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P a r t e H DIREITO À SAÚDE E OS TRIBUNAIS Fernando Facury Scafi 1. Delimitação do tema O escopo deste trabalho é analisar o direito à saúde e sua aplicação pelos tribunais brasileiros, que muitas ve zes concedem de forma direta aos jurisdicionados medi cam entos e tratamentos de saúde qu e não estão previstos nos docum entos orçam entários do Poder Público (aqui com preendendo União, Estados, Distrito Federal e Muni cípios), gerando um custo im ediato e imprevisto em prol de uma pessoa ou de um grupo delas. Com isso, o Poder Judiciário, muitas vezes através d e decisões liminares de I a instância, aplica diretamente a Cons tituição, usando a norma que proclama o direito à saúde, para reconhecer direito a tratam ento médico, ou a medi cam ento, não contemplado com o de custeio público por leis e regulam entos brasileiros. Aliás, em muitos casos, tais tratam entos são considerados "experimentais", mas são implementados por força de decisão judicial e custeados pelos cofres públicos, como adiante será demonstrado. Será este o papel do Poder Judiciário? Esta é a presta ção jurisdicional mais adequada à solução do grave proble ma de saúde pública que temos no Brasil? Este é o principal foco de análise deste trabalho, casado com uma perspecti va de direito financeiro, área do direito onde se estuda a questão das escolhas trágicas e da reserva do possível. Procurarei me desincumbir desta tarefa, fulcral no presente debate acadêmico e jurisprudência! brasileiro, respondendo-as ao longo das próximas páginas. D ireito à Saúde e o s Tribunais 73 2. Os direitos sociais e o direito à saúde na CF/88 A prim eira Constituição brasileira e única do Império data de 1822. Posteriorm ente, foi prom ulgada a I a Cons tituição republicana (1891), à qual se seguiram as demais, tam bém republicanas, de 1934 ,1937 ,1946 ,1967 e 1988, que é a Constituição atual,1 surgida no bojo de um processo de redem ocratização do país, após cerca de 20 anos de dita dura militar. Para sua elaboração, foi eleito um Congresso Constituinte no final do ano de 1986. O então Presidente da República, José Sam ey, havia incum bido a uma Comissão de N otáveis, que ficou conhecida com o Comissão Afonso Arinos, a redação de um anteprojeto de Constituição. Ocor re que, em face da grande agitação política e econômica da época, este anteprojeto foi absolutam ente ignorado pelo Congresso Constituinte, por ser considerado "elitista". A inexistência de um projeto que balizasse os debates levou a Constituinte a com eçar os trabalhos do zero, sem qualquer rumo preestabelecido, porém com a finalidade de redem ocratizar o país. O Congresso Constituinte se di vidiu em subcom issões para tratar de toda uma gama de direitos, construindo a Constituição aos pedaços, de par celas m enores para as m aiores, por aglutinação. Tal fato acarretou a superposição de vários institutos e direitos, e a redação de uma Constituição extensa, que descreve as norm as em seus m ínim os detalhes, com o se o Direito pu desse, por si só, resolver todos os problem as apenas pela enunciação de suas soluções. 1 A despeito de esses conceitos possuírem elevado grau de imprecisão, podem-se classificar estes períodos, ao longo da história republicana do país, da seguin te forma: períodos autoritários ou com "dem ocracias de fachada" por falta de eleições livres: 1891-1934; 1937-1946 e 1964-1985. Por conseguinte, a democracia, também em variados graus, foi vivenciada pela sociedade brasileira nos seguin tes períodos: 1934-1937; 1946-1964 e de 1985 até os dias atuais. 74 Estado e Constituição 12 FERNANDO FACURY SCAFF O extenso rol de direitos sociais nos leva à constata ção de que estes direitos não possuem um núcleo jurídico unitário, m as heterogêneo, sendo m uito mais caracteriza dos pelo seu "objetivo" ou seu "alcance" do que por seu "núcleo". O direito à saúde, por exem plo, pode ter no caso concreto um alcance individual - e aí não ser propriam ente um "direito social";2 mas pode ter um alcance social, quan do im plem entador de uma política pública. Ou seja, a ca racterização de um direito com o direito social, além de não ter um núcleo jurídico unitário, depende de seu objetivo e alcance para ser caracterizado como "social". E o rol desses "direitos sociais" igualm ente carece de hom ogeneidade, pois pode alcançar interesses individuais ou difusos. Em razão dessa organização fracionada dos trabalhos constituintes é que os direitos sociais foram inscritos na Constituição de 1988 em diversas partes do texto. O Título II da Constituição contem pla os Direitos e Ga rantias Fundamentais (arts. 5o a 17), e dele consta o Capítulo dos Direitos Sociais. O art. 6o prevê como direitos sociais: "a educação, a saúde, a alim entação, o trabalho, a m ora dia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desam parados". Os Direitos dos Trabalhadores são assegurados dentro deste Capítulo dos Direitos Sociais (artigos 7” a 11). O últim o Título da Constituição é o VIII, que contem pla a Ordem Social, e possui 8 Capítulos, dentre os quais: 1) O II, que trata da Seguridade Social (inscrita nos arts. 194 a 204), englobando norm as referentes à Saúde (arts. 196 a 200), à Previdência Social (arts. 201 a 202) e à Seguridade Social (arts. 203 a 204); 2 Sobre este assunto sugere-se a leitura do artigo de José Reinaldo de Lima Lopes intitulado "D ireito Subjetivo e Direitos Sociais: O Dilema do Judiciário no Estado Social de D ireito", na obra Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça, José Eduar do Faria (org.). 1. ed., 2. tir. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 113 a 143. D ireito à Saúde e os Tribunais 75 2) O III, sobre Educação, Cultura e Desporto (arts. 205 a 217); 3) O VI, referente ao Meio Ambiente (art. 225); e 4) O VII, que trata da Família, da Criança, do Adoles cente e do Idoso (arts. 226 a 230). Vários preceitos referentes aos direitos sociais encon tram -se espalhados pela Constituição, e não apenas nesses artigos, com o por exem plo o art. 170, VIII, o qual proclama a "busca do pleno em prego" com o fundam ento da ordem econôm ica. Esses direitos sociais inscritos na Constituição, muitos dos quais m inuciosam ente detalhados,3 bem com o todo o am biente político da época, geraram na sociedade uma ân sia pelo reconhecim ento de seus direitos, m esm o quando as norm as infralegais ainda não haviam sido form uladas.4 Houve uma busca incessante e legítima pela afirmação de todas as norm as constitucionais, independente da edição de norm as legais ou regulam entares e, m uitas vezes, con tra as que já existiam ,5 na tentativa de am pliar seu alcance. Isto ocorreu tam bém porque a legislação existente era em grande parte oriunda do que se convencionou cham ar de "entulho autoritário", isto é, norm as editadas com base na Constituição do período da ditadura militar. Logo, uma 3 Um bom exem plo de norma desfocada de seu status constitucional é o direito à "rem uneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do norm al" (art. 7°, XVI). Outro é o que estabelece que as férias anuais sejam rem uneradas com, pelo menos, 50% a mais do que o salário normal (art. T , XVII). 4 Exemplo disso é a norma constitucional que estabelece o direito dos trabalhado res à participação nos lucros ou resultados (art. 7°, XI), que só foi regulamentada muito após a promulgação da Constituição. Ou ainda a questão do direito de greve dos servidores públicos, que foi regulamentada de forma provisória atra vés de decisão do Supremo Tribunal Federal, quando mais de 19 anos haviam se passado desde a promulgação da Constituição, sem que o Poder Legislativo legislasse a respeito. 5 A rigor técnico, estas norm as anterioresà vigência da nova Constituição não seriam inconstitucionais, mas inválidas, pois não teriam sido recepcionadas. 