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ÍNDICE Página 1. INTRODUÇÃO................................................................................................................ 2. NOÇÕES SOBRE ANATOMIA E FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO 3. NOÇÕES SOBRE ECDISE E METAMORFOSE DOS INSETOS................................. 4. INSETICIDAS: ESTRUTURA QUÍMICA E MECANISMO DE AÇÃO...................... 4.1. Inseticidas neurotóxicos............................................................................................. 4.2. Inseticidas reguladores do crescimento de insetos...................................................... 4.3. Inseticidas que afetam o metabolismo de energia....................................................... 5. AVALIAÇÃO TOXICOLÓGICA DOS INSETICIDAS................................................. 5.1. Toxicidade aguda a mamíferos................................................................................... 5.2. Toxicidade crônica a mamíferos................................................................................. 5.3. Estudos bioquímicos................................................................................................... 5.4. Nível sem efeito toxicológico..................................................................................... 5.5. Ingestão diária aceitável para o ser humano............................................................... 5.6. Estabelecimento de limites máximos de resíduos (tolerâncias).................................. 5.7. Estabelecimento de intervalos de segurança (períodos de carência).......................... 6. SELETIVIDADE DE PRODUTOS FITOSSANITÁRIOS AOS INIMIGOS NATURAIS..................................................................................................................... 6.1. Conceitos e métodos empregados em estudos de seletividade................................... 6.2. Seletividade versus manejo integrado de pragas....................................................... 6.3. Concepção do grupo de trabalho de “pesticidas e organismos benéficos” da IOBC - métodos padronizados para estudos de seletividade................................................... 6.4. Considerações finais................................................................................................... 7. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.................................................................................. 3 1 INTRODUÇÃO A atividade agrícola favorece as espécies de insetos que se alimentam das plantas cultivadas, como resultado da maior disponibilidade de alimento a essas espécies. Em muitos casos, os níveis populacionais de insetos de determinada espécie tornam-se tão elevados que eles causam prejuízos apreciáveis à produção, sendo a espécie, nesse caso, considerada uma praga da cultura em questão. No Brasil, por ser um país de clima tropical e com extensas áreas cultivadas, os danos causados pelos insetos às culturas são particularmente expressivos, exigindo na maioria dos casos, medidas para o seu controle. Embora existam vários métodos ou estratégias para o controle de insetos pragas, a aplicação de compostos químicos organo-sintéticos, chamados inseticidas, têm sido o método mais utilizado pelos agricultores, seja pelo rápido resultado que eles proporcionam, pela facilidade de aplicação, ou mesmo, pela falta de conhecimento, desenvolvimento ou disponibilização de outros métodos. Apesar dos benefícios que os inseticidas trazem à produção agrícola, a maioria dos compostos afeta não apenas os insetos pragas, mas também, outros insetos úteis (polinizadores e inimigos naturais de insetos pragas), aves, peixes e mamíferos, incluindo o ser humano. São inúmeros os relatos de desequilíbrios biológicos, danos a espécies silvestres e intoxicações humanas causadas pelo uso de inseticidas. Em vista disso, desde o aparecimento dos primeiros inseticidas organo-sintéticos, em meados do século passado, teve início o desenvolvimento de um novo ramo da ciência, ou seja, a toxicologia dos inseticidas. Tal ramo aborda os mais diversos aspectos relacionados aos inseticidas, tais como: mecanismo de ação tóxica, toxicidade a mamíferos e outros organismos não-alvo, metabolismo em animais e plantas, resíduos em alimentos, transporte e degradação em solos, resistência de insetos, seletividade a organismos benéficos, impacto ambiental etc.. O conhecimento de todos esses aspectos relacionados aos inseticidas é de fundamental importância aos órgãos oficiais que deliberam sobre o seu registro para comercialização. Tal conhecimento tem sido também importante na orientação de pesquisadores, de instituições públicas ou privadas, em seus esforços no sentido de descobrir ou selecionar compostos eficientes como inseticidas, porém, pouco tóxicos ou inócuos a organismos não-alvo. Avanços nesse sentido tem sido conseguidos, porém, em função da alta demanda por inseticidas, muitos dos compostos atualmente utilizados são tóxicos também a organismos não-alvo. Sendo assim, o conhecimento sobre a toxicologia dos inseticidas é importante também aos técnicos que recomendam seu uso e aos agricultores usuários dos mesmos, no sentido de se conseguir uma maximização de seus benefícios e minimização de seus efeitos adversos. 4 Na presente monografia são abordados vários aspectos relacionados à toxicologia dos inseticidas, com ênfase ao mecanismo de ação dos diferentes grupos de compostos, avaliação toxicológica dos mesmos e sua seletividade aos inimigos naturais de insetos pragas. 2. NOÇÕES SOBRE ANATOMIA E FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO A maioria dos inseticidas atua no sistema nervoso dos insetos, mais precisamente, na transmissão de impulsos nervosos. Embora existam diferenças nos sistemas nervosos de insetos e mamíferos, os mecanismos envolvidos na transmissão de impulsos nervosos nesses organismos são similares e por isso, os compostos neurotóxicos tendem a afetar também os mamíferos, incluindo os seres humanos. A maior toxicidade desses compostos a insetos, em relação a mamíferos, é mais freqüentemente associada a diferenças nas taxas de degradação, embora em alguns casos a toxicidade diferenciada resulte de variações na anatomia ou fisiologia do sistema nervoso de insetos e mamíferos. O sistema nervoso é aquele que governa todas as atividades corporais e comportamentais, tanto nos mamíferos como nos insetos. Os tecidos nervosos são compostos de células especiais (neurônios), adaptadas à percepção de estímulos do ambiente ou do próprio organismo, bem como à transmissão e coordenação desses estímulos, na forma de impulsos nervosos. Nos mamíferos, o sistema nervoso é dividido em sistema nervoso central (SNC) e sistema nervoso periférico (SNP). A primeira divisão é formada pelo cérebro, onde são armazenadas as memórias, concebidos os pensamentos, gerados as emoções e executadas as funções do complexo controle do corpo, e pela medula espinhal, que atua como condutor de estímulos nervosos que saem ou se dirigem para o cérebro, bem como local de integração de várias atividades do sistema nervoso. O sistema nervoso periférico é composto de nervos (feixes de neurônios), que se originam do SNC e se distribuem por todo o corpo, levando informações a músculos e glândulas ou trazendo informações dos órgãos sensoriais. Nos insetos, o sistema nervoso é dividido em três partes. A primeira delas, o sistema nervoso central, corresponde a uma série de gânglios (aglomerados de células nervosas) distribuídos pelo corpo. O maior deles é o cérebro, localizado na cabeça e no qual encontram-se os centros de coordenação de importantes atividades dos insetos, tais comovisão, olfato etc. Um par de nervos liga o cérebro a um gânglio localizado abaixo do esôfago (gânglio sub-esofageano), o qual coordena as atividades das peças bucais. A este gânglio liga-se uma série de outros gânglios distribuídos ventralmente no tórax e abdome, os quais coordenam as atividades dos segmentos corporais em que 5 estão inseridos. A segunda divisão do sistema nervoso, chamada de sistema nervoso visceral, é composta de gânglios e nervos, associados ao funcionamento dos órgãos internos dos insetos. Uma terceira divisão, o sistema nervoso periférico, é composta apenas de nervos, que levam informações do SNC aos apêndices ou trazem a este os estímulos gerados nos órgãos sensoriais. Transmissão de impulsos nervosos Para o desempenho das funções de percepção e condução de estímulos (impulsos) nervosos, os neurônios apresentam prolongamentos celulares de dois tipos: os dendritos, que são mais curtos e numerosos, associados à recepção de estímulos, e o axônio, bastante longo, cuja função é transmitir o estímulo até o neurônio seguinte, ou para músculos e glândulas. Um desenho esquemático de um neurônio é mostrado na Figura 1. Figura 1. Desenho esquemático de um neurônio. Os impulsos nervosos caracterizam-se como uma alteração no potencial elétrico da membrana do neurônio, a qual se propaga ao longo do neurônio. Quando o neurônio está em repouso, existe uma diferença de potencial elétrico (ddp) entre o interior e o exterior da célula . Um micro-eletrodo introduzido no interior de um neurônio registra uma ddp da ordem de - 90mV, indicando que o interior é mais eletronegativo. A carga residual negativa no interior é