórica. Mesma divisão é adotada por Mauro Ribeiro Borges17, que considera ainda a necessidade de existir uma sistematização maior dos regimes previdenciários para proporcionar maiores vantagens ao sistema: De qualquer modo, é certo que o Sistema de Previdência Social Brasileiro compreende os Regimes Geral, Funcional e Complementar, e estes, de regra, deveriam estar sistematizados, a partir do texto constitucional, em um único documento legislativo, ao menos no que concerne às regras gerais. Isso facilitaria não só a compreensão como também a gestão desse Sistema, oportunizando uma melhor transparência nas formas de financiamento, de concessão e manutenção de benefícios. Finalmente, interessante apontar a observação de Wagner Balera18 quanto ao fato de que nem sempre esteve a previdência do servidor público inserta na estrutura do Sistema de Seguridade Social brasileiro. Segundo o jurista, o Regime Próprio de Previdência Social não teria sido originalmente agregado ao Sistema de Seguridade Social: É verdade que o constituinte de 1988 não agregou ao sistema todo o instrumental de proteção que irá atuar no Brasil. Deixou de lado os modos de proteção dos servidores públicos, beneficiários de regimes próprios de previdência e assistência social. Todavia, tal aspecto é analisado pormenorizadamente nos tópicos seguintes, relativos à discussão das razões que justificaram as reformas da previdência social brasileira, principalmente nas profundas modificações do Regime Próprio de Previdência Social dos servidores públicos. Sem prejuízo, porém, do quanto será analisado adiante, pode-se afirmar que, atualmente, o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), inaugurado pela Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, é entendido como um dos pilares do Sistema de Previdência Social brasileiro, juntamente com o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e o Regime de Previdência Complementar (RPC). 1.2 Breve análise da evolução histórica da proteção social dos servidores públicos no Brasil A evolução histórica da proteção social dos servidores públicos no Brasil pode ser feita tomando-se diferentes aspectos. O primeiro deles, mais discutido na doutrina, refere-se à evolução da aposentadoria, da pensão e de outros benefícios assistenciais e previdenciários oferecidos aos servidores públicos. Nesse aspecto, encontra-se a disciplina da matéria previdenciária dos servidores públicos nos textos constitucionais quase sempre reduzida às espécies de aposentadoria, e, mais recentemente, após a Constituição Federal de 1988, às condições para a aposentação, tal como tempo de serviço e contribuição e espécie de proventos. Um segundo aspecto na análise da mesma evolução refere-se às estruturas públicas constituídas pelos entes públicos para gerirem o respectivo sistema protetivo, hodiernamente denominadas entidades gestoras. Analisando-se as entidades gestoras da proteção social dos servidores públicos, pode-se dizer que as origens e formas são distintas em cada ente público, possivelmente devido às peculiaridades históricas de cada um e à autonomia federativa. Cabe também ressaltar que a expressão “proteção social”, adotada no presente tópico, é mais ampla do que a expressão “previdência social”, que, na verdade, pode ser conceituada como espécie de proteção social. Na ideia de proteção social incluem-se não só a concessão de benefícios previdenciários, tais como aposentadoria ao servidor e pensão aos seus dependentes, como também benefícios assistenciais, por exemplo auxílio-pecúlio, auxílio-funeral, entre outros, além de benefícios e serviços ligados à saúde, como medicamentos, serviços de fisioterapia, odontologia etc. No direito previdenciário, em virtude do previsto no artigo 18 da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, costuma-se dividir as prestações do Regime Geral de Previdência Social em benefícios (bens materiais) e serviços (atividades) concedidos aos segurados e seus dependentes. Portanto, a mesma classificação pode ser adotada no presente trabalho para o Regime Próprio de Previdência Social. Na doutrina administrativista, por seu turno, não é incomum se encontrar a abordagem da evolução da proteção social dos servidores públicos muito mais focada nos principais benefícios previdenciários: a aposentadoria ao servidor e a pensão aos seus dependentes. Seguindo o mesmo caminho, reduz-se a análise, inicialmente, à aposentadoria, benefício que, na lição do administrativista José Cretella Júnior, possui como traço típico o prolongamento ininterrupto do descanso durante toda a vida do agente (a não ser no caso excepcional da reversão ao serviço público), ao contrário do que se verifica nas licenças e nas férias, em que a interrupção do exercício do cargo é momentânea. O conceito fornecido pelo mencionado doutrinador19 é o seguinte: “(...) o período de descanso, em geral ininterrupto, com a continuação integral ou não do estipêndio, a que tem direito funcionário público que se retira do exercício ativo por motivos de idade ou de invalidez”. A definição de Hely Lopes Meirelles20 para aposentadoria é a seguinte: “A aposentadoria é a prerrogativa da inatividade remunerada, reconhecida aos funcionários que já prestaram longos anos de serviço público, ou se tornaram incapacitados para as suas funções”. Sobre a origem etimológica do vocábulo, José Cretella Júnior esclarece: “(...) baseia-se na raiz pouso (cf. repouso), com redução do ditongo. As formas plenas apousentar, apousento são encontradas, por exemplo, em Camões (...). Pela origem, aposentadoria significa o mesmo que seu cognato repouso”. Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro21, a aposentadoria é: “(...) direito à inatividade remunerada, assegurado ao servidor público em caso de invalidez, idade ou requisitos conjugados de tempo de exercício no serviço público e no cargo, idade mínima e tempo de contribuição”. Analisando a situação atual, segundo a doutrinadora, em tese admite-se diferença no regime adotado, podendo a aposentadoria ser considerada um direito de natureza previdenciária, dependente de contribuição, ou direito vinculado ao exercício do cargo público, financiado inteiramente pelo Poder Público, sem contribuição do servidor. A segunda hipótese, em que a aposentadoria é concedida sem o pré-financiamento por parte do servidor público, foi a tradicionalmente adotada pela maioria dos entes públicos brasileiros até a Emenda Constitucional n. 20/1998. Tal aspecto da inexistência de prévio financiamento da aposentadoria pelo servidor público demonstra, de certa forma, que esta era prevista como mais um direito no conjunto de direitos do servidor público previsto nas leis estatutárias. Portanto, pode-se afirmar que os direitos à aposentadoria e pensão aos dependentes incluíam-se, desde suas origens, na política de pessoal da Administração Pública. Marcelo Barroso Lima Brito de Campos22 aborda tal aspecto demonstrando que: “Uma característica marcante dos regimes de previdência dos servidores públicos consiste no fato de que a proteção social, desde o início, sempre foi tratada como extensão da política de pessoal”. Mesma opinião é comungada por Delúbio Gomes Pereira da Silva23: A origem do regime previdenciário dos servidores públicos está vinculada à relação de trabalho pro labore facto, em que o direito à aposentadoria não decorre da contribuição aportada ao regime, mas sim da vinculação do servidor ao ente público. Neste regime, o servidor recebe sua aposentadoria diretodo Estado. Assim, o aposentado continua como servidor, somente alterando sua condição de ativo para inativo. A proteção previdenciária ao servidor reflete, de certo modo, o sentido que o próprio termo “servidor” adquiriu em suas origens mais remotas, de “relação entre o servo e o soberano feudal, caracterizada pela dependência em troca de proteção”24. Entendido dessa forma, o usufruto da aposentadoria pelo servidor seria uma “espécie de sucedâneo dessa relação, de modo que o servidor empenhado na função pública recebe, em troca, a proteção do Estado na inatividade”25. Delúbio Gomes Pereira da Silva26, Diretor do Departamento dos Regimes Próprios de Previdência Social no Serviço Público, órgão do Ministério da Previdência Social, defende que: Quando da formação do Estado brasileiro, existia uma concepção de Estado altamente patrimonialista, justificada por nossa herança de colonização portuguesa. Assim, o servidor era considerado um bem do Estado: como tal deveria ser protegido pelo mesmo. Em razão disto, os mecanismos de proteção previdenciários para servidores públicos e militares surgiram anteriormente aos destinados para trabalhadores brasileiros em geral. Como exemplo, já em 1795, um século antes de Otto Von Bismarck instituir o primeiro sistema previdenciário para os trabalhadores alemães em 1883, foi instituído, no Brasil, o “Plano de Benefícios dos Órfãos e Viúvas dos Oficiais da Marinha”. Na tradicional doutrina de José Cretella Júnior27 encontra-se anotação que confirma tal tese: “pelo fato da aposentadoria, não perde o funcionário suas qualidades de agente do Estado, não cessam as relações de emprego público, ponto este, aliás, pacífico na doutrina como na legislação de todos os países”. Mauro Ribeiro Borges28, finalmente, de forma elucidativa aborda o assunto, confirmando que o servidor público, em muitos casos, era considerado espécie de patrimônio do Estado, merecendo uma proteção previdenciária independentemente de contribuição pecuniária prévia: Desde os primórdios da formação dos Estados, deparamo-nos com políticas de concessão de benesses àqueles cidadãos que, próximo ao centro do poder, serviam ao seu detentor. Essa política de concessão de rendas vitalícias aos “fiéis servidores” ou mesmo de pensão aos seus familiares, como retribuição pelos “bons serviços prestados” ao Estado, comum em todas as sociedades, sempre se deu a expensas do erário público. Essa prática foi assimilada, sofisticada e ampliada pelo Estado moderno. Note-se que, ainda hoje, concedemos aposentadorias e pensões vitalícias a ex-prefeitos, governadores, presidentes e suas respectivas viúvas, isso tudo como contrapartida por terem exercido o poder em um pequeno lapso temporal. Desse modo se criaram em favor dos servidores públicos, muito antes do que para os cidadãos contribuintes, regimes de benefícios previdenciários. Esses regimes, constituídos a partir de uma relação pro labore facto, ou seja, em razão do trabalho, estabeleciam que o servidor, visto como verdadeiro patrimônio do Estado, deveria ter sua manutenção integral bancada pelo governo, e, como não podia deixar de ser, à custa dos recursos públicos. Pelas opiniões transcritas percebe-se que são utilizados diversos fundamentos para explicar a origem da concessão da aposentadoria pelo Estado aos seus servidores, sem financiamento prévio pelo futuro beneficiário. A proteção previdenciária específica para os servidores públicos, em regime previdenciário diverso daquele voltado aos trabalhadores da iniciativa privada, denota-se que decorreu sempre da relação jurídica também peculiar existente entre a pessoa do servidor e o Estado, relação jurídica previdenciária que é encontrada também em sistemas jurídicos alienígenas. O jurista em matéria previdenciária José Manuel Almansa Pastor29, ao examinar a lei previdenciária