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Doutrina259 o mito da coisa julgada


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O MITO DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL E A SUBSISTÊNCIA DA 
AÇÃO DE NULIDADE ABSOLUTA OU INSANÁVEL E DOS DEMAIS 
REMÉDIOS PROCESSUAIS NA MATÉRIA. 
ROGÉRIO TADEU ROMANO 
 
I – INTRODUÇÃO 
 
Afinal, que coisa é essa a chamada coisa julgada 
inconstitucional, um tormento que chegou para gerar um estado de aflição e 
desconsolo nas empresas e lares brasileiros, como uma verdadeira espada de 
Dâmocles, sobre as cabeças de todos que ousam confrontar a Fazenda 
Pública no tribunais nos mais diversos rincões desse País, onde vige o Estado 
Democrático de Direito, produto de Constituição-Cidadã, que tem na dignidade 
da pessoa humana, um princípio norteador, impositivo, que dá balizamento a 
ação do Poder Público? 
Se não bastasse não há Estado Democrático sem 
respeito a segurança jurídica sem a qual o ultraje à razoabilidade nos faria viver 
num quadro típico de Kafka, digno dos piores Estados, num minúsculo, que, 
em sua essência noemática, não passam de Estados Policiais. 
Se é cabível pensar num Estado de Direito, onde haja a 
lídima troca de idéias, onde se coloca a pessoa humana como centro das 
aspirações sociais, em sua plena integração individual – coletivo, na presente 
afirmação da pessoa, em sua permanente inclusão social, não se pode deixar 
de concluir que o sistema jurídico vive em um permanente arcabouço de 
mudanças sociais, tecnológicas, por que passa a sociedade, podendo-se ter 
mutações constitucionais. 
Mas, de toda sorte, não se pode conceber a incerteza 
jurídica, como meio e fim, sob pena de inviabilizar a credibilidade trazida pelas 
decisões dos poderes públicos, a bem do cidadão. 
A coisa julgada é expressão máxima da segurança 
jurídica no Estado de Direito, que se baseia na confiança. 
Para Chiovenda1, a expressão coisa julgada, no período 
da extraordinaria cognitio, período em que o Estado passou a assumir, de 
todo, de prestação juridicional, no direito romano, veio a indicar não apenas o 
bem que formou o objeto do julgamento, como ainda o próprio julgamento, a 
 
1
 Sulla cosa giudicata, n. 5, pág. 403, Saggi di diritto processuale civile, 3ª edição, Milão, Giuffè, 1993, 
volume 2. 
sentença e a sua autoridade. É a referência ao bem da vida que foi objeto do 
processo. 
Liebman2 via na coisa julgada uma qualidade especial da 
sentença, como ato processual(coisa julgada formal) e na imutabilidade dos 
seus efeitos(coisa julgada material). 
Para Hellwig, Binder, Stein, dentre outros, na Alemanha, 
fundamenta-se a coisa julgada pela sua eficácia da declaração da certeza 
contida na sentença. 
A coisa julgada, ali moldada no espírito romano, de cunho 
pragmático, próprio a modelar as relações concretas do cotidiano, tinha sua 
dupla função de eficácia preclusiva(impeditiva de novo exame da mesma) e 
prejudicial. Era a res iudicata pro veritate accipitur. Algo que vale como 
verdade. Nada mais próprio do que requer a segurança jurídica. 
Modernamente, um modelo de ponderação de princípios, 
é o antídoto e a solução ideal da controvérsia. 
 Não há falar em coisa julgada inconstitucional sem que 
se tenha como direção a guarda de valores superiores, que são valores 
axiologicamente fundamentais que o Estado pretende implementar por meio da 
ordem jurídica. Tais valores são o fundamento e a meta, o fim do Direito, que o 
legislador constituinte propõe a si, como se vê da lição de Peces-Barba3. Tais 
valores superiores do ordenamento jurídico estão colocados tanto na forma de 
princípios como ainda na de regramento. São exemplo: Justiça, igualdade, 
liberdade, pluralismo político, os direitos fundamentais. 
Logo vem a idéia de que as decisões que se traduzem ou 
são fulcradas em normas tidas como inconstitucionais, seriam nenhumas, 
inexistentes. Que não existiriam no universo jurídico, que poderiam ser, a 
qualquer tempo, expelidas, defenestradas do direito. Isso porque nunca seriam 
direito. 
Tal pensamento é próprio dos chamados modelos 
decisionistas, dogmáticos, em sua forma e conteúdo, como aquele do direito 
canônico. 
O Código de Direito Canônico de 1983, c. 1643, 
determina que prevalece a não passagem em julgado das sentenças canônicas 
que decidam causas sobre o estado das pessoas. 
Ali é previsto o instituto da querela nullitatis(C.1619 e 
seguintes), uma das mais importantes contribuições do direito canônico, que 
 
