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Direito Penal e Política Criminal no Terceiro Milênio

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Direito Penal e Política criminal no 
terceiro milênio
PersPectivas e tenDências
Chanceler
Dom Dadeus Grings
Reitor
Joaquim Clotet
Vice-Reitor
Evilázio Teixeira
Conselho Editorial
Ana Maria Lisboa de Mello
Armando Luiz Bortolini
Bettina Steren dos Santos
Eduardo Campos Pellanda
Elaine Turk Faria
Érico João Hammes
Gilberto Keller de Andrade
Helenita Rosa Franco
Jane Rita Caetano da Silveira
Jerônimo Carlos Santos Braga
Jorge Campos da Costa
Jorge Luis Nicolas Audy – Presidente
Jurandir Malerba
Lauro Kopper Filho
Luciano Klöckner
Marília Costa Morosini
Nuncia Maria S. de Constantino
Renato Tetelbom Stein
Ruth Maria Chittó Gauer
EDIPUCRS
Jerônimo Carlos Santos Braga – Diretor
Jorge Campos da Costa – Editor-Chefe
FaBio roBerto D’avila
organizador
Direito Penal e Política criminal no 
terceiro milênio
PersPectivas e tenDências
atas do congresso internacional – 
Direito Penal e Política criminal no terceiro milênio 
Humboldt-Kolleg in strafrecht
viii congresso transdisciplinar de estudos criminais, 
8 e 9 de junho de 2009. 
Porto alegre, 2011
© EDIPUCRS, 2011
 Rodrigo Valls
 Maria Luiza Bertoldi Bordignon
 Gabriela Viale Pereira e Rodrigo Valls
 Edição revisada segundo o novo Acordo Ortográfco
 
C749d Congresso Internacional em Direito Penal (2009 : Porto Alegre, RS)
 Direito penal e política criminal no terceiro milênio : perspectivas 
 e tendências [recurso eletrônico] / Congresso Internacional em 
 Direito Penal, 8. Congresso Transdisciplinar de Estudos Criminais ; 
 org. Fabio Roberto D’Avila. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2011.
 196 p.
 Eventos realizados na Pontifícia Universidade Católica do Rio 
 Grande do Sul, nos dias 8 a 9 de junho de 2009. 
 Evento conhecido como: Humboldt-Kolleg 2009
 Modo de acesso: www.<http://www.pucrs.br/orgaos/edipucrs/>
 ISBN: 978-85-397-0099-8
 1. Direito Penal – Eventos. I. Congresso Transdisciplinar de 
 Estudos Criminais (8. : 2009 : Porto Alegre, RS). II. D’Avila, Fabio 
 Roberto. III. Título.
 CDD 341.5
 
 
 
 
Sumário
Apresentação .......................................................................................................9
Fabio Roberto D’Avila
PUCRS, Porto Alegre
O direito penal, a linguagem e o mundo globalizado. Babel ou esperanto 
universal? ..........................................................................................................11
José de Faria Costa 
Universidade de Coimbra, Portugal
O Nervo Exposto .............................................................................................25
Ricardo Timm de Souza
PUCRS, Porto Alegre
Intimidade e privacidade diante dos novos meios de persecução penal ...........33
Julio Maier
Tribunal Superior de Justiça da Argentina
Laicidade e direito penal ..................................................................................41
Silvia Larizza
Universidade de Pavia, Itália
O populismo penal. Realidade transitória ou definitiva? ...............................58
Carlos Alberto Elbert 
Universidade Nacional de Buenos Aires, Argentina 
Tempos modernos. Ortodoxia e heterodoxia no direito penal .................68 
Thomas Rotsch
Universidade de Augsburg, Alemanha
As garantias fundamentais em matéria penal. Entre a constituição e a convenção 
europeia dos direitos do homem .....................................................................82
Vittorio Manes
Universidade de Salento, Itália
Limites à liberdade de expressão .................................................................119
Miguel Reale Júnior
USP, São Paulo
A política criminal dos tratados internacionais ...........................................145
Jean Pierre Matus Acuña
Universidade de Talca, Chile
O Estatuto de Roma de 1998 e os valores penais da comunidade internacional ...167
Daniel R. Pastor
Universidade de Buenos Aires, Argentina
Aspectos problemáticos da decisão de confirmação de cargos da Corte Penal 
Internacional no caso Bemba ........................................................................181
Kai Ambos
Universidade de Göttingen, Alemanha
7
AtAS do CongreSSo internACionAl,
direito PenAl e PolítiCA CriminAl no terCeiro milênio
PerSPeCtivA e tendênCiAS
Humboldt-Kolleg in Strafrecht
VIII Congresso Transdisciplinar de Estudos Criminais
8 e 9 de Junho de 2009, PUCRS, Porto Alegre
Coordenador Geral: Prof. Doutor Fabio Roberto D’Avila (PUCRS).
Comissão de Coordenação: Prof. Doutor Kai Ambos (Univ. de Göttingen/
Alemanha); Prof. Doutor Marcelo Neves (USP); Dr. Pedro Abramovay 
(Ministério da Justiça).
Comissão de Organização: Profª. Doutora Ruth Gauer (PUCRS); Prof. 
Doutor Emil Sobottka (PUCRS); Prof. Doutor Giovani Saavedra (PUCRS); 
Dra. Carolina Haber (Ministério da Justiça); Melissa Lippert (PUCRS); Uriel 
Möller (PUCRS-Univ. Hamburg/Alemanha).
Financiamento: Fundação Alexander von Humboldt (AvH-Alemanha), Conse-
lho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Ministério 
da Justiça do Brasil.
Promoção: Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais (Mestrado e 
Doutorado) da PUCRS, Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais (ITEC). 
Apoio: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim).
8
trAdução e reviSão
Pablo Rodrigo Alflen da Silva. 
Doutorando e Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS; Professor da 
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Advogado Criminal.
Cleopas Isaias Santos 
Doutorando e Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS; Professor do 
Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da Escola Superior 
do Ministério Público do Maranhão e da Academia Integrada de Segu-
rança Pública do Estado do MA; Delegado de Polícia.
Renata Jardim da Cunha Rieger
Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS; Especialista em Direito 
Penal e Processual Penal pela Faculdade IDC; Professora da Faculda-
de Dom Bosco de Porto Alegre e da Especialização em Direito Penal e 
Processual Penal da Fundação Escola Superior do Ministério Público; 
Advogada Criminal.
Filipe de Mattos Dall’Agnol
Mestrando em Ciências Criminais pela PUCRS; Especialista em Direito 
Penal Económico e Europeu pela Faculdade de Direito da Universidade 
de Coimbra; Especialista em Direito Penal Empresarial pela PUCRS; 
Advogado Criminal.
Stephan Doering Darcie 
Mestrando em Ciências Criminais pela PUCRS; Especializando em Di-
reito Penal Económico e Europeu pela Faculdade de Direito da Univer-
sidade de Coimbra; Advogado criminal. 
Raquel Lima Scalcon
Mestranda em Ciências Criminais pela PUCRS; Graduada em Direito 
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Assistente de 
Desembargador junto ao TRF da 4ª Região, com atuação em matéria penal.
Carolina Hess Almaleh 
 Bacharelanda em Direito pela PUCRS.
9
APreSentAção
Prof. Doutor Fabio Roberto D’Avila
PUCRS, Porto Alegre
A presente obra corresponde à reunião dos contributos científicos oportu-
nizados pelo congresso internacional Direito Penal e Política Criminal no Terceiro 
Milênio. Perspectivas e Tendências, realizado na Pontifícia Universidade Católica 
do Rio Grande do Sul (PUCRS), dias 8 e 9 de junho de 2009. Encontro que foi 
promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUCRS e 
pelo Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais (ITEC), com apoio do Institu-
to Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e financiamento da Fundação Ale-
xander von Humboldt (AvH), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientí-
fico e Tecnológico (CNPq) e do Ministério da Justiça do Brasil.
A ideia inicial de realizar-se no Brasil um encontro internacional de gran-
des proporções, marcado principalmente pela excelência de seus participantes, 
é resultado da aproximaçãocientífica entre Brasil e Alemanha ao longo do ano 
2008, nomeadamente entre o CNPq e a renomada fundação alemã Alexander-
von-Humboldt Stiftung (AvH), a partir da identificação de interesses comuns em 
prol do desenvolvimento das ciências. Percebia-se, desde então, a necessidade 
de intensificar o diálogo cientificamente comprometido e o intercâmbio interna-
cional de experiências, mediante medidas concretas de cooperação. 
Coube a nós, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da 
PUCRS e do Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais (ITEC), a gratifi-
cante tarefa de desenvolver um projeto capaz de contribuir a tais aspirações. O 
objetivo consistia em reunir, em um espaço físico propenso ao diálogo, pesquisa-
dores de reconhecida excelência internacional, capazes de representar, de forma 
plural, o estado da arte do pensamento penal ocidental contemporâneo. E, para 
tanto, fizeram-se presentes em Porto Alegre, por meios de alguns de seus mais 
destacados expoentes, países como Argentina, Chile, Itália e Portugal, para além, 
obviamente, da Alemanha e do Brasil. 
O tema escolhido, por sua vez, dado a singularidade do evento e o par-
ticular momento histórico, buscou atender à necessidade de reflexão acerca das 
intensas transformações que vem sofrendo as ciências penais na aurora desse 
terceiro milênio, em decorrência direta de uma sociedade de novas característi-
cas. Tema cujo enfrentamento não poderia descurar de dimensões de análise que 
são essenciais para a sua própria percepção enquanto problema científico. Daí a 
preocupação em contemplar desde estudos sobre a (re)fundação filosófica do di-
reito penal, até reflexões de cunho acentudamente crimológico, político-criminal 
e dogmático-penal, passando pelos importantes movimentos de constitucionali-
zação e internacionalização do direito penal. 
10
Fabio Roberto D’Avila.
Tratou-se, como se vê, de um projeto ambicioso. Porém, por mérito da-
queles que aqui estiveram, de grande êxito. O que se vivenciou naquele memo-
rável mês de junho esteve para além de mais um congresso de direito penal; 
viveram-se dias de verdadeira celebração. 