devida em parte à presença de proteínas carregadas negativamente, às quais a membrana não é permeável. Além disso, ocorrem gradientes nas concentrações de Na + e K + dentro e fora da célula. No dendritos dendritos pericário axônio 6 exterior, a concentração de Na + é muito maior; o inverso ocorre com K + . Tais gradientes se devem ao transporte ativo desses íons através da membrana ("bombas" de Na + e K + ). Na membrana existem poros por onde os íons Na + e K + podem atravessá-la (canais ou “portões” de Na+ e K+). A abertura de tais poros depende da ddp através da membrana. Na condição de repouso (- 90mV), os canais encontram-se fechados. Por ocasião da formação de um impulso nervoso, ocorre a abertura dos canais de Na + num ponto da membrana. A interação de substâncias químicas com a membrana celular pode, por exemplo, promover a abertura desses canais. Como o interior é mais eletronegativo, ocorre uma súbita entrada de íons Na + nesse ponto da célula. A entrada de Na + altera a ddp previamente existente nesse ponto, que passa a + 30 mV. A ddp nos pontos adjacentes, a esquerda e à direita, é menos afetada, mas o suficiente para que os canais de Na + se abram nesses pontos, já que esses são dependentes da voltagem. Dessa forma, ocorre uma entrada seqüencial de íons Na + ao longo de ambos os lados do neurônio. Nessa condição de ddp invertida (+ 30 mV) os canais de Na + se fecham e os canais de K + , que também são dependentes da voltagem, se abrem. Como o exterior encontra-se temporariamente mais negativo, ocorre um rápido efluxo de K + , imediatamente (frações de milisegundos) após a entrada de Na + , restaurando a ddp inicial de - 90mV. Assim, a entrada seqüencial de íons Na + ao longo do neurônio é seguida de uma saída seqüencial de íons K + . A alteração na ddp, que se propaga ao longo do neurônio, caracteriza o impulso nervoso. Tal alteração pode ser medida através de um microeletrodo e registrada, na forma de uma espícula, conforme mostra a Figura 2. 7 Figura 2. Representação gráfica de um impulso nervoso (Guyton,1993). Quando o impulso chega à extremidade do neurônio, ele provoca a liberação de um composto químico na sinápse (junção entre neurônios ou entre neurônio e músculo ou glândula). Esse composto, conhecido como neurotransmissor, interage com um receptor na membrana de célula vizinha. Tal interação promove uma alteração na permeabilidade da membrana a íons. Existem vários tipos de neurotransmissores em insetos e mamíferos. Alguns são excitatórios, como por exemplo a acetilcolina. Esta promove a abertura dos canais de Na + na membrana pós-sináptica, promovendo a passagem do impulso de uma célula a outra (Figura 3). Outros são inibitórios, atuando como “calmantes” da atividade nervosa, por exemplo, o ácido gama-aminobutírico (GABA). Este promove um influxo de íons Cl - , resultando em hiperpolarização do neurônio e conseqüente inibição na transmissão de impulsos. 8 Figura 3. Desenho esquemático de uma sinápse colinérgica (Wilkinson,1979). Tão logo tenha cumprido seu papel, o neurotransmissor precisa ser degradado, caso contrário a célula pós-sináptica mostrará estímulos repetitivos (hiperexcitação) ou inibição prolongada de resposta, dependendo do tipo de neurotransmissor. Para tal, existem nas sinápses enzimas que degradam o transmissor. No caso da acetilcolina, uma enzima associada à membrana pós-sináptica, chamada acetilcolinesterase, rapidamente a degrada em colina e ácido acético. Estes são posteriormente absorvidos pela célula pré-sináptica e reutilizados na síntese de novas moléculas de acetilcolina, através da ação de uma outra enzima, a colina acetil-transferase (Figura 4). 9 Figura 4. Representação esquemática da ação da acetilcolina nas junções neuro-musculares, sendo Ach = acetilcolina, AchE = acetilcolinesterase (Larini,1987). 3. NOÇÕES SOBRE ECDISE E METAMORFOSE DOS INSETOS Alguns inseticidas atuam em processos bioquímicos operantes nos insetos e não operantes em mamíferos. Tais inseticidas são conhecidos como reguladores do crescimento de insetos, pois atuam nos processos de ecdise e metamorfose, os quais estão relacionados ao crescimento e desenvolvimento dos insetos. A toxicidade desses compostos a mamíferos é geralmente muito baixa, o que os coloca como vantajosos em relação à maioria dos compostos neurotóxicos. Ressalta-se contudo que esses compostos tendem a afetar não apenas os insetos pragas mas também aqueles entomófagos, que são importantes no controle biológico de insetos pragas. 3.1 Ecdise Ecdise é o processo de troca de cutícula, pelo qual passam os insetos durante a sua fase jovem (larva ou ninfa). Cutícula refere-se à camada de material não-celular que recobre o corpo dos insetos. Trata-se de uma camada semi-rígida que proporciona proteção e sustentação do corpo dos insetos, porém, para possibilitar aumento no tamanho corpóreo, as larvas ou ninfas precisam, periodicamente, trocar a cutícula velha por uma nova e maior. 10 A cutícula é formada por uma camada mais espessa, a procutícula, composta de quitina e proteínas, cuja associação forma o material que proporciona rigidez à cutícula. Quitina é um polissacarídeo nitrogenado, cuja estrutura química e rota bio-sintética são apresentadas na Figura 5. Na procutícula, a quitina apresenta-se na forma de fibrilas (bastonetes) embebidas num material protéico. A rigidez da procutícula está mais associada às proteínas, mas, sem quitina, a procutícula fica mal formada e se rompe com facilidade. A camada mais externa da cutícula é a epicutícula, a qual é muito fina e formada por material não quitinoso. O material necessário à formação de toda a cutícula é produzido pela epiderme, uma camada de células localizada logo abaixo da cutícula. 11 Figura 5. Rota bio-sintética da quitina (Eto,1990). O processo deecdise é controlado por hormônios. No cérebro dos insetos jovens existem células neuro-secretoras que produzem um hormônio chamado hormônio cerebral. Este hormônio é armazenado num par de estruturas associadas ao cérebro, chamadas de corpora cardíaca. Quando os órgãos internos encontram-se compactados, estímulos nervosos oriundos do próprio organismo estimulam a liberação desse hormônio na hemolinfa (sangue). O hormônio cerebral ativa uma glândula localizada no tórax (glândula protorácica) a produzir, e liberar na hemolinfa, um outro hormônio, chamado hormônio da ecdise ou ecdisônio. O ecdisônio entra em contato com as células epidérmicas, estimulando-as a secretar um fluido rico em enzimas digestivas (quitinase, proteases etc.), as quais digerem a cutícula velha. À medida que esta é digerida, uma nova cutícula (inicialmente mole e flexível) vai sendo formada logo abaixo. A primeira estrutura do novo tegumento a ser formada é uma fina sub-camada da epicutícula, composta de uma lipoproteína (cuticulina), que protege a nova cutícula contra a ação do fluido da ecdise. O material digerido da procutícula velha é absorvido por prolongamentos citoplasmáticos das células epidérmicas e reaproveitado na síntese da nova procutícula. Na cutícula já formada, esses prolongamentos apresentam-se na forma de numerosos canalículos (canais de poro) que atravessam a procutícula (Figura 6). Após a digestão da cutícula velha, o material remanescente, composto de epicutícula e da parte mais externa da procutícula, é descartado (exúvia). Figura 6. Transformações da cutícula durante a ecdise (Wigglesworth, 1972). 12 Fase inicial (esquerda) e fase final (direita): a - cutícula velha; b - cutícula nova; c - espaço de separação e, d - glândula dermal. A cutícula nova é inicialmente esbranquiçada e mole. Nessa fase o inseto aumenta substancialmente o seu tamanho, como resultado da descompactação dos órgãos internos, aspiração de ar ou ingestão de água. Dentro de 1 a 2 horas ocorre o endurecimento e escurecimento da cutícula nova. 3.2 Metamorfose Metamorfose é o processo de mudança da forma pelo qual passam os insetos durante o seu desenvolvimento. Tal mudança é mais evidente quando os insetos passam para a fase adulta, sendo mais característica em insetos como mariposas, moscas, besouros, etc. e menos evidente em gafanhotos, percevejos, baratas, etc. Nesses últimos, as mudanças restringem-se ao desenvolvimento das asas e órgãos reprodutores. O processo de metamorfose também tem controle hormonal. Durante sua fase jovem, um par de glândulas associadas ao cérebro do inseto (corpora allata) produz um hormônio, chamado hormônio juvenil ou neotenin. Este hormônio é continuamente lançado na hemolinfa, sendo que sua produção diminui à medida que o inseto cresce. Quando sua concentração na hemolinfa atinge um nível mínimo crítico, inicia-se o processo de metamorfose e a conseqüente passagem para a fase adulta. Depreende-se que o neotenin inibe mecanismos bioquímicos associados à metamorfose. Tal inibição durante a fase jovem faz-se necessária para que o inseto não sofra uma metamorfose precoce e assim possa crescer até os padrões desejados para a espécie. E, no caso de insetos que passam pela fase de pupa, acumular reservas que serão utilizadas nessa fase para a formação de tecidos típicos da fase adulta. 