da Espanha, justificou a necessidade de se manter um regime previdenciário diferenciado aos servidores públicos, em virtude do “caráter administrativo dos serviços prestados”, da seguinte forma: Y el grado superlativo de la especialidad deriva de la propia L.B.S.S., la cual permitió que la seguridad social de los funcionarios publicos civiles pudiese ordenarse en forma distinta al sistema que articulara la Ley de Seguridad Social. (...) La especialidad del régimen frente al régimen general se justifica por el carácter administrativo de los servicios prestados por los sujetos protegidos, y por ser el Estado el destinatario de tales servicios. Sin embargo, la máxima especialidad del régimen se explica por el mantenimiento de los sistemas de protección de derechos pasivos y de ayuda familiar junto al del mutualismo administrativo, que es el más apegado a los principios del sistema de seguridad social. [grifo nosso] Quanto à evolução do benefício de aposentadoria para o servidor público, a previsão constitucional mais remota é a do artigo 75 da Carta Magna de 1891, nos seguintes termos: “Art. 75. A aposentadoria só poderá ser dada aos funcionários públicos em caso de invalidez no serviço da Nação”. A aposentadoria, dessa forma prevista, seria suportada integralmente pelo erário, independentemente de contribuição do servidor. Nesse período histórico, as primeiras estruturas previdenciárias foram formadas sob a denominação de montepios. Delúbio Gomes Pereira da Silva30, citando Jaime Araújo de Oliveira e Sonia Fleury Teixeira31, explica que: No período compreendido entre 1827 e 1835, início do Império, foram instituídos, respectivamente, o “Montepio do Exército” e o “O Montepio Geral da Economia”. Já com a proclamação da República, entre 1888 e 1892, os funcionários do Ministério da Fazenda, funcionários civis do Ministério da Guerra e operários efetivos do Arsenal da Marinha da Capital Federal receberam a proteção previdenciária do Estado. Também neste período foram contemplados com a proteção previdenciária os funcionários da Imprensa Nacional e os funcionários das Estradas de Ferro Central do Brasil, logo mais estendida a todos os empregados de estradas de ferro. Do anotado pode-se concluir que o servidor público foi a categoria que primeiro recebeu proteção previdenciária no Brasil, até por estar mais diretamente ligada ao Estado, podendo-se supor uma maior facilidade para constituição de grupo de pressão para criação de leis que a previssem. Os montepios também foram importantes estruturas para a extensão do benefício de pensão aos dependentes do servidor público, assim como de serviços assistenciais (saúde, medicamentos, odontologia etc.). A estrutura dos montepios tornou-se relevante na vida do servidor público, chegando José Cretella Júnior32 a qualificar de “direito ao montepio” o direito do funcionário público, previsto em estatuto, de deixar a seus dependentes uma cobertura financeira após seu falecimento ou inabilitação. Em precisa lição, o mesmo doutrinador conceituou tal direito: Dá-se, no Brasil, nome de montepio à quantia cuja finalidade é prover à subsistência e amparar o futuro das famílias dos funcionários públicos, quando estes falecerem ou ficarem inabitados para sustentá-las decentemente. (...) O montepio é uma pensão. O seu caráter não é, porém, o de graça, mas o de justiça, porque o funcionário é que concorre para a existência dele. O fundamento do montepio é evidente: a situação às vezes inesperada, em que fica a família do funcionário que falece, impressionou, há longos anos, os estadistas, e trouxe a instituição do antigo montepio, pago por cotas mensais ou de uma só vez em capital. Procurou-se desse modo suavizar a mudança de condição da família, profundamente transformada pelo desaparecimento de seu arrimo. A criaçãode montepios destinados aos servidores públicos civis intensificou-se a partir do Decreto n. 942-A, de 31 de outubro de 1890, quando o Conselheiro Rui Barbosa estava à frente do Ministério da Fazenda, tendo sido criado um montepio para as famílias dos funcionários de tal Ministério. No âmbito federal, ainda em 1890, também foram criados montepios para os dependentes dos servidores públicos civis do Ministério da Justiça (Decreto n. 956, de 6 de novembro de 1890), do Ministério da Marinha (Decreto n. 984, de 8 de novembro de 1890), do Ministério do Interior (Decreto n. 1.036, de 14 de novembro de 1890), do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas (Decreto n. 1.045, de 21 de novembro de 1890) e do Ministério da Instrução Pública, Correio e Telégrafos (Decreto n. 1.077, de 27 de 27 de novembro de 1890). Dado histórico importante é o fato de que, a partir da década de 1920, principalmente após o chamado marco histórico da previdência social brasileira: a Lei Eloy Chaves (Decreto n. 4.682, de 24 de janeiro de 1923), paralelamente várias outras categorias profissionais, diferentes dos servidores públicos, constituíram suas Caixas de Aposentadorias e Pensões - CAPs, estruturadas por empresas. Sérgio Pinto Martins33 ressalta, contudo, que a partir de 1930 o sistema previdenciário começou a se estruturar por categorias profissionais, nas mesmas CAPs. Essas caixas originaram os Institutos de Aposentadorias e Pensões – IAPs, que possuíam abrangência nacional e ofereciam benefícios e serviços de assistência médica e pensão aos dependentes de seus filiados. O Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado – IPASE foi criado pelo Decreto n. 288, de 23 de fevereiro de 1938, como reunião de vários montepios de diferentes categorias de servidores públicos federais. Segundo Marcelo Barroso Lima Brito de Campos34: Caracterizava-se a proteção do servidor federal por benefícios previdenciários e assistenciais, especialmente no que tange à saúde. Não se tratava propriamente de um instituto de aposentadorias e pensões, mas de previdência e assistência, diversamente dos demais institutos existentes na época, mesmo porque as aposentadorias de seus servidores públicos se constituíam em encargos do Tesouro, enquanto os demais benefícios e serviços eram prestados pelo IPASE. Segundo Sérgio Pinto Martins35, o IPASE não era apenas um IAP, pois concedia assistência médica e dentária. Após tal fase, nacionalmente ocorreu a uniformização dos princípios gerais aplicáveis aos institutos, por força do Regulamento Geral dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (Decreto n. 35.448, de 1.