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1.4 SCAFF. O Direito a Saude e os Tribunais

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P a r t e H
DIREITO À SAÚDE E OS TRIBUNAIS
Fernando Facury Scafi
1. Delimitação do tema
O escopo deste trabalho é analisar o direito à saúde 
e sua aplicação pelos tribunais brasileiros, que muitas ve­
zes concedem de forma direta aos jurisdicionados medi­
cam entos e tratamentos de saúde qu e não estão previstos 
nos docum entos orçam entários do Poder Público (aqui 
com preendendo União, Estados, Distrito Federal e Muni­
cípios), gerando um custo im ediato e imprevisto em prol 
de uma pessoa ou de um grupo delas.
Com isso, o Poder Judiciário, muitas vezes através d e 
decisões liminares de I a instância, aplica diretamente a Cons­
tituição, usando a norma que proclama o direito à saúde, 
para reconhecer direito a tratam ento médico, ou a medi­
cam ento, não contemplado com o de custeio público por 
leis e regulam entos brasileiros. Aliás, em muitos casos, tais 
tratam entos são considerados "experimentais", mas são 
implementados por força de decisão judicial e custeados 
pelos cofres públicos, como adiante será demonstrado.
Será este o papel do Poder Judiciário? Esta é a presta­
ção jurisdicional mais adequada à solução do grave proble­
ma de saúde pública que temos no Brasil? Este é o principal 
foco de análise deste trabalho, casado com uma perspecti­
va de direito financeiro, área do direito onde se estuda a 
questão das escolhas trágicas e da reserva do possível.
Procurarei me desincumbir desta tarefa, fulcral no 
presente debate acadêmico e jurisprudência! brasileiro, 
respondendo-as ao longo das próximas páginas.
D ireito à Saúde e o s Tribunais 73
2. Os direitos sociais e o direito à saúde 
na CF/88
A prim eira Constituição brasileira e única do Império 
data de 1822. Posteriorm ente, foi prom ulgada a I a Cons­
tituição republicana (1891), à qual se seguiram as demais, 
tam bém republicanas, de 1934 ,1937 ,1946 ,1967 e 1988, que 
é a Constituição atual,1 surgida no bojo de um processo de 
redem ocratização do país, após cerca de 20 anos de dita­
dura militar. Para sua elaboração, foi eleito um Congresso 
Constituinte no final do ano de 1986. O então Presidente da 
República, José Sam ey, havia incum bido a uma Comissão 
de N otáveis, que ficou conhecida com o Comissão Afonso 
Arinos, a redação de um anteprojeto de Constituição. Ocor­
re que, em face da grande agitação política e econômica 
da época, este anteprojeto foi absolutam ente ignorado pelo 
Congresso Constituinte, por ser considerado "elitista".
A inexistência de um projeto que balizasse os debates 
levou a Constituinte a com eçar os trabalhos do zero, sem 
qualquer rumo preestabelecido, porém com a finalidade 
de redem ocratizar o país. O Congresso Constituinte se di­
vidiu em subcom issões para tratar de toda uma gama de 
direitos, construindo a Constituição aos pedaços, de par­
celas m enores para as m aiores, por aglutinação. Tal fato 
acarretou a superposição de vários institutos e direitos, e 
a redação de uma Constituição extensa, que descreve as 
norm as em seus m ínim os detalhes, com o se o Direito pu­
desse, por si só, resolver todos os problem as apenas pela 
enunciação de suas soluções.
1 A despeito de esses conceitos possuírem elevado grau de imprecisão, podem-se 
classificar estes períodos, ao longo da história republicana do país, da seguin­
te forma: períodos autoritários ou com "dem ocracias de fachada" por falta de 
eleições livres: 1891-1934; 1937-1946 e 1964-1985. Por conseguinte, a democracia, 
também em variados graus, foi vivenciada pela sociedade brasileira nos seguin­
tes períodos: 1934-1937; 1946-1964 e de 1985 até os dias atuais.
74
Estado e Constituição 12
FERNANDO FACURY SCAFF
O extenso rol de direitos sociais nos leva à constata­
ção de que estes direitos não possuem um núcleo jurídico 
unitário, m as heterogêneo, sendo m uito mais caracteriza­
dos pelo seu "objetivo" ou seu "alcance" do que por seu 
"núcleo". O direito à saúde, por exem plo, pode ter no caso 
concreto um alcance individual - e aí não ser propriam ente 
um "direito social";2 mas pode ter um alcance social, quan­
do im plem entador de uma política pública. Ou seja, a ca­
racterização de um direito com o direito social, além de não 
ter um núcleo jurídico unitário, depende de seu objetivo e 
alcance para ser caracterizado como "social". E o rol desses 
"direitos sociais" igualm ente carece de hom ogeneidade, 
pois pode alcançar interesses individuais ou difusos.
Em razão dessa organização fracionada dos trabalhos 
constituintes é que os direitos sociais foram inscritos na 
Constituição de 1988 em diversas partes do texto.
O Título II da Constituição contem pla os Direitos e Ga­
rantias Fundamentais (arts. 5o a 17), e dele consta o Capítulo 
dos Direitos Sociais. O art. 6o prevê como direitos sociais: 
"a educação, a saúde, a alim entação, o trabalho, a m ora­
dia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à 
maternidade e à infância, a assistência aos desam parados". 
Os Direitos dos Trabalhadores são assegurados dentro deste 
Capítulo dos Direitos Sociais (artigos 7” a 11).
O últim o Título da Constituição é o VIII, que contem ­
pla a Ordem Social, e possui 8 Capítulos, dentre os quais:
1) O II, que trata da Seguridade Social (inscrita nos arts. 
194 a 204), englobando norm as referentes à Saúde (arts. 196 
a 200), à Previdência Social (arts. 201 a 202) e à Seguridade 
Social (arts. 203 a 204);
2 Sobre este assunto sugere-se a leitura do artigo de José Reinaldo de Lima Lopes 
intitulado "D ireito Subjetivo e Direitos Sociais: O Dilema do Judiciário no Estado 
Social de D ireito", na obra Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça, José Eduar­
do Faria (org.). 1. ed., 2. tir. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 113 a 143.
D ireito à Saúde e os Tribunais 75
2) O III, sobre Educação, Cultura e Desporto (arts. 205 a
217);
3) O VI, referente ao Meio Ambiente (art. 225); e
4) O VII, que trata da Família, da Criança, do Adoles­
cente e do Idoso (arts. 226 a 230).
Vários preceitos referentes aos direitos sociais encon­
tram -se espalhados pela Constituição, e não apenas nesses 
artigos, com o por exem plo o art. 170, VIII, o qual proclama 
a "busca do pleno em prego" com o fundam ento da ordem 
econôm ica.
Esses direitos sociais inscritos na Constituição, muitos 
dos quais m inuciosam ente detalhados,3 bem com o todo o 
am biente político da época, geraram na sociedade uma ân­
sia pelo reconhecim ento de seus direitos, m esm o quando 
as norm as infralegais ainda não haviam sido form uladas.4 
Houve uma busca incessante e legítima pela afirmação de 
todas as norm as constitucionais, independente da edição 
de norm as legais ou regulam entares e, m uitas vezes, con­
tra as que já existiam ,5 na tentativa de am pliar seu alcance. 
Isto ocorreu tam bém porque a legislação existente era em 
grande parte oriunda do que se convencionou cham ar de 
"entulho autoritário", isto é, norm as editadas com base na 
Constituição do período da ditadura militar. Logo, uma
3 Um bom exem plo de norma desfocada de seu status constitucional é o direito à 
"rem uneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por 
cento à do norm al" (art. 7°, XVI). Outro é o que estabelece que as férias anuais 
sejam rem uneradas com, pelo menos, 50% a mais do que o salário normal (art. 
T , XVII).
4 Exemplo disso é a norma constitucional que estabelece o direito dos trabalhado­
res à participação nos lucros ou resultados (art. 7°, XI), que só foi regulamentada 
muito após a promulgação da Constituição. Ou ainda a questão do direito de 
greve dos servidores públicos, que foi regulamentada de forma provisória atra­
vés de decisão do Supremo Tribunal Federal, quando mais de 19 anos haviam 
se passado desde a promulgação da Constituição, sem que o Poder Legislativo 
legislasse a respeito.
5 A rigor técnico, estas norm as anterioresà vigência da nova Constituição não 
seriam inconstitucionais, mas inválidas, pois não teriam sido recepcionadas.
76
Estado e Constituição
FERNANÍX) FACURY SCAFF
Constituição que se afirmava contra o regime autoritário, e 
que tinha em seu bojo uma enorm e gama de direitos fun­
damentais e sociais que prenunciavam uma nova fase de 
liberdades, não poderia ficar refém de norm as cujo funda­
mento de validade se encontrava em um regim e político 
fechado.
Assim , vivem os no Brasil, nos últim os 20 e poucos 
anos, uma época de afirmação dos direitos constitucionais, 
seja através do exercício quotidiano da cidadania, seja atra­
vés da am pliação destes direitos pela via legislativa ou por 
sua execução adm inistrativa, além da hipótese do controle 
jurisdicional. Este âm bito jurisdicional não se cingiu ape­
nas às decisões no Suprem o Tribunal Federal, mas também 
a toda e qualquer instância do Poder Judiciário. A confli- 
tuosidade im perou, e a ânsia pela concretização da Cons­
tituição era, e é, a tônica em toda a sociedade, inclusive no 
Poder Judiciário.