4. INSETICIDAS: ESTRUTURA QUÍMICA E MECANISMO DE AÇÃO O uso de inseticidas pelo ser humano, visando o controle de insetos pragas das plantas cultivadas, remonta a épocas anteriores à era cristã. No entanto, até a 2 a Guerra Mundial, os inseticidas eram restritos a compostos naturais extraídos de plantas (nicotina, piretrinas, etc.) e a alguns compostos inorgânicos arseniacais, cianetos e sulfuretos. A partir de 1940, com o desenvolvimento da química, foram introduzidos os inseticidas organo-sintéticos, que estabeleceram uma profunda mudança na exploração agrícola. 13 Neste capítulo serão abordados os principais grupos de inseticidas, enfocando-se algumas de suas características, com ênfase à sua estrutura química e mecanismo de ação. São apresentados não apenas os inseticidas atualmente mais utilizados, mas também alguns compostos muito utilizados no passado e outros que ainda encontram-se em fase de desenvolvimento. Para cada grupo de inseticidas são apresentadas estruturas químicas e nomes comerciais de alguns representantes do grupo, não implicando no entanto, em endosso ou discriminação de qualquer composto, incluído ou omitido. Junto à estrutura química do inseticida é fornecido o seu valor de DL50 oral a ratos brancos (dose letal a 50% dos indivíduos tratados com o inseticida via alimento), expresso em termos de mg de ingrediente ativo/kg de peso corpóreo. Tal informação é dada para efeitos comparativos da toxicidade aguda dos diferentes compostos a mamíferos. Por razões didáticas, os inseticidas são agrupados em três classes, ou sejam: inseticidas neurotóxicos, inseticidas reguladores do crescimento de insetos e inseticidas que afetam o metabolismo de energia. 4.1. Inseticidas neurotóxicos Os inseticidas neurotóxicos constituem-se na classe mais antiga, mais abundante e mais utilizada de inseticidas organo-sintéticos. A seguir são destacados os diferentes grupos pertencentes a esta classe. 4.1.1. Organoclorados Os organoclorados foram os primeiros inseticidas organo-sintéticos a serem utilizados. São compostos hidrocarbonetos contendo átomos de cloro substituintes. Três subgrupos de inseticidas organoclorados foram desenvolvidos: difenil alifáticos (DDT e análogos), hexacloro ciclohexano (HCH) e ciclodienos (aldrin, heptacloro, endossulfan etc.), Figura 7. O interesse atual sobre esses compostos é mais acadêmico, pois, com exceção ao endossulfan (Thiodan ® ), eles não são mais utilizados na agricultura. O DDT foi o primeiro inseticida organo-sintético usado em larga escala. Suas propriedades inseticidas foram descobertas em 1939, pelo entomologista suíço Dr. Paul Muller. Mais de 2 milhões de toneladas de DDT foram usadas no mundo todo, tanto na agricultura como no controle de mosquitos transmissores de doenças, como malária e febre amarela. Em 1948, Paul Muller recebeu o Prêmio Nobel de Medicina, pelo salvamento da vida de um número estimado em milhões 14 de pessoas, que teriam sido vitimadas não fosse o uso do DDT para o controle dos insetos vetores dessas doenças. Figura 7. Estruturas químicas de alguns inseticidas organoclorados. Contudo, o DDT e seus análogos (DDD, dicofol etc.) revelaram-se muito estáveis no ambiente e problemas relacionados a resíduos desses compostos em produtos agrícolas, em animais domésticos e silvestres, e no próprio ser humano, não tardaram a aparecer. Por isso, a partir de meados da década de 70 nos EUA e posteriormente em outros países, o uso desses compostos foi proibido. O HCH, também conhecido como BHC, foi descoberto em 1940. O composto foi comercializado na forma de uma mistura de isômeros (BHC técnico) ou na forma do isômero - HCH (lindane), que revelou-se aquele com propriedades inseticidas. Ambos foram muito utilizados no mundo todo, com destaque para o seu uso em lavouras cafeeiras no Brasil. A exemplo do DDT, o HCH revelou-se muito estável no ambiente e por isso o seu uso foi também cancelado na maioria dos países, incluindo o Brasil. Cl CH Cl CCl3 DDT Cl Cl Cl Cl Cl Cl gama_BHC O Cl2 Cl Cl Cl Cl Dieldrin Lindane (125 mg/Kg) DDT (87-500 mg/Kg) Endossulfan (30-110 mg/Kg) Dieldrin (45-50 mg/Kg) Dieldrin(45-50 mg/kg) DDT (87-500 mg/kg) Lindane (125 mg/kg) Endossulfan (30-110 mg/kg) 15 Os ciclodienos apareceram nas décadas de 40 e 50. Nesse grupo encontram-se compostos como aldrin, heptacloro, dieldrin, etc., que foram muito utilizados na agricultura, especialmente para o controle de insetos de solo. Embora apresentem excelentes propriedades inseticidas, os ciclodienos são bastante tóxicos a organismos não alvo, incluindo os seres humanos, e altamente persistentes no ambiente. Em vista disso, o seu uso agrícola passou a ser também proibido, ou então muito restrito, na maioria dos países. No Brasil, o endossulfan (Thiodan ® ) é ainda registrado para uso em cafezais, para o controle da broca-do-café, sob a argumentação que é menos persistente que outros ciclodienos, que os resíduos que permanecem nos frutos por ocasião da colheita apresentam-se em quantidades toleráveis e que nenhum outro inseticida tem relação custo/benefício melhor que aquela do endossulfan, para o controle da referida praga. Os inseticidas organoclorados são compostos neurotóxicos, mas o mecanismo de ação do DDT é diferente daquele do HCH e ciclodienos. O DDT afeta o balanço de íons Na + e K + no interior das células nervosas, impedindo a transmissão normal de impulsos nervosos, tanto em insetos como em mamíferos. O DDT interage com os “canais” de Na+ na membrana axônica, de forma a retardar o seu fechamento, por ocasião da passagem do impulso nervoso. Como conseqüência, a quantidade extra de Na + que entra na célula é suficiente para desencadear um novo impulso e assim, o DDT provoca impulsos espontâneos repetitivos, causando tremores, convulsões e, no caso de doses letais, a morte dos indivíduos. Tal mecanismo de ação é semelhante aquele dos piretróides tipo I e será melhor abordado no item referente a esses inseticidas. Os ciclodienos e o HCH atuam no transporte de íons Cl - através da membrana das células nervosas. Nessas, existem “canais” de Cl- mediados pelo ácido -aminobutírico (GABA). Esse ácido atua como um calmante natural da atividade nervosa. Uma vez liberado no ambiente extracelular, o GABA interage com um receptor associado ao canal de Cl - mediado pelo GABA, de forma a abrir o canal. A permeabilidade da membrana a íons Cl - aumenta e, como sua concentração no ambiente externo é maior, ocorre um influxo desses íons no neurônio. A diferença de potencial de repouso (-90 mV) passa a ser excessivamente negativa e a célula, temporariamente, passa a não responder a estímulos nervosos. Os ciclodienos e o HCH se acoplam aos canais de Cl - , impedindo o fluxo de Cl - e assim, eles impedem o efeito calmante do GABA. Como conseqüência, insetos ou mamíferos intoxicados com doses letais apresentam sintomas de hiperexcitação nervosa, seguida de tremores, convulsões, prostração e morte. 4.1.2. Organofosforados 16 Os inseticidas organofosforados (OPs) são compostos derivados do ácido fosfórico ou de seus análogos, como ácido fosfônico, tiofosfórico, ditiofosfórico etc. Os primeiros OPs foram sintetizados na década de 40, na Alemanha, a partir da observação da atividade inseticida de compostos relacionados, conhecidos como gases de nervo. Nas décadas seguintes, um número grande de OPs foi introduzido no mercado, alguns dos quais são até hoje muito utilizados no Brasil, como o malation (Malatol ® ), paration metílico (Folidol ® ), metamidofós (Tamaron ® ), dissulfoton (Solvirex ® ), clorpirifós (Lorsban ® ) etc. As estruturas químicas de alguns inseticidas organofosforados são apresentadas na Figura 8. Figura 8. Estruturas químicas de alguns inseticidas organoforados. Os inseticidas OPs variam consideravelmente com relação a sua toxicidade aguda a mamíferos, sendo encontrados nessa classe compostos extremamente tóxicos. Por outro lado, os OPs são mais instáveis que os organoclorados e portanto pouco persistentes no ambiente e no corpo animal, razão pela qual eles substituiram esses últimos e ainda são muito utilizados na agricultura. Alguns OPs são sistêmicos, ou seja, eles são absorvidos pelas raízes e transportados para as folhas, através dos sistemas vasculares das plantas. Os inseticidas OPs são potentes inibidores da enzima acetilcolinesterase, que atua como mediadora da transmissão intercelular (sináptica) de impulsos nervosos, nas sinápses que usam acetilcolina como transmissor químico de impulsos. Os OPs reagem com o grupo hidroxila do aminoácido serina, presente no centro ativo da aceticolinesterase. Uma forte Paration etílico (3-30 mg/kg) Diazinon (66-600mg/kg) Malation (885-2800mg/kg) 17 ligação covalente entre o inseticida e a enzima é formada, tornando esta incapacitada de exercer o seu papel normal no organismo do inseto ou mamífero, ou seja, degradar a acetilcolina após a transmissão do impulso (Figura 9). O acúmulo de acetilcolina na sinápse resulta na formação de impulsos repetitivos na célula pós-sináptica, causando hiperexcitação nervosa e conseqüente sintomas de intoxicação, como inquietação, tremores, convulsões e paralisia. A fosforilação da acetilcolinesterase por um OP é persistente; a reativação de 50% da enzima pode levar horas ou mesmo dias. Figura 9. Representação esquemática da ação dos organofosforados (Larini,1987). 