E isso não apenas por ter permitido uma singular conjugação de esfor-
ços internacionais em prol do desenvolvimento de um já há muito necessário 
espaço de diálogo acadêmico-científico verdadeiramente comum, desprovido 
de fronteiras e de nacionalidades, em que, diante da premência de soluções a 
desafios que nos tocam como um só povo, a diferença só se faz possível como 
elemento de união. Mas também porque estiveram aqui reunidas algumas das 
mais importantes e tradicionais universidades da Europa e da América Latina, 
que, através de seus professores, carregam o legado humanitário de séculos de 
incansável dedicação por uma sociedade mais tolerante, por um direito penal 
menos autoritário e liberticida, por um direito penal que, antes de qualquer coi-
sa, se constrói e se legitima como espaço de liberdades e de reconhecimento.
Por isso, conquanto o espírito do nosso tempo, fustigado por um recor-
rente pessimismo, seja, muitas vezes, desolador, encontros como este sempre 
nos permitirão acreditar no espaço acadêmico como um lugar de resistência dos 
ideais de liberdade e tolerância, em um projeto que nos une enquanto homens 
sem cor, credo ou nacionalidade, um projeto que queremos cada vez mais nosso. 
É isso que aqui se celebra. E é isso que agora se leva ao leitor, por meio 
da publicação de suas atas. A união de esforços, de cultura, de experiência por 
um mundo, para muitos, utópico. Mas que, para todos que aqui estiveram, e para 
tantos outros que conosco comungam esses ideais, já existe desde o primeiro que 
por ele se levantou, e se renova, por inteiro, a cada passo dado. 
Gostaria, por isso, muito sinceramente, de agradecer a todos os colegas 
que, com seus escritos, contribuíram para a conclusão dessa obra, aos colegas e 
alunos que participaram da organização do evento, em especial a Melissa Lippert e 
a Uriel Möller, cujo apoio pessoal e logístico foi fundamental para a sua realização. 
Mas também aos colegas e alunos que se dedicaram à tradução e revisão dos arti-
gos em língua estrangeira, muito particularmente ao mestrando Stephan Doering 
Darcie, a quem devo todo o apoio final na revisão dos textos e organização da obra. 
Um agradecimento especial devo ainda à Fundação Alexander von 
Humboldt, ao CNPq e ao Ministério da Justiça do Brasil cujo financiamento e 
apoio tornaram possível os presentes estudos. 
Porto Alegre, Verão de 2011.
11
o direito PenAl, A linguAgem e o mundo globAlizAdo.
BaBel ou esperanto Universal?
Prof. Doutor José de Faria Costa
Universidade de Coimbra, Portugal
1. Uma narrativa introdutória
O direito, o direito penal, não é uma narrativa1 mas mostra-se também 
através dela. Por isso, queiramo-lo ou não, a narrativa é um dos vectores fun-
damentais para se perceber, compreender, analisar, criticar e estudar o direito2. 
Mais ainda. A narrativa do direito, a narrativa jurídica3 abre-se em três grandes 
1 Entendamo-nos. Temos por “narrativa” a exposição ou ilustração de um facto ou de uma série de factos, 
mais ou menos encadeados, que se leva a cabo por palavras ou imagens. É evidente que o que conta na nar-
rativa do direito são as palavras. É a linguagem. Talvez melhor: o que conta no mundo da juridicidade é a 
palavra enquanto significante e significado. Por exemplo: quando no crime de homicídio se diz “aquele que 
matar outra pessoa será punido com a pena Y” o que se está a fazer, entre outras coisas e desde logo, é a narrar 
uma situação hipotética — “matar uma outra pessoa”, um encadeamento de factos, pois — a que se atribui 
uma consequência. Neste caso simples e paradigmático, o direito, o direito penal, não só descreve, narra, uma 
conexão de factos, através da modalidade de hipótese, de um tempo hipotético e futuro, mas narra um outro 
facto “será punido com a pena y”. Em verdadeiro rigor, quer a descrição da situação hipotética, quer o que 
se lhe segue se tal acontecer mais não é do que pura narrativa. Narrativa vista no primeiro segmento como 
hipótese e no segundo elemento como consequência. Dir-se-á: certo, mas a análise que se fez teve que ver com 
uma específica dimensão do direito. Teve que ver com a lei. Neste caso particular com a definição legal de um 
tipo legal de crime. Tudo indubitavelmente correcto. Só que isso não invalida minimamente o que se acaba de 
reflectir. Sobretudo se se tiver em linha de conta que o princípio da legalidade é uma expressão fundamental 
do direito penal moderno — o tipo legal de crime é a ratio relevans — ou, como defendemos, do direito penal 
pós-moderno ou do direito penal tardo-moderno, conceito ou expressão, este último, aliás, que preferimos 
(sobre a pós-modernidade ou a tardo-modernidade veja-se o que se escreve na nota 6).
2 Não só o direito, é evidente. Por exemplo, também a filosofia. A um tal ponto que Lyotard afirma, sem rebuço 
e de forma peremptória, que a “filosofia é literatura” e o “filósofo não é mais do que um escritor falhado, mais 
falhado”, valha a verdade, “do que o próprio escritor”, veja-se Lyotard, Jean-François, «La scrittura riflessiva», 
in: Filosofia ’94 (a cura de Gianni Vattimo), Roma-Bari: Laterza, p. 102.
3 Normalmente associa-se a narrativa quase de modo exclusivo à literatura. Todavia, sabe-se, hoje, que as coisas 
não são assim. Basta pensar na história. Saber que se assume, de tantos lados, como uma narrativa. Porém o que 
é, deveras, interessante pode detectar-se no entrecruzar da narrativa literária com a própria linguagem jurídica, 
enquanto narrativa. Expliquemo-nos. Estamos a querer dar um exemplo em que a linguagem jurídica ou, se se 
quiser, a conceptologia jurídica vai servir de matéria à própria narrativa literária. Mas não de uma maneira assép-
tica. Não. A matéria jurídica a ser trabalhada para se tornar, por exemplo,figura de estilo (ironia). Peguemos, pois, 
em uma ilustração do grande Camilo Castelo Branco. Em certo passo do romance “O bem e o mal” a personagem 
central, Casimiro Bettancourt, ao ser detido nada diz, fica em silêncio, ao que lhe é retorquido que o silêncio cor-
responde a uma confissão do delito. Ora, é aqui que Camilo põe na boca de Casimiro esta extraordinária frase, de 
uma frescura e de uma actualidade inexcedíveis: “É o anexim ‘quem cala consente’ arvorado em axioma jurídico. 
Boa hermenêutica” (cf. CamiLo CasteLo BranCo, O bem e o mal, 10ª edição, conforme a 3ª, última revista pelo 
autor, mas impressa na ortografia oficial, Lisboa, Parceria António Maria Pereira, 1940, p. 162, itálico nosso). 
Analisar este excerto seria interessantíssimo mas, aqui, deslocado. Fiquemo-nos por duas ideias. A primeira é a 
de que a hermenêutica como método interpretativo para o direito era coisa conhecida já no séc. XIX que se não 
cingia, por isso, à mera exegese literária. Segundo, ressalta claro que para Camilo quem nada diz nada diz. Isto é, 
não afirma nem infirma. Donde desse omittere nada se poder concluir. Mais. Pode mesmo postular-se, aqui, um 
embrião do direito ao silêncio, hoje tão importante e fundamental no actual direito processual penal democrático 
12
José de Faria Costa.
segmentos ou, se se quiser, em três grandes territórios narrativos: o legislativo, o 
jurisprudencial e o doutrinal4. É nosso propósito levar a cabo algumas reflexões 
tempestivas sobre o direito penal dentro de um horizonte crítico onde impere o 
sentido da narratologia5 como “instrumento débil”, mas instrumento de qualquer 
maneira, para se compreender o direito e muito particularmente o direito penal. 
Mas o que é que nos leva a dizer que a narratologia é um “instrumento débil”?
Fácil é de ver que se emprega aqui uma analogia. Em vez da noção de 
“pensamento débil” que tanto caracteriza este nosso tempo – a que alguns cha-
mam de pós-modernidade6 – emprega-se o conceito de “instrumento débil”, que-
rendo com isso significar que os meios de análise são também eles susceptíveis 
de serem postos em causa e que, para além de tudo, pode operar-se uma certa 
intermutação entre eles sem que o que se pretende alcançar não venha a sofrer 
danos de maior (ou pelo menos é essa a convicção de que se parte). Por outras 
palavras ainda e talvez de maneira mais incisiva: enquanto o método experimen-
tal é, por exemplo, para as ciências empíricas o “único” que legitima a cientifi-
cidade dessa prática ordinária de um saber rigoroso e se assume, nesta lógica, 
e liberal. Se o pensamento jurídico nacional estivesse por vezes mais atento ao pensamento português e menos 
subserviente a outras ordens jurídicas muito beneficiaria. Para além de que, outrossim, se enriqueceria se perce-
besse que o direito pode, hoje como ontem, ser fertilizado por outros saberes, por outras linguagens que exprimem 
outras tantas narrativas.
4 Aquilo que a doutrina narra pode ser visto de duas maneiras bem precisas. Há uma narrativa sobre a própria 
lei. Um discurso jurídico sobre a própria lei. Sobre a sua compreensão. Sobre o seu sentido. Sobre a sua legiti-
midade. Entre tantos outros pontos. É este, digamos, o campo primeiro ou o pórtico por onde entra a narrativa 
doutrinal nas coisas do direito. Uma reflexão, por conseguinte, que trabalha com o texto-norma e a norma-texto 
(veja-se o que se diz, a propósito destes conceitos, na nota 13). Todavia, a doutrina enquanto reflexão, crítica ou 
não, sobre o direito pode ir mais além ou mais fundo. Pode mesmo distanciar-se da lei e propor, novos modelos 
jurídicos, novas narrativas no que toca a futuras leis. Deste modo, enquanto olhamos para aquele primeiro 
momento não temos dúvidas em afirmar que ali radica uma verdadeira e própria narrativa que se, desenvolve, 
alias, no mesmo patamar das narrativas legais e jurisprudenciais. Todavia, quando valoramos o segundo as-
pecto da reflexão doutrinal parece-nos que, então, se está defronte a uma metanarrativa. O que é, como todos 
sabemos, coisa bastante diferente. O que, contudo, lhe não diminui a importância. 