76 Estado e Constituição FERNANÍX) FACURY SCAFF Constituição que se afirmava contra o regime autoritário, e que tinha em seu bojo uma enorm e gama de direitos fun damentais e sociais que prenunciavam uma nova fase de liberdades, não poderia ficar refém de norm as cujo funda mento de validade se encontrava em um regim e político fechado. Assim , vivem os no Brasil, nos últim os 20 e poucos anos, uma época de afirmação dos direitos constitucionais, seja através do exercício quotidiano da cidadania, seja atra vés da am pliação destes direitos pela via legislativa ou por sua execução adm inistrativa, além da hipótese do controle jurisdicional. Este âm bito jurisdicional não se cingiu ape nas às decisões no Suprem o Tribunal Federal, mas também a toda e qualquer instância do Poder Judiciário. A confli- tuosidade im perou, e a ânsia pela concretização da Cons tituição era, e é, a tônica em toda a sociedade, inclusive no Poder Judiciário. Em face da m etodologia aplicada na construção de nossa Constituição, podem -se encontrar no texto diver sas referências ao direito à saúde, sendo certo que este se insere em um contexto maior, de Seguridade Social, que contempla, além da Saúde, a Previdência e a Assistência Social, na forma do que estabelece o art. 194: Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Esta Seguridade Social, conceito mais am plo que o de Saúde, com o pode ser intuído pela sim ples descrição con tida no artigo 194, tem por objetivo, conform e descrito em seu parágrafo único: I - universalidade da cobertura e do atendimento; II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às popula ções urbanas e rurais; III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e ser viços; D ireito à Saúde e os Tribunais 77 IV - irredutibilidade do valor dos benefícios; V - eqüidade na forma de participação no custeio; VI - diversidade da base de financiamento; VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos emprega dores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.6 Só após tratar das fontes de custeio (art. 195), que adiante serão referidas, é que a Constituição dispõe sobre o direito à saúde, iniciando pelo art. 196: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido me diante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Verifica-se pela dicção do preceito que a saúde é um direito garantido a todos, independente de raça, sexo, cre do, origem e outros possíveis discrím enes fáticos ou jurídi cos, sendo um dever do Estado, com preendido com o Poder Público, independente de seu fracionam ento federativo ou organizacional. Este direito de todos, ao qual corresponde um dever do Estado, deve ser garantido m ediante políticas sociais e econôm icas, ou seja, um conjunto de atos norm ativos que se constitua em uma verdadeira policy, para usar a expres são norte-am ericana característica para este tipo de ação. Não se trata de uma norm a, mas um conjunto encadeado de atos e ações do Poder Público que visam a garantir a todos este direito e im ponham aos órgãos com petentes do Estado o dever de executá-las.7 6 É curioso observar que os itens I a IV tratam de "G asto Público", os itens V e VI tratam de "Receitas Públicas", podendo enveredar por "Crédito Público", e o item VII pode ser enquadrado em uma análise "O rçam entária", em face dos preceitos sobre "gestão". 7 Sobre o tema, recomendo a leitura do texto Ensaio sobre o Juízo de Conslitucionali- dade de Políticas Públicas, de Fábio Konder Comparato, reproduzido no livro Rumo à Justiça. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 282 a 300. 78 Estado e Constituição 12 FERNANDO FACURY SCAFF Estas políticas públicas (policies) no âm bito do direito à saúde devem ter por objetivo não apenas o tratam ento da doença, porém , mais am plam ente, a redução do risco de doenças e outros agravos, através de ações e serviços que prom ovam , protejam e recuperem o alm ejado estado de saúde de todos. E mais, devem ter por escopo o acesso de todos, de modo universal e igualitário, a estas ações e a estes servi ços. Após estabelecer os termos através dos quais deve ser compreendido o direito à saúde a que o Poder Público está obrigado, a Constituição passa a dispor sobre o modus ope- randi desta atuação, atribuindo aos term os da lei o m odo de sua regulam entação, fiscalização e controle, admitida sua execução de forma direta (ou seja, pelo Poder Público) ou através de terceiros (pela iniciativa privada, na forma do art. 199, CF), consoante o art. 197: Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regu lamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Daí surge o conceito de Sistem a Único de Saúde - SUS, que se constitui em um a inovação constitucional e resultou de uma vitoriosa aspiração dos profissionais de saúde bra sileiros. Esta novidade consta do art. 198: Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede re gionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: As diretrizes do SUS, previstas constitucionalm ente no parágrafo único deste artigo, estabelecem descentraliza ção, com direção única em cada esfera de governo; atendi mento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais e participação da comunidade. D ireito à Saúde e os Tribunais 79 As atribuições do SUS, que refogem ao âm bito des ta análise, constam do art. 200 da CF, bem como da Lei 8.080/90, que regulam entou seu funcionam ento. Afirm ado o direito à saúde nos termos acima delimi tados, a Constituição estabeleceu a quem com pete prestá- -lo, dentro de nosso sistem a federativo. O art. 23 reza: Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Fede ral e dos Municípios: II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; No m esm o sentido, o art. 24 estabelece que a compe tência legislativa entre os entes federados é concorrente: Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: XII - previdência social, proteção e defesa da saúde; Porém aos M unicípios incum be "prestar, com a coo peração técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendim ento à saúde da população" (art. 30, VII, CF). Ou seja, consoante os artigos acima transcritos, a com petência legislativa e a incum bência de cuidar da saúde pública é concorrente, porém o foco da prestação dos ser viços deve ser m unicipalizado, com a cooperação técnica e financeira dos dem ais entes federados. 3 .0 direito financeiro como locus privilegiado para o estudo sobre os direitos sociais Não existem direitos sem custos para sua efetivação. Não se trata aqui apenas dos direitos sociais, mas de todo e qualquer direito, fundam ental ou não. Poder-se-ia im aginar que alguns direitos de liberda de, tais com o o de ir e vir, o de liberdade de expressão ou 80 Estado e Constituição 12 FKRNANIX) FACURY SCAFF de liberdade religiosa seriamdireitos sem custo, mas um segundo olhar sobre os m esm os indicará ser falsa esta su posição, pois pelo m enos é necessária a m anutenção de um aparato institucional para sua defesa e manutenção. M es mo o pregador religioso que sobe em um caixote e discur sa no meio de uma praça pública requer um m ínim o de custos para o Poder Público, ao necessitar de recursos para protegê-lo e para a habitabilidade (limpeza e m anutenção m ínimas) daquele logradouro. Stephen Holm es e Cass Sustein, em oportuna obra,8 dem onstram que m esm o os direitos básicos, de I a dim en são, possuem custos que devem ser sustentados por toda a sociedade. A m anutenção do aparelho judiciário e do sis tema de segurança pública, dentre outros necessários para a im plem entação dos civil rights, têm custo m uito elevado e precisam ser financiados através de um sistem a tributá rio forte e ágil. Logo, não são apenas os direitos de 2a e 3a dim ensão que necessitam de verbas públicas para sua im plementação, mas também os de I a. Uma diferença dentre eles é que os de I a dim ensão usualm ente são fornecidos indistintamente, para toda a sociedade (não há razoabili- dade em distinguir quem precisa mais de segurança inter na ou externa, ou m esm o de mais ou menos Justiça), sendo que os de 2a dim ensão podem e devem ser direcionados aos grupos mais fragilizados de uma sociedade (saúde e normas de adaptabilidade aos portadores de necessidades especiais, por exem plo). Existe quem pense que tais custos deveriam ser su portados pelas pessoas que efetivam ente utilizam os ser viços públicos disponibilizados, o que afastaria seu custeio dos ombros de toda a sociedade. Assim, os hospitais públi cos e todo o sistema de saúde seriam custeados apenas por quem usasse tais serviços, o que reduziria sobrem aneira o peso tributário sobre toda a sociedade, colocando-o apenas 8 The Cost o f Rights - Why Liberty Depends on Taxes. New York, Norton, 2000. D ireito à Saúde e os Tribunais 81 sobre aquelas pessoas que usassem os serviços. A resposta indignada de Barqueiro Estevan9 a este tipo de argum ento afasta qualquer tentativa de m anter esta linha de pensa mento, que deve ser rejeitada por várias razões, mas que, sinteticam ente, podem ser reunidas sob a égide do Princí pio da Solidariedade.10 Logo, o custo dos direitos funda mentais deve ser financiado por toda a sociedade, através de um sistema tributário que suporte estas despesas. O que acima foi relatado assum e especial relevo quando se trata dos direitos sociais, pois estes implicam fortes dispêndios e ações por parte do Estado, e, por isso, seu estudo deve necessariam ente ser casado com o do Di reito Financeiro, cujo prim ordial objeto é a análise sobre com o o Estado arrecada, gasta e se endivida. Logo, estes três âm bitos de análise (receitas públicas, gastos públicos e crédito público), e especialm ente a fórmula utilizada para sua aplicação coordenada (o orçam ento), têm direta relação com a tem ática dos direitos sociais. Vários dos institutos mais debatidos sobre direitos sociais têm forte implicação financeira, tais com o o de reserva do possível, escolhas trági cas, progressividade na implementação dos direitos, proibição de retrocesso, efeito carona (free rider), dentre vários outros. Pelo prism a dos direitos sociais, poder-se-ia mesmo dizer que o estudo do Direito Financeiro se alicerça nos seguintes tópicos principais, dentre outros: a) A Receita Pública analisa quem paga as contas. b) As Renúncias Fiscais tratam de quem deixa de pa gar a conta. c) O Gasto Público trata de quem recebe as prestações sociais, ou, em uma perspectiva mais ampla, os dispêndios do Estado. 