18 Em seres humanos, os primeiros sintomas de intoxicação por OPs correspondem à ação desses compostos nas junções nervosas do sistema nervoso periférico autônomo parassimpático. Sintomas como salivação excessiva, suor, contração da pupila etc. são observados. Com o decorrer do tempo, e dependendo da dose de contaminação, aparecem sintomas correspondentes a interferência dos compostos no sistema nervoso periférico somático motor (tremores, contração involuntária de músculos voluntários etc.) e no sistema nervoso central (ansiedade, dor de cabeça, convulsões, etc.). Em casos letais, frequentemente acidentais, a “causa mortis” esteve associada à falta de oxigenação do cérebro, decorrente de bronquioconstrição, excessiva secreção bronquiolar e bloqueio de músculos respiratórios. 4.1.3. Carbamatos Os inseticidas carbamatos são compostos derivados do ácido carbâmico. Os primeiros carbamatos foram sintetizados no final da década de 50, a partir da observação da ação tóxica de um carbamato de ocorrência natural, encontrado em uma espécie de planta endógena do continente africano. O primeiro carbamato bem sucedido foi o carbaril (Sevin ® ) que é ainda muito utilizado mundialmente. Posteriormente, foram introduzidos outros carbamatos, como o metomil (Lanate ® ), carbofuran (Furadan ® ), aldicarbe (Temik ® ), tiodicarbe (Semevin ® ) etc., os quais são ainda muito utilizados no Brasil (Figura 10). Figura 10. Estruturas químicas de alguns inseticidas carbamatos. Alguns carbamatos são altamente tóxicos a mamíferos. Como exemplo extremo, tem-se o aldicarbe (Temik ® ), cuja DL50 para ratos brancos é de apenas 0,9 mg do ingrediente ativo por kg de peso corpóreo. Se extrapolarmos esse valor para seres humanos adultos (60 kg), uma dose Carbaril (307-986 mg/kg) Aldicarbe (0,9 mg/kg) 19 equivalente a apenas 54 mg, ingerida individualmente, resultaria na morte de 50% dos indivíduos. Apesar de sua alta toxicidade aos mamíferos, os carbamatos são ainda utilizados porque são pouco persistentes no ambiente e porque têm largo espectro de ação contra insetos pragas. Aqueles muito tóxicos a mamíferos são comercializados apenas em formulação granulada para aplicação no solo. Esse tipo de aplicaçãoé mais seguro para os aplicadores, mas, a contaminação da água do subsolo, e conseqüentemente de recursos hídricos, com resíduos de aldicarbe, já foi constatada em vários países, incluindo o Brasil. A exemplo dos organofosforados, os inseticidas carbamatos são inibidores da enzima acetilcolinesterase. Assim, os sintomas de intoxicação desses compostos em insetos e mamíferos são semelhantes a aqueles dos OPs. No entanto, diferentemente dos OPs, a enzima inibida por um carbamato é reativada num espaço de tempo relativamente curto (minutos). Como conseqüência, aplicadores expostos a esses compostos mostram sinais clínicos de intoxicação quando contaminados com doses muito mais aquém da DL50, em comparação com OPs, o que torna os carbamatos relativamente mais seguros. 4.1.4. Piretróides Os inseticidas piretróides são compostos sintéticos análogos às piretrinas naturais, as quais são encontradas em flores de várias espécies de crisântemo. Pós secos obtidos dessas flores foram bastante comercializados no século XIX e início do século XX, para uso como inseticidas agrícolas. Em meados do século XX, extratos purificados dessas flores passaram a ser comercializados, mas, o alto custo de sua produção e a instabilidade das piretrinas naturais sob luz solar limitaram o seu sucesso. Por outro lado, as piretrinas naturais revelaram-se altamente tóxicas a insetos e pouco tóxicas ao homem, o que despertou o interesse por compostos sintéticos mais estáveis, análogos às piretrinas naturais, os piretróides. O primeiro piretróide foi sintetizado em 1949, mas, o sucesso agrícola dos piretróides começou na década de 70, com o advento de compostos com excepcional atividade inseticida e fotoestabilidade adequada. Como exemplos tem-se o fenvalerate (Belmark ® ), a permetrina (Ambush ® ), a deltametrina (Decis ® ) etc. A Figura 11 apresenta as estruturas químicas de alguns piretróides. Os inseticidas piretróides são tipicamente ésteres do ácido crisantêmico. Eles são classificados em tipo I ou tipo II, dependendo de sua estrutura química e sintomas de intoxicação. Tais sintomas se desenvolvem rapidamente e, no caso de piretróides tipo I, incluem hiperexcitabilidade e convulsões em insetos, e tremores generalizados em mamíferos. Piretróides 20 do tipo II causam, predominantemente, ataxia e falta de coordenação em insetos, enquanto que em mamíferos eles causam movimentos tortuosos e salivação. Figura 11. Estrutura química de alguns piretróides. Os sintomas de intoxicação dos piretróides resultam de seus efeitos na transmissão de impulsos nervosos. A exemplo do DDT, os piretróides interagem com os canais de Na + na membrana axônica, retardando o seu fechamento após a formação do impulso nervoso. A diferença entre os dois tipos de piretróides é meramente quantitativa. Aqueles do tipo I retardam o fechamento dos canais de Na + em frações de segundo e, a exemplo do que ocorre com o DDT, esse tempo é suficiente para que a entrada adicional de Na + desencadeie um novo impulso, com conseqüente formação de múltiplos impulsos espontâneos, tanto em nervos periféricos como em neurônios do sistema nervoso central (Figura 12). Os piretróides do tipo II retardam o fechamento dos canais de Na + em minutos; como resultado, o influxo de Na + é tão grande que a membrana fica despolarizada, com conseqüente perda na capacidade de transmitir impulsos nervosos. Os piretróides causam também um aumento na liberação de neurotransmissores pelas terminações nervosas, mas, isso é conseqüência de seus efeitos nos canais de Na + , já que a liberação desses neurotransmissores depende da diferença de potencial através da membrana. Permetrina (4000 mg/kg) Cipermetrina: R1=R2=Cl (250 mg/kg) Lambdacialotrina: R1=Cl, R2=CF3 (79 mg/kg) 21 Figura 12. Representação esquemática da formação de múltiplos impulsos em nervos tratados com piretróides tipo I (Wilkinson, 1976). A alta toxicidade dos piretróides a insetos permite a sua utilização em quantidades muito menores (em termos de ingrediente ativo por hectare), do que aquelas de organofosforados e carbamatos. Isso torna os piretróides relativamente mais seguros, apesar de alguns deles serem bastante tóxicos a mamíferos, como exemplo a teflutrina, cuja DL50 a ratos brancos é de apenas 30 mg/kg de peso corpóreo. Ressalta-se ainda que muitos piretróides são bastante tóxicos a aves e peixes, e que esses compostos apresentam um largo espectro de ação inseticida, afetando tanto insetos pragas como insetos benéficos, tais como abelhas e inimigos naturais das espécies pragas. 4.1.5. Nicotinóides Os nicotinóides representam uma classe bastante recente de inseticidas. Assim como os piretróides foram desenvolvidos com base na estrutura química das piretrinas naturais, os nicotinóides são compostos sintéticos, análogos à nicotina. Este alcalóide natural, presente em folhas de fumo, tem sido utilizado como inseticida desde meados do século XVIII. Apesar de sua excelente atividade de contato contra insetos, o espectro de ação da nicotina contra espécies de insetos pragas, em doses convencionais, é restrito. Além disso, a toxicidade da nicotina a mamíferos é significativa. Já os nicotinóides, ao menos aqueles até agora desenvolvidos, são altamente tóxicos a insetos e relativamente pouco tóxicos a mamíferos. O primeiro nicotinóide, o imidacloprid (Confidor ® ), Figura 13, foi introduzido na Europa e Japão em 1990. Mais recentemente, outro nicotinóide, o thiamethoxam (Actara ® ), foi introduzido no Brasil. 22 Figura 13. Estruturas químicas da acetilcolina, da nicotina e do imidacloprid. Tanto a nicotina como os nicotinóides mimetizam a ação da acetilcolina, que é o principal neurotransmissor no sistema nervoso central dos insetos; em mamíferos, a acetilcolina atua no sistema nervoso central e nas funções neuro-musculares do sistema nervoso periférico. Na transmissão intercelular (sináptica) de impulsos nervosos, a acetilcolina liberada pela célula pré- sináptica se liga a um receptor na membrana do neurônio pós-sináptico, provocando a abertura dos canais de Na + e conseqüente formação de um impulso nervoso no mesmo; no caso da célula pós- sináptica ser um músculo ou glândula, estes terão uma resposta apropriada decorrente do influxo de Na + . A ação da acetilcolina é terminada pela enzima acetilcolinesterase, a qual rapidamente degrada a acetilcolina em colina e ácido acético. Tanto a nicotina como os nicotinóides conseguem se ligar ao receptor da acetilcolina e promover a abertura dos canais de Na + . Como esses compostos não são degradados pela acetilcolinesterase, a sua presença nas sinápses resulta em hiperexcitação, convulsões, paralisia e morte do inseto. A baixa toxicidade dos atuais nicotinóides a mamíferos é atribuída a diferenças nos receptores da acetilcolina em insetos e mamíferos. 