º de maio de 1954), direcionando-se a previdência social no sentido da unificação. A Lei n. 3.807, de 26 de agosto de 1960, denominada Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS, pode ser considerada o marco dessa uniformização, tendo introduzido novos benefícios e estabelecido normas que compendiavam as então existentes. Apesar de várias modificações, a LOPS manteve a multiplicidade de institutos, que só foi extinta com o Decreto-lei n. 72, de 21 de novembro de 1966, norma unificadora dos institutos de aposentadorias e pensões no Instituto Nacional de Previdência Social – INPS, implantado no ano seguinte. Tal retrospectiva da previdência social no regime voltado aos trabalhadores da iniciativa privada (que atualmente é entendida como Regime Geral de Previdência Social) é importante para demonstrar, entre outros fatos, que o IPASE sobreviveu à unificação dos IAPs no INPS, tendo sido extinto apenas uma década depois da implementação deste, no ano de 1977, quando foi criado o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social - SINPAS. Pelo exposto, pode-se constatar que a evolução das estruturas gestoras do Regime Próprio de Previdência Social deu-se de forma diversa no âmbito de cada ente público que o abrigou para seus servidores públicos. Nos primórdios da estruturação dos regimes de proteção social dos servidores públicos, não há notícia da existência de normas jurídicas unificadoras nas esferas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Neste ponto, importante notar que, até o momento, fez-se uma retrospectiva histórica da matéria previdenciária do servidor público no aspecto amplo do direito à aposentadoria e à pensão e de forma mais restrita no que diz respeito às estruturas dos entes públicos voltadas ao atendimento de tais direitos. Assim, analisando-se as estruturas públicas responsáveis pela concessão dos benefícios previdenciários aos servidores públicos, tem-se, primeiramente, o próprio tesouro dos entes públicos, podendo existir também pessoas jurídicas da Administração Pública indireta, como autarquias e fundações. Quanto à existência de normas jurídicas unificadoras da previdência social dos servidores públicos, constata- se que coube sempre às Constituições Federais o papel de estabelecer um núcleo fundamental de direitos previdenciários aos servidores públicos. Na Constituição Federal de 24 de fevereiro de 1891, apenas o artigo 75 previa a aposentadoria do servidor público, restrita à hipótese de invalidez. Na Constituição Federal de 16 de julho de 1934, apenas o artigo 170, 7.º, previa que os proventos da aposentadoria dos servidores públicos não podiam exceder a remuneração da ativa, nada mais havendo quanto à matéria previdenciária. No artigo 156, alínea d, da Constituição Federal de 10 de novembro de 1937, previu-se a aposentadoria compulsória, não existindo mais norma relativa à previdência dos servidores. Na Constituição Federal de 18 de setembro de 1946, houve um sensível aumento da disciplina da matéria previdenciária do servidor público: no artigo 191 previram-se as espécies de aposentadoria (por invalidez, compulsória e voluntária); no artigo 192, a regra de cômputo de tempo de serviço municipal, estadual e federal para disponibilidade e aposentadoria; e no artigo 193, a regra da revisão dos proventos, em razão da alteração do poder aquisitivo da moeda ou de mudança na remuneração dos servidores em atividade. Na Constituição Federal de 15 de março de 1967, no artigo 100, foram previstas as modalidades de aposentadoria e no artigo 101, as espécies de proventos de aposentadoria (integrais ou proporcionais), com os respectivos tempos de serviço, constando no § 2.º do mesmo artigo a regra da revisão dos proventos por motivo de alteração do poder aquisitivo da moeda ou modificação dos vencimentos dos então “funcionários” em atividade. Finalmente, comparando-se com os textos constitucionais anteriores, a Constituição Federal de 5 de outubro de 1988 foi a que mais detalhou a previdência dos servidores públicos, chegando a prever tempo de serviço específico para os ocupantes de função de magistério, por exemplo. Na redação original do texto constitucional de 1988, foram previstas, nos incisos I, II e III do artigo 40, as modalidades de aposentadoria, esmiuçando-se as regras de elegibilidade ao benefício, principalmente o tempo de serviço e os limites de idade. Da mesma forma que na Constituição de 1946 e 1967, manteve-se a regra da revisão dos proventos de aposentadoria na hipótese de modificação da remuneração dos servidores em atividade, detalhando-se, porém, como extensão aos inativos quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria. Na mesma redação original da Constituição Federal de 1988 também se incluiu, no § 5.