9 Juan Manuel Barquero Estevan. La Función del tributo eu ei Estado Social y Demo crático de Derecho, Madrid. CEPC, 2002 10 Sobre este tema ler: Solidariedade Social e Tributação, de Marco Aurélio Greco e Marciano Seabra de Godói (orgs.). São Paulo, Dialética, 2005. 82 Estado e Constituição 1- FERNANDO FACURY SCAFF d) O Crédito Público im plica saber qual geração pagará a conta. e) E, por fim, o Orçam ento Público estuda com o o Es tado organiza os itens acima. Com isso, é necessário melhor com preender a estru tura do sistem a orçam entário brasileiro e seus institutos, dentre eles o da flexibilização orçamentária e o do contingen- ciamenio de verbas, que dizem respeito de perto aos temas em debate. Justam ente por estes cam inhos transita a questão ob jetiva deste trabalho, qual seja: se, quando e como o Poder Judiciário pode dispor do direito à saúde, ou se isto é de exclusiva com petência dos dem ais Poderes, Legislativo e Executivo. 3.1. A receita pública e a garantia financeira do direito à saúde na CF/88 A Constituição brasileira não se limitou a declarar os direitos sociais acima relatados. Previu também os recur sos para custeio desses direitos, reconhecendo o caráter prestacional dos m esm os. Assim , além de declarar os di reitos, estabelece sua fonte de custeio, o que se caracteriza como uma específica garan tia fin an ceira para sua efetiva prestação à sociedade. Desta forma, existem recursos mínim os assegurados pela Constituição aos entes federativos de modo a perm itir que a Seguridade Social seja mantida - Assistência Social, Previdência Social e Saúde Pública. As norm as constitucionais que garantem os recursos f i nanceiros mínimos para a implementação dos direitos vinculados à Seguridade Social são: Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenien- D 'reito à Saúde e os Tribunais 83 tes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou credi tados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;1' b) a receita ou o faturamento;12 c) o lucro;13 II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201 ;14 III - sobre a receita de concursos de prognósticos;15 IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.16 Outras fontes de custeio para a Seguridade Social po dem ser criadas por lei com plem entar, na forma do § 4o do art. 195,17 sendo vedada a criação, m ajoração e ampliação dos benefícios sem a correspondente fonte de custeio.18 O direito à saúde tam bém se beneficia de fontes pró prias de financiam ento, com o pode ser visto abaixo. 11 Aqui estão previstas as contribuições previdenciárias, parcela do emprega dor. 12 Neste item encontram-se, pelo menos, o PIS e a Cofins. 13 Base constitucional para a cobrança de CSLL. 14 Aqui estão previstas as contribuições previdenciárias, parcela do empregado. 15 Existe uma contribuição que incide sobre o valor bruto arrecadado das loterias (concursos de prognósticos) que é revertida para a seguridade social. 16 Base constitucional para a cobrança de PIS e Cofins na importação de bens, independente da hipótese de incidência sobre a receita ou o faturamento das em presas, cuja previsão encontra-se no art. 1 9 5 ,1, "b " . 17 § 4o A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 1 5 4 ,1. Por sua vez, o art. 154, I, dispõe: "A União poderá instituir: I - m ediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo própriosdos discriminados nesta Constituição;" 18 § 5“ Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, ma jorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total. 84 Estado e Constituição 12 FERNANDO FACURY SCAFF Art. 198: §19 0 sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Esta dos, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. Ou seja, este parágrafo define as fontes orçam entá rias para o custeio dos gastos com o SUS, bem como abre a possibilidade de outras fontes de recursos virem a ser estabelecidas, ficando desde logo m encionado que parcela do que vier a ser arrecadado na forma do art. 195, que trata do custeio da Seguridade Social, deverá ser destinado aos gastos com Saúde. A Constituição tam bém prevê recursos m ínim os a se rem direcionados a este tipo de gastos por cada ente fede rativo: § 29 A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: I - no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 39; II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arreca dação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3“ § 39 Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá: I - os percentuais de que trata o § 2S; II - os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a pro gressiva redução das disparidades regionais; III - as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal; IV - as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União. Passados mais de 10 anos da prom ulgação da Emenda Constitucional 29, que criou a vinculação acim a transcrita, D ireito à Saúde e os Tribunais 85 a Lei Com plem entar prevista no art. 198, § 2" para sua re gulam entação não foi editada, caracterizando injustificada demora legislativa, com graves prejuízos para a popula ção, pois deixa os entes federativos sem a fixação do que deve ser entendido com o "gasto em saúde" e sem limites m ínim os permanentes de fonte de custeio para garantir fi nanceiram ente este im portante direito social. É verdade que, no aspecto das fontes de custeio, a base de cálculo dos valores a serem vinculados por Esta dos e M unicípios está descrita na norma (art. 198, § 2o, II e III), mas, sem ter sido estipulada a alíquota (art. 198, § 3o, I) com o ter uma correta delim itação dos valores a serem vinculados? Adem ais, para a União sequer a base de cálcu lo foi determ inada, quanto mais a alíquota. Logo, a norma constitucional perde grande parte de sua eficácia em face da injustificada dem ora na edição da Lei Com plem entar de prazo certo, prevista no art. 198, § 3o. Todavia, a norma constitucional inscrita no art. 77 do ADCT criou uma espécie de regulam entação transitória das fontes de custeio no interregno da om issão legislativa na regulam entação do art. 198, § 3o. Prescreve a norma transitória que, não tendo sido edi tada a Lei Com plem entar acima referida, "a partir do exer cício financeiro de 2005, aplicar-se-á à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos M unicípios o disposto" no art. 77 do ADCT, que, como m encionado, encontra-se plenam en te vigente em face da om issão legislativa. Qual garantia financeira mínima, transitória, foi estabe lecida pelo art. 77, A D C T19 para ser aplicado "nas ações e 19 Art. 77. Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos aplicados nas ações e serviços públicos de saúde serão equivalentes: 1 - no caso da União: o) no ano 2000, o m ontante em penhado em ações e serviços públicos de saúde no exer cício financeiro de 1999 acrescido de, no mínimo, cinco por cento; b) do ano 2001 ao ano 2004, o valor apurado no ano anterior, corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto - PIB; II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, doze por cento do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos 86 Estado e Constituição /2 FERNANDO FACURY SCAFF serviços públicos de saúde", garantindo um patam ar m íni mo de recursos para seu custeio?: a) Para a União: a. Para o ano 2000: o mesmo que tiver sido apurado em 1999, acresci do de, pelo menos, 5%; b. Para os anos posteriores: o mesmo valor do ano anterior, acrescido da variação nominal do PIB - Produto Interno Bruto. i. No mínimo 15% deste valor deverá ser aplicado em ações e serviços de saúde nos Municípios, segundo critério populacional (art. 77, §25, ADCT). b) Para os Estados e o Distrito Federal: a. 12% do que for arrecadado de: i. ICMS - Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e alguns serviços (art. 155, CF): ii. Imposto de Renda na Retido na Fonte - IRRF pago por eles, suas autarquias e fundações que instituírem e mantiverem (art. 1 5 7 ,1, CF); iii. Do percentual que lhe for repassado em virtude da competência resi dual da União (art. 157, II, CF) iv. Do que receber do FPE - Fundo de Participação dos Estados (art, 1 5 9 ,1, “a”, CF); e v. Da parcela que lhe for transferida pela União a título de IPI-Exporta- ção (art. 159, II, CF). c) Para os Municípios e o Distrito Federal: recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; e III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, quinze por cento do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3o. § I o Os Estados, o Distrito Federal e os M unicípios que apliquem percentuais inferiores aos fixados nos incisos II e III deverão elevá-los gradualmente, até o exercício financeiro de 2004, reduzida a diferença à razão de, pelo menos, um quinto por ano, sendo que, a partir de 2000, a aplicação será de pelo menos sete por cento. § 2" Dos recursos da União apurados nos termos deste artigo, quinze por cento, no mínimo, serão aplicados nos M unicípios, segundo o critério populacional, em ações e serviços básicos de saúde, na forma da