4.1.6. Avermectinas As avermectinas constituem-se num grupo de inseticidas relacionados a lactonas macrocíclicas isoladas de produtos de fermentação do actinomiceto Streptomyces avermitilis. Uma série de lactonas macrocíclicas homólogas são produzidas durante a fermentação, porém, apenas Acetilcolina Nicotina (55 mg/kg) Imidacloprid (424-475 mg/kg) 23 aquelas denominadas avermectinas B1a e B1b revelaram-se inseticidas (Figura 14). O inseticida abamectina (Vertimec ® ), introduzido na década de 80, consiste de uma mistura dessas duas avermectinas. Modificações na estrutura química dessas avermectinas resultaram em produtos semi-sintéticos, como a emamectina e a ivermectina, este último (Ivomec® ) sendo muito utilizado atualmente, como helminticida, no tratamento de animais. Figura 14. Estrutura química da abamectina. As avermectinas têm propriedades inseticidas, acaricidas e helminticidas. Na agricultura, o sucesso maior das avermectinas tem sido no controle de ácaros, uma vez que o seu espectro de ação contra espécies de insetos pragas, em doses convencionais, mostrou-se reduzido. A toxicidade das avermectinas a mamíferos é bastante elevada, mas a sua atividade acaricida é tão alta que pequenas quantidades de ingrediente ativo por hectare são requeridas, com conseqüente menor exposição dos aplicadores e menor quantidade de resíduos em produtos agrícolas. A ação das avermectinas em invertebrados caracteriza-se por um bloqueio na atividade de nervos e músculos. Esse bloqueio resulta da interação das avermectinas com a membrana celular, aumentando sua permeabilidade a íons Cl - . Em condições normais, a concentração de Cl - fora da célula é maior do que dentro, mas, na presença de avermectinas, ocorre um aumento na concentração de Cl - dentro da célula. Conseqüentemente, a diferença de potencial através da membrana torna-se excessivamente negativa e a membrana é dita hiperpolarizada. Nessas condições, as células não respondem a estímulos nervosos. Em ácaros e insetos, tais efeitos são Abamectina:80% de Avermectina B1a (10 mg/kg) 24 observados nas funções neuro-musculares; atividades como locomoção e alimentação cessam logo após a exposição, embora a morte possa ocorrer dias depois. Tal ação das avermectinas é similar àquela do ácido -aminobutírico (GABA), um neurotransmissor inibitório, de ocorrência não apenas em insetos e nematóides, mas também em mamíferos. Trabalhos com preparação de nervos e músculos de insetos e nematóides (Ascaris sp.) mostraram que a abamectina atua como um agonista do GABA, ou seja, ela estimula a entrada de Cl - nos canais controlados pelo GABA. Alguns desses trabalhos indicaram que a abamectina interage com os receptores do GABA na membrana, enquanto que outros indicaram que o composto interage diretamente nos canais de Cl - associados a esses receptores. Trabalhos subseqüentes mostraram que a abamectina estimula o influxo de Cl - em canais controlados pelo GABA ou não; os efeitos nesses últimos foram observados em concentrações de abamectina cerca de 1000 vezes menores do que aquelas que afetam os canais de Cl - mediados pelo GABA. Em mamíferos, as avermectinas reconhecidamente interferem nos canais de Cl - mediados pelo GABA. Porém, o exato mecanismo de ação das avermectinas em mamíferos é ainda um tanto obscuro em alguns aspectos. Diversos trabalhos demonstraram que a abamectina estimula a entrada de Cl - em canais controlados pelo GABA, o que está de acordo com os sintomas de ataxia e sedação profunda observados em animais-teste tratados. Por outro lado, outros trabalhos indicaram que a abamectina inibe a entrada de Cl - em canais controlados pelo GABA, o que está de acordo com os sintomas de hiperexcitação e tremores inicialmente observados nos animais tratados. A conciliação desses resultados possivelmente esteja relacionada ao poder ativador da entrada de Cl - da abamectina em relação ao GABA. Sendo o poder inibidor desse último muito maior, a interação da abamectina com os canais da Cl - mediados pelo GABA pode, num primeiro instante, inibir a ação deste, levando a sintomas de hiperexcitação e tremores. Com o decorrer do tempo, o efeito da abamectina em promover a entrada de Cl - nas células resultaria em efeito similar a aquele do GABA, ou seja, inibir a atividade nervosa. 4.1.7. Fenilpirazóis O inseticida fipronil (Regent ® ) é o único representante desse grupo de inseticidas (Figura 15). Ele foi introduzido no mercado na década de 90 e tem sido utilizado no Brasil para o controle de pragas de solo, especialmente cupins. 25 Figura 15. Estrutura química do fipronil (DL50 = 97 mg/kg) A exemplo dos ciclodienos, o fipronil interage com os canais de Cl - mediados pelo GABA, antagonizando os efeitos calmantes do mesmo. O fipronil não se liga ao receptor do GABA na membrana, mas sim diretamente nos canais de Cl - . A passagem de Cl - é impedida pela presença de fipronil. Dessa forma, ainda que o GABA se ligue ao seu receptor e promova a abertura dos canais de Cl - , o seu efeito inibidor da atividade nervosa não se manifesta. Como conseqüência, os insetos tratados mostram hiperexcitação, convulsões e morte. O fipronil é relativamente tóxico a mamíferos, porém, menos persistente que os ciclodienos. A descoberta de outros fenilpirazóis, menos tóxicos a mamíferos é uma interessante possibilidade. 4.1.8. Spinosinas As spinosinas representam o grupo mais recente de inseticidas. O único representante desse grupo é o spinosad (Naturalyte ® ), que é um produto de fermentação do actinomiceto Saccharopolysfora spinosa, um microorganismo de solo. Trata-se de um composto com estrutura molecular (Figura 16) e mecanismo de ação diferentes de outros inseticidas neurotóxicos, tendo sido introduzido para uso em culturas do algodoeiro nos EUA, em 1997. Spinosad é uma mistura de dois compostos homólogos, spinosinas A e D. Ele é eficiente contra um número grande de lagartas de Lepidoptera, sendo usado em quantidades, em termos de ingrediente ativo por hectare, excepcionalmente baixas. As spinosinas interferem na transmissão sináptica de impulsos nervosos, ligando-se ao receptor da acetilcolina nos locais onde a nicotina atua. Contudo, diferentemente da nicotina e nicotinóides, a ligação das spinosinas com o receptor não promove a abertura dos canais de Na + na 26 célula pós-sináptica. Por outro lado, as spinosinas impedem que a acetilcolina se acople ao seu receptor. Dessa forma, as spinosinas bloqueiam a transmissão de impulsos nervosos nessas sinápses. Spinosina A: R=H Spinosina D: R=CH3 Figura 16. Estrutura química das spinosinas. 4.1.9. Rianóides Rianóides são compostos naturais encontrados em plantas de Ryania speciosa. Há relatos do uso de extratos aquosos dessas plantas desde meados do século XX. Os extratos contém vários compostos relacionados, mas, a rianodina (Figura 17) revelou-se o mais tóxico a insetos. Sua toxicidade a mamíferos é relativamente baixa. 9,21-Dehidrorianodina Rianodol: R=H Rianodina: R= DL50= 1200 mg/kg (para caule seco e moído) Figura 17. Estruturas químicas da rianodina e compostos relacionados. 27 A rianodina induz paralisia em insetos e vertebrados, resultante de contração muscular prolongada, sem que a membrana das células musculares tenha sido despolarizada. Em condições normais, a contração muscular é iniciada pela seguinte seqüência de eventos: primeiro, um impulso nervoso no nervo motor é conduzido até as terminações nervosas, onde a despolarização ativa os canais de Ca ++ , estimulando um influxo desses íons nas extremidades dos neurônios. Esses íons promovem a liberação de um neurotransmissor nas sinápses neuro- musculares, que nos insetos é o aminoácido glutamato. As moléculas de glutamato difundem-se através da sinápse e se ligam a receptores na membrana da célula muscular, promovendo abertura de canais associados a esses receptores. Como resultado, ocorre um influxo de íons Na + e Ca ++ nas células musculares. Esse influxo induz a despolarização da membrana da célula muscular à qual se propaga na fibra muscular, via o sistema de túbulos transversos, para o retículo sarcoplasmático. Esta organela armazenaíons Ca ++ e, quando despolarizada, libera esses íons nos filamentos protéicos associados à contração muscular. Diversos estudos têm confirmado que a rianodina promove uma abertura irreversível nos canais de Ca ++ no retículo sarcoplasmático. Tal ação resulta em excesso de Ca ++ junto às fibras musculares, induzindo a uma contração muscular prolongada e conseqüente paralisia, conforme observado na intoxicação por rianodina. 4.1.10. Amidinas Vários compostos amidinas têm sido utilizados como inseticidas ou acaricidas. O clordimeforme foi o primeiro composto desse grupo, mas, devido a problemas potenciais de carcinogênese, seu uso foi proibido. Atualmente, o principal inseticida desse grupo é o amitraz (Figura 18). Amitraz (800 mg/kg) 28 Figura 18. Estrutura química do amitraz. Esses compostos mimetizam a ação do neurotransmissor octopamina, que regula a atividade nervosa no sistema nervoso central e também age em tecidos periféricos. A octopamina liga-se a um receptor nos tecidos nervosos, provocando aumento nos níveis de um segundo neurotransmissor, o monofosfato de adenosina, que promove a excitação neuronal. As amidinas causam uma estimulação excessiva nas sinápses onde a octopamina atua, resultando em tremores, convulsões e alteração comportamental (vôo contínuo) em insetos adultos. Podem ainda causar anorexia em insetos e afetar sua reprodução. Outro proposto mecanismo de ação das amidinas é a inibição da enzima monoamino oxidase, que é responsável pela degradação de neurotransmissores como a norepinefrina e serotonina. Como resultado tem-se acúmulo desses transmissores, conhecidos como aminas biogênicas. 