5 Narratologia vai, neste contexto, empregue enquanto procura de um entendimento – em um sentido episte-
mológico – para as estruturas narrativas do direito. Por outras palavras e de forma interrogativa: o que é que, 
por exemplo, diferencia a estrutura narrativa de um texto legislativo, de uma sentença ou de trabalho doutrinal? 
Sim. Qual a diferença específica entre estes campos ou territórios narrativos?
6 Continuamos a pensar aquilo que aquilo que, em outro lugar e há pouco tempo, escrevemos merece, porque 
adequado, também aqui ser referido. Assim, “um dos nomes que alguns utilizam para dar serventia de qualifica-
ção ao nosso tempo é “tardo-moderno”. Outros enfileiram – aliás, a mais normal e também a mais difusa – pela 
expressão “pós-moderno”. Sem se querer dar demasiada importância aos nomes, pois estes são isso e só isso, no-
mes, e não querendo reinventar qualquer sopro teórico para o rejuvenescimento do nominalismo, sempre se pode-
rá afirmar que nos parece ser mais consistente, neste contexto e para este efeito, o prefixo “tardo” do que o prefixo 
“pós”. Pensamos que a nossa época só cronologicamente é que vem depois da modernidade. E isso é pouco para 
a definir. Somos pós-modernos, pois somos, da mesma forma que os renascentistas eram pós-medievais, mas que 
se saiba nunca ninguém quis definir o tempo renascentista como pós-medieval. Somos antes, por conseguinte, 
muito mais tardo-modernos do que pós-modernos, porquanto o que se está a viver é ainda uma modernidade que 
se mostra como tardia ou eventualmente já em ocaso mas, de qualquer maneira, ainda modernidade”, «Bioética 
e direito penal (reflexões possíveis em tempos de incerteza)», estudo que está em vias de publicação no livro de 
Homenagem da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra a Jorge de Figueiredo Dias.
13
O direito penal, a linguagem e o mundo globalizado.
como um “instrumento forte” a narratologia, como meio de aproximação a um 
saber que vive, ele próprio, da própria narrativa, não pode deixar de ser olhada 
como “instrumento débil”. Na verdade, se Wittgenstein podia dizer no Tractatus 
Logico-Philosophicus que “os limites da minha linguagem significa os limites do 
meu mundo”7 quer isso “significar”, precisamente pela linguagem, que o mundo
– e por isso também o direito – só se pode perceber pela linguagem. Que o di-
reito só se pode entender pela linguagem ou, como defendemos, que o direito se 
mostra, por sobre tudo, pela linguagem e que, nos limites da sua expressão, está 
circunscrito precisamente àquilo que a linguagem permita. Por outras palavras 
ainda: não podemos construir ou sequer pensar um direito – isto é, uma ordem8 
jurídica – que não arranque da linguagem, de uma qualquer linguagem. Se bem 
que se possa conceber que o direito, enquanto ideia regulativa de dimensão on-
to-antropológica, é uma das criações humanas que mais violenta a linguagem e 
que, por isso mesmo, com ela se não pode identificar completamente, é possível. 
Todavia, o facto é bem mais complexo. Porquê? Porque os desafios que a realida-
de põe ao humano9 e, por conseguinte, ao direito são outras tantas arremetidas à 
cidadela da linguagem. Porém, o humano, a criação humana, o direito, enquanto 
violenta e ataca a linguagem fá-lo sempre – e aqui entra o inescapável paradoxo 
que tudo ilumina e tudo obscura – através, precisamente, da linguagem. Lingua-
gem que está lá antes de nós estarmos. Cidadela que estará depois de nós já não 
estarmos. O que faz dela, o que faz de nós, porque sem ela também não somos, 
seres de linguagem de raiz onto-antropológica. Mas uma coisa se quer tornar 
límpida e clara: o direito não se esgota na linguagem, tal como o pensamento se 
não esgota naquela mesma linguagem. Razão tem, pois, Ellis quando, apesar de 
reconhecer que o pensamentoestá para lá da linguagem, não deixa, todavia, de 
declarar que “for human being the most important means of their knowing the 
7 Utilizamos a boa tradução para língua portuguesa de M. S. Lourenço, publicada com a chancela da fundação 
Calouste Gulbenkian (Wittgenstein, Ludwig, Tratado Lógico-filosófico – Investigações Filosóficas, Lisboa: 
Fundação Calouste Gulbenkian), 5.6 (p. 114).
8 O direito é uma ordem (ordo est relatio) não é um sistema. Porquê? Porque o sistema pressupõe um conjunto 
de proposições em que o léxico e a sintaxe se fixam, se cristalizam, de modo não equívoco. Os elementos são 
definidos por uma função. Peguemos em um exemplo. Olhemos para o número zero. Assim, no sistema deci-
mal – e aqui, sim, faz todo o sentido falar em sistema – o zero vale sempre e sempre o mesmo conforme o seu 
lugar funcional. Assim, se associado a um número deixa este inalterado desde que estejamos a trabalhar com 
a adição ou com a subtracção (7+0=7; 7-0=7). Mas já reduz qualquer número a zero, a si próprio, desde que a 
função seja a multiplicação (7x 0=0). Sobre este ponto veja-se Lyotard, ob. cit. [nota 2], p. 99. Em abono da 
verdade poder-se-á dizer que o direito trabalha também com elementos que são tendencialmente não equívocos 
e, nesta perspectiva, aproxima-se da noção de sistema. Que elementos são esses? Falamos, evidentemente, das 
“regras”. Porém, mesmo neste domínio, nunca será demais salientar que um espaço mínimo de interpretação de 
“equivocidade” se pode detectar neste preciso território do direito. Donde, com propriedade e sentido se pode 
continuar a afirmar que o direito é refractário a uma noção de sistema e deve antes ser visto como “ordem”.
9 Aqui gostaríamos de salientar que o humano que pressupomos encerra – e de que maneira – o pensamento 
humano. Sobre as relações entre linguagem e pensamento veja-se, por todos, eLLis, John M., Language, thou-
ght, and logic, Evanston: Northwestern University Press, 1993.
14
José de Faria Costa.
world is through language”10. A linguagem é, por conseguinte, o mais importante 
dos meios para, nós humanos, percebermos o mundo. Mas não é o único meio, 
o único instrumento. Nesta óptica, continua a fazer todo o sentido qualificarmos 
a linguagem, que é sempre narrativa, como um “instrumento débil” – porque 
não único – para nos “mostrar” o direito que, por seu turno, é também feito de 
linguagem. E este paradoxo só aparentemente é um “círculo vicioso”, antes se 
mostrando como um “círculo virtuoso”. Na verdade, perceber que o direito é 
um “quid specificum” que se mostra pela linguagem, com diferentes narrativas, 
é assumir a perenidade do transitório11. É ter consciência crítica de que o direito 
é sempre um pedaço de história que se faz e se compreende precisamente com 
aquilo de que ele também é feito, com linguagem. É reconhecer que a norma se 
mostra, em primeiro lugar12, como texto-norma e só depois podemos desvelar a 
norma-texto13. Aqui, como em todas as outras coisas, o ser mais fundo oculta-se, 
esconde-se. Compete ao intérprete, ao jurista, escavar e procurar o sentido últi-
mo que pode não ser sempre susceptível de entrar no reino do dizível, se bem que 
se deva, até ao infinito, fazer um esforço para que tal não aconteça. Para que não 
restem dúvidas: no mundo do direito tudo tem de ser ra cionalizável através da 
linguagem que se estrutura em diferentes narrativas. Porém, no limite, no limite 
da procura do “justo”, admitimos o não lugar, o não tempo, a utopia, a ucronia 
e, desse modo, o indizível14. Ainda assim esse limite não é uma pura inutilidade 
10 eLLis, John M., ob. cit., [nota 9], p. 65.
11 O tempo que vivemos, o tempo que faz a temporalidade, é o caldo cultural, social e espiritual do qual nin-
guém escapa. E o nosso tempo, bem ou mal, está marcado pela qualificação pós-modernidade ou tardo-moder-
nidade. Perceber as características deste hoje, deste caos que é o hoje, mesmo de um ponto de vista jurídico, é 
uma das tarefas primeiras de qualquer jurista. Há no tempo que passa qualquer coisa de efémero, de transitório, 
de fugaz, de difuso que se torna muito difícil “agarrar”. Todavia, sempre o que passa, o que flui esteve presente 
no direito. Mesmo quando o absoluto era o mais absoluto e imutável se percebia que não podia escapar ao devir 
do humano. Ao devir da história. Agora, parece que o nosso tempo, o tempo que ajuda a construir o direito dos 
dias de hoje, quer ir no sentido precisamente contrário. Quer ir na absolutização do transitório e do efémero. 
Pensamos que, deste jeito, se está a cometer idêntico erro. Só que, ora, de sinal contrário. Nós somos trânsito, 
o direito é trânsito, mas somos de igual modo constância, o direito é também feito de invariância. Quando 
Heraclito compreendia o mundo através da celebrada expressão “panta rei” parecia antecipar os tempos da 
contemporaneidade. Porém, é bom lembrar que este fluir, este escorrer, se é um horizonte que jamais deve-
mos atirar para o sótão das coisas esquecidas, é também verdade, pelo menos a nossos olhos, que ele só tem 
sentido, enquanto horizonte de compreensão do mundo, se se não fossilizar no próprio absoluto do transitório. 
E tudo o que se acaba de ponderar vale para o direito e, de modo muito particular, para o direito penal. Seria 
absolutamente caótico e desagregador conceber um direito penal que mergulhasse as suas raízes no efémero 
e no transitório. As portas para a arbitrariedade ficariam escancaradas e os valores da certeza e da segurança 
ficariam esfacelados. Um direito penal fluido, aquoso ou, no limite, gasoso seria um retrocesso civilizacional. 
Pode acontecer. Pode. Mas se todos estivermos atentos podemos evitar um tal desastre.
12 Pelo menos e de forma absolutamente segura a partir da “modernidade”.
13 Sobre os conceitos de texto-norma e norma-texto vejam-se as nossas “Lições” Noções Fundamentais de 
Direito Penal (Fragmenta iuris poenalis), Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 142 e s.