lei. §3° Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos M unicípios destinados às ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União para a mesma finalidade serão aplicados por meio de Fundo de Saúde que será acompanhado e fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do disposto no art. 74 da Cons tituição Federal. § 4o Na ausência da lei complem entar a que se refere o art. 198, § 3o, a partir do exercício financeiro de 2005, aplicar-se-á à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos M unicípios o disposto neste artigo. D ireito à Saúde e os T ribunais 87 a. 15% do que for arrecadado de: i. IPTU - Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (art. 156,1, CF); ii. ITBI - Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (art. 156, II, CF); iii. ISS - Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (art. 156, III, CF); iv. Imposto de Renda na Retido na Fonte - IRRF pago por eles, suas autarquias e fundações que instituírem e mantiverem (art. 1 5 8 ,1, CF); v. Da parcela que arrecadar diretamente, ou lhe for transferida pela União, relativamente ao ITR - Imposto TerritorialRural (art. 158, II, CF); vi. Da parcela que lhe for transferida pelos Estado a título de IPVA - Im posto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (art. 158, III, CF); vii. Da parcela que lhe for transferida pelos Estados a título de ICMS - Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e alguns serviços (art. 158, IV, CF); viii. Do que lhe for transferido a título de FPM - Fundo de Participação dos Municípios (art. 1 5 9 ,1, “b”, CF); ix. Da parcela que lhe for transferida pelos Estados a título de IPI-Expor- tação (art. 159, § 3° CF). Consoante o art. 77, § 3o, ADCT, todos estes recursos (federais, estaduais, distritais e m unicipais) serão reunidos em um Fundo (financeiro) de Saúde, a ser fiscalizado pelo Conselho de Saúde, sem afastar os sistem as de controle in terno de cada Poder, previstos no art. 74 da C F em razão de expressa determ inação constitucional e, obviam ente, sem afastar a com petência do controle externo, a cargo do Poder Legislativo com o auxílio do Tribunal de Contas, na forma do que estabelece o art. 71 da Carta. Este Fundo de Saúde, que vincula todos os recursos acima descritos, é previsto como exceção ao Princípio da Não Afetação, constante do art. 167, IV, CF.20 20 Art. 167. São vedados: IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para m anutenção e desenvolvimento do ensino e para reali zação de atividades da administração tributária, com o determinado, respectiva mente, pelos arts. 198, § 2“, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8o, bem como o disposto no § 4o deste artigo. 88 Estado e Constituição 12 FERNANDO FACURY SCAFF A penalidade prevista na Constituição para a hipótese de não ser aplicado o mínim o nas ações e serviços públicos de saúde é a intervenção federal, na forma do art. 34, VII, "e " , CF.21 Claro que esta norm a é igualm ente aplicável durante a vigência transitória determ inada pelo art. 77, ADCT. Ou seja, é m esm o desnecessária uma ação judicial para obrigar o Congresso Nacional a legislar em face de sua ine gável om issão legislativa no que tange à fonte de recursos para o custeio do direito à saúde. A norm a transitória já estabeleceu com bastante detalhe esta fonte de custeio. Rem anesce ainda o problem a de identificar o que seja gasto com "as ações e serviços públicos de saúde". Aqui a indeterm inação ainda grassa, em bora seja bastante possí vel identificar uma zona clara e outra escura para a deli mitação deste conceito, rem anescendo uma zona cinzenta, de indeterm inação, que dificulta a perfeita aplicação deste conceito no âm bito dos gastos. Portanto, em apertada síntese, pode-se afirmar que o SUS, que se consubstancia em um sistem a que im plementa a política de saúde pública no Brasil, é financiado por: a) Parcela orçam entária dos recursos destinados à Se guridade Social, inscritos no art. 195, CF, na forma do que estabelece o art. 198, §1°, CF;22 b) Parcela da União, m ínim a, constituída pela per centagem do PIB utilizada no ano 2000, acrescido de sua variação anual, sendo que 15% deste valor deverá ser ne cessariamente aplicado em ações e serviços de saúde nos Municípios; 21 Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, com preendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde 22 § 1“ O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. D ireito à Saúde e os Tribunais 89 c) 12% de praticam ente toda a receita própria e de transferências obrigatórias recebidas pelos Estados e Dis trito Federal; d) 15% de praticam ente toda a receita própria e de transferências obrigatórias recebidas pelo Distrito Federal e pelos M unicípios. O problem a do custeio do direito à saúde no Brasil é ampla e m inuciosam ente regulado na própria Constitui ção, inclusive com previsão de regras transitórias em caso de om issão legislativa em sua regulamentação. Observe-se - e isto é de suma im portância que esta fonte de custeio acima longam ente descrita, que se cons titui em verdadeira garantia financeira para a consecução do direito à saúde, decorre de desem bolsos com pulsórios de to das as pessoas que são contribuintes do sistema tributário nacional, sejam brasileiros ou estrangeiros, pessoas físicas ou jurídicas, com ou sem personalidade jurídica própria e tipificada em nosso ordenam ento legal. Desde que con tribua para o sistem a tributário brasileiro estará ipso facto contribuindo para o custeio do SUS e, consequentemente, para o financiam ento do direito à saúde no Brasil. Isto in dependente de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras form as de discriminação. Q uem paga a conta dos gastos realizados é a própria sociedade, seja através dos tributos pagos diretam ente na condição de contribuinte, seja indiretam ente na aquisição de bens ou serviços, sobre os quais incide a tributação. O Estado é financiado por tributos, pagos de form a desigual entre as pessoas - e aqui se encontra uma primeira possi bilidade de im plem entação de Justiça, pois se deve cobrar m ais de quem pode pagar m ais, o que nem sem pre ocorre. Se a sociedade dem anda a presença m aior do Esta do, deve arcar com m aior cobrança de tributos - e se esta cobrança for efetuada de m odo mais equânim e, muito me lhor. Quem ganha mais deve pagar progressivam ente mais 90 Estado e Constituição 12 FERNANDO FACURY SCAFF tributo. Esta regra não tem sido im plem entada no Brasil, a despeito de vários tributos de incidência direta serem pro gressivos, isto porque é praticam ente im possível estabe lecer progressividade em um sistem a fortem ente calcado em tributos indiretos sobre o faturam ento das em presas e a circulação de bens e serviços. 3.2. R enúncias fiscais: quem deixa de pagar a conta? Aqui a situação é diversa. Deve-se analisar quem dei xa de contribuir para o custeio dos gastos públicos, con soante perm issivo constitucional ou legal. Claro que existem aqueles que não contribuem com um im posto, mas o fazem com outro, ou ainda pagam de forma reduzida em face dos dem ais contribuintes. Desta forma, existe um gama praticam ente im possível de ser re lacionada de hipóteses daquilo que a doutrina cham a de gasto tributário, ou ainda renúncias fiscais, que podem in cluir im unidades, isenções parciais ou totais, redução de base de cálculo ou procedim entos sem elhantes que visem à desoneração da incidência tributária com parativam ente aos dem ais contribuintes.23 Portanto, estas desonerações fazem com que seus beneficiários não contribuam direta e integralm ente para o custeio da saúde, tal com o os dem ais contribuintes, em face das regras desonerativas que são aplicáveis, seja intui- tu personae, seja em função de certa atividade. Apenas a título de exem plo descrevem os algumas hi póteses em que a previsão de desoneração deflui direta mente da Constituição:24 23 Dissertação transformada em livro de autoria de Élcio Fiori Henriques foi re centemente editada sobre o tema: Os Benefícios Fiscais no Direito Financeiro e Orça mentário (São Paulo: Quartier Latin, 2010). 24 Propositalmente deixo de lado o importante debate acadêmico sobre o que deve ser considerado imunidadetributária - se apenas aquelas norm as desonera- bvas que veiculam direitos de liberdade, sendo as demais m eras isenções, ou se D ireito à Saúde e o s Tribunais 91 a) Art. 184, § 59 São isentas de impostos federais, estaduais e munici pais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária. b) Art. 195, § 7^ São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigên cias estabelecidas em lei. c) Art. 195, II - Não incidirá contribuição sobre aposentadorias e pen sões concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; d) Art. 149, § 2S, I — As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; e) Art. 153, § 32, III, CF - não incidirá IPI sobre produtos industrializados destinados ao exterior. f) Art. 153, § 48, II, CF - O ITR não incidirá sobre pequenas glebas ru rais, definidas em lei, quando as explore o proprietário que não possua outro imóvel; g) Art. 155, X - não incidirá ICMS: a. sobre operações que destinem ao exterior produtos industrializados, excluídos os semi-elaborados definidos em lei complementar; b. sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores; c. sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica; d. sobre o ouro, quando utilizado para reserva de valor; e. nas prestações de serviço de comunicação nas modalidades de ra diodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita; h) Art. 156, § 29,1 — não incide ITBI sobre a transmissão de bens ou direi tos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capi tal, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, com exceções; i) Art. 150, VI - É vedado instituir impostos sobre: a. patrimônio, renda ou serviços, entre as pessoas jurídicas de direito público reciprocamente; b. templos de qualquer culto; todas as que desoneram incidências fiscais no âm bito da Constituição. Para fins deste trabalho uso apenas o conceito de desoneração ou de renúncia fiscal, pois atinge aos objetivos propostos. 