4.1.11. Nereistoxina e cartap A nereistoxina é um composto que foi originalmente isolado de um anelídeo marinho (Lumbriconereis heteropoda) em 1934, após a observação de que insetos alimentando-se de espécimens mortos desse anelídeo ficavam paralisados. A identificação de sua estrutura química levou a síntese de compostos relacionados, como o cartap e thiocyclam (Figura 19). S S NCH3 CH3 NEREISTOXIN S S S CH3 CHARATOXIN S S NCH3 CH3 O OO O NH2 NH2 CARTAP S S NCH3 CH3 S SO OO O BENSULTAP S2O3 S2O3 NCH3 CH3 NCH3 CH3 S S S SHA CHONG SHUANG THIOCYCLAM (325-345 mg/kg) 29 Figura 19. Estruturas químicas do cartap e compostos relacionados. Estudos sobre o mecanismo de ação desses compostos mostraram que eles bloqueiam a transmissão de impulsos nervosos. O bloqueio é relacionado à interação desses compostos com os receptores da aceticolina na membrana pós-sináptica. Eles se ligam a esses receptores, porém, não promovem a abertura dos canais de Na + , como faz a acetilcolina. Por outro lado, eles impedem a acelticolina de exercer o seu papel e assim, ocorre a interrupção na transmissão de impulsos e conseqüente sintomas de paralisia nos insetos. Em insetos, tal efeito ocorre a nível de sistema nervoso central, uma vez que a acetilcolina não atua nas junções neuro-musculares desses organismos. Em mamíferos, são observados efeitos no sistema nervoso central e bloqueio na transmissão neuro-muscular, uma vez que, nesses organismos a acetilcolina atua como transmissor nas junções neuro-musculares. 4.2. Inseticidas reguladores do crescimento de insetos Os inseticidas reguladores do crescimento de insetos representam uma classe diferente e bastante interessante de inseticidas, pois muitos deles atuam em mecanismos bioquímicos operantes em insetos e não operantes em mamíferos. Em função disso, esses inseticidas, em geral, são efetivos contra os insetos e praticamente atóxicos a mamíferos. Nessa classe de inseticidas são encontrados compostos inibidores da síntese de quitina e compostos que afetam a atividade hormonal em insetos. 4.2.1. Inseticidas inibidores da síntese de quitina Insetos expostos a esses compostos são incapazes de formar uma cutícula normal, uma vez que a síntese da quitina é inibida. Cerca de 50% da cutícula dos insetos é composta de quitina, que é um polissacarídeo de N-acetilglucosamina. Na ausência de quitina, a cutícula torna-se fina e quebradiça, não resistindo às pressões corporais nela exercidas. Assim, esses compostos atuam na fase jovem dos insetos, quando ocorrem trocas periódicas da cutícula (ecdises), as quais são necessárias para permitir o aumento do tamanho corpóreo. Em larvas tratadas, freqüentemente ocorre uma ruptura da cutícula mal formada, resultando no extravasamento da hemolinfa e 30 conseqüente morte do inseto. Em alguns casos, a cutícula mal formada resulta em diminuição na atividade da larva, e a morte ocorre por inanição. Os principais representantes desse grupo de inseticidas são as benzoilfeniluréias, introduzidas inicialmente em 1978. Como exemplos tem-se: triflumuron (Alsystin ® ), teflubenzuron (Nomolt ® ), flufenoxuron (Cascade ® ) e diflubenzuron (Dimilin ® ), Figura 20. O bloqueio na síntese de quitina provocado por esses compostos ocorre devido ao seu efeito inibidor do transporte de moléculas de UDP-N-acetilglucosamino através das membranas das células epidérmicas. Essas moléculas são precursoras da quitina, sendo sintetizadas nas células epidérmicas e transportadas para o meio externo, onde ocorre a polimerização e conseqüente formação da quitina, pela ação da enzima quitina-sintetase. Em insetos tratados com benzoilfeniluréias, as unidades precursoras da quitina são retidas nas células epidérmicas e, conseqüentemente, não ocorre a formação de quitina. Figura 20. Estruturas químicas de inseticidas benzoilfeniluréias. Algumas polioxinas representam outro grupo de inseticidas inibidores da síntese de quitina. Como exemplos têm-se a nikkomicina e a polioxina D (Figura 21). Esses compostos são 31 produzidos por fungos do gênero Streptomyces. O mecanismo de ação desses compostos é diferente daquele das benzoifeniluréias. Eles são conhecidos inibidores da enzima quitina-sintetase. A estrutura química desses compostos é semelhante àquela das unidades precursoras da quitina (UDP-N-acetilglucosamina). Assim, eles se encaixam no centro ativo da enzima e a ela se ligam fortemente, inibindo a sua ação sintetizadora da quitina. UDP-N-Acetilglucosamina Polioxina D Nikkomicina Figura 21. Estruturas químicas da UDP-N-Acetilglucosamina e compostos inibidores da quitina-sintetase. O inseticida buprofezin (Applaud ® ), Figura 22, é outro composto conhecido inibidor da síntese de quitina. Este inseticida é bastante eficiente no controle de insetos da subordem Homoptera, como cigarrinhas e moscas-brancas (Bemisia spp.), essas últimas constituindo-se 32 atualmente em importante praga agrícola nos vários continentes. Uma boa correlação entre o poder inseticida e atividade inibidora da síntese de quitina foi observada entre análogos do buprofezin. Outros trabalhos indicaram que o buprofezin interfere também na ação do ecdisônio, portanto, a ação do buprofezin não pode ser atribuída a um único mecanismo. A ciromazina (Trigard ® ), Figura 22, é um inseticida que vem sendo bastante utilizado no controle de espécies de dípteros cujas larvas são minadoras de folhas. Este inseticida é referido em alguns textos como inibidor da síntese de quitina, mas, trabalhos recentes mostraram que a ação primária desse composto ocorre a nível das células epidérmicas, onde eles causam lesões necróticas, devido a uma provável interferência no metabolismo do ácido nucleico. Figura 22. Estruturas químicas do buprofezin e da ciromazina.4.2.2. Inseticidas que afetam a atividade hormonal O crescimento e desenvolvimento dos insetos são controlados por hormônios, incluindo o hormônio cerebral, o hormônio da ecdise (ecdisônio) e o hormônio juvenil (neotenin). O hormônio cerebral é um peptídeo secretado pelo cérebro, o qual controla a liberação do ecdisônio por uma glândula presente no protorax (glândula protorácica). O ecdisônio é responsável pelo início do processo de troca de cutícula (ecdise) e pela programação celular, em cooperação com o hormônio juvenil. Quando a concentração do hormônio juvenil é alta, a epiderme é programada para a troca de cutícula. Quando o teor de hormônio juvenil diminui, as células são programadas para a metamorfose. O hormônio juvenil é virtualmente ausente na fase de pupa, mas presente nos adultos, nos quais atuam no desenvolvimento dos ovários. Assim, além de inibir a metamorfose, o hormônio N H2N NH2 NH N N Ciromasina NH O N N S Buprofezin (2198 mg/Kg) Ciromazina Buprofezin (2198 mg/kg) 33 juvenil induz a síntese de vitelogenina durante o desenvolvimento ovariano nos adultos. Ambas as funções estão relacionas com a transcrição do RNA mensageiro. O distúrbio no balanço hormonal pode causar desordens cruciais no crescimento e desenvolvimento dos insetos. A busca de compostos sintéticos, com propriedades de hormônio juvenil, recebeu especial atenção de pesquisadores nas últimas décadas, visto que este hormônio revelou uma estrutura química muito simples, em relação ao hormônio cerebral (peptídeo) ou ecdisônio (esteróide). Já foram identificados cinco compostos de ocorrência natural em insetos, com ação de hormônio juvenil, os quais têm sido referidos como juvenóides. A aplicação desses compostos em ovos de Lepidoptera resultou em distúrbio na embriogênese. A aplicação em lagartas na fase inicial do último ínstar resultou em ínstares adicionais e prolongamento da fase larval; aquelas tratadas na fase final do último ínstar deram origem a pupas anormais. A partir da identificação dos juvenóides foram sintetizados vários compostos com estrutura química similar, porém, mais estáveis. Alguns desses compostos tornaram-se produtos comerciais, conhecidos como mímicos do hormônio juvenil ou simplesmente, juvenóides. Como exemplos tem- se o methoprene e o fenoxicarbe (Figura 23). Contudo, uma vez que o efeito desses compostos ocorre após a fase larval, o seu uso agrícola é limitado, pois, em sua maioria, os insetos pragas causam danos durante sua fase jovem. Alternativamente, eles podem ser úteis no controle de insetos de importância médico-veterinária, como os mosquitos transmissores de doenças, os quais são prejudiciais na fase adulta. 34 Figura 23. Estruturas químicas de inseticidas juvenóides. Por outro lado, compostos com atividade anti-hormônio juvenil são promissores no controle de insetos pragas agrícolas. Eles podem induzir uma metamorfose precoce nas larvas, resultando na morte dos insetos ou mesmo na formação de adultos incapazes de reproduzir. Atividade anti- hormônio juvenil pode ser obtida por: a) competição com o hormônio juvenil pelo receptor deste ou por proteínas carregadoras do mesmo; b) injúria nas células do corpora allata; ou c) interferência na síntese do hormônio juvenil. Vários compostos com atividade anti-hormônio juvenil já foram descobertos. Entre esses tem-se os precocenos I e II (Figura 24), isolados de Ageratum honstonianum. Esses compostos revelaram uma potente ação anti-hormônio juvenil em ninfas do percevejo Oncopeltus fasciatus, através de inibição no desenvolvimento do corpora allata. Contudo, esses compostos revelaram-se pouco ativos a insetos holometabólicos e por isso não têm sido utilizados comercialmente. Compostos prenil derivados de imidazóis substituídos, como KK-22 e KK-42 (Figura 24), revelaram potente ação anti-hormônio juvenil e são promissores inseticidas. Tais compostos são inibidores da atividade do citocromo P450, um agente oxidante importante na etapa final da OCH3O R Precoceno I ( R=H ) Precoceno II ( R= CH3O) N N KK-22 Hormôniojuvenil III Methoprene (>30.000mg/kg) Fenoxicarbe (16.800 mg/kg) O 35 biossíntese do hormônio juvenil, ou seja, a epoxidação. O uso agrícola desses compostos encontra- se ainda em fase de estudos. Figura 24. Estruturas químicas de compostos anti-hormônio juvenil. 