14 O indizível é o maior dos paradoxos quando estudamos a linguagem. Na verdade, se assumimos, como nós 
assumimos, que há pensamento para lá do dizível é também verdade que esse mesmo indizível, nem que seja para 
lhe atribuirmos um mero significante, só pode ser comunicado – ser comunicado, isto é, ser “tornado comum” 
– através da própria linguagem que se tem, nesta lógica, como não limite. E é este o paradoxo. O território do 
15
O direito penal, a linguagem e o mundo globalizado.
as sume-se como um axioma15. Uma premissa que não depende de nada. Que 
vale por si e em si. E que tem uma função redutora de autolimitação. Qual? Há 
limites16 para dizer o direito.
Com este fecho, dir-se-á, pouco se avança. Todavia, como sabemos, o 
avançar que, aqui, se convoca não se prende com a clássica compreensão de um 
avançar rectilíneo e sempre ascendente, mas antes com um entendimento de um 
“avançar” que opere, ele próprio, em espiral hermenêutica. O que é que isto, po-
rém, quer significar? Em termos muito simples mas, de igual modo, rigorosos: 
quer dizer que a reflexão levada a cabo densifica a inteligência dos problemas e 
se, por vezes, aparentemente, não a torna mais clara, nem por isso a deixa menos 
inteligível ou racionalizável. Mais ainda. A própria ideia de limite é, ela mesma, 
expressão de qualquer coisa que dá sentido ao próprio direito. A criação jurídica, 
com o grau de variação que todos conhecemos, não pode ser entendida como uma 
narrativa puramente ficcional. Ela é uma narrativa limitada por uma infinidade de 
fronteiras. É, pois, este o sentido do limite que aqui queremos exprimir. Uma no-
ção, uma categoria do pensamento que é ínsita à própria ideia de direito enquanto 
narrativa e mesmo enquanto “ordem”.
2. o território narrativo da lei
Não temos a menor dúvida em afirmar, como já atrás o fizemos, que 
o direito se faz por meio de três grandes narrações. A narração da lei, da 
jurisprudência e da doutrina. Indubitavelmente.Todavia, sobretudo para nós 
penalistas é indesmentível que o território narrativo da lei assume uma im-
portância que nem ao mais desatento pode passar despercebida. De sorte que, 
neste contexto, vamos centrar, por sobre tudo, a nossa atenção na textura 
normativa e narrativa da lei.
silêncio absoluto – isto é, o território da ausência total de linguagem – só pode ser sinalizado, como se vê, pela 
própria linguagem. Mas continuemos um pouco mais. Com efeito, se se pode pensar para lá da linguagem, como 
o fazemos? Que formas superiores de relacionação utilizamos? E se pensamos para lá da linguagem e temos ex-
periências outras que a linguagem não comporta, então, parece que as não podemos comunicar, não as podemos 
transmitir, porque não há linguagem para uma tal realidade. Porém, se assim é como sei o que estou a viver ou a 
pensar? É uma experiência individual sem referentes, logo só “minha”. Imperscrutavelmente “minha”. 
15 É óbvio que não vamos dar uma noção axiomática de axioma. Vamos antes dar um exemplo de axioma 
no campo do direito penal. Assim, poder-se-á dizer que se pode descortinar um axioma penal na seguinte 
especificidade do princípio da contradição aristotélica: nada pode ser, simultaneamente, lícito e ilícito. Isto é: 
avançamos com uma noção rigorosa de axioma e não empregamos aquela, porventura também legítima mas 
mais porosa, que Camilo empregou no exemplo já aqui por nós explicitado; veja-se o que se disse na nota 3.
16 O problema dos limites põe-se, nos tempos que correm, de uma forma extremamente aguda. E não só no 
campo do direito. Na verdade, uma das mais desafiadoras e intrigantes perguntas é feita pela própria ciência. 
Vale por dizer: a ciência terá limites? A este propósito é de estimulante leitura o conjunto de conferências que, 
sob a égide da Fundação Calouste Gulbenkian e com a coordenação de George Steiner, a própria Fundação 
Gulbenkian publicou (A ciência terá limites?, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian/ Gradiva, 2008).
16
José de Faria Costa.
Já deixámos sugerido – talvez mais do que sugerido17 – que o direito pe-
nal, sobretudo naquilo que exprime o princípio da legalidade, enquanto princípio 
da tipicidade, se mostra como narrativa de factos hipotéticos. Esta é uma forma 
de fazer aparecer o direito penal18 que centra toda a sua narrativa em três cânones 
muito precisos e bem delimitados: lei certa, precisa e anterior. O figurino para se 
atribuir legitimidade à narrativa que vai servir de base a uma qualquer punição 
penalmente relevante não fica ao livre alvedrio de quem quer que seja. A lei 
constitucional encarrega-se de atribuir certos papéis, de definir, à partida, as en-
tradas e as saídas de cena dos personagens. Assim, o texto constitucional – nos-
so19, mas em outras constituições o mesmo se passa – impõe que a narração de 
factos futuros, logo factos hipotéticos, que mereçam proibição penal só podem 
ser descritos através de lei certa, precisa e anterior. Esta não é, por conseguinte, 
uma qualquer narração. Não é pura ficção20. É antes um entrelaçar de conceitos – 
e não só – que se mostram como factos hipotéticos e que a comunidade jurídica 
considera que a sua prática é merecedora de uma consequência que, na circuns-
tância, adquire a dimensão conceitual de pena criminal.
Todavia, como se sabe, longe vai a ingenuidade – associada a um certo 
“romantismo positivista”21 – dos primitivos iluministas que pensavam ser possível 
17 Veja-se o que escrevemos na nota 1.
18 Como é bom de ver, vamos centrar toda a nossa atenção na narrativa que o tipo legal de crime encerra. 
É óbvio que, deste jeito, vamos surpreender tão só uma parte do direito penal. Contudo, consideramos que o 
tipo legal de crime é, bem vistas as coisas, o alfa e o ómega desta nossa matriz de direito penal. Por isso não é 
descabido dar-lhe o protagonismo que lhe estamos a atribuir. 
19 Veja-se a al. c) do art. 165º da nossa Lei Fundamental.
20 Precisemos. A narração de factos hipotéticos, isto é, a narração de factos que podem acontecer no futuro tem 
segmentos ficcionais. Qual a razão, pois, que impõe que escrevamos «não é pura ficção»? É simples. Quando o 
tipo legal de crime narra no texto-norma factos, é evidente que narra factos futuros mas ainda e sempre factos 
que o próprio tipo legal expressa no texto-norma que vão, mais cedo ou mais tarde, sempre acontecer. A narra-
ção hipotética de factos que o tipo legal de crime contempla assume um carácter de indubitável previsibilidade. 
Deste modo, por exemplo, os factos narrados em “Alice no país das maravilhas” são factos hipotéticos, só que 
inverossímeis, pura fantasia. O que se não passa, bom é de ver, com os factos narrados no tipo legal de crime. 
Acresce que a narração destes factos encerra uma outra característica: uma abertura infinita a todos os factos 
futuros que se enquadrem na narração hipotética. Assim, se Leocádia matar Genoveva daqui a dois anos é 
aquele texto-norma que vai servir de ponto referencial para se encontrar a norma-texto e a consequente pena. 
Porém, se Zebedão matar Abraão daqui a dez anos é ainda aquele preciso texto-norma, no pressuposto de que 
ainda está em vigor, que desempenhará a função jurídico-penal de espoletar a procura da conexa norma-texto. 
Em síntese: a narração hipotética não é pura ficção no sentido de inverossimilhança ou de impossibilidade do 
acontecer, é antes necessidade do acontecer que se abre a infinitos aconteceres. Mais. É impossível conceber a 
narração hipotética de factos para um só caso. A narração seria, neste caso, inconstitucional, porquanto violaria 
o princípio da universalidade e mostrar-se-ia, para além disso, inconstitucional por violação do princípio da 
necessidade (art. 18º da Constituição da República Portuguesa). 
21 Esta expressão – “romantismo positivista” – que assumimos deliberadamente pode parecer paradoxal ou 
até encerrar, em si mesma, uma dose de nonsense. Com efeito, o ro mantismo, enquanto exaltação de um “eu” 
descomprometido e tendencialmente livre até ao delírio é, em uma primeira análise, o que há de menos com-
paginável com a leitura mais imediata da pauta reguladora do chamado positivismo, sobretudo quando este se 
afirma como manifestação da mais pura objectividade. Assim, nada de mais contraditório. A única coisa que 
parece unir o romantismo e o positivismo será, talvez, o arco temporal que os cobre. Mas será só isso? Julga-
mos, fundadamente, que não. Na verdade, o positivismo, sobretudo aquele que se quis mais duro, descarnado 
17
O direito penal, a linguagem e o mundo globalizado.
definir a realidade só através de factos. Que acreditavam que se podia narrar fac-
tos, da vida comum, de maneira não equívoca. Hoje há uma consciência firme e 
desperta para o insensato e para o prejudicial que uma tal finalidade poderia trazer 
para a defesa da segurança e da certeza22 no campo do direito penal. De sorte que a 
definição dos factos, dos comportamentos no tipo legal de crime, se faça cada vez 
mais por meio daquilo que hoje se qualifica de open textures23 e que na linguagem 
“técnica” ou dogmática do direito penal se identificam como “tipos abertos”24, de-
finição dos tipos legais de crime através da técnica dos exemplos padrão25 ou, no 
limite, como “normas penais em branco”26. Ora, o grande problema está em tentar 
perceber o ponto de equilíbrio entre a fluidez total do “texto incriminador” e a 
rigidez, querida e assumida, de uma tentativa de procurar a descrição factual não 
equívoca27. Bem sabemos que esse ponto de equilíbrio tem muito de horizonte ina-
tingível e que se apresenta, por sobre tudo, com lei da boa razão. Bem sabemos que 
ele jamais é atingível. Bem sabemos que as circunstâncias concretas da história 
só mostram desvios, que a realidade dura e crua é um amontoado de inescapáveis 
mutilações ao desejo de se encontrar um fio que una e separe mas que seja, simul-
taneamente, harmónico. Mas o quese mostra paradoxal é a emergência de dois 
grandes vectores que se apresentam, em si mesmos, de maneira contraditória. De 
um lado, temos um caudal cada vez mais intenso de determinações comunitárias 
que fazem com que as legislações dos países comunitários entrem no frenesim de 
alterações constantes, criando uma instabilidade para lá do razoável, dando uma 
tónica de Babel, mas, por outro lado, tudo isso é feito em nome de uma certa 
uniformização, em nome de uma determinada homogeneização, em nome de um 
“esperanto universal”28. No enquadramento destas ideias é importante perceber 
e aparentemente mais objectivo outra coisa não foi do que uma narrativa científica baseada no “eu” racional, 
poderoso e omnipotente. A razão que cobria o positivismo – e que fazia ciência experimental – só se percebia 
no “eu”, impávido, solene, sem sentimentos, sem emoções. Aí residia o seu território. Mas esse mesmo “eu” 
também tinha sentimentos, emoções, olhava para o passado, era “Sturm und Drang”. De sorte que se possa 
afirmar a existência de um romantismo positivista. Qual, por conseguinte, o “trait d’union”? Fácil é de ver 
que ele está nesse elemento único, polissémico, maleável mas também irredutível que é o “eu”. Se visto só e 
absolutamente racional leva-nos ao positivismo exangue. Se olhado só e absolutamente emotivo conduz-nos 
ao romantismo evanescente.