92 Estado e Constituição 12 FERNANIX) FACURY SCAFF c. patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d. livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. j) Art. 43, § 2- Estabelece a possibilidade de concessão de incentivos fiscais visando a redução das desigualdades regionais; k) Art. 227, § 3° VI - A proteção especial à família, criança, adolescente e jovem abrangerá o estímulo do Poder Público, através de incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado. O rol acima parte da análise direta da Constituição, mas deixa de lado outras desonerações concedidas no âm bito legal, igualm ente im portantes, dentre elas a que abate da base de cálculo do Im posto de Renda das Pessoas Físi cas o m ontante integral que tiver sido pago em despesas m édicas e planos de saúde privados. É im portante que este efeito desonerativo, concedido diretam ente na Constituição ou am parado em lei ordiná ria, seja claro e explicitado nos dem onstrativos orçam entá rios de cada unidade federada, conform e estabelece o art. 165, §6°, da CF: § 6S O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza finan ceira, tributária e creditícia. Feitas as considerações acima, sobre quem deve pagar e quem deixa de pagar a conta dos gastos sociais, deve-se de m onstrar quem deve receber as prestações e ações de saúde. 3.3. Gastos públicos: quem recebe as prestações sociais? Ou processo orçamentário, reserva do possível e escolhas trágicas Aqui é que os problem as se agigantam , pois em tese no rol de beneficiários estão todos os que habitam nosso país, em face dos objetivos fundam entais de nossa Repú D treito à Saúde e o s Tribunais 93 blica constantes do art. 3o da Constituição, quais sejam "construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvim ento nacional; erradicar a pobreza e a mar- ginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e prom over o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discri m inação". Logo, alcança além dos cidadãos brasileiros todos os habitantes do país, incluindo os estrangeiros. Porém isso não quer dizer que se deva dar tratam en to igual a todos. A base deste preceito é de dar tratamento desigual a quem estiver em situação desigual, na medida de suas desigualdades, e visando sua redução. Esta é a posição de Robert Alexy25 que, para tratar de isonomia, parte do preceito de que "todas as pessoas são iguais perante a lei" constante da Constituição Alemã (art. 3o, § I o) e tam bém da brasileira (art. 5o, caput) e demonstra que não é suficiente tratar a todos de forma absolutam en te igual, pois, nestas hipóteses, se chegaria a verdadeiros absurdos, tais como estabelecer que todos devem prestar o serviço militar, inclusive os recém -nascidos, pois todos são iguais perante a lei.26 Não é desta forma que se deve interpretar a norma. É necessário que se verifique em quais situações é possível fazer distinções. Tam bém o am plo preceito de que "se deve tratar igual ao igual e desigual ao desigual" não dá parâm etros para o tratam ento da desigualdade, mas apenas da igualdade. Segundo Alexy, a seguir este preceito, toda a legislação na zista contra os judeus estaria contem plada,27 pois trataria "os desiguais" de form a desigual. A solução, segundo Alexy, está no entendim ento do Princípio da Isonomia assim form ulado para o tratam en 25 Robert Alexy, Teoria de ios Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudos Políticos y Constitucionales, 2001, p. 381 a 418. 26 Ob. cit., p. 384. 27 Ob. cit., p. 386. 94 Estado e Constituição 12 FERNANDO FACURY SCAFF to igualitário: "Se não há nenhum a razão suficiente para a perm issão de um tratam ento desigual, então está ordena do um tratam ento igual".28 Por esta m áxim a, todos devem ser tratados de form a igual, desde que não haja uma razão suficiente que perm ita a diferenciação. E para o tratam ento não igualitário o preceito deve ser lido da seguinte forma: "Se há uma razão suficiente para ordenar um tratam ento desigual, então está ordenado um tratam ento desigual".29 É im perioso que seja demonstrada a existência de "razão suficiente" para determ inar a quebra da isonomia. Uma vez tendo sido dem onstrada esta razão, é im positivo o tratam ento diferenciado ("está ordenado", diz o Autor). Por este m otivo que a síntese da interpretação do Princípio da Isonomia está em tratar desigualmente a quem estiver em situação desigual, na medida de suas desigualdades, e visando sua redução. Porém, ainda aqui não resolvem os de forma integral a questão proposta no início deste texto, acerca do direito à saúde, pois é necessário saber quem estabelece as priorida des no gasto público. Ou seja, o Estado deve gastar em fa vor de quem ? Quem estabelece quais serão os destinatários e as prioridades dos gastos públicos com saúde no Brasil? Os econom istaspossuem uma expressão bastante in teressante, denom inada "Limite do Orçamento", que Amar- tya Sen, com sua perspicácia habitual, comenta como sendo "onipresente", pois: 0 fato de que cada consumidor deva fazer suas escolhas não significa que não existam limites orçamentários, mas simplesmente que a es colha deve ser feita internamente ao limite orçamentário ao qual cada indivíduo deve adequar-se. 28 Ob. cit., p. 395. 29 Ob. cit., p. 397. D ireito à Saúde e o s Tribunais 95 Aquilo que vale para a economia elementar vale também para a decisão política e social de alta complexidade.30 Esta expressão foi trasladada para o Direito, a partir de uma decisão do Tribunal Constitucional alem ão,31 com o nom e de " Reserva do Possível". O significado é o mesmo: todo orçamento possui um limite que deve ser utilizado de acor do com exigências de harmonização econômica geral. Desta for ma, ao decidir pela inconstitucionalidade da lim itação de vagas im posta pela Universidade da Baviera, o Tribunal Constitucional Alem ão entendeu que existe uma limitação fática, condicionada pela (...) reserva do possível, no sentido do que pode o indivíduo, racio nalmente falando, exigir da coletividade. Isso deve ser avaliado em primeira linha, pelo legislador, em sua própria responsabilidade. Ele deve atender, na administração de seu orçamento, também a outros 30 Identità e Violenza, Roma, Laterza, 2006, p. 07/08, tradução livre deste autor. 31 BVERFGE 33, 303, de 18/07/1972, extraído da obra "Cinqüenta anos de juris prudência do Tribunal Constitucional Federal Alem ão" (Montevidéu, Fundação Konrad Adenauer, 2005, p. 656/667). No caso relatado pelo Tribunal Constitucio nal Alemão, duas Universidades daquele país estabeleceram restrições ao acesso direto de alunos ao curso de "m edicina hum ana" (medicina e odontologia), nos anos de 1969 e 1970. A Universidade de Hamburgo determinou que as vagas disponíveis para os candidatos alem ães deveriam ser distribuídas na proporção de 60% segundo o curriculum do candidato, e 40% segundo o ano de nascimento, sendo possível haver a reserva de vagas para situações excepcionais, porém não limitou o núm ero de vagas total. Já a Universidade da Bavária - ponto central do tema - estabeleceu limitação de vagas para algumas áreas do conhecimento, se isso fosse estritamente necessário à manutenção do funcionam ento regular de um curso, tendo em vista a capacidade das instalações dos "campi" daquela Uni versidade. Foi contra estas norm as que se pronunciou o Tribunal Constitucional alemão, em controle concentrado, apresentado pelos Tribunais Administrativos daqueles dois Estados-membros da Alemanha. O Tribunal entendeu que a li m itação de vagas estabelecida pela Universidade da Bavária não era adequada em face de: "seu efeito extrem am ente incisivo, pois ele faz com que um número maior ou menor dos candidatos tenha que adiar o início do curso desejado por um tempo mais ou menos longo. (...) Candidatos socialm ente mais carentes não têm as mesmas possibilidades, com o os mais abastados, de passar por períodos mais longos de espera ou de tentar a realização de um curso no exterior." Tal limitação, contudo, "passa pelo fato de que a capacidade disponível não é sufi ciente para alocar todos devidam ente qualificados ao ensino superior". 