Em face da m etodologia aplicada na construção de 
nossa Constituição, podem -se encontrar no texto diver­
sas referências ao direito à saúde, sendo certo que este se 
insere em um contexto maior, de Seguridade Social, que 
contempla, além da Saúde, a Previdência e a Assistência 
Social, na forma do que estabelece o art. 194:
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de 
ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas 
a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência 
social.
Esta Seguridade Social, conceito mais am plo que o de 
Saúde, com o pode ser intuído pela sim ples descrição con­
tida no artigo 194, tem por objetivo, conform e descrito em 
seu parágrafo único:
I - universalidade da cobertura e do atendimento;
II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às popula­
ções urbanas e rurais;
III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e ser­
viços;
D ireito à Saúde e os Tribunais 77
IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;
V - eqüidade na forma de participação no custeio;
VI - diversidade da base de financiamento;
VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante 
gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos emprega­
dores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.6
Só após tratar das fontes de custeio (art. 195), que 
adiante serão referidas, é que a Constituição dispõe sobre 
o direito à saúde, iniciando pelo art. 196:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido me­
diante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de 
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações 
e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Verifica-se pela dicção do preceito que a saúde é um 
direito garantido a todos, independente de raça, sexo, cre­
do, origem e outros possíveis discrím enes fáticos ou jurídi­
cos, sendo um dever do Estado, com preendido com o Poder 
Público, independente de seu fracionam ento federativo ou 
organizacional.
Este direito de todos, ao qual corresponde um dever 
do Estado, deve ser garantido m ediante políticas sociais e 
econôm icas, ou seja, um conjunto de atos norm ativos que 
se constitua em uma verdadeira policy, para usar a expres­
são norte-am ericana característica para este tipo de ação. 
Não se trata de uma norm a, mas um conjunto encadeado 
de atos e ações do Poder Público que visam a garantir a 
todos este direito e im ponham aos órgãos com petentes do 
Estado o dever de executá-las.7
6 É curioso observar que os itens I a IV tratam de "G asto Público", os itens V e 
VI tratam de "Receitas Públicas", podendo enveredar por "Crédito Público", e 
o item VII pode ser enquadrado em uma análise "O rçam entária", em face dos 
preceitos sobre "gestão".
7 Sobre o tema, recomendo a leitura do texto Ensaio sobre o Juízo de Conslitucionali- 
dade de Políticas Públicas, de Fábio Konder Comparato, reproduzido no livro Rumo 
à Justiça. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 282 a 300.
78
Estado e Constituição 12
FERNANDO FACURY SCAFF
Estas políticas públicas (policies) no âm bito do direito 
à saúde devem ter por objetivo não apenas o tratam ento 
da doença, porém , mais am plam ente, a redução do risco 
de doenças e outros agravos, através de ações e serviços 
que prom ovam , protejam e recuperem o alm ejado estado 
de saúde de todos.
E mais, devem ter por escopo o acesso de todos, de 
modo universal e igualitário, a estas ações e a estes servi­
ços.
Após estabelecer os termos através dos quais deve ser 
compreendido o direito à saúde a que o Poder Público está 
obrigado, a Constituição passa a dispor sobre o modus ope- 
randi desta atuação, atribuindo aos term os da lei o m odo 
de sua regulam entação, fiscalização e controle, admitida 
sua execução de forma direta (ou seja, pelo Poder Público) 
ou através de terceiros (pela iniciativa privada, na forma 
do art. 199, CF), consoante o art. 197:
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, 
cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regu­
lamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita 
diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou 
jurídica de direito privado.
Daí surge o conceito de Sistem a Único de Saúde - SUS, 
que se constitui em um a inovação constitucional e resultou 
de uma vitoriosa aspiração dos profissionais de saúde bra­
sileiros. Esta novidade consta do art. 198:
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede re­
gionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado 
de acordo com as seguintes diretrizes:
As diretrizes do SUS, previstas constitucionalm ente 
no parágrafo único deste artigo, estabelecem descentraliza­
ção, com direção única em cada esfera de governo; atendi­
mento integral, com prioridade para as atividades preventivas, 
sem prejuízo dos serviços assistenciais e participação da 
comunidade.
D ireito à Saúde e os Tribunais 79
As atribuições do SUS, que refogem ao âm bito des­
ta análise, constam do art. 200 da CF, bem como da Lei 
8.080/90, que regulam entou seu funcionam ento.
Afirm ado o direito à saúde nos termos acima delimi­
tados, a Constituição estabeleceu a quem com pete prestá- 
-lo, dentro de nosso sistem a federativo. O art. 23 reza:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Fede­
ral e dos Municípios:
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das
pessoas portadoras de deficiência;
No m esm o sentido, o art. 24 estabelece que a compe­
tência legislativa entre os entes federados é concorrente:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre:
XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;
Porém aos M unicípios incum be "prestar, com a coo­
peração técnica e financeira da União e do Estado, serviços 
de atendim ento à saúde da população" (art. 30, VII, CF).
Ou seja, consoante os artigos acima transcritos, a com­
petência legislativa e a incum bência de cuidar da saúde 
pública é concorrente, porém o foco da prestação dos ser­
viços deve ser m unicipalizado, com a cooperação técnica e 
financeira dos dem ais entes federados.
3 .0 direito financeiro como locus privilegiado 
para o estudo sobre os direitos sociais
Não existem direitos sem custos para sua efetivação. 
Não se trata aqui apenas dos direitos sociais, mas de todo 
e qualquer direito, fundam ental ou não.
Poder-se-ia im aginar que alguns direitos de liberda­
de, tais com o o de ir e vir, o de liberdade de expressão ou
80
Estado e Constituição 12
FKRNANIX) FACURY SCAFF
de liberdade religiosa seriamdireitos sem custo, mas um 
segundo olhar sobre os m esm os indicará ser falsa esta su­
posição, pois pelo m enos é necessária a m anutenção de um 
aparato institucional para sua defesa e manutenção. M es­
mo o pregador religioso que sobe em um caixote e discur­
sa no meio de uma praça pública requer um m ínim o de 
custos para o Poder Público, ao necessitar de recursos para 
protegê-lo e para a habitabilidade (limpeza e m anutenção 
m ínimas) daquele logradouro.
Stephen Holm es e Cass Sustein, em oportuna obra,8 
dem onstram que m esm o os direitos básicos, de I a dim en­
são, possuem custos que devem ser sustentados por toda a 
sociedade. A m anutenção do aparelho judiciário e do sis­
tema de segurança pública, dentre outros necessários para 
a im plem entação dos civil rights, têm custo m uito elevado 
e precisam ser financiados através de um sistem a tributá­
rio forte e ágil. Logo, não são apenas os direitos de 2a e 3a 
dim ensão que necessitam de verbas públicas para sua im ­
plementação, mas também os de I a. Uma diferença dentre 
eles é que os de I a dim ensão usualm ente são fornecidos 
indistintamente, para toda a sociedade (não há razoabili- 
dade em distinguir quem precisa mais de segurança inter­
na ou externa, ou m esm o de mais ou menos Justiça), sendo 
que os de 2a dim ensão podem e devem ser direcionados 
aos grupos mais fragilizados de uma sociedade (saúde e 
normas de adaptabilidade aos portadores de necessidades 
especiais, por exem plo).
Existe quem pense que tais custos deveriam ser su­
portados pelas pessoas que efetivam ente utilizam os ser­
viços públicos disponibilizados, o que afastaria seu custeio 
dos ombros de toda a sociedade. Assim, os hospitais públi­
cos e todo o sistema de saúde seriam custeados apenas por 
quem usasse tais serviços, o que reduziria sobrem aneira o 
peso tributário sobre toda a sociedade, colocando-o apenas
8 The Cost o f Rights - Why Liberty Depends on Taxes. New York, Norton, 2000.
D ireito à Saúde e os Tribunais 81
sobre aquelas pessoas que usassem os serviços. A resposta 
indignada de Barqueiro Estevan9 a este tipo de argum ento 
afasta qualquer tentativa de m anter esta linha de pensa­
mento, que deve ser rejeitada por várias razões, mas que, 
sinteticam ente, podem ser reunidas sob a égide do Princí­
pio da Solidariedade.10 Logo, o custo dos direitos funda­
mentais deve ser financiado por toda a sociedade, através 
de um sistema tributário que suporte estas despesas.
O que acima foi relatado assum e especial relevo 
quando se trata dos direitos sociais, pois estes implicam 
fortes dispêndios e ações por parte do Estado, e, por isso, 
seu estudo deve necessariam ente ser casado com o do Di­
reito Financeiro, cujo prim ordial objeto é a análise sobre 
com o o Estado arrecada, gasta e se endivida. Logo, estes 
três âm bitos de análise (receitas públicas, gastos públicos e 
crédito público), e especialm ente a fórmula utilizada para 
sua aplicação coordenada (o orçam ento), têm direta relação 
com a tem ática dos direitos sociais. Vários dos institutos 
mais debatidos sobre direitos sociais têm forte implicação 
financeira, tais com o o de reserva do possível, escolhas trági­
cas, progressividade na implementação dos direitos, proibição de 
retrocesso, efeito carona (free rider), dentre vários outros.
Pelo prism a dos direitos sociais, poder-se-ia mesmo 
dizer que o estudo do Direito Financeiro se alicerça nos 
seguintes tópicos principais, dentre outros:
a) A Receita Pública analisa quem paga as contas.
b) As Renúncias Fiscais tratam de quem deixa de pa­
gar a conta.
c) O Gasto Público trata de quem recebe as prestações 
sociais, ou, em uma perspectiva mais ampla, os dispêndios 
do Estado.