2
 Eficácia e autoridade da sentença, tradução de Alfredo Buzaid e Benvindo Aires, 1945. 
3
 Los valores superiores, pág. 38, Tecnos, pág. 173. 
remonta ao direito intermediário4 , que buscava impugnar sentença nula, com 
prazos que se existentes, eram inaplicáveis ás causas espirituais. 
Era a justificação do princípio do periculum animae, que 
determinava os decretais pontificais dos séculos XIII e XVI, com o princípio da 
não passagem em julgado. 
É ainda nessa linha de pensar que se tinha tal 
instrumento para proteção da não passagem em julgado, especificamente às 
ações sobre estado das pessoas(1903), as sentenças matrimoniais(1898), que 
foram objeto do antigo Codex Iuris Canonici(1917). 
Assim como no modelo canônico, da querela nullitatis, a 
concepção de Paulo Otero5 não se baseia num modelo de ponderação de 
valores conflitantes. 
Sabe-se que partiu o ilustre publicista lusitano da idéia de 
que a coisa julgada não seria, em si, e na íntegra, protegida pela Constituição. 
É um modelo de tudo ou nada. 
Para ele uma sentença inconstitucional haveria de ser 
suprimida. 
Tal linha de pensar ganhou notoriedade, chegando a 
exposições diversas, como de Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de 
Faria6 onde se dismistificava a coisa julgada, aduzindo que sua imutabilidade 
vinha de texto legal e não da Constituição. 
Tal sentença inconstitucional, mesmo sem ser 
inexistente7, padeceria de nulidade absoluta, que poderia, nesse raciocínio, ser 
constatada, em qualquer tempo, e por qualquer meio(inclusive, nesse 
pensamento, pela subsistência da querela nullitatis). 
Juntar-se-ia tal sentença a outras inexistentes já traçadas 
por Teresa Wambier8, que abre o caminho para outras formas de revisão do 
pronunciamento, além da ação rescisória. Tal se dá, na linha de Liebman, nas 
sentenças que se dão se a constatação das condições de ação, na sentença 
que adota pretensão impossível no sistema jurídico. 
 