96 Estado e Constituição 12 FKRNANDO FACURY SCAFF interesses da coletividade, considerando as exigências da harmoniza ção econômica geral. E im portante observar que esta expressão vem sen do bastante maltratada pela jurisprudência brasileira, que a hostiliza de maneira praticam ente unânime, tudo indica que em virtude de sua má com preensão. Ela vem sendo entendida com o se existisse um com plô no seio da Adm i nistração Pública para esconder recursos públicos visando a não cum prir as determ inações judiciais e não im plem en tar os direitos fundam entais sociais, sendo a "reserva do possível" uma tentativa de refúgio das ordens judiciais.32 Infelizm ente não é isso. "Reserva do Possível" é um conceito econôm ico que decorre da constatação da existên cia da escassez dos recursos, públicos ou privados, em face da vastidão das necessidades hum anas, sociais, coletivas ou individuais; e cada indivíduo, ao fazer suas escolhas e eleger suas prioridades, tem que levar em conta os limites financeiros de suas disponibilidades econôm icas. O mesmo vale para as escolhas públicas, que devem ser realizadas no seio do Estado pelos órgãos com petentes para fazê-lo. Neste sentido, é aplicável tanto à im possibilidade fá- tica, econôm ica, concreta, que cada um de nós tem para o atendim ento de nossas necessidades particulares, com o de toda a sociedade para atendim ento de suas necessidades por parte dos cofres públicos. Este conceito - "reserva do possível" - utilizado no âm bito do direito público, nos co loca dentro do universo financeiro, da extensão das neces sidades públicas em face da escassez de recursos. Observa-se que não se deve confundir a "reserva do possível de caráter econôm ico", mais próxim a do concei- 32 Ingo Sarlet alerta, com muita precisão e acerto, que "o que tem sido, de fato, falaciosa, é a forma pela qual muitas vezes a reserva do possível tem sido utiliza da entre nós com o argumento impeditivo da intervenção judicial e desculpa ge nérica para a om issão estatal no cam po da efetivação dos direitos fundamentais, especialmente de cunho social" (A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 356). D ireito à Saúde e o s T ribunais 97 to de "escassez", com a "im possibilidade técnica". Haverá im possibilidade técnica quando, por exem plo, um m edi cam ento ainda estiver sendo produzido em caráter experi mental - o que poderá ocasionar que indivíduos desejem adquiri-los, mas sua escala de produção ainda não chegou à etapa industrial, pois ainda se encontra em fase de testes. Haverá escassez quando a produção atinge o nível indus trial, mas ainda é insuficiente para atender a todos os con sum idores.33 É de se observar que o conceito de reserva do possível está casado com outro, m uito caro aos direitos sociais, que é o da progressividade na concretização desses direitos. Os direitos prestacionais, tal com o o direito à saúde, não são direitos que se disponibilizam integralm ente de uma única vez. São direitos fornecidos progressivam ente pelo Estado, de modo que, passo a passo, em um ritm o crescente, ele se torna cada vez mais concretizado - o que não ocorre com outros direitos, tal com o o de maioridade, a qual se obtém de um dia para outro - literalm ente. Os direitos sociais são direitos implementados à prestação, deform a progressiva. Esta característica aplicada ao direito à saúde no Bra sil implica em dizer que o direito "à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igua litário às ações e serviços para sua prom oção, proteção e recuperação", constante do art. 196 da CF, não é algo que seja obtido de plano, plenam ente finalizado em um dado m om ento histórico. Isto decorre do desenvolvim ento cien tífico e tecnológico da m edicina que sem pre traz novas respostas aos problem as de saúde existentes, bem como das lim itações próprias dos recursos públicos disponíveis. Não há e nem haverá jam ais recursos suficientes para im plem entar de forma com pleta e cabal o direito a saúde de 33 O s exem plos são de José Reinaldo Lima Lopes. Em torno da "rcseroa do Possível”, In: Ingo W ofgang Sarlet e Luciano Benetti Timm (orgs.). Direitos Fundamentais - Orçamento e "Reserva do Possível", 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 162. 98 Estado e Constituição 12 FKRNANDO FACURY SCAFF modo a satisfazer plenam ente todas as necessidades da so ciedade - infelizmente.Portanto, a reserva do possível está, de certo m odo, ca sada com a necessária característica de serem os direitos sociais direitos a prestações. Os recursos públicos são escas sos, m as, a despeito disso, devem sem pre ser utilizados de modo a am pliar as prestações sociais que im plem entem os direitos sociais previstos em nossa Constituição. Tngo Sarlet, em preciosa obra, destaca que "a depen dência, da realização de direitos sociais prestacionais, da conjuntura socioeconòm ica é tudo m enos pura retórica ou mera 'ideologia'. N egar que apenas se pode buscar algo onde este algo existe e desconsiderar que o Direito não tem o condão de - qual toque de M idas - gerar recursos m ate riais para sua realização fática, significa, de certa forma, fechar os olhos para os lim ites do real".34 Ao lado dos conceitos acima m encionados, e correlato a eles, existe o das escolhas trágicas, desenvolvido original mente por Calabresi e Bobbit,35 que im plica dem onstrar a relação entre as escolhas realizadas pela sociedade e suas consequências, sempre com os olhos voltados para os valo res de cada sociedade. Analisando a sociedade am ericana, mencionam os autores que (...) na verdade todas as situações trágicas são decisões que não são vistas como trágicas. Não parece trágico nos Estados Unidos deixar de prover tratamento de diálise para uma pessoa na qual este tratamento não está funcionando. Nem é trágico em tempo de guerra escolher jo vens enquanto são dispensados anciãos quando se acredita que os jo vens são muito melhor soldados. Ambas as decisões determinam quem terá maior chance de viver. Nenhuma das duas implica um conflito entre os valores americanos; seria diferente se um rim fosse doado a um des tinatário rico ao invés de um paciente pobre sob o fundamento de que 34 A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advo gado, 2010, p. 327. 35 Tragic Choices - The conflicts society confronts in thè allocation o f tmgically scorce resources. New York: Norton, 1978. d ire ito à Saúde e os Tribunais 99 o rim funcionaria melhor em um homem rico, porque ele pode se dar ao luxo de descansar, ter enfermeiras particulares, e assim por diante.36 Observa-se que na situação acima existe com o para digma a questão da eficiência. Ou seja, não se trataria de uma escolha trágica em situações iguais porque o critério de eficiência levaria naturalm ente às escolhas adotadas. Porque levar anciões para a frente de batalha, se os jovens podem guerrear m elhor? Nestas hipóteses haveria um cri tério distintivo ("razão suficiente", diria Alexy), para o tra tam ento desigual. Segundo os autores, na sociedade am ericana existem dois outros paradigm as a serem ainda considerados: a ho nestidade e a igualdade.37 Por isso que: Quando se tornou claro que os ricos estavam sendo tendo tratamento favorável, saudáveis ou não, isso demonstrou que as pessoas que ti nham tomado esta decisão tinham sido desonestos sobre seus motivos, e mesmo que essa discriminação tenha alcançado a máxima eficiência, o critério discriminatório e, portanto, o método de distribuição, tornou-se inaceitável.38 D aí a im portância de analisar a cultura de cada socie dade para com preender perfeitam ente o que se caracteriza, ou não, com o uma escolha trágica, e tornar claro a todos as escolhas trágicas que são decididas em nosso nom e.39 Por que se devem tratar com prioridade as enferm ida des decorrentes da AIDS do que da catapora ou malária? Qual o critério da escolha, que indique, de form a clara e in sofism ável, que não haveria opção mais adequada que não a efetuada naquelas condições? Nestes casos, independen te de perquirir qual a cultura que preside o entendim ento do que se caracteriza com o uma escolha trágica no Brasil - em especial no que tange ao uso dos recursos públicos, 36 Ob. cit., p. 22/23, em tradução livre do autor deste trabalho. 37 Ob. cit., p. 23, em tradução livre do autor deste trabalho. 38 Ob. cit., p. 25, em tradução livre do autor deste trabalho. 39 Ob. cit., p. 27. 