22 Segurança e certeza, conceitos também eles sujeitos ao enriquecimento da história mas de igual passo à sua 
erosão e, por consequência, ao seu enfraquecimento.
23 Sobre o que se deve entender por open textures veja-se, entre outros, PaPaux, Alain, «Introduction à la 
philosophie du ‘droit en situation’», Bruylant/L.G.D.J/Schulthess, 2006, p.191 e s. 
24 Veja-se o art. 150º do CP.
25 Veja-se o art. 132º do CP.
26 Veja-se o art. 152º-B do CP.
27 Repare-se que temos o cuidado de empregar a expressão “não equívoca” e não o conceito muito mais 
cortante e delimitador de fronteiras de “inequívoco”. Com efeito, procurar o “não equívoco” é aceitar ou ter 
presente que uma franja de equivocidade estará sempre presente na interpretação jurídica, como em qualquer 
outra interpretação. É de sua natureza. O “inequívoco” joga e trabalha na axiomática dos sistemas fechados. E, 
já o vimos mas não nos devemos cansar de o repetir, o direito é uma ordem e não um sistema. E se a ordem é 
relação (veja-se nota 8) isso implica, bom é de ver, abertura e nunca fechamento ou clausura.
28 A utilização desta imagem, que vai ser glosada em vários momentos, não é mais do que isso. Uma imagem 
18
José de Faria Costa.
e clarificar alguns pontos. Em primeiro lugar, urge salientar que o princípio da 
legalidade aponta, indesmentivelmente, para uma certa rigidez narrativa, de certa 
maneira sinaliza os pródromos de um incipiente “esperanto universal”. Com efei-
to, quando o legislador, qualquer legislador, assume que tem de narrar a descrição 
de factos futuros através – mas cingido – do princípio da legalidade é óbvio que a 
narrativa tem de ser muito parecida – e é isso mesmo que se deseja – ou semelhante 
independentemente da língua em que se escreva. O que conta, neste contexto, são 
as estruturas narrativas. As texturas narrativas que, olhadas pela força centrípeta 
do tipo legal de crime, se devem ver não como open textures mas bem ao contrário 
como close textures. Ora, se as coisas se abrem a esta análise não podemos deixar 
de observar que, então, o tipo legal de crime – em uma compreensão liberal, a que 
defendemos, diga-se de passagem e em abono da verdade – exige uma narrativa 
modelada em um “esperanto universal”. Ora, não é isto que nos preocupa en-
quanto penalistas, porquanto uma tal forma de ver as coisas nada mais é do que a 
reafirmação da ideia forte de certeza na aplicação do direito penal. O que nos faz 
subir os patamares de vigilância crítica prende-se com uma outra realidade bem 
mais complexa e talvez menos perceptível. Falamos não da “forma” mas antes e 
sobretudo dos “conteúdos”. O que nos preocupa é a redução dos conteúdos a um 
só modelo, a um só modo de expressão. Concretizemos o que está, nestas últimas 
considerações, em discussão.
Temos por marco civilizacional, já o vimos, que a narrativa, quando se 
trata da definição do tipo legal de crime, se restrinja a um enquadramento for-
temente limitativo. Isso, a nossos olhos, é bom mesmo em uma comunidade de 
tonalidade “tardo-moderna”. E é bom não por qualquer qualidade intrínseca da 
narrativa certa e precisa com que o tipo legal de crime deve aparecer ao comum 
dos cidadãos mas antes porque, desse jeito, se defende a liberdade. Neste sentido 
aquela narração é, a todas as luzes, meramente instrumental. O que conta é o va-
lor final. E o direito penal, por estranho que pareça, é uma “ordem de liberdade”.
Por outro lado, quando estamos a trabalhar com práticas narrativas que 
podem ter consequências limitadoras da liberdade29 é absolutamente impres-
cindível que tudo fique ou reste do modo mais não equívoco possível. O tipo 
legal de crime narra, descreve, comportamentos que o legislador considera 
com sentido metafórico. Não acarreta, bom é de ver, qualquer juízo de valor sobre o esperanto como língua 
“artificial” tendencialmente universal.
29 Temos de ter particular atenção com tudo aquilo que dizemos. É absolutamente necessário jamais esquecer, 
por um minuto sequer, que o direito penal não é uma narrativa ficcional no sentido de narrativa de fantasia. 
De uma narrativa que fala de factos que nunca virão a acontecer. O direito penal não se pode confundir com a 
narrativa de “Alice no país das maravilhas”. Nada disso. Trata-se de uma narrativa que narra factos e narra a 
consequência desses mesmos factos. Que tem, por isso, consequências fortes no real verdadeiro. Dizer que se 
quem praticar um crime de homicídio sofre uma pena de prisão de tantos anos não é uma fantasia. É uma narra-
ção que determina, no futuro, para quem estiver sob a alçada daqueles factos, uma privação da sua liberdade. É 
uma narração que antecipa o futuro e molda esse mesmo futuro. Logo, uma narração que mais do que narração 
se deve afirmar como marcação. Marca, define, aquilo que vai acontecer no futuro.
19
O direito penal, a linguagem e o mundo globalizado.
como penalmente reprováveis por isso os descreve dizendo que, quem, no fu-
turo, os vier a praticar sofre uma sanção, uma pena criminal. Ora, se se podem 
encontrar invariáveis na descrição de certas condutas penalmente relevantes – 
v. g. matar, roubar, injuriar, ofender no corpo terceiros, molestar sexualmente 
terceiros contra sua expressa vontade, atentar contra a ordem estabelecida, etc., 
etc. – é indubitável que a ideosincrasia de que cada povo ou comunidade nacio-
nal importará variações, não só na definição dos comportamentos que levam 
àquelas acções, agora sumariamente descritas, mas também e sobretudo na-
quilo que se refere na multiplicidade de condutas outras ligadas àqueles tipos 
matriciais. Expliquemo-nos. Todos os códigos penais consideram crime a 
conduta daquele que dolosamente provoca a morte de outrem. Por certo. Mas 
há já uma infinidade de diferenças quando olhamos para os homicídios pri-
vilegiados ou para os homicídios qualificados. Como, é evidente, a narrativa 
sancionatória é o mais colorida e variegada possível. Pode ir, infelizmente, 
da pena de morte ou da prisão perpétua até a uma pena de prisão com limite 
máximo, em princípio, de 25 anos (isto já no crime de homicídio qualificado, 
art. 132º, nº 1 do CP). Ora, é precisamente neste aspecto das coisas que a 
introdução de um “esperanto universal” se mostraria nefasta. Aqui, na defi-
nição das condutas proibidas e não propriamente na narração dessas mesmas 
condutas, é que se deve reivindicar a “babel” e não o conteúdo único, o es-
peranto universal do pensamento único. A contaminação viciosa que parece 
invadir a definição das condutas proibidas, por forçade uma cada vez mais 
forte importância de alguns sujeitos internacionais30 – de forma muito breve, 
os sujeitos internacionais como fonte incriminadora –, é motivo de preocu-
pação. Um direito penal liberal deve continuar a reivindicar uma narrativa 
com uma tonalidade de “esperanto universal” quanto ao “modo de escrever” 
o direito penal mas não pode deixar, com igual força, de defender a “Babel” 
para a definição narrativa dos conteúdos. Para a definição narrativa dos com-
portamentos proibidos. A afirmação de um “esperanto universal”, quanto a 
este último aspecto das coisas, mais não é do que o afloramento daquilo que 
Dahrendorf certeiramente apelida como um movimento de anti-iluminismo31. 
Mas não só quanto a este aspecto das coisas deve haver “babel”. Deve ha-
ver diferenciação. Deve haver diversidade. Também quando olhamos para as 
molduras penais abstractas.
Na verdade, não corresponde ao sentido mais profundo de cada comu-
nidade ver as condutas penalmente proibidas serem punidas de maneira idên-
tica ou até uniforme quando cotejadas com outras comunidades mesmo que 
da sua família. Para além de que como se chegaria à escolha da medida penal 
30 Pense-se, por exemplo, nas Directivas e nas Decisões-Quadro no âmbito do direito comunitário.
31 dahrendorf, Ralf, Erasmiani (Gli intelletuali alla prova del totalitarismo, Roma-Bari: Laterza, 2007, p. 209.
20
José de Faria Costa.
abstracta justa? Perante várias molduras penais abstractas, todas atinentes ao 
mesmo comportamento proibido mas resultantes de várias legislações, qual é a 
que seria dominante? Expliquemo-nos um pouco melhor.