4
 Rocca, Fernando Della – Appunti sul processo canonico, Milão, Giuffrè, 1960. 
5
 Ensaio sobre o caso julgado constitucional, Lisboa, Lex, 1993. 
6
 A coisa julgada inconstitucional e seus instrumentos de controle, in RT, vol. 795 
7
 Para o ilustre magistrado federal Barros Dias, seria inexistente a sentença que viola a 
Constituição(Breve análise sobre a coisa julgada inconstitucional, RT, n. 758, São Paulo, RT, 1998). 
8
 Nulidades da Sentença, capítulo III, pág. 270 e seguintes 
Nessa linha de pensar, tem-se o ilustre Ministro José 
Augusto Delgado9, quando diz que segurança jurídica tem um papel de 
submissão hierárquica a outros princípios. Tais princípios que seriam 
superiores seriam: legalidade, moralidade e justiça. 
Ora, se juridicamente existe, tal sentença seria ineficaz, 
seu vício estaria no campo da invalidade, submetido ao regime que há com 
relação ao saneamento da coisa julgada. Tal regime será o da ação rescisória, 
dos embargos de devedor(com a redação que lhe foi dada ao artigo 741, 
parágrafo único, da Constituição Federal, como tal a decisão que se ampara 
em norma inconstitucional ou interpretação inconstitucional, amparada em 
decisãodo Supremo Tribunal Federal), todos remédios, genericamente, 
rescisórios. 
A coisa julgada é garantia constitucional, vide o que se lê, 
literalmente, do artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal). 
Se em nome da moralidade, da legalidade, da 
impessoalidade, princípios norteadores da Administração Pública, da própria 
razoabilidade, se diz que a coisa julgada afronta a Constituição, a questão é 
saber, em nome de uma ponderação de valores, pois o interesse ainda é valor, 
qual a decisão a tomar, não como uma regra de tudo ou nada, sabendo-se se é 
caso de aplicar ou não o principio da confiança. Para cada caso um caso. 
Seria, certamente, uma afronta ao princípio norteador e 
impositivo da dignidade da pessoa humana, negar nova ação de investigação 
de paternidade, diante de outra anterior, onde métodos científicos modernos, 
como o exame do DNA, não eram antes utilizados, no intuito de investigar a 
paternidade. Tal pretensão além de imprescritível, sobreleva a certeza jurídica 
que poderia ser gerada por decisão anterior. 
De toda sorte, desde já, traz-se, data vênia, entendimento 
de que a todo tempo haverá solução para expelir do sistema jurídico um 
comando sentencial inconstitucional. 
Decisão rescindível é objeto de desconstituição, sujeita a 
prazo decadencial( de direito material, própria dos juízos potestativos). 
 
 II – As sentenças nenhumas 
 
 
9
 Pontos polêmicos das ações de indenização de áreas naturais protegidas – Efeitos da Coisa Julgada e os 
princípios constitucionais, RePro, ano 26, n. 103, São Paulo, RT, 2001. 
No título 60 das Ordenações Manuelinas, tinha-se o que 
se conhece como sentenças nenhumas. 
Essas sentenças nenhumas, tidas como inexistentes, a 
que todo tempo poderiam ser revogadas. 
Tais sentenças não seriam objeto da revista da justiça. 
Seriam sentenças nenhumas as que se baseassem em 
corrupção do juiz e da falsa prova. 
Pontes de Miranda10 cita Antonio da Gama para dizer 
sobre a aplicação geral do prazo de 30(trinta) anos para a orientação de a 
qualquer tempo. Estava-se, formando, o sentido da rescisória. 
Para isso entendia-se que toda ação seria prescritível, 
sujeita à regra geral dos direitos pessoais. 
Costumava-se dizer que as sentenças nulas(Ordenação, 
Livro 3º, Título 75), nunca, por tempo algum, passariam em julgado, mas, em 
todo tempo se pode repor contra elas, que são nenhumas e de nenhum efeito. 
Por outro lado, tem-se que as sentenças nulas por direito, 
nunca em tempo algum passarão em julgado, mas em todo tempo se pode 
opor contra elas, que são nenhumas, podendo ser revogadas por ação 
ordinária(Ordenação Livro 3º Título, 75), a qual dura por trinta anos. 
Veja-se o caso da sentença que se dá sem a citação do 
legitimado ou de todos os legitimados. 
Pontes de Miranda corretamente nega a existência dessa 
sentença, preferindo chamá-la de nula11. Para Liebman, citado por 
Dinamarco12, há inexistência da sentença. 
Data vênia, ouso discordar. 
É certo que tal lição foi acolhida em decisão do Supremo 
Tribunal Federal, no RE 97.589, DJU de 3 de junho de 1983, que a par de 
endossara tese da inexistência da sentença, concluiu que uma sentença dada 
sem regular citação do réu é portadora de nulidade absoluta, insuscetível de 
ser sanada pelo trânsito em julgado, e que tal nulidade pode ser sanada, em 
sede de embargos de devedor(ação constitutiva negativa) ou de ação 
declaratória de nulidade absoluta e insanável. 
 