9 Juan Manuel Barquero Estevan. La Función del tributo eu ei Estado Social y Demo­
crático de Derecho, Madrid. CEPC, 2002
10 Sobre este tema ler: Solidariedade Social e Tributação, de Marco Aurélio Greco e 
Marciano Seabra de Godói (orgs.). São Paulo, Dialética, 2005.
82
Estado e Constituição 1-
FERNANDO FACURY SCAFF
d) O Crédito Público im plica saber qual geração pagará 
a conta.
e) E, por fim, o Orçam ento Público estuda com o o Es­
tado organiza os itens acima.
Com isso, é necessário melhor com preender a estru­
tura do sistem a orçam entário brasileiro e seus institutos, 
dentre eles o da flexibilização orçamentária e o do contingen- 
ciamenio de verbas, que dizem respeito de perto aos temas 
em debate.
Justam ente por estes cam inhos transita a questão ob­
jetiva deste trabalho, qual seja: se, quando e como o Poder 
Judiciário pode dispor do direito à saúde, ou se isto é de 
exclusiva com petência dos dem ais Poderes, Legislativo e 
Executivo.
3.1. A receita pública e a garantia financeira do 
direito à saúde na CF/88
A Constituição brasileira não se limitou a declarar os 
direitos sociais acima relatados. Previu também os recur­
sos para custeio desses direitos, reconhecendo o caráter 
prestacional dos m esm os. Assim , além de declarar os di­
reitos, estabelece sua fonte de custeio, o que se caracteriza 
como uma específica garan tia fin an ceira para sua efetiva 
prestação à sociedade.
Desta forma, existem recursos mínim os assegurados 
pela Constituição aos entes federativos de modo a perm itir 
que a Seguridade Social seja mantida - Assistência Social, 
Previdência Social e Saúde Pública.
As norm as constitucionais que garantem os recursos f i ­
nanceiros mínimos para a implementação dos direitos vinculados 
à Seguridade Social são:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de
forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenien-
D 'reito à Saúde e os Tribunais 83
tes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos 
Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma 
da lei, incidentes sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou credi­
tados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo 
sem vínculo empregatício;1'
b) a receita ou o faturamento;12
c) o lucro;13
II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não 
incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo 
regime geral de previdência social de que trata o art. 201 ;14
III - sobre a receita de concursos de prognósticos;15
IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a 
ele equiparar.16
Outras fontes de custeio para a Seguridade Social po­
dem ser criadas por lei com plem entar, na forma do § 4o do 
art. 195,17 sendo vedada a criação, m ajoração e ampliação 
dos benefícios sem a correspondente fonte de custeio.18
O direito à saúde tam bém se beneficia de fontes pró­
prias de financiam ento, com o pode ser visto abaixo.
11 Aqui estão previstas as contribuições previdenciárias, parcela do emprega­
dor.
12 Neste item encontram-se, pelo menos, o PIS e a Cofins.
13 Base constitucional para a cobrança de CSLL.
14 Aqui estão previstas as contribuições previdenciárias, parcela do empregado.
15 Existe uma contribuição que incide sobre o valor bruto arrecadado das loterias 
(concursos de prognósticos) que é revertida para a seguridade social.
16 Base constitucional para a cobrança de PIS e Cofins na importação de bens, 
independente da hipótese de incidência sobre a receita ou o faturamento das 
em presas, cuja previsão encontra-se no art. 1 9 5 ,1, "b " .
17 § 4o A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou 
expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 1 5 4 ,1. Por sua vez, 
o art. 154, I, dispõe: "A União poderá instituir: I - m ediante lei complementar, 
impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e 
não tenham fato gerador ou base de cálculo própriosdos discriminados nesta 
Constituição;"
18 § 5“ Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, ma­
jorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
84
Estado e Constituição 12
FERNANDO FACURY SCAFF
Art. 198:
§19 0 sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, 
com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Esta­
dos, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
Ou seja, este parágrafo define as fontes orçam entá­
rias para o custeio dos gastos com o SUS, bem como abre 
a possibilidade de outras fontes de recursos virem a ser 
estabelecidas, ficando desde logo m encionado que parcela 
do que vier a ser arrecadado na forma do art. 195, que trata 
do custeio da Seguridade Social, deverá ser destinado aos 
gastos com Saúde.
A Constituição tam bém prevê recursos m ínim os a se­
rem direcionados a este tipo de gastos por cada ente fede­
rativo:
§ 29 A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, 
anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos 
derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:
I - no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar 
prevista no § 39;
II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação 
dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os 
arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que 
forem transferidas aos respectivos Municípios;
III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arreca­
dação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que 
tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3“
§ 39 Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco 
anos, estabelecerá:
I - os percentuais de que trata o § 2S;
II - os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde 
destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos 
Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a pro­
gressiva redução das disparidades regionais;
III - as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com 
saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal;
IV - as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União.
Passados mais de 10 anos da prom ulgação da Emenda 
Constitucional 29, que criou a vinculação acim a transcrita,
D ireito à Saúde e os Tribunais 85
a Lei Com plem entar prevista no art. 198, § 2" para sua re­
gulam entação não foi editada, caracterizando injustificada 
demora legislativa, com graves prejuízos para a popula­
ção, pois deixa os entes federativos sem a fixação do que 
deve ser entendido com o "gasto em saúde" e sem limites 
m ínim os permanentes de fonte de custeio para garantir fi­
nanceiram ente este im portante direito social.
É verdade que, no aspecto das fontes de custeio, a 
base de cálculo dos valores a serem vinculados por Esta­
dos e M unicípios está descrita na norma (art. 198, § 2o, II 
e III), mas, sem ter sido estipulada a alíquota (art. 198, § 3o,
I) com o ter uma correta delim itação dos valores a serem 
vinculados? Adem ais, para a União sequer a base de cálcu­
lo foi determ inada, quanto mais a alíquota. Logo, a norma 
constitucional perde grande parte de sua eficácia em face 
da injustificada dem ora na edição da Lei Com plem entar de 
prazo certo, prevista no art. 198, § 3o.
Todavia, a norma constitucional inscrita no art. 77 do 
ADCT criou uma espécie de regulam entação transitória das 
fontes de custeio no interregno da om issão legislativa na 
regulam entação do art. 198, § 3o.
Prescreve a norma transitória que, não tendo sido edi­
tada a Lei Com plem entar acima referida, "a partir do exer­
cício financeiro de 2005, aplicar-se-á à União, aos Estados, 
ao Distrito Federal e aos M unicípios o disposto" no art. 77 
do ADCT, que, como m encionado, encontra-se plenam en­
te vigente em face da om issão legislativa.
Qual garantia financeira mínima, transitória, foi estabe­
lecida pelo art. 77, A D C T19 para ser aplicado "nas ações e
19 Art. 77. Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos aplicados nas 
ações e serviços públicos de saúde serão equivalentes: 1 - no caso da União: o) no 
ano 2000, o m ontante em penhado em ações e serviços públicos de saúde no exer­
cício financeiro de 1999 acrescido de, no mínimo, cinco por cento; b) do ano 2001 
ao ano 2004, o valor apurado no ano anterior, corrigido pela variação nominal do 
Produto Interno Bruto - PIB; II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, doze 
por cento do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos
86
Estado e Constituição /2
FERNANDO FACURY SCAFF
serviços públicos de saúde", garantindo um patam ar m íni­
mo de recursos para seu custeio?:
a) Para a União:
a. Para o ano 2000: o mesmo que tiver sido apurado em 1999, acresci­
do de, pelo menos, 5%;
b. Para os anos posteriores: o mesmo valor do ano anterior, acrescido 
da variação nominal do PIB - Produto Interno Bruto.
i. No mínimo 15% deste valor deverá ser aplicado em ações e serviços 
de saúde nos Municípios, segundo critério populacional (art. 77, §25, 
ADCT).
b) Para os Estados e o Distrito Federal:
a. 12% do que for arrecadado de:
i. ICMS - Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e alguns serviços 
(art. 155, CF):
ii. Imposto de Renda na Retido na Fonte - IRRF pago por eles, suas 
autarquias e fundações que instituírem e mantiverem (art. 1 5 7 ,1, CF);
iii. Do percentual que lhe for repassado em virtude da competência resi­
dual da União (art. 157, II, CF)
iv. Do que receber do FPE - Fundo de Participação dos Estados (art,
1 5 9 ,1, “a”, CF); e
v. Da parcela que lhe for transferida pela União a título de IPI-Exporta- 
ção (art. 159, II, CF).
c) Para os Municípios e o Distrito Federal:
recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas 
as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; e III - no caso dos 
Municípios e do Distrito Federal, quinze por cento do produto da arrecadação 
dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 
159, inciso I, alínea b e § 3o. § I o Os Estados, o Distrito Federal e os M unicípios que 
apliquem percentuais inferiores aos fixados nos incisos II e III deverão elevá-los 
gradualmente, até o exercício financeiro de 2004, reduzida a diferença à razão de, 
pelo menos, um quinto por ano, sendo que, a partir de 2000, a aplicação será de 
pelo menos sete por cento. § 2" Dos recursos da União apurados nos termos deste 
artigo, quinze por cento, no mínimo, serão aplicados nos M unicípios, segundo 
o critério populacional, em ações e serviços básicos de saúde, na forma da lei. 
§3° Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos M unicípios destinados às 
ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União para a mesma 
finalidade serão aplicados por meio de Fundo de Saúde que será acompanhado e 
fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do disposto no art. 74 da Cons­
tituição Federal. § 4o Na ausência da lei complem entar a que se refere o art. 198, 
§ 3o, a partir do exercício financeiro de 2005, aplicar-se-á à União, aos Estados, ao 
Distrito Federal e aos M unicípios o disposto neste artigo.