O homicídio qualificado, por exemplo, na Alemanha e na Itália é punido 
com pena de prisão perpétua. Em Portugal, a lei penal prevê uma pena de prisão 
até 25 anos e no Brasil, para nos referirmos aos nossos anfitriões, é o homicídio 
qualificado punido com pena de prisão até trinta anos (§ 2º do art. 121 do CPB 
– Código Penal Brasileiro). Perante esta variedade de consequências não é, pois, 
possível nem desejável que se determine – vá-se lá saber com que critério é que 
se poderia chegar a uma tal determinação – a moldura penal abstracta justa para 
a punição do crime de homicídio qualificado. A força da identidade de cada uma 
daquelas ordens jurídicas exige que nos afastemos do “esperanto universal” e 
aceitemos a diversidade babélica.
Por outro lado e continuando a perscrutar modelos de narração das con-
sequências punitivas, é bom não esquecer que em muitas ordens jurídicas a pu-
nição do concurso de infracções se faz por puro modelo aditivo enquanto em 
ordens jurídico-penais, muito embora da mesma família, se opera o chamado 
cúmulo jurídico. E outros exemplos se poderiam facilmente trazer a debate. Sir-
va-nos só de ilustração o que se passa com as normas sobre a imprescritibilidade 
de algumas infracções. Uma vez mais, ordenamentos jurídicos pertencentes a 
uma mesma família apresentam soluções diferentes.
Mais uma vez se mostra e bem, como as comunidades, com a sua auto-
nomia e a sua identidade próprias, assumem modelos tão diferentes em um as-
pecto tão sensível da dogmática penal e da política criminal. Também por aqui 
se deve continuar, em nosso juízo, a defender a “babel”, porquanto esta diver-
sidade é, entre outras coisas, a manifestação e a expressão de uma individuali-
dade e de uma identidade que se não devem sacrificar ao rasoiro devastador do 
“esperanto universal”32. Defender o que se acaba de defender não é estultícia 
do desencanto agónico do “eu” individual seco e mirrado que não olha para 
o lado, que não olha para o “outro”, nem é a transferência ilegítima de uma 
eventual compreensão do “ser” individual para o “ser” colectivo, mas antes a 
afirmação de uma visão das coisas que assenta claramente no pressuposto de 
que a liberdade, o ser individual que se autodetermina sempre na conjunção 
com o “outro” que é também ele diferente, é a fonte e a foz dos rios que levam 
à construção de sociedades mais justas e fraternas.
32 Aqui, como se sabe, “esperanto universal” vai empregue em um sentido metafórico de rasoiro de uma 
só linguagem. É claro que uma só linguagem pode ter também um carácter salvífico e redentor é isso mes-
mo que se pode retirar do Pentecostes (AT 2, 1-13). A ideia de um retorno a uma só língua, a uma unidade 
essencial é óbvio que é um ponto nevrálgico de todas as religiões monoteístas. Por outro lado, não deixa 
de ser curioso que “Babel” nos aparece no Antigo Testamento e o “Pentecostes” precisamente no “Novo 
Testamento”. Também aqui uma ruptura.
21
O direito penal, a linguagem e o mundo globalizado.
3. a luta por “Babel”
Como se sabe, no pensamento judaico-cristão, Babel ilustra ou quer ilus-
trar um momento de queda e de punição de uma certa soberba33. Porém, a essa 
leitura pode bem contrapor-se, dentro de um horizonte de tonalidade laica, que 
a pluralidade de línguas que a aí metaforicamente despontaram mais não quer 
significar do que a afirmação da identidade de cada povo e por transferência ana-
lógica da identidade e da autonomia de cada um de nós, na pobreza consabida 
de cada um e de que todos somos irremediavelmente seres finitos. E que essa 
finitude se manifesta quando “eu” já não comunico, já não “falo”. Nesta pers-
pectiva, “Babel” não é a desordem, a incompreensão, a incomunicabilidade mas 
antes a ordem partilhada, a compreensão limitada e a comunicabilidade possível. 
Aprofundemos, no entanto, um pouco mais esta específica e particular questão.
Todos sabemos que se alguma coisa caracteriza este nosso tempo, este 
tempo de tardo-modernidade, e as diferentes narrativas que o explicam e simul-
taneamente o formam é o facto simples de ele se mostrar plural, multimodal 
e, em certo sentido, mais do que variado até variegado a que se junta a quase 
inexistência de fronteiras nos mais diferentes territórios. Tudo se parece juntar 
a tudo e a tudo confundir-se. Ora, este traço de indefinição e de diversidade, 
este ambiente de situação aquosa ou em alguns casos até gasosa, espalha-se por 
todos os domínios do saber e dos comportamentos e de forma muito particu-
lar dentro daquilo que se chama pensamento “débil”. A fragilidade e a erosão 
com que instituições sociais – pense-se, por exemplo, na ideia de casamento 
ligada, multisecularmente, a união contratual de pessoas de sexo diferente, 
pense-se, também, na fibrilhação conceitual que a ideia de vida humana e de 
morte humana provocam nas fronteiras da moral e da religião – são vistas e 
são sacudidas mostram que a hierarquia e a ordenação das coisas se não faz 
mais por estruturas verticais mas antes e definitivamente no plano horizontal e 
sempre apelando a uma inclinação de sobreposição de planos e de categorias. 
Em termos simples mas não menos rigorosos: por todo o lado parece existir 
e manifestar-se a “Babel”. Por outras palavras ainda: em todos os cantos da 
nossa existência o local convoca o global, o ontem confunde-se com o amanhã 
que é já presente, o universal parece só ter sentido se passear de mão dada com 
o particular. Ora, se as coisas são desde jeito, que sentido tem falar-se em uma 
luta por “Babel” no campo do direito e muito particularmente no território nar-
rativo do direito penal? Efectivamente, se tudo em nosso redor é “Babel”, logo 
também no campo do direito penal será “Babel e, por isso mesmo, não haverá 
razão para preocupações. Porém, será mesmo assim? De sorte que devamos 
33 Para uma compreensão densa, diacrónica e profunda do que se significa Babel no seio da nossa civilização e 
não só (também para o mundo islâmico) veja-se o trabalho de Zumthor, Paul, Babel ou o inacabamento (Uma 
reflexão sobre o mito de Babel), Lisboa: Editorial Bizâncio, 1998. 
22
José de Faria Costa.
tornar a perguntar: tem sentido lutar por “Babel” ou isso não será antes uma 
mera pergunta retórica? A resposta, em nosso juízo, outra nãopode ser: tem 
sentido e muito sentido. Tentemos discretear, pois, sobre a intencionalidade 
de um tal sentido.
A aparente desordem que reina, sobretudo quando se olha e valora tão-só 
o superficial da realidade, aquilo a que se poderia chamar a “espuma dos dias”34, 
na tardo-modernidade não poderia subsistir por muito tempo se não tivesse qual-
quer coisa, por baixo, a agregá-la. E essa qualquer coisa existe. É um “quid 
specificum” com que ninguém se preocupa porque perversamente o pensamento, 
mesmo o mais fecundo, se assume como “débil”. E qual é ele? É um pensamento 
que se quer assumir como único e ditar regras únicas não para aquilo que é super-
ficial e acessório mas antes para tudo aquilo que é definitivo e essencial. E por-
que o direito e muito particularmente o direito penal é um desses territórios que, 
para quem estiver mais atento, se mostra como essencial, então, o pensamento 
único com o sentido de “esperanto universal” quer se introduzir na compreensão 
e realização do direito penal. Através de que forma? Através, não da ideia nobre 
e absolutamente necessária à realização de qualquer sociedade como é a ideia de 
segurança, mas antes por meio da bastardia que o securitarismo representa rela-
tivamente ao, já o vimos, valor da segurança liberalmente entendido.
O Estado tradicional, o Estado-nação, entrou em crise profunda. E com 
a crise desse modelo de Estado entrou também em crise uma certa ideia liberal 
de direito penal. Por todos os cantos se ouvem vozes a reclamar mais direito 
penal, sobretudo através de neocriminalizações – tantas vezes com um valor 
meramente simbólico, porquanto é difícil, quando não impossível, aí descobrir 
a protecção de qualquer bem jurídico –, e ainda por meio da exasperação das 
penas a que não falta também a ideia de uma clara diminuição das garantias 
processuais. E quer isso tudo em cada um dos Estados. E porquê? Porque há 
um inimigo comum. E qual é ele? O terrorismo. Um inimigo sem rosto que está 
em todo o sítio e em lugar nenhum. E se esta é retórica política que se propala 
não se pense que não há a dimensão estritamente jurídico-penal a tentar legi-
timar “cientificamente” uma tal maneira de ver e interpretar estes tempos de 
desconfiança e de medo de todos contra todos. O chamado direito “penal do 
inimigo” é a tentativa de resposta uma tal exigência de securitarismo. Mas não 
só, adiantemos desde já. Com efeito, olhando para o que se passa, em termos 
34 Peguemos em um exemplo muito comezinho e sintomático. Olhemos para o fenómeno da moda. A moda, 
dir-se-á, neste nosso tempo é plural, complexa, diversificada. Em termos simples: a moda é “Babel”. Mas 
será mesmo assim? Cremos que não. A moda quer criar a ilusão de “Babel” mas, ao fim e ao cabo, tudo 
depois se reduz ao “esperanto universal” que meia dúzia, uma clic, vem a definir como moda. E todos vão 
comportar-se em função daqueles modelos, ter os mesmos hábitos, vestir-se de igual maneira em Nova York 
ou em Moscovo, comer o mesmo em Porto Alegre ou em Milão. E vão fazê-lo com a convicção de que 
estão a manifestar a sua liberdade de escolha e de opção. Um invisível “esperanto universal” liga a moda. 
Ninguém o vê. Ninguém o quer ver, mas está lá.
23
O direito penal, a linguagem e o mundo globalizado.
jurídico-penais, à nossa volta podemos com facilidade encontrar três grandes 
pilares de “esperanto universal”35. Em primeiro lugar, o Tribunal Penal Inter-
nacional, depois, o mandado de detenção europeu e finalmente – se bem que 
em uma outra dimensão completamente diferente mas a que a retórica argu-
mentativa dá precisamente campo para que tudo se recomponha – a teorização 
do chamado “direito penal do inimigo”. Analisemos mais profundamente o que 
se acaba de reflectir por último para que não haja dúvidas sobre o que se quer 
valorar e ainda sobre a própria valoração.