4.3. Inseticidas que afetam o metabolismo de energia Inseticidas que afetam o metabolismo energético em insetos são encontrados entre compostos de origem natural e sintéticos. Um exemplo de composto natural é a rotenona, encontrada em plantas como Derris sp. e Pachirrizus sp. Entre os compostos sintéticos, encontram- se compostos heterocíclicos, contendo nitrogênio, tais como: fenazaquin e pyridaben (Figura 25). Outros compostos sintéticos são: hidrametilnona e sulfluramida, este último atualmente utilizado em iscas para o controle de saúvas, em substituição ao organoclorado dodecacloro. É interessante mencionar que, entre esses compostos, aquele de maior toxicidade aguda a mamíferos é a rotenona, de origem natural. A ação desses compostos ocorre nas mitocôndrias, seja inibindo o sistema de transporte de elétrons ou desacoplando esse sistema da produção de ATP. A inibição do sistema de transporte de elétrons interrompe a produção de ATP e causa um decréscimo no consumo de O2 pela mitocôndria. Rotenona, fenazaquim e pyridaben são inibidores no local I na cadeia de transporte de elétrons (Coenzima Q oxidoredutase), enquanto que o hidrametilona é um inibidor no local II (complexo citocromo b-c1). Na ação desacopladora, o sistema de transporte de elétrons funciona normalmente, mas a produção de ATP é desacoplada do sistema de transporte de elétrons devido à dissipação do gradiente de prótons através da membrana interna da mitocôndria. Na presença de desacopladores, o consumo de O2 aumenta, mas o ATP não é produzido. O metabólito desetilado da sulfluramida, produzido pelo metabolismo do citocromo P450, é um potente desacoplador da respiração mitocondrial. A alteração no metabolismo de energia e a subseqüente perda de ATP resulta em toxicidade lentamente crescente, e os efeitos de todos esses compostos incluem inatividade, paralisia e morte. 36 Figura 25. Estruturas químicas de inseticidas inibidores ou desacopladores da respiração. 5. AVALIAÇÃO TOXICOLÓGICA DOS INSETICIDAS Anteriormente ao seu registro para uso agrícola, os inseticidas são submetidos a uma série de estudos de avaliação toxicológica. Estudos sobre sua toxicidade a mamíferos, mecanismos de ação, metabolismo, eficiência no controle de insetos pragas, resíduos em alimentos, mobilidade e degradação em solos, toxicidade a aves, peixes e abelhas etc., são requeridos, permitindo às autoridades o julgamento sobre o registro dos compostos. Estima-se que de cada 1000 novos compostos sintetizados e testados, apenas um se torna um produto comercial, com gastos de dezenas de milhões de dólares e de 8 a 10 anos de estudos para o desenvolvimento do mesmo. A seguir são abordados os estudos básicos sobre a toxicologia dos inseticidas, necessários para o estabelecimento de limites máximos de resíduos (tolerâncias) em alimentos e de intervalos de segurança (períodos de carências) após sua utilização nas culturas. 5.1. Toxicidade aguda a mamíferos Pyridaben (1350 mg/kg) Fenazaquin 37 Os estudos sobre toxicidade de inseticidas a mamíferos são feitos com animais facilmente criados em laboratório, como ratos brancos, camundongos, coelhos etc. Inicialmente são conduzidos bioensaios paraavaliação da toxicidade aguda dos compostos. Nesses bioensaios, os animais-teste são individualmente tratados com uma dose única do inseticida, via injeção de uma solução de ingrediente ativo ou, mais comumente, via alimentação com ração contendo o composto. Doses diferentes e abrangentes são testadas em diferentes lotes de animais, incluindo-se um tratamento testemunha, no qual os animais não recebem aplicação do inseticida. Após 24 horas, os resultados de mortalidade são computados, sendo subseqüentemente analisados estatisticamente, para estimativa da Dose Letal 50 (DL50), ou seja, a dose que resulta em 50% de mortalidade dos indivíduos tratados. O valor de DL50 de um inseticida, portanto, expressa a sua toxicidade aguda à espécie animal testada. Quanto menor o valor de DL50, mais tóxico é o composto. Assim, os valores de DL50 dos diferentes compostos são interessantes sob o ponto de vista comparativo da toxicidade aguda dos mesmos. Os valores de DL50 são normalmente expressos em mg de ingrediente ativo/kg de peso corpóreo, permitindo assim uma rápida inferência sobre a dose letal a animais com diferentes tamanhos e pesos, embora diferentes espécies animais possam apresentar sensibilidade diferenciada a um mesmo composto. 5.2. Toxicidade crônica a mamíferos Nos bioensaios para avaliação da toxicidade crônica dos inseticidas a mamíferos, os animais-teste são tratados com uma dose diária do inseticida, via alimentação com ração contendo o composto em quantidade conhecida. Os animais-teste são agrupados em lotes e individualmente tratados, diariamente, com a dose correspondente a cada lote. Nesses ensaios, as doses testadas correspondem a uma faixa bem inferior àquela que resulta em mortalidade após 24 horas. Esses estudos visam determinar qual a maior quantidade do inseticida que pode ser administrada a animais-teste, junto com a alimentação, durante mais da metade do período de vida do animal, sem causar lesões ou efeitos tóxicos. Para esses estudos utilizam-se, em geral, ratos brancos alimentados com o composto durante 2 anos e camundongos alimentados durante 1 ano. Os animais submetidos às diferentes doses diárias, mais aqueles do grupo testemunha, são acompanhados com verificações periódicas de seu peso corpóreo, consumo de ração, comportamento e sobrevivência. Exames laboratoriais executados incluem contagem de glóbulos brancos e vermelhos, doseamento de hemogloblina, doseamento de enzimas sangüíneas e provas bioquímicas usuais do sangue e da urina. 38 Pesagens de diversos órgãos e exames histopatológicos dos mesmos são feitos nos animais que morrem durante os bioensaios e também em alguns dos animais sobreviventes, os quais são sacrificados no meio e no final do período de duração do ensaio. Atenção especial é dada a possíveis efeitos carcinogênicos. Paralelamente, é estudado o efeito da substância na reprodução, acompanhando-se algumas gerações, quanto à fertilidade, número e viabilidade da prole e, ainda, possíveis efeitos teratogênicos, ou sejam, efeitos tóxicos no embrião ou no feto, resultando em anomalias congênitas. 5.3. Estudos bioquímicos Esses estudos visam esclarecer as bases bioquímicas do mecanismo de ação tóxica do composto a mamíferos. Conforme abordado anteriormente, muitos dos inseticidas atuam em processos bioquímicos operantes também em mamíferos. O conhecimento das bases bioquímicas da ação de um determinado composto a mamíferos é de fundamental importância para sua avaliação toxicológica. A título de exemplo, o poder inibidor de enzima acetilcolinesterase exercido pelos inseticidas organofosforados e carbamatos pode ser medido em laboratório. Alguns organofosforados sintetizados revelaram-se inibidores irreversíveis dessa enzima em mamíferos; tais compostos não se tornaram produtos comerciais, possivelmente em função dos riscos envolvidos na sua utilização. Os estudos bioquímicos visam também esclarecer as rotas metabólicas dos compostos em animais. Uma vez identificados os principais metabólitos, estes são subseqüente estudados com relação a sua toxicidade a mamíferos. Há casos de inseticidas cujos metabólitos são tão ou mais tóxicos que o composto original, como exemplo, os metabólitos análogos oxigenados dos organofosforados derivados do ácido tiofosfórico (malation, paration etc.). Além disso, os inseticidas sofrem alterações em sua estrutura química durante o período em que permanecem nos vegetais onde foram aplicados. Assim, no caso dos estudos sobre o metabolismo do composto em plantas revelarem a formação de produtos de transformação diferentes daqueles observados em animais, a toxicidade desses produtos a animais deverá ser investigada. 