D ireito à Saúde e os T ribunais 87
a. 15% do que for arrecadado de:
i. IPTU - Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (art.
156,1, CF);
ii. ITBI - Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (art. 156, II, CF);
iii. ISS - Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (art. 156, III, CF);
iv. Imposto de Renda na Retido na Fonte - IRRF pago por eles, suas 
autarquias e fundações que instituírem e mantiverem (art. 1 5 8 ,1, CF);
v. Da parcela que arrecadar diretamente, ou lhe for transferida pela 
União, relativamente ao ITR - Imposto TerritorialRural (art. 158, II, CF);
vi. Da parcela que lhe for transferida pelos Estado a título de IPVA - Im­
posto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (art. 158, III, CF);
vii. Da parcela que lhe for transferida pelos Estados a título de ICMS 
- Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e alguns serviços (art. 
158, IV, CF);
viii. Do que lhe for transferido a título de FPM - Fundo de Participação 
dos Municípios (art. 1 5 9 ,1, “b”, CF);
ix. Da parcela que lhe for transferida pelos Estados a título de IPI-Expor- 
tação (art. 159, § 3° CF).
Consoante o art. 77, § 3o, ADCT, todos estes recursos 
(federais, estaduais, distritais e m unicipais) serão reunidos 
em um Fundo (financeiro) de Saúde, a ser fiscalizado pelo 
Conselho de Saúde, sem afastar os sistem as de controle in­
terno de cada Poder, previstos no art. 74 da C F em razão de 
expressa determ inação constitucional e, obviam ente, sem 
afastar a com petência do controle externo, a cargo do Poder 
Legislativo com o auxílio do Tribunal de Contas, na forma 
do que estabelece o art. 71 da Carta. Este Fundo de Saúde, 
que vincula todos os recursos acima descritos, é previsto 
como exceção ao Princípio da Não Afetação, constante do 
art. 167, IV, CF.20
20 Art. 167. São vedados: IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo 
ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a 
que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços 
públicos de saúde, para m anutenção e desenvolvimento do ensino e para reali­
zação de atividades da administração tributária, com o determinado, respectiva­
mente, pelos arts. 198, § 2“, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações 
de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8o, bem como o 
disposto no § 4o deste artigo.
88
Estado e Constituição 12
FERNANDO FACURY SCAFF
A penalidade prevista na Constituição para a hipótese 
de não ser aplicado o mínim o nas ações e serviços públicos 
de saúde é a intervenção federal, na forma do art. 34, VII, "e " , 
CF.21 Claro que esta norm a é igualm ente aplicável durante 
a vigência transitória determ inada pelo art. 77, ADCT.
Ou seja, é m esm o desnecessária uma ação judicial para 
obrigar o Congresso Nacional a legislar em face de sua ine­
gável om issão legislativa no que tange à fonte de recursos 
para o custeio do direito à saúde. A norm a transitória já 
estabeleceu com bastante detalhe esta fonte de custeio.
Rem anesce ainda o problem a de identificar o que seja 
gasto com "as ações e serviços públicos de saúde". Aqui a 
indeterm inação ainda grassa, em bora seja bastante possí­
vel identificar uma zona clara e outra escura para a deli­
mitação deste conceito, rem anescendo uma zona cinzenta, 
de indeterm inação, que dificulta a perfeita aplicação deste 
conceito no âm bito dos gastos.
Portanto, em apertada síntese, pode-se afirmar que o 
SUS, que se consubstancia em um sistem a que im plementa 
a política de saúde pública no Brasil, é financiado por:
a) Parcela orçam entária dos recursos destinados à Se­
guridade Social, inscritos no art. 195, CF, na forma do que 
estabelece o art. 198, §1°, CF;22
b) Parcela da União, m ínim a, constituída pela per­
centagem do PIB utilizada no ano 2000, acrescido de sua 
variação anual, sendo que 15% deste valor deverá ser ne­
cessariamente aplicado em ações e serviços de saúde nos 
Municípios;
21 Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto 
para: VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: e) 
aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, com ­
preendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento 
do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde
22 § 1“ O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com 
recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito 
Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
D ireito à Saúde e os Tribunais 89
c) 12% de praticam ente toda a receita própria e de 
transferências obrigatórias recebidas pelos Estados e Dis­
trito Federal;
d) 15% de praticam ente toda a receita própria e de 
transferências obrigatórias recebidas pelo Distrito Federal 
e pelos M unicípios.
O problem a do custeio do direito à saúde no Brasil é 
ampla e m inuciosam ente regulado na própria Constitui­
ção, inclusive com previsão de regras transitórias em caso 
de om issão legislativa em sua regulamentação.
Observe-se - e isto é de suma im portância que esta 
fonte de custeio acima longam ente descrita, que se cons­
titui em verdadeira garantia financeira para a consecução do 
direito à saúde, decorre de desem bolsos com pulsórios de to­
das as pessoas que são contribuintes do sistema tributário 
nacional, sejam brasileiros ou estrangeiros, pessoas físicas 
ou jurídicas, com ou sem personalidade jurídica própria 
e tipificada em nosso ordenam ento legal. Desde que con­
tribua para o sistem a tributário brasileiro estará ipso facto 
contribuindo para o custeio do SUS e, consequentemente, 
para o financiam ento do direito à saúde no Brasil. Isto in­
dependente de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer 
outras form as de discriminação.
Q uem paga a conta dos gastos realizados é a própria 
sociedade, seja através dos tributos pagos diretam ente na 
condição de contribuinte, seja indiretam ente na aquisição 
de bens ou serviços, sobre os quais incide a tributação. O 
Estado é financiado por tributos, pagos de form a desigual 
entre as pessoas - e aqui se encontra uma primeira possi­
bilidade de im plem entação de Justiça, pois se deve cobrar 
m ais de quem pode pagar m ais, o que nem sem pre ocorre.
Se a sociedade dem anda a presença m aior do Esta­
do, deve arcar com m aior cobrança de tributos - e se esta 
cobrança for efetuada de m odo mais equânim e, muito me­
lhor. Quem ganha mais deve pagar progressivam ente mais
90
Estado e Constituição 12
FERNANDO FACURY SCAFF
tributo. Esta regra não tem sido im plem entada no Brasil, a 
despeito de vários tributos de incidência direta serem pro­
gressivos, isto porque é praticam ente im possível estabe­
lecer progressividade em um sistem a fortem ente calcado 
em tributos indiretos sobre o faturam ento das em presas e 
a circulação de bens e serviços.
3.2. R enúncias fiscais: quem deixa de pagar a conta?
Aqui a situação é diversa. Deve-se analisar quem dei­
xa de contribuir para o custeio dos gastos públicos, con­
soante perm issivo constitucional ou legal.
Claro que existem aqueles que não contribuem com 
um im posto, mas o fazem com outro, ou ainda pagam de 
forma reduzida em face dos dem ais contribuintes. Desta 
forma, existe um gama praticam ente im possível de ser re­
lacionada de hipóteses daquilo que a doutrina cham a de 
gasto tributário, ou ainda renúncias fiscais, que podem in­
cluir im unidades, isenções parciais ou totais, redução de 
base de cálculo ou procedim entos sem elhantes que visem 
à desoneração da incidência tributária com parativam ente 
aos dem ais contribuintes.23
Portanto, estas desonerações fazem com que seus 
beneficiários não contribuam direta e integralm ente para 
o custeio da saúde, tal com o os dem ais contribuintes, em 
face das regras desonerativas que são aplicáveis, seja intui- 
tu personae, seja em função de certa atividade.
Apenas a título de exem plo descrevem os algumas hi­
póteses em que a previsão de desoneração deflui direta­
mente da Constituição:24
23 Dissertação transformada em livro de autoria de Élcio Fiori Henriques foi re­
centemente editada sobre o tema: Os Benefícios Fiscais no Direito Financeiro e Orça­
mentário (São Paulo: Quartier Latin, 2010).
24 Propositalmente deixo de lado o importante debate acadêmico sobre o que 
deve ser considerado imunidadetributária - se apenas aquelas norm as desonera- 
bvas que veiculam direitos de liberdade, sendo as demais m eras isenções, ou se
D ireito à Saúde e o s Tribunais 91
a) Art. 184, § 59 São isentas de impostos federais, estaduais e munici­
pais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins 
de reforma agrária.
b) Art. 195, § 7^ São isentas de contribuição para a seguridade social as 
entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigên­
cias estabelecidas em lei.
c) Art. 195, II - Não incidirá contribuição sobre aposentadorias e pen­
sões concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o 
art. 201;
d) Art. 149, § 2S, I — As contribuições sociais e de intervenção no domínio 
econômico não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação;
e) Art. 153, § 32, III, CF - não incidirá IPI sobre produtos industrializados 
destinados ao exterior.
f) Art. 153, § 48, II, CF - O ITR não incidirá sobre pequenas glebas ru­
rais, definidas em lei, quando as explore o proprietário que não possua 
outro imóvel;
g) Art. 155, X - não incidirá ICMS:
a. sobre operações que destinem ao exterior produtos industrializados, 
excluídos os semi-elaborados definidos em lei complementar;
b. sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem 
sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a 
manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas 
operações e prestações anteriores;
c. sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive 
lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia 
elétrica;
d. sobre o ouro, quando utilizado para reserva de valor;
e. nas prestações de serviço de comunicação nas modalidades de ra­
diodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita;
h) Art. 156, § 29,1 — não incide ITBI sobre a transmissão de bens ou direi­
tos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capi­
tal, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, 
incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, com exceções;
i) Art. 150, VI - É vedado instituir impostos sobre:
a. patrimônio, renda ou serviços, entre as pessoas jurídicas de direito 
público reciprocamente;
b. templos de qualquer culto;
todas as que desoneram incidências fiscais no âm bito da Constituição. Para fins 
deste trabalho uso apenas o conceito de desoneração ou de renúncia fiscal, pois 
atinge aos objetivos propostos.