É evidente que a teorização do chamado direito penal do inimigo é a for-
ma mais radical e extrema de se perceber e tentar combater o terrorismo a que 
se associa, em linha recta, a insegurança. E, é evidente também, que o Tribunal 
Penal Internacional e o mandado de detenção europeu estão longe, muito longe, 
de serem, uma primeira linha, da defesa de ideias que se compaginem com um 
direito penal do inimigo. Esclarecido o que devia ser esclarecido urge, do mesmo 
passo, tornar claro que, precisamente, o TPI e o mandado de detenção europeu se 
mostram como segundas linhas das narrativas que defendem um certo “esperanto 
universal” para atacar os crimes contra a humanidade, o terrorismo internacional e 
a criminalidade altamente organizada. E em que é que se baseia a retórica da defesa 
destes institutos? Se os crimes são contra a humanidade, se o terrorismo é global e 
se também a criminalidade altamente organizada também se mostra global, então, 
é manifesto, diz-se, que a resposta outra não pode ser senão a global e única, estan-
do, pois, justificado o “esperanto universal” das respostas jurídico-penais a tal ou 
tais problemas. E aquela simetria impressiona a uma primeira vista. Sem dúvida.
Não temos a menor dúvida em aceitar que muita coisa mudou no mun-
do e também na criminalidade. Da mesma forma que quando se passou do 
“ancien régime” para a Ilustração muita coisa estava a mudar no mundo e no 
direito penal. Não discutimos que alguma resposta unitária não possa deixar 
de ser levada a cabo perante formas profundamente insidiosas e devastadoras 
de terrorismo. Só que o problema está no efeito de arrastamento ou de alastra-
mento. O problema está na contaminação que medidas penais correctas para 
situações de excepção possam implicar uma lassidão relativamente a outros 
campos normativos. Um exemplo. Podemos aceitar que se faça, coercivamen-
te, o registo do DNA, relativamente a criminosos altamente perigosos, depois 
do trânsito em julgado, mas já não aceitamos nem achamos que seja propor-
cionado que se o faça para os cidadãos comuns. Mais. E o que criticamos, 
neste contexto, é a perversidade da argumentação securitária e de matriz de 
“esperanto universal” que vem dizer que um tal rastreio universal a todos os 
cidadãos tem como finalidade primeira a possibilidade de se reconhecerem e 
35 É óbvio que tudo isto tem um carácter meramente indicativo. Escolhemos estes três exemplos porque são 
aqueles que, de certa forma, mais visibilidade trazem ao discurso e à narrativa ou narrativas ligadas ao direito 
penal, compreendido no seu sentido mais lato.
24
José de Faria Costa.
identificarem os corpos em caso de catástrofes. É óbvio que não é isso que se 
quer. No “sottofondo” está uma vocação securitária. A narrativa da benemerên-
cia a esconder um pensamento único e securitário.
Quando se joga com a segurança e de forma muito particular com derivas 
securitárias o que temos de perguntar prende-se com as restrições à liberdade que 
a exaltação daquele valor determina. Que a segurança é um valor jurídico todos o 
afirmam e nós reafirmamos. Que a segurança faz parte de uma certa ideia de Direi-
to é, para nós, pedra de toque de toda a noção de comunidade jurídica. Que a se-
gurança representa simbolicamente um pilar para toda a narrativa jurídico-política 
é, também para nós, um dado. Tudo isto temos por verdadeiro e indiscutível, o que 
já nos parece falaz, frágil e inconsequente é elevar as coisas quase ao patamar do 
absoluto, esmagando, de todo em todo, o valor da liberdade.
Liberdade que se deve refractar não na simples liberdade individual mas 
antes e definitivamente também na liberdade de cada comunidade política poder 
escolher, fora do “esperanto universal”, aquilo que considera mais adequado, 
mais jurídico-penalmente adequando, a defender os seus legítimos interesses. 
A narrativa, a que se alia uma semântica e uma gramática próprias, do terror e 
do seu legítimo combate não pode servir de espelho para se fazerem constrições 
insuportáveis à liberdade. Daí que aluta por “Babel”, enquanto direito que cada 
comunidade deve ter a poder construir a sua própria ordem jurídico-penal, é um 
combate que vale a pena ser vivido e que tem sentido.
À narrativa do “esperanto universal” de cariz global devemos con-
trapor a força das várias narrativas que “Babel” possibilita. O belo, o justo e 
o bom são “universais”. Mas só o são porque, simultaneamente, incarnam na 
força vivificante do concreto que é sempre particular, diferente, único. Neste 
sentido todo o “universal” é Babel.
25
o nervo exPoSto.
Por umA CrítiCA dA ideiA de rAzão deSde A rACionAlidAde ÉtiCA1
Ricardo Timm de Souza
PUCRS, Brasil
Para o colega Salo de Carvalho.
1. introdução
Toda filosofia, e isto bem sabem os filósofos de todas as eras, constitui-
se essencialmente em crítica da razão, ou seja, em cuidadoso processamento 
crítico da(s) racionalidade(s) vigentes em uma determinada época, desde a per-
cepção qualificada e situada em um determinado locus cultural específico que, 
não obstante, resgata arqueológica e genealogicamente o passado e abre efetivas 
possibilidades compreensivas-propositivas ao futuro. E, em um tempo de abso-
luta urgência como o nosso, um tempo em crise ou em uma crise feita tempo, 
absolutamente urgente é a retomada incisiva do cerne crítico da própria ideia de 
crítica. Retomada que não pode ser – e assumimos a dimensão estritamente filo-
sófica da interpretação do que nos “dá o que pensar”, ou seja, o real correlato de 
nossa mobilização intelectual – senão crítica da(s) racionalidade(s) efetivamente 
vigentes. Os tempos que correm exigem incisivamente uma crítica da Razão, 
ou seja, uma crítica de suas razões – dos tempos – e dos argumentos que as 
legitimam. Essa é, por excelência, a tarefa filosófica do presente, sem a qual a 
1 Para que a quantidade de citações seja a mínima possível, e dado o caráter eminentemente sintético desse escri-
to, refira-se que as bases teórico-argumentativas do presente texto, às quais não faremos referência direta alguma, 
se encontram principalmente em nossos livros Totalidade & Desagregação. Sobre as fronteiras do pensamento e 
suas alternativas; Existência em Decisão - uma introdução ao pensamento de Franz Rosenzweig; Sujeito, Ética 
e História - Levinas, o traumatismo infinito e a crítica da filosofia ocidental; Sentido e Alteridade – Dez ensaios 
sobre o pensamento de Emmanuel Levinas; Metamorfose e extinção – sobre Kafka e a patologia do tempo; Ainda 
além do medo – filosofia e antropologia do preconceito; Sobre a construção do sentido – o pensar e o agir entre 
a vida e a filosofia; Responsabilidade Social – uma introdução à Ética Política para o Brasil do século XXI; 
Ética como fundamento – uma introdução à ética contemporânea; As fontes do humanismo latino - A condição 
humana no pensamento filosófico contemporâneo; Razões plurais – itinerários da racionalidade ética no século 
XX; Sentidos do Infinito - A categoria de “Infinito” nas origens da racionalidade ocidental, dos pré-socráticos 
a Hegel; Em torno à Diferença – aventuras da Alteridade na complexidade da cultura contemporânea; Justiça 
em seus termos – dignidade humana, dignidade do mundo; Kafka, a Justiça, o Veredicto e a Colônia Penal; 
bem como em nossos capítulos e artigos “Rosenzweig entre a História e o Tempo – sentido crítico de Hegel e o 
Estado; “A vida opaca – meditações sobre a singularidade fracassada”; “Por uma estética antropológica desde a 
ética da alteridade: do ‘estado de exceção’ da violência sem memória ao ‘estado de exceção’ da excepcionalidade 
do concreto”; “Fenomenologia e metafenomenologia: substituição e sentido – sobre o tema da ‘substituição’ no 
pensamento ético de Levinas”; “O corpo do tempo – um exercício fenomenológico”; “O pensamento de Levinas e 
a filosofia política: um estudo histórico-filosófico”, além de vários artigos e textos isolados inéditos. Para referên-
cias completas, cf. Referências Bibliográficas, ao fim do texto. Registre-se que este texto foi igualmente publicado 
no livro digital GAUER, Ruth Maria Chittó (org.). criminologia e sistemas Jurídico-penais contemporâneos 
ii, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010.
26
Ricardo Timm de Souza.
tautologia ocupa indecorosamente todos os escaninhos do real – situação à qual 
nenhum intelectual digno da tarefa que toma para si pode se curvar.
Há, pois, que proceder a uma renovada crítica da razão. Inúmeras se-
rão porventura as possibilidades que se abrem; a nossa possibilidade, aqui evi-
dentemente esboçada apenas in nuce e desde nossa posição singular e estilo de 
leitura do que se dá ao levantamento daquilo que se tem oferecido ao nosso 
discernimento ao longo dos últimos vinte anos, sintetiza-se da seguinte maneira: 
penetramos inicialmente nas razões da razão vulgar; entendemos a necessidade 
e artimanhas de uma razão ardilosa que a sustente e, por fim provisório, vimos 
propor uma crítica da amálgama composta por estes dois modelos a partir da ra-
cionalidade ética – temporal – que se dirige ao núcleo da própria ideia de razão, 
ou seja, a partir da racionalidade calibrada pelo Outro da razão. 
2. Por uma compreensão da razão vulgar
Nessa prisão ao ar livre em que o mundo está se 
transformando, já nem importa mais o que depende do quê, 
pois tudo se tornou uno. Todos os fenômenos enrijecem-se 
em insígnias da dominação absoluta do que existe. Não há 
mais ideologia no sentido próprio de falsa consciência, mas 
somente propaganda a favor do mundo, mediante a sua 
duplicação e a mentira provocadora, que não pretende ser 
acreditada, mas que pede o silêncio.