º do artigo 40, regra relativa à pensão,matéria até então inexistente em texto constitucional, prevendo-se que a mesma corresponderia à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido, até o limite estabelecido em lei. Como se vê, até a Emenda Constitucional n. 20, de 16 de dezembro de 1988, as regras que uniformizavam a proteção previdenciária dos servidores públicos restringiam-se aos critérios de elegibilidade aos benefícios de aposentadoria, à paridade dos proventos com a remuneração dos servidores ativos e à integralidade do valor da pensão dos dependentes do servidor público. A Reforma da Previdência, implementada pela Emenda Constitucional n. 20/1998, trouxe à tona a necessidade de uniformização também das estruturas gestoras da previdência social dos servidores públicos. Na esteira de regulamentação dos dispositivos da emenda, foi editada a Lei n. 9.717, de 27 de novembro de 1998, que dispõe sobre regras gerais para organização e funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal. Sandra Cristina F. de Almeida36, membro da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, corrobora tal fato considerando que a uniformização das regras relativas aos regimes próprios de previdência dos servidores públicos foi uma das mudanças mais relevantes da reforma: As mudanças mais importantes foram, contudo, a unificação das regras aplicadas ao regime do servidor civil em nível federal, estadual e municipal, bem como a permissão para que a União, o Distrito Federal e os Municípios passassem a adotar o teto para pagamento dos proventos de aposentadoria e pensões igual ao fixado pelo regime geral de previdência social, desde que fosse implementada previdência complementar para seus servidores. (...) Em 1998, a organização dos regimes próprios de previdência dos Estados e Municípios foi objeto de lei específica. [grifos nossos] A Lei n. 9.717/1998 foi denominada Lei Geral da Previdência Pública, tendo sido submetida a alterações desde que foi editada, informação confirmada pelo apontamento do ex-Ministro da Previdência e Assistência Social, José Cechin37, que, em março de 2002, na apresentação da obra Previdência no serviço público: consolidação da legislação federal, v. 1, editada pelo Ministério da Previdência e Assistência Social – MPAS, assim se manifestou sobre a referida Lei: Quase que concomitantemente à Emenda 20, houve a edição da Lei 9.717/98, que estabelece normas gerais para a organização dos regimes próprios de previdência. Essa lei tem sido aprimorada anualmente como resultado das discussões com especialistas e com representantes dos regimes próprios da União, Estados e Municípios. Nesse debate tem sido muito importante a participação do Conselho Nacional dos Dirigentes de Previdência no Setor Público – CONAPREV. [grifo nosso] Na mesma apresentação, o ex-Ministro da Previdência e Assistência Social informou que, no âmbito do MPAS, foi criada uma estrutura própria para cuidar dos regimes próprios de previdência social, “algo até então inexistente no setor público”: “Foi assim que surgiu o atual Departamento dos Regimes de Previdência Social. A partir daí, tornou-se possível o levantamento e a sistematização dos dados que permitem o conhecimento do problema e o encaminhamento de seu equacionamento”. Portanto, no presente momento histórico, a proteção previdenciária dos servidores públicos titulares de cargo efetivo encontra-se uniformizada segundo as regras da Lei Geral da Previdência Pública, que disciplina os regimes próprios de previdência social da União, Distrito Federal, Estados e Municípios. Os parâmetros e diretrizes gerais da aludida Lei, por seu turno, foram previstos na Portaria MPAS n. 4.992, de 5 de fevereiro de 1999, motivada pela necessidade de propiciar a transparência, segurança, confiabilidade, solvência e liquidez dos regimes próprios. Na Portaria MPAS n. 4.992/1999 foram previstas medidas para a estruturação dos regimes próprios, por meio da realização de avaliações atuariais, previsão de fontes de financiamento, entre outras que serão objeto de análise nos capítulos seguintes. Interessante notar que pouco tempo depois da referida portaria veio a lume o Decreto n. 3.452, de 9 de maio de 2000, que alterou o § 3.º do artigo 10 do Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999 (Regulamento da Previdência Social, voltado ao RGPS), definindo o que é regime próprio de previdência: Art. 10. O servidor civil ocupante de cargo efetivo ou o militar da União, Estado, Distrito Federal ou Município, bem como o das respectivas autarquias e fundações, são excluídos do Regime Geral de Previdência Social consubstanciado neste Regulamento, desde que amparado por regime próprio de previdência social. (...) § 3.º Entende-se por regime próprio de previdência social o que assegura pelo menos as aposentadorias e pensão por morte previstas no art. 40 da Constituição Federal [grifo nosso] Na redação original da referida portaria não havia sido previsto um conceito para o Regime Próprio de Previdência Social, o que foi acrescentado pela Portaria n. 777, de 10 de julho de 2002, da seguinte forma: Parágrafo único. Entende-se por regime próprio de previdência social o que assegura por lei, inclusive constituição estadual ou lei orgânica distrital ou municipal, a servidor público titular de cargo efetivo, pelo menos as aposentadorias e a pensão por morte previstas no art. 40 da Constituição Federal. Contudo, tal dispositivo da Portaria n. 777/2002 foi revogado pela Portaria MPS n. 838, de 28 de julho de 2004, editada para fixar novo prazo para cumprimento de medida para a obtenção de certificado de regularidade previdenciária, pelos regimes próprios, perante o MPAS. Com a mencionada revogação, o conceito para o Regime Próprio de Previdência Social que permanece é o do Decreto n. 3.048/1999. Finalmente, não se deve olvidar que a proteção previdenciária dos servidores militares federais não foi objeto de modificação pelas reformas da previdência. Deve-se ressaltar que tais servidores militares são somente os membros das Forças Armadas (Aeronáutica, Exército e Marinha), conforme disciplina do § 3.