92
Estado e Constituição 12
FERNANIX) FACURY SCAFF
c. patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas 
fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições 
de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os 
requisitos da lei;
d. livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
j) Art. 43, § 2- Estabelece a possibilidade de concessão de incentivos 
fiscais visando a redução das desigualdades regionais; 
k) Art. 227, § 3° VI - A proteção especial à família, criança, adolescente 
e jovem abrangerá o estímulo do Poder Público, através de incentivos 
fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de 
guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado.
O rol acima parte da análise direta da Constituição, 
mas deixa de lado outras desonerações concedidas no âm­
bito legal, igualm ente im portantes, dentre elas a que abate 
da base de cálculo do Im posto de Renda das Pessoas Físi­
cas o m ontante integral que tiver sido pago em despesas 
m édicas e planos de saúde privados.
É im portante que este efeito desonerativo, concedido 
diretam ente na Constituição ou am parado em lei ordiná­
ria, seja claro e explicitado nos dem onstrativos orçam entá­
rios de cada unidade federada, conform e estabelece o art. 
165, §6°, da CF:
§ 6S O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo 
regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de 
isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza finan­
ceira, tributária e creditícia.
Feitas as considerações acima, sobre quem deve pagar e 
quem deixa de pagar a conta dos gastos sociais, deve-se de­
m onstrar quem deve receber as prestações e ações de saúde.
3.3. Gastos públicos: quem recebe as prestações 
sociais? Ou processo orçamentário, reserva 
do possível e escolhas trágicas
Aqui é que os problem as se agigantam , pois em tese 
no rol de beneficiários estão todos os que habitam nosso 
país, em face dos objetivos fundam entais de nossa Repú­
D treito à Saúde e o s Tribunais 93
blica constantes do art. 3o da Constituição, quais sejam 
"construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir 
o desenvolvim ento nacional; erradicar a pobreza e a mar- 
ginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; 
e prom over o bem de todos, sem preconceitos de origem, 
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discri­
m inação". Logo, alcança além dos cidadãos brasileiros todos 
os habitantes do país, incluindo os estrangeiros.
Porém isso não quer dizer que se deva dar tratam en­
to igual a todos. A base deste preceito é de dar tratamento 
desigual a quem estiver em situação desigual, na medida de suas 
desigualdades, e visando sua redução.
Esta é a posição de Robert Alexy25 que, para tratar de 
isonomia, parte do preceito de que "todas as pessoas são 
iguais perante a lei" constante da Constituição Alemã (art. 
3o, § I o) e tam bém da brasileira (art. 5o, caput) e demonstra 
que não é suficiente tratar a todos de forma absolutam en­
te igual, pois, nestas hipóteses, se chegaria a verdadeiros 
absurdos, tais como estabelecer que todos devem prestar 
o serviço militar, inclusive os recém -nascidos, pois todos 
são iguais perante a lei.26 Não é desta forma que se deve 
interpretar a norma. É necessário que se verifique em quais 
situações é possível fazer distinções.
Tam bém o am plo preceito de que "se deve tratar igual 
ao igual e desigual ao desigual" não dá parâm etros para 
o tratam ento da desigualdade, mas apenas da igualdade. 
Segundo Alexy, a seguir este preceito, toda a legislação na­
zista contra os judeus estaria contem plada,27 pois trataria 
"os desiguais" de form a desigual.
A solução, segundo Alexy, está no entendim ento do 
Princípio da Isonomia assim form ulado para o tratam en­
25 Robert Alexy, Teoria de ios Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudos 
Políticos y Constitucionales, 2001, p. 381 a 418.
26 Ob. cit., p. 384.
27 Ob. cit., p. 386.
94
Estado e Constituição 12
FERNANDO FACURY SCAFF
to igualitário: "Se não há nenhum a razão suficiente para a 
perm issão de um tratam ento desigual, então está ordena­
do um tratam ento igual".28 Por esta m áxim a, todos devem 
ser tratados de form a igual, desde que não haja uma razão 
suficiente que perm ita a diferenciação.
E para o tratam ento não igualitário o preceito deve ser 
lido da seguinte forma: "Se há uma razão suficiente para 
ordenar um tratam ento desigual, então está ordenado um 
tratam ento desigual".29 É im perioso que seja demonstrada 
a existência de "razão suficiente" para determ inar a quebra 
da isonomia. Uma vez tendo sido dem onstrada esta razão, 
é im positivo o tratam ento diferenciado ("está ordenado", 
diz o Autor).
Por este m otivo que a síntese da interpretação do 
Princípio da Isonomia está em tratar desigualmente a quem 
estiver em situação desigual, na medida de suas desigualdades, e 
visando sua redução.
Porém, ainda aqui não resolvem os de forma integral 
a questão proposta no início deste texto, acerca do direito à 
saúde, pois é necessário saber quem estabelece as priorida­
des no gasto público. Ou seja, o Estado deve gastar em fa­
vor de quem ? Quem estabelece quais serão os destinatários 
e as prioridades dos gastos públicos com saúde no Brasil?
Os econom istaspossuem uma expressão bastante in­
teressante, denom inada "Limite do Orçamento", que Amar- 
tya Sen, com sua perspicácia habitual, comenta como sendo 
"onipresente", pois:
0 fato de que cada consumidor deva fazer suas escolhas não significa 
que não existam limites orçamentários, mas simplesmente que a es­
colha deve ser feita internamente ao limite orçamentário ao qual cada 
indivíduo deve adequar-se.
28 Ob. cit., p. 395.
29 Ob. cit., p. 397.
D ireito à Saúde e o s Tribunais 95
Aquilo que vale para a economia elementar vale também para a decisão 
política e social de alta complexidade.30
Esta expressão foi trasladada para o Direito, a partir 
de uma decisão do Tribunal Constitucional alem ão,31 com 
o nom e de " Reserva do Possível". O significado é o mesmo: 
todo orçamento possui um limite que deve ser utilizado de acor­
do com exigências de harmonização econômica geral. Desta for­
ma, ao decidir pela inconstitucionalidade da lim itação de 
vagas im posta pela Universidade da Baviera, o Tribunal 
Constitucional Alem ão entendeu que existe uma limitação 
fática, condicionada pela
(...) reserva do possível, no sentido do que pode o indivíduo, racio­
nalmente falando, exigir da coletividade. Isso deve ser avaliado em 
primeira linha, pelo legislador, em sua própria responsabilidade. Ele 
deve atender, na administração de seu orçamento, também a outros
30 Identità e Violenza, Roma, Laterza, 2006, p. 07/08, tradução livre deste autor.
31 BVERFGE 33, 303, de 18/07/1972, extraído da obra "Cinqüenta anos de juris­
prudência do Tribunal Constitucional Federal Alem ão" (Montevidéu, Fundação 
Konrad Adenauer, 2005, p. 656/667). No caso relatado pelo Tribunal Constitucio­
nal Alemão, duas Universidades daquele país estabeleceram restrições ao acesso 
direto de alunos ao curso de "m edicina hum ana" (medicina e odontologia), nos 
anos de 1969 e 1970. A Universidade de Hamburgo determinou que as vagas 
disponíveis para os candidatos alem ães deveriam ser distribuídas na proporção 
de 60% segundo o curriculum do candidato, e 40% segundo o ano de nascimento, 
sendo possível haver a reserva de vagas para situações excepcionais, porém não 
limitou o núm ero de vagas total. Já a Universidade da Bavária - ponto central 
do tema - estabeleceu limitação de vagas para algumas áreas do conhecimento, 
se isso fosse estritamente necessário à manutenção do funcionam ento regular de 
um curso, tendo em vista a capacidade das instalações dos "campi" daquela Uni­
versidade. Foi contra estas norm as que se pronunciou o Tribunal Constitucional 
alemão, em controle concentrado, apresentado pelos Tribunais Administrativos 
daqueles dois Estados-membros da Alemanha. O Tribunal entendeu que a li­
m itação de vagas estabelecida pela Universidade da Bavária não era adequada 
em face de: "seu efeito extrem am ente incisivo, pois ele faz com que um número 
maior ou menor dos candidatos tenha que adiar o início do curso desejado por 
um tempo mais ou menos longo. (...) Candidatos socialm ente mais carentes não 
têm as mesmas possibilidades, com o os mais abastados, de passar por períodos 
mais longos de espera ou de tentar a realização de um curso no exterior." Tal 
limitação, contudo, "passa pelo fato de que a capacidade disponível não é sufi­
ciente para alocar todos devidam ente qualificados ao ensino superior".
96
Estado e Constituição 12
FKRNANDO FACURY SCAFF
interesses da coletividade, considerando as exigências da harmoniza­
ção econômica geral.