100 Estado e Constituição 12 FERNANDO FACURY SCAFF pois foge ao âm bito deste trabalho busca-se esclarecer quem tem a primeira e principal escolha trágica sobre quais se rão os destinatários e as prioridades dos gastos públicos com saú de no Brasil. Esta responsabilidade é, no direito brasileiro, do Parlam ento, através de um interessante m ecanism o de planejam ento intitulado Sistema Orçamentário, com posto no Brasil por três leis: PPA - Plano Plurianual, LDO - Lei de Diretrizes Orçam entárias e LOA - Lei Orçam entária Anual, na forma do art. 165 da CF. Cabe, portanto, ao Poder Legislativo a definição sobre quem vai receber estas prestações sociais, e quais as prio ridades, através do processo orçamentário. Ao Parlamento incum be definir as "escolhas trágicas" e delimitar a "re serva do possível" para o atendim ento das necessidades públicas através do uso dos recursos públicos. N o Brasil, a lei orçam entária possui tram itação espe cial prevista pela Constituição, embora tenha a mesma va lidade das dem ais leis m ateriais ordinárias. Nesse sentido, quando fixa a despesa, estes gastos devem ser cum pridos, sob condição de outras norm as que concretizem sua reali zação, seja uma licitação, seja a contratação de servidores públicos através de concurso, seja pela via dos precatórios, e por aí assim. E claro que nem todas as despesas são cum pridas em um ano, podem ser relegadas a outros períodos - são os cham ados "restos a pagar". O plano plurianual - PPA (art. 1 6 5 ,1, CF) - deve ser estabelecido por Lei de iniciativa do Poder Executivo e dis porá, de forma regionalizada, sobre as diretrizes, objetivos e m etas da adm inistração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos program as de duração continuada (art. 165, § I o, CF). Esta norma deverá ser encam inhada ao Congresso Nacional até 04 m eses antes do encerram ento do prim eiro exercício financeiro do m andato presidencial, devendo encerrar-se ao final do prim eiro ano do m andato subsequente (art. 35, § 2o, I, ADCT). D ireito à Saúde e os Tribunais 101 Esta lei é de tam anha im portância que o próprio art. 165, § 4o, determ ina que os planos e program as nacionais, regionais e setoriais serão elaborados em consonância com o Plano Plurianual, assim com o as em endas ao projeto de lei do orçam ento anual ou aos projetos que o modifiquem som ente podem ser aprovadas caso sejam com patíveis com o plano plurianual. (art. 166, § 3o, I CF) Em consonância com o Plano Plurianual, deve ser enviado anualm ente ao Congresso N acional o projeto de outra norm a, denom inada de Lei de Diretrizes Orçam entá rias - LDO (art. 165, II CF) - , que com preenderá as metas e prioridades da adm inistração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequen te; orientará a elaboração da lei orçam entária anual; dispo rá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fom ento (art. 165, § 2° CF). Trata-se de uma lei anual e deve ser encam inhada até m eados de abril ao Congresso N acio nal, o qual terá até final de junho para sua discussão e vo tação. A função da LDO é estabelecer os prim ados e as dire trizes para o Projeto de Lei Orçam entária Anual, que se lhe deve seguir, e com ela deve estar alinhado. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/00) criou outras funções para a LDO, tais como o estabelecim ento do equilíbrio orçam entário, a possibilidade de serem re alizadas lim itações de em penho, o controle de custos e avaliação dos resultados dos program as financiados, e as condições e exigências para a transferênciade recursos a entes públicos e privados através de subvenções. Passou a exigir ainda que a LDO veiculasse um Anexo de Metas Fiscais e um Anexo de Riscos Fiscais. Todas estas funções criadas pela LRF para serem veiculadas pela LDO são fun ções anômalas, pois originariam ente não estavam previstas na Constituição - em bora essas exigências não se constitu am em inconstitucionalidades, pois nada im pede que uma 102 Estado e Constituição 12 FERNANDO FA CU RYSCA FF Lei Com plem entar - tal com o a LRF (LC 101/00) - venha a estabelecer este tipo de exigências. É estabelecida ainda a exigência da Lei Orçam entária Anual - LOA (art. 165, III, CF) - , cuja função principal é a gestão adm inistrativa e financeira do país. Fruto do Princípio da Unidade, esta norma com pre ende três diferentes tipos de Orçamento: a) o orçam ento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da adm inistração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e m antidas pelo Poder Público; b) o orçam ento de investim ento das em presas em que a União, direta ou indiretam ente, detenha a maioria do ca pital social com direito a voto; c) o orçam ento da seguridade social, abrangendo to das as entidades e órgãos a ela vinculados, da adm inistra ção direta ou indireta, bem com o os fundos e fundações instituídos e m antidos pelo Poder Público, (art. 165, § 5o, CF). Esse parágrafo (art. 165, § 5o), além de conter o Princí pio da Unidade acima referido, revela tam bém o Princípio da Universalidade, pois determ ina que todas as receitas e des pesas relativas ao Estado sejam englobadas em um único Orçam ento, sejam de que tipo for (capital, correntes etc.). A ideia é que a universalidade do que for arrecadado, do que for gasto e das operações de crédito estejam reunidos em um único docum ento - daí a conjugação de universalidade com unidade. Além disso, o projeto da LOA deverá acom panhar, de forma regionalizada, o efeito sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, rem issões, subsídios e be nefícios de natureza financeira, tributária e creditícia. (art. 165, § 6o). Assim , trata das renúncias fiscais. D ireito à Saúde e o s Tribunais 103 Este projeto deve ser encam inhado ao Congresso até 31 de agosto e devolvido para sanção até o encerram ento da sessão legislativa do m esm o ano. Desta m aneira, o Sistem a Orçam entário brasileiro funciona com o um funil para o planejam ento, na medida em que vincula as disposições de uma espécie normativa às das outras. Em prim eiro lugar, devem ser obedecidos os Funda m entos (art. I o) e os Objetivos Constitucionais (art. 3o) que servem de lastro na construção desse Sistema Orçam entá rio, e que são perenes, para qualquer esfera de governo ou de coloração política, pois deve ser respeitado o pluralism o político. Na sequência, deve ser organizado o PP A, que é uma lei com prazo de validade de 4 anos, e que estabelece os planos e projetos de governo para esse período. Após, deve ser editada a LDO, que tem por função precípua orientar a construção do projeto LOA, além de outras atribuições estabelecidas na Lei de Responsabilida de Fiscal. Por fim, no âm bito da proposição norm ativa, surge a LOA, que é igualm ente uma lei de prazo determ inado - e a parte final do funil referente ao planejam ento orçam en tário - , que deve reger a realização de todas as despesas governam entais pelo período de 1 ano. A execução orçam entária de toda essa construção incum be ao Poder Executivo, no âm bito de seus próprios órgãos internos, bem com o aos dem ais Poderes que rece bem de form a dozeavada os recursos que lhes cabem (art. 168, CF). Incumbe ao Poder Executivo publicar até 30 dias após o encerram ento de cada bim estre relatório resum ido da execução orçam entária (art. 165, § 3o, CF). A fiscalização financeira e orçam entária deve ocor rer através do sistem a de controle interno a cada Poder (art. 70, C F), e ao Poder Legislativo, no âm bito do controle 104 Estado e Constituição 12 FERNANDO FACURY SCAFF externo, a ser exercido com o auxílio do Tribunal de C on tas (art. 71, CF). Ou seja, é através do Orçam ento que são estabele cidas as prioridades nos gastos públicos e que é possível determ inar o quanto de recursos será alocado para a im plem entação dos direitos sociais. A partir da quantificação dos recursos financeiros para a im plem entação dos direi tos é que se poderá constatar o nível de prioridade que a efetivação daquele direito possui em uma dada sociedade, em certo período.40 De nada adianta falarm os de direitos, em especial dos direitos sociais, se não olharm os quanto de recursos financeiros o Estado estabeleceu para sua rea lização. A singela proclam ação de direitos custosos serve de m uito pouco, caso não sejam atribuídos os recursos neces sários para sua im plementação. No Brasil, com o visto acima, é o Poder Legislativo quem dita tais prioridades através do sistema orçam entá rio, pois é nele que são realizadas as escolhas trágicas de elei ção de prioridades de gastos públicos, a serem im plem entadas em curto e médio prazo (os objetivos de longo prazo estão previstos na Constituição). A isto se chama " discricionarie- dade do legislador" - a possibilidade de escolha pelo legis lador dos objetivos de curto e médio prazo que devam ser im plem entados visando alcançar as m etas estabelecidas na Constituição. A função do Poder Executivo é a de realizar estes gastos e im plem entar os objetivos de curto e médio prazo, da forma e no limite estabelecido pela lei. Claro que exis te uma margem de " discricionariedade adm inistrativa" , mas esta é circunscrita pelas norm as constitucionais e legais que regem as situações concretas sob responsabilidade da Adm inistração. 