º do artigo 142 da Constituição Federal. Tal fato também foi apontado por Sandra Cristina F. de Almeida38, que, porém, não fez o indispensável relevo de tratar-se apenas dos servidores militares federais, uma vez que os servidores militares estaduais e distritais (aqueles cuja disciplina constitucional encontra-se no artigo 42 da Constituição Federal) tiveram sua proteção previdenciária modificada. Assim anotou a referida doutrinadora: Os servidores públicos militares mantiveram seu regime de aposentadoria próprio, o que lhes foi permitido pelas Emendas Constitucionais n. 18 e 20, de 1998. No entanto, algumas mudanças também incidiram sobre as regras relativas a sua contribuição e aos seus direitos à aposentadoria e à pensão por morte. A abordagem das peculiaridades do regime previdenciário dos servidores titulares de cargo efetivo, das vicissitudes para concretização dos dispositivos legais da Lei Geral da Previdência Pública, da fiscalização dos órgãos federais de regulação dos RPPS, entre outros temas, encontra-se nos tópicos seguintes do presente trabalho. 1 Direito da seguridade social. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 44. 2 Sistema de seguridade social. 2. ed. São Paulo: LTr, 2002, p. 11. 3 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: RT, 2005. 4 Noções preliminares de direito previdenciário. SãoPaulo: Quartier Latin, 2004, p. 28. 5 Direito previdenciário e Estado Democrático de Direito: uma (re)discussão à luz da hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 127. 6 Noções preliminares de direito previdenciário, cit., p. 49. 7 Parecer sobre a Lei Paulista n. 943, de 23 de junho de 2003 (contribuição de inativos) solicitado por APEOESP, SINDISAÚDE, ADUSP, ADUNESP, UDEMO, CPP, ADUNICAMP, STU, SINTUNESP, APASE, SINDAFRESP, AFRESP, ASJCOESP. Disponível em: <http://www.adusp.org.br/previdencia/acao/LC%20943-03.rtf>. Acesso em: 17 maio 2005. 8 Previdência funcional e regimes próprios de previdência. Curitiba: Juruá, 2003, p. 58. 9 BORGES, Mauro Ribeiro. Op. cit., p. 87. 10 MODESTO, Paulo (org.). Reforma da previdência. Análise e crítica da Emenda Constitucional n. 41/2003. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 33. 11 Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 435-436. 12 Regime próprio de previdência social dos servidores públicos. Belo Horizonte: Líder, 2004, p. 60. 13 Direito municipal brasileiro. São Paulo: RT, 1964, v. II. 14 “Aspectos da reforma da aposentadoria no setor público”, 2001. Tese de Doutorado em Direito Previdenciário. São Paulo: Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2001, p. 55. 15 “Constitucionalidade e Legitimidade da reforma da previdência (ascensão e queda de um regime de erros e privilégios)”. In: TAVARES, Marcelo Leonardo (org.). A reforma da previdência. Temas polêmicos e aspectos controvertidos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 53. 16 MODESTO, Paulo (org.). Op. cit., p. 22. 17 Op. cit., p. 87. 18 Sistema de seguridade social, cit., p. 12. 19 Tratado de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 337. 20 Op. cit., v. II, p. 732. 21 Direito administrativo, cit., p. 466. 22 Op. cit., p. 41. 23 Regime de previdência social dos servidores públicos no Brasil: perspectivas. São Paulo: LTr, 2003, p. 15. 24 CAMPOS, Marcelo Barroso Lima Brito. Op. cit., p. 42. 25 Loc. cit. 26 Op. cit., p. 16. 27 Tratado de direito administrativo, cit., p. 338. 28 Op. cit., p. 88. 29 Derecho de la seguridad social. 7. ed. Madrid: Tecnos, 1991, p. 631. 30 Op. cit., p. 16. 31 (Im)previdência social: 60 anos de história da previdência no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 1985, p. 19-20. 32 Tratado de direito administrativo, cit., p. 342-343. 33 Direito da seguridade social, cit., p. 34. 34 Op. cit., p. 44. 35 Direito da seguridade social, cit., p. 36. 36 Mudanças realizadas na previdência social. Brasília: Câmara dos Deputados, 2003, p. 4. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/biblarq/temasselecionados>. Acesso em: 20 jun. 2005. 37 BRASIL. Ministério da Previdência e Assistência Social. Previdência no serviço público: consolidação da legislação federal. 2. ed. Brasília: MPAS/SPS, 2002. Coleção Previdência Social, Série Legislação, v. 1, p. 5. 38 Op. cit., p. 7. Capítulo 2 As Reformas da Previdência Social 2.1 As reformas nos sistemas de previdência social como uma preocupação mundial As reformas nos sistemas previdenciários têm sido uma realidade constante em diversos países do mundo, caracterizando-se por debates intensos nos quais diversificadas teorias foram geradas e discutidas. A análise de alguns pontos básicos dessas teorias que embasaram tais reformas é indispensável para a compreensão do atual modelo previdenciário brasileiro, podendo adicionar elementos ao perfeito entendimento dos princípios ora estudados. Além das teorias, construídas muitas vezes no seio de organismos internacionais, como o Banco Mundial, a Organização Internacional do Trabalho, entre outros, relevante também o entendimento dos fatos que têm sido apontados como as causas básicas de tais reformas. Um primeiro fato, que tem sido ressaltado como razão para a implementação de reformas em países da América Latina e Europa, é a denominada “crise fiscal do Estado”, conforme apontado por Ademir Alves da Silva1: A Europa e a América