E im portante observar que esta expressão vem sen­
do bastante maltratada pela jurisprudência brasileira, que 
a hostiliza de maneira praticam ente unânime, tudo indica 
que em virtude de sua má com preensão. Ela vem sendo 
entendida com o se existisse um com plô no seio da Adm i­
nistração Pública para esconder recursos públicos visando 
a não cum prir as determ inações judiciais e não im plem en­
tar os direitos fundam entais sociais, sendo a "reserva do 
possível" uma tentativa de refúgio das ordens judiciais.32
Infelizm ente não é isso. "Reserva do Possível" é um 
conceito econôm ico que decorre da constatação da existên­
cia da escassez dos recursos, públicos ou privados, em face 
da vastidão das necessidades hum anas, sociais, coletivas 
ou individuais; e cada indivíduo, ao fazer suas escolhas e 
eleger suas prioridades, tem que levar em conta os limites 
financeiros de suas disponibilidades econôm icas. O mesmo 
vale para as escolhas públicas, que devem ser realizadas no 
seio do Estado pelos órgãos com petentes para fazê-lo.
Neste sentido, é aplicável tanto à im possibilidade fá- 
tica, econôm ica, concreta, que cada um de nós tem para o 
atendim ento de nossas necessidades particulares, com o de 
toda a sociedade para atendim ento de suas necessidades 
por parte dos cofres públicos. Este conceito - "reserva do 
possível" - utilizado no âm bito do direito público, nos co­
loca dentro do universo financeiro, da extensão das neces­
sidades públicas em face da escassez de recursos.
Observa-se que não se deve confundir a "reserva do 
possível de caráter econôm ico", mais próxim a do concei-
32 Ingo Sarlet alerta, com muita precisão e acerto, que "o que tem sido, de fato, 
falaciosa, é a forma pela qual muitas vezes a reserva do possível tem sido utiliza­
da entre nós com o argumento impeditivo da intervenção judicial e desculpa ge­
nérica para a om issão estatal no cam po da efetivação dos direitos fundamentais, 
especialmente de cunho social" (A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 10. ed. Porto 
Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 356).
D ireito à Saúde e o s T ribunais 97
to de "escassez", com a "im possibilidade técnica". Haverá 
im possibilidade técnica quando, por exem plo, um m edi­
cam ento ainda estiver sendo produzido em caráter experi­
mental - o que poderá ocasionar que indivíduos desejem 
adquiri-los, mas sua escala de produção ainda não chegou 
à etapa industrial, pois ainda se encontra em fase de testes. 
Haverá escassez quando a produção atinge o nível indus­
trial, mas ainda é insuficiente para atender a todos os con­
sum idores.33
É de se observar que o conceito de reserva do possível 
está casado com outro, m uito caro aos direitos sociais, que 
é o da progressividade na concretização desses direitos. Os 
direitos prestacionais, tal com o o direito à saúde, não são 
direitos que se disponibilizam integralm ente de uma única 
vez. São direitos fornecidos progressivam ente pelo Estado, 
de modo que, passo a passo, em um ritm o crescente, ele se 
torna cada vez mais concretizado - o que não ocorre com 
outros direitos, tal com o o de maioridade, a qual se obtém 
de um dia para outro - literalm ente. Os direitos sociais são 
direitos implementados à prestação, deform a progressiva.
Esta característica aplicada ao direito à saúde no Bra­
sil implica em dizer que o direito "à redução do risco de 
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igua­
litário às ações e serviços para sua prom oção, proteção e 
recuperação", constante do art. 196 da CF, não é algo que 
seja obtido de plano, plenam ente finalizado em um dado 
m om ento histórico. Isto decorre do desenvolvim ento cien­
tífico e tecnológico da m edicina que sem pre traz novas 
respostas aos problem as de saúde existentes, bem como 
das lim itações próprias dos recursos públicos disponíveis. 
Não há e nem haverá jam ais recursos suficientes para im­
plem entar de forma com pleta e cabal o direito a saúde de
33 O s exem plos são de José Reinaldo Lima Lopes. Em torno da "rcseroa do Possível”, 
In: Ingo W ofgang Sarlet e Luciano Benetti Timm (orgs.). Direitos Fundamentais 
- Orçamento e "Reserva do Possível", 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2010, p. 162.
98
Estado e Constituição 12
FKRNANDO FACURY SCAFF
modo a satisfazer plenam ente todas as necessidades da so­
ciedade - infelizmente.Portanto, a reserva do possível está, de certo m odo, ca­
sada com a necessária característica de serem os direitos 
sociais direitos a prestações. Os recursos públicos são escas­
sos, m as, a despeito disso, devem sem pre ser utilizados de 
modo a am pliar as prestações sociais que im plem entem os 
direitos sociais previstos em nossa Constituição.
Tngo Sarlet, em preciosa obra, destaca que "a depen­
dência, da realização de direitos sociais prestacionais, da 
conjuntura socioeconòm ica é tudo m enos pura retórica ou 
mera 'ideologia'. N egar que apenas se pode buscar algo 
onde este algo existe e desconsiderar que o Direito não tem 
o condão de - qual toque de M idas - gerar recursos m ate­
riais para sua realização fática, significa, de certa forma, 
fechar os olhos para os lim ites do real".34
Ao lado dos conceitos acima m encionados, e correlato 
a eles, existe o das escolhas trágicas, desenvolvido original­
mente por Calabresi e Bobbit,35 que im plica dem onstrar a 
relação entre as escolhas realizadas pela sociedade e suas 
consequências, sempre com os olhos voltados para os valo­
res de cada sociedade. Analisando a sociedade am ericana, 
mencionam os autores que
(...) na verdade todas as situações trágicas são decisões que não são 
vistas como trágicas. Não parece trágico nos Estados Unidos deixar de 
prover tratamento de diálise para uma pessoa na qual este tratamento 
não está funcionando. Nem é trágico em tempo de guerra escolher jo­
vens enquanto são dispensados anciãos quando se acredita que os jo­
vens são muito melhor soldados. Ambas as decisões determinam quem 
terá maior chance de viver. Nenhuma das duas implica um conflito entre 
os valores americanos; seria diferente se um rim fosse doado a um des­
tinatário rico ao invés de um paciente pobre sob o fundamento de que
34 A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advo­
gado, 2010, p. 327.
35 Tragic Choices - The conflicts society confronts in thè allocation o f tmgically scorce 
resources. New York: Norton, 1978.
d ire ito à Saúde e os Tribunais 99
o rim funcionaria melhor em um homem rico, porque ele pode se dar ao 
luxo de descansar, ter enfermeiras particulares, e assim por diante.36
Observa-se que na situação acima existe com o para­
digma a questão da eficiência. Ou seja, não se trataria de 
uma escolha trágica em situações iguais porque o critério 
de eficiência levaria naturalm ente às escolhas adotadas. 
Porque levar anciões para a frente de batalha, se os jovens 
podem guerrear m elhor? Nestas hipóteses haveria um cri­
tério distintivo ("razão suficiente", diria Alexy), para o tra­
tam ento desigual.
Segundo os autores, na sociedade am ericana existem 
dois outros paradigm as a serem ainda considerados: a ho­
nestidade e a igualdade.37 Por isso que:
Quando se tornou claro que os ricos estavam sendo tendo tratamento 
favorável, saudáveis ou não, isso demonstrou que as pessoas que ti­
nham tomado esta decisão tinham sido desonestos sobre seus motivos, 
e mesmo que essa discriminação tenha alcançado a máxima eficiência, 
o critério discriminatório e, portanto, o método de distribuição, tornou-se 
inaceitável.38
D aí a im portância de analisar a cultura de cada socie­
dade para com preender perfeitam ente o que se caracteriza, 
ou não, com o uma escolha trágica, e tornar claro a todos as 
escolhas trágicas que são decididas em nosso nom e.39
Por que se devem tratar com prioridade as enferm ida­
des decorrentes da AIDS do que da catapora ou malária? 
Qual o critério da escolha, que indique, de form a clara e in­
sofism ável, que não haveria opção mais adequada que não 
a efetuada naquelas condições? Nestes casos, independen­
te de perquirir qual a cultura que preside o entendim ento 
do que se caracteriza com o uma escolha trágica no Brasil 
- em especial no que tange ao uso dos recursos públicos,
36 Ob. cit., p. 22/23, em tradução livre do autor deste trabalho.
37 Ob. cit., p. 23, em tradução livre do autor deste trabalho.
38 Ob. cit., p. 25, em tradução livre do autor deste trabalho.
39 Ob. cit., p. 27.
100
Estado e Constituição 12
FERNANDO FACURY SCAFF
pois foge ao âm bito deste trabalho busca-se esclarecer 
quem tem a primeira e principal escolha trágica sobre quais se­
rão os destinatários e as prioridades dos gastos públicos com saú­
de no Brasil. Esta responsabilidade é, no direito brasileiro, 
do Parlam ento, através de um interessante m ecanism o de 
planejam ento intitulado Sistema Orçamentário, com posto 
no Brasil por três leis: PPA - Plano Plurianual, LDO - Lei 
de Diretrizes Orçam entárias e LOA - Lei Orçam entária 
Anual, na forma do art. 165 da CF.
Cabe, portanto, ao Poder Legislativo a definição sobre 
quem vai receber estas prestações sociais, e quais as prio­
ridades, através do processo orçamentário. Ao Parlamento 
incum be definir as "escolhas trágicas" e delimitar a "re ­
serva do possível" para o atendim ento das necessidades 
públicas através do uso dos recursos públicos.
N o Brasil, a lei orçam entária possui tram itação espe­
cial prevista pela Constituição, embora tenha a mesma va­
lidade das dem ais leis m ateriais ordinárias. Nesse sentido, 
quando fixa a despesa, estes gastos devem ser cum pridos, 
sob condição de outras norm as que concretizem sua reali­
zação, seja uma licitação, seja a contratação de servidores 
públicos através de concurso, seja pela via dos precatórios, 
e por aí assim. E claro que nem todas as despesas são cum ­
pridas em um ano, podem ser relegadas a outros períodos 
- são os cham ados "restos a pagar".