10
 Tratado da Ação Rescisória, § 14, pág. 106. 
11
 Comentários ao Código de Processo Civil, XI, nota 6, ao artigo 741, pág. 94) 
12
 Litisconsórcio, São Paulo, Malheiros, 4ª edição, pág. 300, 
Estamos no campo da ineficácia da sentença. Para tal 
disse Dinamarco13 que, dentre todas as soluções possíveis, o legislador optou 
pela da ineficácia da sentença dada sem a participação de todos os titulares da 
situação jurídica material. Haveria uma ineficácia absoluta para tal sentença, 
que carece de irradiação de efeitos aos terceiros legitimados, não-participantes 
do processo, como ainda fica sem produzir efeitos típicos em relação a eles. 
É o caso da sentença inconstitucional, a chamada coisa 
julgada inconstitucional, que é ineficaz perante a ordem jurídica. 
Parece-me que a matéria está longe de ficar cediça. Tal o 
que se lê do julgamento do Recurso Especial nº 1.015.133 – MT, como se verá 
adiante. Aqui a tese firmada foi pela inexistência da relação jurídica processual 
se inexiste a citação do réu. 
Em sendo assim, tem-se os remédios rescisório e de 
embargos de devedor, para desconstituí-la. Se existe, não se pode declarar 
sua inexistência, mas desconstituí-la, pois viciada, por vício que mais se 
aproxima daqueles onde há anulabilidade do negócio jurídico. Somo a esses 
remédios um outro, dentro do nosso processo constitucional, a Ação de 
Descumprimento de Preceito Fundamental, onde através de pleito ao Supremo 
Tribunal Federal, ter-se-ia decisão com eficácia erga omnes , como remédio 
constitucional. 
Encontram-se no direito alemão, no parágrafo 767 do 
ZPO(ação de oposição – embargos – meio adequado para veicular objeções 
que afetam a própria pretensão determinada na sentença), sendo inadmissível 
a execução da sentença que houver aplicado lei inconstitucional. Tal execução 
seria inexeqüível. 
O processo de execução não é de índole contraditória e 
não admite, em regra, nenhum julgamento de mérito ou ainda acertamento. Só 
existiria coisa julgada no processo de conhecimento. 
Se a matéria da coisa julgada inconstitucional não for 
objeto de argüição pelo devedor-embargante, poderá ocorrer o que Redendi14 
chama de preclusão pro iudicato onde, mesmo na ausência de qualquer 
acertamento propriamente dito, produz-se um resultado prático igual ao da 
autoridade da coisa julgada. Se houver pagamento indevido o caso será de 
repetição de indébito. 
Digo isso, porque as matérias de ordem pública, sejam de 
ordem material ou formal, ficam sepultadas pelo trânsito em julgado e não 
podem ser objeto de apreciação de ofício. Como acreditar no inacreditável, que 
 