Latina têm sido palco de intensa polêmica e de medidas inovadoras em torno da reforma de seus sistemas de seguridade social em razão da chamada crise fiscal do Estado. De fato, o desequilíbrio das contas públicas vem constituindo o grande argumento em favor da redução das despesas previdenciárias, como no caso da América Latina e, particularmente, do Brasil – uma das formas de liberar recursos para o pagamento de juros e encargos da dívida pública. Tal crise teria se acentuado a partir da década de 1980, época em que vários países começaram a discutir e realizar suas reformas, informação confirmada por Wagner Balera2: “Sem embargo, os anos oitenta e noventa foram aqueles nos quais houve a mais intensa e extensa temporada de reformas previdenciárias mundo afora”. Mesmo dado é registrado por Reinhold Stephanes3: A crise que afetou o mundo inteiro na década de 1980 evidenciou o esgotamento das fontes tradicionais de financiamento. Houve uma generalização do déficit público da maioria das nações e, em conseqüência, uma busca por saídas que não fossem o aumento dos impostos ou o endividamento. (...) Percebe-se também que os países da América Latina demoraram para iniciar seu ciclo de reformas. Somente no início da década de 1980, o Chile daria a largada adotando um modelo que continua servindo de inspiração para os demais, com raras exceções. O mesmo autor ressaltou também que, atualmente, “dos dez países de maior expressão socioeconômica da região, à exceção do Brasil, sete estão com seus sistemas de previdência estruturados ou em fase de reestruturação, e em apenas dois deles não há registro de reformas”. Porém, importante dado histórico foi registrado, em obra do ano de 1986, por Carmelo Mesa-Lago4: muitos países da América Latina sofriam crises em seus sistemas de seguridade social desde a década de cinquenta e sessenta do século passado, em virtude da forma como foram estruturados em seus nascedouros: Además algunos países latinoamericanos han sufrido prematuramente los efectos negativos de la crisis de la seguridad social. Para los primeros países adoptantes de la seguridad social, la existencia de programas antiguos y de benefícios demasiado generosos, combinada con los recursos escasos, provocó dificultades y crisis financieras en los años cincuenta y sessenta, mucho antes del surgimiento de crisis similares en Norteamérica y Europa. Dichos países estudiaron los problemas y propusieron reformas que se retrasaron a veces hasta por un cuarto de siglo debido a la fuerte oposición de grupos de presión. [grifo nosso] Conclui-se, do exposto, que a falta de recursos financeiros para o atendimento das várias necessidades públicas pelo Estado, entre elas a previdência social, com a consequente necessidade de reformas nos sistemas previdenciários, é realidade que vários países da América Latina e Europa têm vivenciado, desde a década de 1880. Nesse período, também, começou-se a associar os movimentos reformadores às tendências de desregulamentação e privatização nas políticas públicas, em substituição às políticas estatizantes e reguladoras do passado. Não se deve também olvidar que os sistemas previdenciários da América Latina, nas décadas de 1980 e 1990, atingiram sua maturidade caracterizada pelo envelhecimento de suas populações. Tal fato, aliado ao momento histórico marcado por fortes crises econômicas e políticas, possivelmente contribuíram para a deterioração das desgastadas estruturas previdenciárias. Adiciona-se a esse contexto a publicação do relatório Averting the old age crisis: policies to protect the old and promote growth (“Prevenindo a crise da terceira idade: políticaspara proteger o idoso e promover crescimento”), pelo Banco Mundial, no ano de 1994. Em tal documento foram lançadas as bases teóricas das reformas concretizadas nos países da América Latina (por exemplo, o Chile) e, mais tardiamente, nos antigos países socialistas do chamado Leste Europeu. Wagner Balera5 corrobora a sua importância da seguinte forma: Poucos documentos terão tido tanta influência pelo mundo afora quanto o célebre informe do Banco Mundial: Averting the old crisis: Policies to protect the old and promote growth, que foi dado à estampa em 1994. A proposta, em suma, pretendia que os regimes de repartição deveriam ser substituídos pelo de capitalização. O modelo constante nele é denominado de “modelo do Banco Mundial”, que é costumeiramente interpretado como uma proposta de privatização dos sistemas previdenciários públicos, pela instalação dos chamados ‘três pilares’: a. um de benefício definido financiado; b. um de contribuição definida, mandatória, de gerenciamento privado; e c. um pilar privado voluntário. Mesmo entendimento foi esposado pelo jurista Wagner Balera6: As reformas detiveram-se no que se pode, acompanhando a terminologia usual, denominar esquema dos três pilares: o plano público, o plano dos fundos de pensão e o plano das seguradoras privadas, no subsistema de previdência. Flávio Martins Rodrigues7 aborda os três pilares da seguinte forma: O modelo previdenciário observado na grande maioria dos países desenvolvidos organiza-se em três vertentes principais, também chamados os três pilares da previdência. O primeiro pilar é de natureza pública e de participação compulsória de toda a massa de trabalhadores, funciona em regime de custeio por repartição simples (e, portanto sem a acumulação de recursos) e possui contribuições de natureza tributária para o seu custeio. O segundo pilar é de natureza complementar ao primeiro, de iniciativa conjunta do empregador (por razões de responsabilidade social) e dos empregados, seus destinatários, seu custeio é feito de forma