O plano plurianual - PPA (art. 1 6 5 ,1, CF) - deve ser 
estabelecido por Lei de iniciativa do Poder Executivo e dis­
porá, de forma regionalizada, sobre as diretrizes, objetivos 
e m etas da adm inistração pública federal para as despesas 
de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos 
program as de duração continuada (art. 165, § I o, CF). Esta 
norma deverá ser encam inhada ao Congresso Nacional 
até 04 m eses antes do encerram ento do prim eiro exercício 
financeiro do m andato presidencial, devendo encerrar-se 
ao final do prim eiro ano do m andato subsequente (art. 35, 
§ 2o, I, ADCT).
D ireito à Saúde e os Tribunais 101
Esta lei é de tam anha im portância que o próprio art. 
165, § 4o, determ ina que os planos e program as nacionais, 
regionais e setoriais serão elaborados em consonância com 
o Plano Plurianual, assim com o as em endas ao projeto de 
lei do orçam ento anual ou aos projetos que o modifiquem 
som ente podem ser aprovadas caso sejam com patíveis com 
o plano plurianual. (art. 166, § 3o, I CF)
Em consonância com o Plano Plurianual, deve ser 
enviado anualm ente ao Congresso N acional o projeto de 
outra norm a, denom inada de Lei de Diretrizes Orçam entá­
rias - LDO (art. 165, II CF) - , que com preenderá as metas e 
prioridades da adm inistração pública federal, incluindo as 
despesas de capital para o exercício financeiro subsequen­
te; orientará a elaboração da lei orçam entária anual; dispo­
rá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá 
a política de aplicação das agências financeiras oficiais de 
fom ento (art. 165, § 2° CF). Trata-se de uma lei anual e deve 
ser encam inhada até m eados de abril ao Congresso N acio­
nal, o qual terá até final de junho para sua discussão e vo­
tação.
A função da LDO é estabelecer os prim ados e as dire­
trizes para o Projeto de Lei Orçam entária Anual, que se lhe 
deve seguir, e com ela deve estar alinhado.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/00) criou 
outras funções para a LDO, tais como o estabelecim ento 
do equilíbrio orçam entário, a possibilidade de serem re­
alizadas lim itações de em penho, o controle de custos e 
avaliação dos resultados dos program as financiados, e as 
condições e exigências para a transferênciade recursos a 
entes públicos e privados através de subvenções. Passou 
a exigir ainda que a LDO veiculasse um Anexo de Metas 
Fiscais e um Anexo de Riscos Fiscais. Todas estas funções 
criadas pela LRF para serem veiculadas pela LDO são fun ­
ções anômalas, pois originariam ente não estavam previstas 
na Constituição - em bora essas exigências não se constitu­
am em inconstitucionalidades, pois nada im pede que uma
102
Estado e Constituição 12
FERNANDO FA CU RYSCA FF
Lei Com plem entar - tal com o a LRF (LC 101/00) - venha a 
estabelecer este tipo de exigências.
É estabelecida ainda a exigência da Lei Orçam entária 
Anual - LOA (art. 165, III, CF) - , cuja função principal é a 
gestão adm inistrativa e financeira do país.
Fruto do Princípio da Unidade, esta norma com pre­
ende três diferentes tipos de Orçamento:
a) o orçam ento fiscal referente aos Poderes da União, 
seus fundos, órgãos e entidades da adm inistração direta e 
indireta, inclusive fundações instituídas e m antidas pelo 
Poder Público;
b) o orçam ento de investim ento das em presas em que 
a União, direta ou indiretam ente, detenha a maioria do ca­
pital social com direito a voto;
c) o orçam ento da seguridade social, abrangendo to­
das as entidades e órgãos a ela vinculados, da adm inistra­
ção direta ou indireta, bem com o os fundos e fundações 
instituídos e m antidos pelo Poder Público, (art. 165, § 5o, 
CF).
Esse parágrafo (art. 165, § 5o), além de conter o Princí­
pio da Unidade acima referido, revela tam bém o Princípio da 
Universalidade, pois determ ina que todas as receitas e des­
pesas relativas ao Estado sejam englobadas em um único 
Orçam ento, sejam de que tipo for (capital, correntes etc.). A 
ideia é que a universalidade do que for arrecadado, do que 
for gasto e das operações de crédito estejam reunidos em 
um único docum ento - daí a conjugação de universalidade 
com unidade.
Além disso, o projeto da LOA deverá acom panhar, de 
forma regionalizada, o efeito sobre as receitas e despesas, 
decorrente de isenções, anistias, rem issões, subsídios e be­
nefícios de natureza financeira, tributária e creditícia. (art. 
165, § 6o). Assim , trata das renúncias fiscais.
D ireito à Saúde e o s Tribunais 103
Este projeto deve ser encam inhado ao Congresso até 
31 de agosto e devolvido para sanção até o encerram ento 
da sessão legislativa do m esm o ano.
Desta m aneira, o Sistem a Orçam entário brasileiro 
funciona com o um funil para o planejam ento, na medida 
em que vincula as disposições de uma espécie normativa 
às das outras.
Em prim eiro lugar, devem ser obedecidos os Funda­
m entos (art. I o) e os Objetivos Constitucionais (art. 3o) que 
servem de lastro na construção desse Sistema Orçam entá­
rio, e que são perenes, para qualquer esfera de governo ou 
de coloração política, pois deve ser respeitado o pluralism o 
político.
Na sequência, deve ser organizado o PP A, que é uma 
lei com prazo de validade de 4 anos, e que estabelece os 
planos e projetos de governo para esse período.
Após, deve ser editada a LDO, que tem por função 
precípua orientar a construção do projeto LOA, além de 
outras atribuições estabelecidas na Lei de Responsabilida­
de Fiscal.
Por fim, no âm bito da proposição norm ativa, surge a 
LOA, que é igualm ente uma lei de prazo determ inado - e 
a parte final do funil referente ao planejam ento orçam en­
tário - , que deve reger a realização de todas as despesas 
governam entais pelo período de 1 ano.
A execução orçam entária de toda essa construção 
incum be ao Poder Executivo, no âm bito de seus próprios 
órgãos internos, bem com o aos dem ais Poderes que rece­
bem de form a dozeavada os recursos que lhes cabem (art. 
168, CF). Incumbe ao Poder Executivo publicar até 30 dias 
após o encerram ento de cada bim estre relatório resum ido 
da execução orçam entária (art. 165, § 3o, CF).
A fiscalização financeira e orçam entária deve ocor­
rer através do sistem a de controle interno a cada Poder 
(art. 70, C F), e ao Poder Legislativo, no âm bito do controle
104
Estado e Constituição 12
FERNANDO FACURY SCAFF
externo, a ser exercido com o auxílio do Tribunal de C on­
tas (art. 71, CF).
Ou seja, é através do Orçam ento que são estabele­
cidas as prioridades nos gastos públicos e que é possível 
determ inar o quanto de recursos será alocado para a im ­
plem entação dos direitos sociais. A partir da quantificação 
dos recursos financeiros para a im plem entação dos direi­
tos é que se poderá constatar o nível de prioridade que a 
efetivação daquele direito possui em uma dada sociedade, 
em certo período.40 De nada adianta falarm os de direitos, 
em especial dos direitos sociais, se não olharm os quanto 
de recursos financeiros o Estado estabeleceu para sua rea­
lização. A singela proclam ação de direitos custosos serve de 
m uito pouco, caso não sejam atribuídos os recursos neces­
sários para sua im plementação.
No Brasil, com o visto acima, é o Poder Legislativo 
quem dita tais prioridades através do sistema orçam entá­
rio, pois é nele que são realizadas as escolhas trágicas de elei­
ção de prioridades de gastos públicos, a serem im plem entadas 
em curto e médio prazo (os objetivos de longo prazo estão 
previstos na Constituição). A isto se chama " discricionarie- 
dade do legislador" - a possibilidade de escolha pelo legis­
lador dos objetivos de curto e médio prazo que devam ser 
im plem entados visando alcançar as m etas estabelecidas na 
Constituição.
A função do Poder Executivo é a de realizar estes 
gastos e im plem entar os objetivos de curto e médio prazo, 
da forma e no limite estabelecido pela lei. Claro que exis­
te uma margem de " discricionariedade adm inistrativa" , mas 
esta é circunscrita pelas norm as constitucionais e legais 
que regem as situações concretas sob responsabilidade da 
Adm inistração.
40 Por certo para análise dessa afirmativa dever-se-á aplicar a regra da proporciona­
lidade, pois alguns direitos custam mais do que outros e, em um estudo compara- 
tivo-temporal, a progresswidade na consecução dos direitos sociais.
D ireito à Saúde c os T ribunais 105
No Brasil, o constituinte não concedeu ao legislador 
tão ampla discricionariedade sobre quanto deve destinar do 
m ontante arrecadado para os gastos sociais. Isto porque a 
própria Constituição traz uma série de obrigatórias vincu- 
lações da receita às despesas sociais. Trata-se de um " or­
çamento mínimo social" ou de "garantias constitucionais de 
financiam ento dos direitos sociais" a ser utilizado para a im ­
plem entação desses. Os recursos públicos vinculados para 
o custeio com os gastos com a saúde foram longam ente ex­
postos acima. Isso não im plica dizer que não remanesça 
m argem para a discricionariedade do legislador, pois este 
ainda terá espaço para decidir e realizar as escolhas trági­
cas sobre onde alocar os recursos públicos para a saúde, se 
em cam panhas de erradicação da malária ou em hospitais 
para tratam ento de oncologia; ou m esm o em am bos, mas 
reconhecendo que nesta hipótese a repartição dos recursos 
im plicará em dar maior im portância a uma opção em face 
de outra.