T. ADORNO2
A razão vulgar é, literalmente, a razão indiferente de cada dia, na qual to-
das as violências se combinam com a anestesia advinda da massa obtusa de aconte-
cimentos que se precipitam, dando à homogeneização violenta do real a aparência 
de variedade infinita dos significantes, aparência que não é senão jogo infindo de 
espelhos que se refletem mutuamente, mas que não são senão imagens autore-
plicantes – pois a alternativa verdadeira é sobremaneira rara, e não se encontra 
incólume no espaço inóspito da totalização, da Totalidade fática. É a expressão 
medíocre de um viver por inércia, um semiviver kafkiano, o pretenso “habitar” 
um mundo sem realmente percebê-lo. Pela razão vulgar, transforma-se insignifi-
câncias em relevância, e se retira da relevância seu significado, sua singularidade, 
inofensibilizando-a. Suporta-se o in-suportável. O mundo segue por esta via prin-
cipal; e, mesmo no mundo intelectual da análise, alternativas são, em princípio, 
desconhecidas ou descartadas, as cores superabundantes, os sons onipresentes, que 
ofuscam olhos e ouvidos, nada fazem senão reafirmar a vulgaridade homogênea do 
2 Prismas- crítica cultural e sociedade, p. 14.
27
O nervo exposto.
indiferenciado, ou seja, do indiferente. As máquinas, em seu ressoar automatiza-
do, bem azeitado, mimetizam cérebros igualmente automatizados percorridos por 
sangue suficiente apenas para mantê-los pulsando num arremedo de vida, cérebros 
que não conseguem perceber senão a esfera parda, acrítica, da qual constituem o 
centro geométrico – pois a razão vulgar aposta na geometria para se manter no 
epicentro do status quo e do pretenso futuro fechado – espelhado – que é capaz de 
conceber. As acelerações e desacelerações, as vertigens das promessas, seguem-se 
umas às outras como um comboio infinito de peças confundíveis e intercambiáveis 
entre si, nos trilhos estritos de um círculo fechado. É a razão idiota em sentido 
etimológico; incapaz ao menos de criar um mundo paralelo para nele se refugiar 
de seus pavores, preenche o mundo no qual se dá pela obliteração de tudo o que 
poderia conduzir à hesitação, à diferença, à multiplicidade das origens e dos desti-
nos, fechando-se em si. É a razão pequeno-burguesa por excelência; tem pudores 
de pensar além de seu lugar, pois aprendeu muitocedo que pensar é perigoso. 
Mas é cheia de razões, embora seu objetivo único seja transformar qualidades em 
quantidades, pois estas últimas são previsíveis e calculáveis. Sua indigência quase 
a desculpa de sua cegueira; sua mediocridade é autocompreendida como sua maior 
virtude. Cuida de não se expor ao tempo, pois tem, ainda que não intelectualmente, 
a posse da caricatura da temporalidade; o mundo é uma grande oportunidade a ser 
aproveitada, mas nada de excessivo deve exorbitar o proveito – prefere delegar 
a outras razões o pensamento, enquanto pensa apenas a si mesma, sem pensar. 
Ouve qualquer coisa como se fosse um argumento terminal, desde que não afete 
seus instintos descerebrados; qualquer coluna de jornal ou opinião de bar tem todo 
valor do mundo, se o mundo nada vale. Incapaz de sensibilidade e diferenciação, 
embrutece o sensível e diferenciado com a força bruta; correrá a apoiar o que não 
entende, ainda que soe estranho assim proceder, pois o que não entende é forte e 
catalisa sua mediocridade: “a heroificação do indivíduo mediano faz parte do culto 
do barato”3. Razão servil, a razão vulgar é o campo de concentração do pensamen-
to, onde são agrupados os estímulos incapazes de sobreviver à dinâmica feroz da 
dialética dos interesses; seu único argumento é não ter argumento nenhum e disso 
se orgulhar. Será racista, se a maioria o for; apoiará o populismo punitivo, pois 
penderá sempre à obviedade; correrá a linchar alguém, se essa for a vontade da 
massa; clamará por pena de morte, pois em nenhuma hipótese pretende compreen-
der o que está para além do mais raso dos discursos que se adereça com o lustro de 
argumentos capciosos que não resistiriam a um grão de crítica, se ela ainda existis-
se no campo das possibilidades da vulgaridade. Pois a razão vulgar é a expressão 
do humano feito massa, de-generado, qual lava indiferenciada, que se amolda sem 
excessiva dificuldade ao formato daquilo que a possa conter e suportar e que logo 
se empedra em sua própria intransparência.
3 ADORNO, T.; HORKHEIMER, M., Dialética do esclarecimento, p. 146.
28
Ricardo Timm de Souza.
A razão vulgar é a razão hoje hegemônica; a legião dos indiferentes 
constitui a espessura da indiferença que a tudo amortece, exceto a proliferação 
de si mesma, ao estilo de certos fungos, que sufocam o que não são eles e se 
afogam finalmente em sua tumidez indiferenciada, sem início nem fim, em um 
espasmo abortado de vida. Na direção deste microuniverso pardacento são car-
readas paixões igualmente abortadas, todo tipo de ressentimento e covardia, todo 
tipo de medo e preconceito. A combinação indigesta de todos estes elementos – a 
racionalidade obtusa que é expressão da razão opaca – constitui o imaginário 
social geral no qual todos estamos, de algum modo, mergulhados, e cujos reais 
componentes cumpre elucidar.
Há, pois, em nome do discernimento mais elementar, de estabelecer uma 
crítica filosófica da razão vulgar. Todavia, tal não é possível por si só; necessário 
se faz examinar aquilo que se evidencia patente já a um primeiro exame: não 
existe razão vulgar sem uma razão mais sofisticada, porém menos facilmente 
perceptível, que a sustente, pelo mero fato de que a coesão extremamente precá-
ria da razão vulgar, sua volatilidade que flutua nos níveis mais rasos de qualquer 
coisa que se assemelhe à mera ideia de consciência, não seria possível – pois se 
dispersaria em sua fragmentação privada – sem algum tipo de alicerce mais sóli-
do, sem alguma estrutura de legitimação do obtuso que somente pode se prestar 
a este serviço se, por sua vez, nada tiver de obtusa; a este contraponto especu-
lativo, esta outra razão não obtusa, inteligente, sutil, perspicaz na persecução de 
seus interesses, denominamos no presente contexto – e sem prejuízo à consa-
grada expressão “razão instrumental”, porém ampliando-a – razão ardilosa. Há, 
pois, que compreendê-la.
3. Por uma compreensão da razão ardilosa
Enquanto o espírito crítico permanecer em si mesmo 
em uma contemplação autossuficiente, não será 
capaz de enfrentar a reificação absoluta, que 
pressupõe o progresso do espírito como um 
de seus elementos, e que hoje se prepara 
para absorvê-lo inteiramente.
T. ADORNO4
A razão ardilosa cerca-se a priori de cuidados e credibilidades; procura, 
antes de mais nada, não chocar, pois qualquer choque é perigoso. Imbuída da difí-
cil tarefa de sustentar a violência e vulgaridade do mundo, essa massa volátil e es-
pasmódica, ao estilo de um exoesqueleto altamente cerebral, é e tem de se mostrar 
4 Prismas- crítica cultural e sociedade, p. 26.
29
O nervo exposto.
inteligente; o meio-tom intelectual é seu registro, pois não pode mostrar a que veio, 
mas apenas o que transparece em sua retórica de intenções. Sua violência é adoci-
cada; justifica o injustificável, legitima o ilegitimável a partir da seiva argumenta-
tiva que destila desde a profundidade de seus interesses estratégicos; ao organizar 
os meios disponíveis com relação à meta de atingir determinados fins, exerce de 
modo extremamente organizado a violência instrumental, pois enuncia o álibi per-
feito para dispensar a moral em nome da técnica5. A razão ardilosa, contraponto 
exato da razão vulgar e, simultaneamente, sua outra face, sabe exatamente em que 
consiste e a que veio; mas sua subsistência depende de sua simultânea habilidade 
em escamotear tanto suas razões reais quanto suas reais finalidades, ou seja, em 
escamotear a realidade, aquilo que dá o que pensar: a quantificação violenta do 
mundo e a anulação do tempo, ou seja, a redução do outro ao mesmo. Dá conta do 
que lhe perguntam, mas apenas disso; oferece conforto a quem navega nos mares 
tempestuosos da existência; demarca desde sempre seu âmbito de validade, desti-
lando algo que se costuma interpretar como modéstia e prudência e que a torna tão 
atrativa para espíritos inteligentemente medianos; estranha as coisas nuas, pois re-
projeta no mundo, de modo altamente elaborado e formalizado, o que dele recebe: 
as tensões e forças brutas do existir e do pensar sem limites. Seduz pela razoabili-
dade e equilíbrio de seus sábios enunciados – e essa é sua primeira e maior habi-
lidade, a da hipocrisia – em um mundo no qual a própria ideia de razoabilidade e 
equilíbrio é indecente. Dá a aparência de ser destilada por um cérebro sem corpo, 
como se o pensar viesse antes do existir, ou seja, como se alguém pudesse pensar 
ou enunciar algo sem cérebro – utiliza-se, porém, de tais argúcias e manipulação de 
fragilidades, que qualquer choque, absurdo ou contradição são tolerados, porque 
previamente, sutilmente, inteligentemente, descarnados. 
A razão ardilosa apresenta todas as razões possíveis para que a vulgari-
dade da razão vulgar permaneça opacamente em seu preciso lugar; seu arsenal 
de ferramentas destinadas a esterilizar o novo é enorme, pois disso depende seu 
sucesso. Jogo de poder, finge-se de oferta de conciliação; estratégia de violência, 
mimetiza-se de sutileza intelectual; recurso de cooptação, estende seus tentá-
culos a cada escaninho do ainda-não, para que nada de novo sobreviva. Finge 
mortificar-se com os horrores do mundo, quando significa a possibilidade mais 
profunda de morte da reatividade criativa a esses horrores. 
5 “O uso da violência é mais eficiente e menos dispendioso quando os meios são submetidos a critérios ins-
trumentais e racionais e, assim, dissociados da avaliação moral dos fins… todas as burocracias são boas nesse 
tipo de operação dissociativa. Pode-se mesmo dizer que dele provém a essência da estrutura e do processo bu-
rocráticos e, com ela, o segredo desse tremendo crescimento potencial mobilizador e coordenador da raciona-
lidade e eficiência de ação, alcançados pela civilização moderna graças ao desenvolvimento da administração 
burocrática. A dissociação é, de modo geral, resultado de dois processos paralelos,

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