capitalizada. São os grandes fundos de pensão que associam, de forma solidária e sem visar o lucro, todos os trabalhadores de uma empresa, grupo de empresas ou segmento econômico. O terceiro pilar é iniciativa individual dos trabalhadores, em geral para repor a totalidade de sua remuneração, quando da inatividade, e se operacionalizam através de seguradoras ou grupos financeiros. Muitos pesquisadores da matéria previdenciária costumam também afirmar que vários mitos foram criados sobre as bases teóricas do modelo do Banco Mundial, como apontaram Peter R. Orszag e Joseph E. Stiglitz8, na Conferência do Banco Mundial “Novas idéias sobre a seguridade da terceira idade”, em 14 e 15 de setembro de 1999. Tais doutrinadores9 chamaram atenção para o fato de que foi criada uma concepção de que seria possível conceber uma receita pronta e acabada a ser aplicada a todos os países do mundo na reestruturação de seus sistemas previdenciários. Ao contrário de tal opinião generalista, os autores explicaram que os três pilares propostos pelo Banco Mundial são por demais amplos e costumam ser interpretados de forma superficial: Em princípio, os “três pilares” delineados em Averting the Old Age Crisis (Prevenindo a crise da terceira idade) são amplos o suficiente para refletir qualquer combinação potencial de medidas políticas – especialmente, se o segundo pilar financiado incorpora ambos sistemas – gerenciados privativa e publicamente. Mas, na prática, o “modelo do Banco Mundial” tem sido interpretado como envolvendo uma constelação específica de três pilares: um pilar de benefício definido financiado; um pilar de contribuição definida financiada; e um pilar privado voluntário. Apregoa-se também que o mesmo modelo proporia a substituição do regime financeiro de repartição simples por capitalização, em modelos previdenciários. Nessa linha é que muitos teóricos da economia, ao analisarem a realidade previdenciária de vários países, costumam apontar que as preocupações atuais devem se focalizar em tal detalhe: a substituição dos regimes de financiamento, levando o debate, quase sempre, a proporções que extrapolam o real significado de tais mecanismos, conforme adiante se demonstrará. Lawrence Thompson10, porém, com clareza, assim resume o cerne das reformas previdenciárias cujo pano de fundo é a discussão do regime financeiro de repartição simples: Uma preocupação é que os sistemas previdenciários tradicionais em regime de repartição, o nível geral de promessas de benefícios se tornou generoso demais, a relação entre contribuições e benefícios é demasiadamente tênue e grupos políticos influentes têm tido excessivo êxito na obtenção de privilégios injustificáveis. Além disso, como resultado direto dessas tendências ou de outros desenvolvimentos econômicos e políticos, as autoridades já não conseguem arrecadar uma parcela significativa das contribuições devidas, o que as deixa sem condições de financiar as atuais promessas de benefícios e solapa a confiança nas instituições respectivas. Essas preocupações são mais comuns com relação aos sistemas da América Latina e dos antigos países socialistas. Os defensores da adoção do regime de financiamento capitalizado, conforme explicado pelo próprio economista, entendem que o sistema previdenciário, assim estruturado, pode ser usado como um instrumento para a geração de capital adicional, o aprimoramento e modernização dos mercados de capitais, possibilitando taxas de contribuição mais baixas. Em que pesem tais argumentos, nem todos os países do mundo têm adotado tal regime de financiamento, pois as causas das reformas e ajustes não são as mesmas em todos eles, conforme referido. Em países desenvolvidos, nos quais os sistemas previdenciários foram estruturados e mantidos em bases racionais, tais como Alemanha, Estados Unidos e Dinamarca, normalmente se aponta o envelhecimento da população como a principal causa das reformas. Nos países em desenvolvimento, como Chile, Uruguai, Argentina e Brasil, as causas apontadas relacionam- se com a estruturação e a administração inadequadas. Intrigante comentário a respeito das diferentes causas das reformas em países europeus e latino-americanos é apresentado por Gosta Esping-Andersen11, confirmando tais diferenças, mas também certas semelhanças, principalmente com países como a Itália: Como na Europa, os programas previdenciários latino-americanos eram majoritariamente sistemas de repartição que financiavam benefícios atuais com as receitas das atuais contribuições. Da mesma forma que na Europa, tornaram-se alvo de reforma porque eram manifestamente inviáveis financeiramente, como também politicamente corruptos. (...) Sem dúvida, as causas dessas proporções cada vez mais problemáticas são muito diferentes. Na América Latina evidentemente não se trata de envelhecimento da população, isto é, taxas de fertilidade em queda e longevidade, mas principalmente da baixa cobertura e dos índices precários de contribuição entre os trabalhadores, fatos responsáveis pelos rombos financeiros. Observa-se que esses desequilíbrios financeiros inerentes foram criados pela interferência política generalizada nos fundos previdenciários, que são utilizados para outros fins. E o caráter clientelista e corporativista de muitos sistemas latino-americanos significa provavelmente gastos excessivos com grupos favorecidos. (...) Parte considerável dos déficits financeiros dos programas previdenciários europeus corresponde geralmente à necessidade de pagar aposentadorias precoces, como também benefícios de assistência para não-contribuintes (como a pensione sociale da Itália).
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