5.4. Nível sem efeito toxicológico 39 Os estudos toxicológicos mencionados anteriormente visam determinar qual a dose máxima de um inseticida que pode ser ingerida diariamente, por animais-teste, durante um longo período, sem ser prejudicial à saúde desses animais. Tal dose é referida como nível sem efeito toxicológico observável. O termo observável é utilizado, uma vez que é possível que o composto possa causar algum efeito não observado nos testes de avaliação toxicológica. O nível sem efeito toxicológico observável é expresso em miligramas do composto/kg de peso corpóreo/dia. 5.5. Ingestão diária aceitável para o ser humano Por ingestão diária aceitável (IDA) entende-se a quantidade de uma substância química que, de acordo com o conjunto de dados toxicológicos conhecidos, pode ser ingerida diariamente pelos seres humanos, sem riscos apreciáveis à sua saúde. Para o cálculo da IDA, utiliza-se o nível sem efeito toxicológico observável, o qual é dividido por um fator de segurança, em geral da ordem de 100. Isto é feito para se obter uma margem de segurança, uma vez que o ser humano pode ser mais sensível a um composto químico do que os animais-teste. Este cuidado é também necessário porque os alimentos com resíduos de inseticidas são ingeridos em quantidades diferentes entre as pessoas e porque são também ingeridos por crianças, as quais são mais sensíveis. O fator de segurança pode ser menor ou maior conforme o nível de segurança depositado nas provas toxicológicas efetuadas com o inseticida. Por exemplo, se as provas em animais-teste, mesmo com doses altas, não revelaram fenômenos graves como efeitos cancerígenos ou alterações teratogênicas, ou ainda lesões irreversíveis em certos órgãos, pode se adotar um fator de segurança menor, porém, nunca inferior a 10. Ao contrário, quando os experimentos em animais indicam certos efeitos irreversíveis, ainda que nos grupos de animais tratados com doses relativamente altas, o fator de segurança deve ser maior do que 100. O mesmo critério é adotado quando são escassos os estudos bioquímicos sobre o inseticida. Nesses casos, o fator de segurança adotado pode ser da ordem de 200 a 500. A IDA é portanto expressa em miligramas do inseticida/kg de peso corpóreo, estando implícito que trata-se de dose diária. O valor da IDA é estabelecido por uma Comissão Mista da OMS/FAO, a qual é composta por representantes de vários países, peritos na área de pesticidas. Cabe aos países membros, a decisão sobre a adoção do valor estabelecido ou sugerido para a IDA de determinado pesticida. 40 A IDA pode ser recomendada por um período de tempo limitado, recebendo, nesse caso, o nome de IDA provisória. Após o término do referido período de tempo, o pesticida será reavaliado pela Comissão Mista da OMS/FAO. O fornecimento dos dados solicitados por tal Comissão Mista fica a cargo do fabricante do pesticida ou dos países que o empregam. Se essasinformações requisitadas não forem apresentadas, considera-se que o fabricante do pesticida ou os países que o utilizaram, não estão interessados em continuar seu uso. 5.6. Estabelecimento de limites máximo de resíduos (tolerâncias) Entende-se por tolerância a concentração máxima de resíduos de um pesticida que é permitida em um alimento, em um estágio determinado, como por ocasião da colheita, do transporte, de comercialização, do preparo ou do consumo. Esta concentração é expressa em miligramas do pesticida por quilograma do alimento. Para o cálculo da tolerância é indispensável o conhecimento sobre os hábitos alimentares da população da região ou país. São fundamentais as informações sobre a quantidade que um indivíduo consome diariamente de cada alimento ou grupo de alimentos. Os dados obtidos de um inquérito alimentar devem ser tratados estatisticamente, de modo a serem obtidos valores que representem o consumo alimentar pela maioria da população. Há duas formas de se calcular a tolerância. A primeira delas, sugerida pela FAO/OMS, toma como base o teor de resíduos que persiste no alimento quando este é oferecido ao consumo, tendo sido tratado com o pesticida segundo a boa prática agrícola, isto é, de acordo com as recomendações técnicas para o controle de pragas ou doenças da cultura em questão. A partir desse valor calcula-se a ingestão diária do pesticida por um ser humano adulto (60 kg), admitindo-se um consumo diário do alimento conforme verificado no inquérito alimentar. Se o teor de resíduos no alimento resultar na ingestão do pesticida em níveis menores ou igual à IDA, então, esse teor é adotado como o valor da tolerância. Caso o teor de resíduos resulte em ingestão do pesticida acima da IDA, o mesmo não poderá ser registrado para uso na cultura em questão. Alternativamente, tal como adotado por vários países, incluindo a Inglaterra, o teor de resíduos no alimento por ocasião da colheita ou consumo não é utilizado para estabelecimento da tolerância. Nesse caso, a tolerância é calculada com base apenas na IDA do pesticida e no consumo diário do alimento pela maioria da população. Dessa forma, a tolerância é estabelecida independentemente do teor de resíduos no alimento, porém, evidentemente, o mesmo só poderá ser colhido ou consumido quando os níveis de resíduos encontrarem-se abaixo da tolerância. 41 5.7. Estabelecimento de intervalos de segurança (períodos de carência) Por intervalo de segurança ou período de carência entende-se o “intervalo de tempo entre a última aplicação do pesticida e a colheita ou comercialização do produto vegetal, ou abate ou ordenha do animal, conforme o caso, a fim de que os resíduos estejam de acordo com a tolerância”. Em outras palavras, é o tempo que o agricultor tem que aguardar, desde a última aplicação do pesticida até a colheita, para que o teor de resíduos do composto no alimento decresça até o valor da tolerância. Para o estabelecimento do intervalo de segurança de um pesticida numa determinada cultura, faz-se necessário conhecer a tolerância do pesticida no produto agrícola em questão e o teor de resíduos do pesticida no mesmo, em diferentes épocas após a última aplicação (curva de dissipação dos resíduos). No caso do teor de resíduos logo após a colheita for inferior à tolerância (o que é esperado no caso de compostos pouco tóxicos a mamíferos), então, o intervalo de segurança é zero, ou seja, o alimento pode ser colhido e comercializado logo após a aplicação do pesticida. Por outro lado, compostos muito tóxicos a mamíferos e com baixa taxa de dissipação (degradação) nos tecidos vegetais podem resultar em intervalos de segurança tão grandes que seu uso torna-se impraticável. No caso de compostos aplicados em pulverização os níveis de resíduos são máximos logo após a aplicação e decrescem com o decorrer do tempo, em função de sua remoção pela ação do vento, chuva etc. e de sua taxa de degradação na superfície ou no interior dos tecidos vegetais. A Figura 26 apresenta a dissipação dos resíduos do inseticida metamidofós em folhas de alface provenientes de plantas tratadas com uma formulação do composto via pulverização. O termo dissipação dos resíduos refere-se à diminuição na sua concentração, como resultado da ação conjunta desses fatores. 42 Figura 26. Dissipação dos resíduos do inseticida metamidofós em plantas de alface (Franco e Rigitano, 2001). Por outro lado, no caso de compostos sistêmicos aplicados no solo, a sua concentração em folhas ou frutos logo após a aplicação é nula. Com o decorrer do tempo os resíduos nessas partes da planta aumentam, atingindo níveis máximos algumas semanas ou meses depois; a partir daí, quando a quantidade de resíduos transportado para as folhas ou frutos é menor que a quantidade de resíduos degradada nessas partes da planta, na mesma unidade tempo, começa uma diminuição no teor de resíduos nessas partes. Como exemplo, tem-se o caso do inseticida aldicarbe em bananas (Figura 27). Em casos desse tipo, embora os níveis residuais logo após a aplicação possam estar abaixo da tolerância, o intervalo de segurança é estabelecido com base nos níveis residuais encontrados na fase de decréscimo dos resíduos na parte comestível das plantas. 0 0 ,1 0 ,2 0 ,3 0 ,4 0 ,5 0 2 0 4 0 6 0 D ia s a p ó s a a p l ic a ç ã o R es íd uo s (p pm ) Figura 27. Ocorrência de resíduos do inseticida aldicarbe em bananas provenientes de plantas tratadas, via solo, com uma formulação granulada do inseticida (Rigitano, 1993). 0 2 4 6 8 1 0 0 3 6 9 1 2 1 5 1 8 2 1 D ia s a p ó s a a p lic a ç ã o R es íd uo s (p pm ) 43 Por último, é interessante diferenciar entre intervalo de segurança (ou carência) e poder residual de um inseticida. Esse último refere-se ao tempo, após a sua aplicação, que o inseticida protege a planta contra uma determinada praga ou doença. Esse tempo pode ser maior ou menor que o intervalo de segurança, dependendo da toxicidade relativa do inseticida a insetos e aos seres humanos. 44 6. SELETIVIDADE DE PRODUTOS FITOSSANITÁRIOS AOS INIMIGOS NATURAIS A manutenção de predadores, parasitóides e patógenos nos agroecossistemas é de fundamental importância como fator de equilíbrio dinâmico das populações de insetos pragas. É freqüente observar na natureza o controle biológico natural exercido por inimigos naturais, com potencial de manter em níveis razoavelmente baixos as populações de inúmeras pragas. Os inimigos naturais minimizam a necessidade da intervenção do homem no controle de pragas; entretanto, na agricultura atual, somente em algumas situações o controle biológico natural pode controlar as pragas sem a complementação de produtos químicos. Isto significa que o setor primário, mesmo realizando os ajustes para a busca da sustentabilidade, continuará produzindo para o comércio em larga escala, sem dispensar o uso dos produtos fitossanitários. Por outro lado, produtos químicos utilizados no controle de pragas podem provocar desequilíbrio biológico pela eliminação de organismos benéficos presentes no complexo biótico do ecossistema, e contribuindo na seleção de populações de insetos pragas resistentes. Os organismos benéficos atacam indiscriminadamente as populações de insetos pragas resistentes ou não ao(s) pesticida(s), contribuindo assim, para a diminuição ou retardamento do desenvolvimento da resistência. Desta forma, ao se estabelecer programas de manejo integrado, deve-se considerar a compatibilização ou integração entre métodos biológicos, químicos e outros. Para tal objetivo,
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