40 Por certo para análise dessa afirmativa dever-se-á aplicar a regra da proporciona lidade, pois alguns direitos custam mais do que outros e, em um estudo compara- tivo-temporal, a progresswidade na consecução dos direitos sociais. D ireito à Saúde c os T ribunais 105 No Brasil, o constituinte não concedeu ao legislador tão ampla discricionariedade sobre quanto deve destinar do m ontante arrecadado para os gastos sociais. Isto porque a própria Constituição traz uma série de obrigatórias vincu- lações da receita às despesas sociais. Trata-se de um " or çamento mínimo social" ou de "garantias constitucionais de financiam ento dos direitos sociais" a ser utilizado para a im plem entação desses. Os recursos públicos vinculados para o custeio com os gastos com a saúde foram longam ente ex postos acima. Isso não im plica dizer que não remanesça m argem para a discricionariedade do legislador, pois este ainda terá espaço para decidir e realizar as escolhas trági cas sobre onde alocar os recursos públicos para a saúde, se em cam panhas de erradicação da malária ou em hospitais para tratam ento de oncologia; ou m esm o em am bos, mas reconhecendo que nesta hipótese a repartição dos recursos im plicará em dar maior im portância a uma opção em face de outra. Assim , é no âm bito do processo orçam entário - local de atuação privilegiada do Poder Legislativo - que se rea lizam as prim eiras escolhas trágicas, m esm o com os recursos vinculados estabelecidos pelo "orçam ento m ínim o social". Deve-se ainda observar que estas escolhas orçam entá rias são passíveis de flexibilização ,41 cujos m ecanism os são, dentre outros, os créditos adicionais (suplem entares, espe ciais e extraordinários),42 a limitação de empenho (também conhecida por contingenciam ento),43 a reserva de contingên cia44 e a margem de rem anejam ento.45 41 Para este conceito sugere-se a leitura de José Maurício Conti, na obra A Autono miaFinanceira do Poder Judiciário (SP, MP, 2006), em especial às p. 96/104. 42 Regulados pela Lei 4.320/64, arts. 40 a 46. 43 Regulada pela Lei Complem entar 101/00, conhecida como Lei de Responsabi lidade Fiscal, art. 9o. 44 Decreto-Lei 200, art. 91. 45 Lei 4.320/64, art. T , 1. 106 Estado e Constituição 12 FERNANDO FACURY SCAFF Através destes m ecanism os, alguns alocando maior poder ao Executivo, com o a limitação de em penho e os créditos adicionais extraordinários, outros ao Legislativo, perm item que ao longo do exercício financeiro, durante a execução orçam entária, a alocação inicial de recursos na LOA seja ajustada às m udanças de prioridades políticas que venham a ocorrer, sem pre com respaldo do Legislativo.46 Portanto, as escollrns trágicas adotadas inicialm ente na LOA podem vir a ser alteradas ao longo da execução orçam entária, con soante novas escolhas e na medida da reserva do possível. 4. Direito à saúde e o Poder Judiciário Por certo o papel do Poder judiciário não é o de substi tuir o Poder Legislativo, transform ando o que é "discriciona- riedade legislativa" em " discricionariedade judicial" ,47 m as o de dirim ir conflitos nos termos da Constituição e das leis do país. Existe a nítida convicção no meio jurídico brasileiro que a concretização da Justiça só pode ocorrer através do Poder Judiciário, com o se este tivesse o monopólio da realiza ção da Justiça, sendo im possível alcançá-la através de ações dos dem ais Poderes ou dos entes privados. Esta ideia faz com que muitos dos operadores jurídicos - advogados públicos e privados, m em bros do M inistério Público e da Polícia, e especialm ente os m em bros do Poder Judiciário - assum am uma função de verdadeiros paladinos da justi ça, deixando muitas vezes a legislação de lado e interpre tando diretam ente a Constituição a seu talante. E com o se tivéssemos retornado à época da Escola do Direito Livre, 46 CF, art. 167, V a VIII, dentre outros. 47 Interessante obra sobre o tema da discricionariedade judicial é a de Aharon Barak, La Discrecionalità del Giudice. Milão: Giuffrè, 1995. D ireito à Saúde e os T ribu nais 107 onde cada ju iz aplicava a norma segundo sua convicção pessoal.48 O Poder Judiciário não cria dinheiro, ele redistribui o dinheiro que possuía outras destinações estabelecidas pelo Legislativo e cum pridas pelo Executivo. A tônica das decisões judiciais no Brasil é a im plem entação dos direitos sociais, m as na verdade atribuem direitos individuais, fazen do com que verbas públicas sejam aplicadas com o verda deiros planos de saúde privados. Antônio M aués, com acuidade, trouxe a lum e um texto49 no qual um dos tópicos resum e com bastante pro priedade o debate aqui existente: O resgate do indivíduo e o sequestro da sociedade. Segundo este autor, "o m odo como se desenvolveu a judicialização do direito à saúde no Bra sil perm ite a determ inados indivíduos - m uitas vezes das classes abastadas - ter acesso a prestações que não são ofe recidas para toda a população, prejudicando a equidade e a eficiência do sistema público. Na raiz dessas dificuldades, encontra-se uma com preensão im perfeita dos princípios que regem as políticas de saúde no Brasil, o que faz com que as dem andas nessa área sejam tratadas com o proble ma de justiça com utativa e não de justiça distributiva".50 No m esm o sentido, com igual acuidade, José Reinaldo Lima Lopes proclam a "que a disputa existente atualmente 48 Para análise dessas teorias, focada no tema em debate, sugiro a leitura de Di reito, Escassez & Escolha, de Gustavo Amaral (RJ, Renovar, 2001, em especial p. 151 /185). Diversas obras tratam de sistem as de Justiça, e abordá-lo me faria fugir do tema a que me propus dentre de seus limites. Todavia, para quem desejar ler um pouco mais, sugiro consultar pelo m enos as informativas obras de Álvaro de Vita, A justiça Igualitária e seus Críticos (SP, Unesp, 2000), Sebastiano Maffettone e Salvatore Veca (orgs), A idéia de justiça de Platão a Raiols (SP, M artins Fontes, 2005) e Óscar Vergara (ed.), Teorias dei sistema jurídico (Granada, Cornares, 2009). 49 Problemas da Judicialização do Direito à Saúde no Brasil, In: A Eficácia dos Direitos Sociais - I Jornada Internacional de Direito Constitucional Brasil/Espanha/Itá lia, organizado Fernando Facury Scaff, Miguel Revenga e Roberto Romboli (SP, Quartier Latin, 2010, p. 257/273. 50 Ob. cit., p. 265-266. 108 Estado e Constituição 12 FERNANDO FACURV SCAFF no Brasil traduz-se no seguinte: quem deve ficar mais rico e quem deve ficar mais pobre? Se nossa perspectiva for in dividualista e conservadora a resposta será: os de sempre. O seu de cada um é o que hoje temos: aos pobres a sua po breza e cada mais de sua pobreza; aos ricos sua riqueza e cada vez mais de sua riqueza. Estaremos aplicando, numa terrível falácia, a justiça com utativa: o que eu tenho, não devo perder, o que sempre tive deve continuar a ser meu, e as regras que me perm item ter cada vez mais devem ser mantidas, qualquer novo im posto é um confisco, qualquer limitação ao meu atual estado de liberdade é uma tirania. M as existem nestes argum entos, tão com uns e tão convin centes para os mais despreparados, a extraordinária falácia que consiste no seguinte: a justiça comutativa, que tem por objeto a m anutenção da igualdade nas trocas e do equilí brio entre os iguais, é um princípio de ação a ser aplicado dentro da moldura m aior da justiça distributiva, pela qual se distribui, proporcionalmente, segundo os m éritos, a capa cidade, a necessidade, de m aneira igual os benefícios e os m alefícios da vida com um ".51 E nítido que a Constituição determ ina um direito à saúde (art. 196) através de "políticas sociais e econôm icas". Porém, a interpretação que vem sendo dada a este preceito é a de que este é um direito individual, que pode ser gozado diretam ente por cada indivíduo, e não através da im ple m entação de uma política pública. Aprisiona-se o interesse so cial e concede-se realce ao direito individual. Em instigante artigo publicado na im prensa, Octávio Luiz M otta Ferraz52 faz um paralelo entre o igualitário direi to de acesso à Justiça e a universalidade do SUS. M enciona que, a despeito de todos terem o direito de acesso à Justi 51 José Reinaldo de Lima Lopes intitulado “Direito Subjetivo e Direitos Sociais: O Dilema do Judiciário no Estado Social de Direito", na obra Direitos Humanos, Direitos Sociais e justiça, José Eduardo Faria (org.). 1. ed. 2. tir. São Paulo: Malhei- ros, 1998, p. 140/141. 52 De quem é o SUS?, em Folha de São Paulo, 20-12-2007. D ireito à Saúde e os Tribunais 109 ça, na prática, ele não é igualitário, pois pessoas de maior renda e educação o acessam com m aior facilidade. Sendo o SUS um sistema universal de acesso à saúde, conform e prescrito na Constituição, "é preciso agora fazer valer essa opção, incentivando (e não o contrário) os mais ricos a uti lizar o SUS pela porta da frente, e não pela via judicial. Esse é o cam inho mais curto para um serviço público de saúde de qualidade". Constata, então, que "há uma inevitável transferência de recursos de serviços que deveriam atender a todos em condições de igualdade para garantir ‘ integralidade a ape nas alguns. Parafraseando Orwell: todos têm igual direito a tratam ento integral, mas alguns (os que têm acesso à Jus tiça) são mais iguais que outros". Torna-se im prescindível, portanto, fazer cessar esta verdadeira "captura" de recursos públicos,53 destinados à im plem entação de políticas públicas, por aqueles que, utilizando-se do Poder Judiciário, tomam para si nacos do orçam ento público social, em proveito próprio, e não da sociedade. E com o se, ao invés de haver um financiam ento público dos direitos sociais
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