13
 Obra citada, pág. 275 
14
 Profili pratici del diritto processuale civile, Milão, 1939, n. 83, pág. 136. 
é o Presidente do Tribunal, quando exerce atividade puramente administrativa, 
por decisão de ofício, negar cumprimento a precatório, alegando que o valor é 
oriundo de decisão inconstitucional? A coisa julgada inconstitucional existe, 
apenas não é eficaz. Como tal há remédios próprios para desconstituí-la, 
obedecido o princípio da demanda . A matéria atinente a constitucionalidade 
ou não da lei que deu azo à decisão que formou o titulo é anterior a este 
momento. 
Inacreditável ainda que diante de ações de embargos de 
devedor haja casos em que o embargante, não satisfeito, alegue o mesmo 
fundamento de coisa julgada inconstitucional para mover ações declaratórias 
de inexistência de relação processual, em qualquer tempo. Há, sem dúvida, aí 
sim, falta de interesse de agir, na segunda ação ajuizada, por falta de 
necessidade na via judicial. 
No direito italiano, temos a fonte do modelo da ação 
rescisória, tal como está em nosso sistema jurídico: a cassação e a revogação. 
Voltemo-nos a eles. 
III – Direito Comparado 
3. 1 – Da revogação e da cassação italiana. 
Na lição de Crisanto Mandrioli15, o recurso de cassação é 
apto a impedir o trânsito em julgado da decisão contra a qual se interpõe. Tal 
recurso é cabível, no direito italiano, no artigo 360 do Códigode Processo Civil. 
Assim seriam objeto de cassação: 
a) Vício de jurisdição( a decisão se dá quando o juízo 
ordinário profere decisão que deveria ser dada pela 
justiça administrativa); 
b) Quando é violada norma sobre competência; 
c) Quando há nulidade da sentença ou do procedimento 
ou ainda quando a fundamentação é inexistente, 
insuficiente ou contraditória. 
Por outro lado, é cabível a revocazione nos casos 
previstos no artigo 395 do codice di procedura civile 
Necessário ainda considerar que há hipóteses em que a 
revocazione só é cabível, nos casos do artigo 396 daquele diploma legal. 
a) Dolo da parte vencedora em detrimento da outra; 
b) Se há julgamento com base em prova falsa; 
 
15
 Corso di diritto processuale civile, volume II, pág. 406. 
c) Se há hipótese de documento novo, se depois da 
decisão, são encontrados um ou mais documentos 
decisivos que a parte não pode produzir em juízo; 
d) Se a sentença é produzida por erro de fato; 
e) Se a sentença é contrária a outro precedente, ou seja, 
a coisa julgada; 
f) Se a sentença é resultante de dolo do juiz. 
É dito que nos casos atinentes a alínea ¨d¨ e a alínea ¨e¨ a 
revocazione só é cabível contra decisão ainda não transitada em julgado. Nos 
demais casos, a revocazione pode ser utilizada mesmo depois do trânsito em 
julgado. 
O exemplo da violação ou falsa aplicação da norma de 
direito está previsto no artigo 360, n. 3, do codice di procedura civile, sendo 
caso similar a violação literal a dispositivo de lei, previsto no artigo 485, V, do 
Código de Processo Civil. 
É caso, no direito italiano, de aplicação do instituto da 
cassação, que, na Itália, é recurso. 
Isso talvez fez alguns autores como Hortêncio Catunda de 
Medeiros a ver a nossa ação rescisória como recurso atípico16. Ora, data vênia, 
ao pensar do ilustre processualista estamos, no Brasil, diante de ação 
constitutiva negativa, que deve ser ajuizada perante os tribunais. 
Tais ilações se fazem diante da redação do artigo 485 do 
Código de Processo Civil, enumerando-se, ali, de forma taxativa, as hipóteses 
de ação rescisória, no Brasil, que tem evidentes raízes na experiência italiana. 
Peculiar que Calamandrei considerasse que havia na 
cassação o aspecto de recurso, trazendo especial argumento no sentido de 
que casos de recurso que poderiam ser ajuizados em 30(trinta) anos, pasmem, 
poderiam ser ajuizados. 
A solução é de ação, como é a ação rescisória, no direito 
brasileiro, como é a ação de embargos de devedor, que é ação de cognição 
incidental de caráter constitutivo, de caráter incidental, como disse Sérgio 
Costa17 
3.2 – O modelo processual português 
Aqui temos a revisão, que é um recurso extraordinário, 
entendido como recurso que só é cabível após o trânsito em julgado da 
decisão. 
 