Assim , é no âm bito do processo orçam entário - local 
de atuação privilegiada do Poder Legislativo - que se rea­
lizam as prim eiras escolhas trágicas, m esm o com os recursos 
vinculados estabelecidos pelo "orçam ento m ínim o social".
Deve-se ainda observar que estas escolhas orçam entá­
rias são passíveis de flexibilização ,41 cujos m ecanism os são, 
dentre outros, os créditos adicionais (suplem entares, espe­
ciais e extraordinários),42 a limitação de empenho (também 
conhecida por contingenciam ento),43 a reserva de contingên­
cia44 e a margem de rem anejam ento.45
41 Para este conceito sugere-se a leitura de José Maurício Conti, na obra A Autono­
miaFinanceira do Poder Judiciário (SP, MP, 2006), em especial às p. 96/104.
42 Regulados pela Lei 4.320/64, arts. 40 a 46.
43 Regulada pela Lei Complem entar 101/00, conhecida como Lei de Responsabi­
lidade Fiscal, art. 9o.
44 Decreto-Lei 200, art. 91.
45 Lei 4.320/64, art. T , 1.
106
Estado e Constituição 12
FERNANDO FACURY SCAFF
Através destes m ecanism os, alguns alocando maior 
poder ao Executivo, com o a limitação de em penho e os créditos 
adicionais extraordinários, outros ao Legislativo, perm item 
que ao longo do exercício financeiro, durante a execução 
orçam entária, a alocação inicial de recursos na LOA seja 
ajustada às m udanças de prioridades políticas que venham 
a ocorrer, sem pre com respaldo do Legislativo.46 Portanto, 
as escollrns trágicas adotadas inicialm ente na LOA podem 
vir a ser alteradas ao longo da execução orçam entária, con­
soante novas escolhas e na medida da reserva do possível.
4. Direito à saúde e o Poder Judiciário
Por certo o papel do Poder judiciário não é o de substi­
tuir o Poder Legislativo, transform ando o que é "discriciona- 
riedade legislativa" em " discricionariedade judicial" ,47 m as o de 
dirim ir conflitos nos termos da Constituição e das leis do 
país.
Existe a nítida convicção no meio jurídico brasileiro 
que a concretização da Justiça só pode ocorrer através do 
Poder Judiciário, com o se este tivesse o monopólio da realiza­
ção da Justiça, sendo im possível alcançá-la através de ações 
dos dem ais Poderes ou dos entes privados. Esta ideia faz 
com que muitos dos operadores jurídicos - advogados 
públicos e privados, m em bros do M inistério Público e da 
Polícia, e especialm ente os m em bros do Poder Judiciário 
- assum am uma função de verdadeiros paladinos da justi­
ça, deixando muitas vezes a legislação de lado e interpre­
tando diretam ente a Constituição a seu talante. E com o se 
tivéssemos retornado à época da Escola do Direito Livre,
46 CF, art. 167, V a VIII, dentre outros.
47 Interessante obra sobre o tema da discricionariedade judicial é a de Aharon 
Barak, La Discrecionalità del Giudice. Milão: Giuffrè, 1995.
D ireito à Saúde e os T ribu nais 107
onde cada ju iz aplicava a norma segundo sua convicção 
pessoal.48
O Poder Judiciário não cria dinheiro, ele redistribui 
o dinheiro que possuía outras destinações estabelecidas 
pelo Legislativo e cum pridas pelo Executivo. A tônica das 
decisões judiciais no Brasil é a im plem entação dos direitos 
sociais, m as na verdade atribuem direitos individuais, fazen­
do com que verbas públicas sejam aplicadas com o verda­
deiros planos de saúde privados.
Antônio M aués, com acuidade, trouxe a lum e um 
texto49 no qual um dos tópicos resum e com bastante pro­
priedade o debate aqui existente: O resgate do indivíduo e o 
sequestro da sociedade. Segundo este autor, "o m odo como 
se desenvolveu a judicialização do direito à saúde no Bra­
sil perm ite a determ inados indivíduos - m uitas vezes das 
classes abastadas - ter acesso a prestações que não são ofe­
recidas para toda a população, prejudicando a equidade e a 
eficiência do sistema público. Na raiz dessas dificuldades, 
encontra-se uma com preensão im perfeita dos princípios 
que regem as políticas de saúde no Brasil, o que faz com 
que as dem andas nessa área sejam tratadas com o proble­
ma de justiça com utativa e não de justiça distributiva".50
No m esm o sentido, com igual acuidade, José Reinaldo 
Lima Lopes proclam a "que a disputa existente atualmente
48 Para análise dessas teorias, focada no tema em debate, sugiro a leitura de Di­
reito, Escassez & Escolha, de Gustavo Amaral (RJ, Renovar, 2001, em especial p. 
151 /185). Diversas obras tratam de sistem as de Justiça, e abordá-lo me faria fugir 
do tema a que me propus dentre de seus limites. Todavia, para quem desejar ler 
um pouco mais, sugiro consultar pelo m enos as informativas obras de Álvaro de 
Vita, A justiça Igualitária e seus Críticos (SP, Unesp, 2000), Sebastiano Maffettone e 
Salvatore Veca (orgs), A idéia de justiça de Platão a Raiols (SP, M artins Fontes, 2005) 
e Óscar Vergara (ed.), Teorias dei sistema jurídico (Granada, Cornares, 2009).
49 Problemas da Judicialização do Direito à Saúde no Brasil, In: A Eficácia dos Direitos 
Sociais - I Jornada Internacional de Direito Constitucional Brasil/Espanha/Itá­
lia, organizado Fernando Facury Scaff, Miguel Revenga e Roberto Romboli (SP, 
Quartier Latin, 2010, p. 257/273.
50 Ob. cit., p. 265-266.
108
Estado e Constituição 12
FERNANDO FACURV SCAFF
no Brasil traduz-se no seguinte: quem deve ficar mais rico 
e quem deve ficar mais pobre? Se nossa perspectiva for in­
dividualista e conservadora a resposta será: os de sempre. 
O seu de cada um é o que hoje temos: aos pobres a sua po­
breza e cada mais de sua pobreza; aos ricos sua riqueza e 
cada vez mais de sua riqueza. Estaremos aplicando, numa 
terrível falácia, a justiça com utativa: o que eu tenho, não 
devo perder, o que sempre tive deve continuar a ser meu, 
e as regras que me perm item ter cada vez mais devem ser 
mantidas, qualquer novo im posto é um confisco, qualquer 
limitação ao meu atual estado de liberdade é uma tirania. 
M as existem nestes argum entos, tão com uns e tão convin­
centes para os mais despreparados, a extraordinária falácia 
que consiste no seguinte: a justiça comutativa, que tem por 
objeto a m anutenção da igualdade nas trocas e do equilí­
brio entre os iguais, é um princípio de ação a ser aplicado 
dentro da moldura m aior da justiça distributiva, pela qual 
se distribui, proporcionalmente, segundo os m éritos, a capa­
cidade, a necessidade, de m aneira igual os benefícios e os 
m alefícios da vida com um ".51
E nítido que a Constituição determ ina um direito à 
saúde (art. 196) através de "políticas sociais e econôm icas". 
Porém, a interpretação que vem sendo dada a este preceito 
é a de que este é um direito individual, que pode ser gozado 
diretam ente por cada indivíduo, e não através da im ple­
m entação de uma política pública. Aprisiona-se o interesse so­
cial e concede-se realce ao direito individual.
Em instigante artigo publicado na im prensa, Octávio 
Luiz M otta Ferraz52 faz um paralelo entre o igualitário direi­
to de acesso à Justiça e a universalidade do SUS. M enciona 
que, a despeito de todos terem o direito de acesso à Justi­
51 José Reinaldo de Lima Lopes intitulado “Direito Subjetivo e Direitos Sociais: 
O Dilema do Judiciário no Estado Social de Direito", na obra Direitos Humanos, 
Direitos Sociais e justiça, José Eduardo Faria (org.). 1. ed. 2. tir. São Paulo: Malhei- 
ros, 1998, p. 140/141.
52 De quem é o SUS?, em Folha de São Paulo, 20-12-2007.
D ireito à Saúde e os Tribunais 109
ça, na prática, ele não é igualitário, pois pessoas de maior 
renda e educação o acessam com m aior facilidade. Sendo 
o SUS um sistema universal de acesso à saúde, conform e 
prescrito na Constituição, "é preciso agora fazer valer essa 
opção, incentivando (e não o contrário) os mais ricos a uti­
lizar o SUS pela porta da frente, e não pela via judicial. Esse 
é o cam inho mais curto para um serviço público de saúde 
de qualidade".
Constata, então, que "há uma inevitável transferência 
de recursos de serviços que deveriam atender a todos em 
condições de igualdade para garantir ‘ integralidade a ape­
nas alguns. Parafraseando Orwell: todos têm igual direito 
a tratam ento integral, mas alguns (os que têm acesso à Jus­
tiça) são mais iguais que outros".
Torna-se im prescindível, portanto, fazer cessar esta 
verdadeira "captura" de recursos públicos,53 destinados 
à im plem entação de políticas públicas, por aqueles que, 
utilizando-se do Poder Judiciário, tomam para si nacos do 
orçam ento público social, em proveito próprio, e não da 
sociedade. E com o se, ao invés de haver um financiam ento 
público dos direitos sociais

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