16
 Recursos Atipicos, Rio de Janeiro, Forense, 1999. 
17
 Manuale di diritto processuale civile, Ed. 1963, n. 450, pág. 591. 
Para José Alberto dos Reis é instituto híbrido, um misto 
de recurso e de ação18. 
Aponto no artigo 771, alínea ¨e¨, do Código de Processo 
Civil exemplo de sentença ineficaz, já noticiada, no sentido de que ¨quando, 
tendo corrido a acção e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção 
do réu, se mostre que faltou a sua citação ou é nula a citação feita¨. 
IV – A oposição á execução fundada em título executivo inconstitucional 
O dispositivo constante do artigo 741, parágrafo único, do 
Código de Processo Civil segundo o qual ¨considera-se também inexigível o 
titulo judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo 
Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas como 
incompatíveis com a Constituição Federal(MP 2.180 – 35/2001, artigo 10º, 
sendo que a primeira previsão da nova regra se deu na MP 1.997 – 37, de 11 
de abril de 2000, artigo 3º, com outra redação) tem evidente 
inconstitucionalidade formal, dado o teor da Emenda Constitucional n. 32 que 
proíbe veiculação de matéria processual por medida provisória. 
Digo isso, uma vez que, no passado, o Supremo Tribunal 
Federal entendeu constitucional a edição de matéria processual por medida 
provisória, ver, por exemplo, a ADI 1.753 – MC, Ministro Sepúlveda Pertence, 
DJU de 12 de junho de 1998 e ainda ADI 1.910 – MC, DJU de 27 de fevereiro 
de 2004. 
Há o estabelecimento de nova hipótese de 
desconstituição de um titulo judicial, um novo meio rescisório, através de ação 
de embargos de devedor. 
Nas hipóteses enumeradas no artigo 741, parágrafo 
único, do Código de Processo Civil, tem-se que será aplicável tanto quando a 
pronunciamento do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado(ou a 
suspensão pelo Senado, nos casos de controle difuso) for posterior a sentença 
que serve de titulo executivo, quanto quando for anterior – sempre observados 
os limites temporais fixados na decisão do Supremo Tribunal Federal ou na 
resolução do Senado Federal. 
Necessário observar se a decisão produz efeitos ex tunc, 
como normalmente ocorre nessa sede, ou ainda ex nunc(modelo austríaco da 
Constituição, por concepção de kelsen). 
O titulo executivo constituído será em principio eficaz e 
será desconstituído na medida em que o Judiciário constatar sua inviabilidade 
absoluta com a orientação do Supremo Tribunal Federal. 
 
18
 Código de Processo Civil Anotado, volume VI, pág. 375. 
Bem elucida Eduardo Talamini19 que o pronunciamento 
sobre a inconstitucionalidade(com ou sem redução de texto) ou a interpretação 
conforme da norma infraconstitucional, proferido as ações diretas de 
inconstitucionalidade, nas declaratórias de inconstitucionalidade ou ainda nas 
ações de descumprimento de preceito fundamental) será invocável para os fins 
de embargos, nos limites de eficácia temporal que o Supremo Tribunal Federal 
houver atribuído a sua decisão, Lei 9.868/99, artigo 27 e Lei nº 9.882/99, artigo 
11. 
Ainda ensina Eduardo Talamini que no caso de 
interpretação conforme e da declaração de inconstitucionalidade sem redução 
de texto, o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal poderá ser invocado 
para combater tanto títulos executivos amparados na adoção de outra 
interpretação desconforme, como títulos que tenham, incidenter tantum, 
reputado a norma inconstitucional(recurso extraordinário, artigo 102, III, da 
Constituição) 
Levo ainda em conta a ilação de que o pronunciamento 
de inconstitucionalidade da norma infraconstitucional, contido no julgamento de 
procedência da ação declaratória de constitucionalidade ou de improcedência 
na ação direta de inconstitucionalidade autoriza a interposição de embargos de 
devedor naqueles casos em que, para formação do titulo judicial, houver 
concorrido uma declaração incidental de inconstitucionalidade daquela norma. 
Estão fora dessa cogitação as ações 
declaratórias(meramente declaratórias), as ações constitutivas. O campo 
próprio do dispositivo estudado é o das pretensões que envolvem ações 
condenatórias ou ainda dentro da classificação quinária, quando muito, as 
ações executivas lato sensu e as ações mandamentais. 
Faço menção a possibilidade de ajuizamento de objeção 
ou exceção de pré-executividade sempre que houver vícios com relação a falta 
de pressupostos processuais e ainda de condição de ação. Tal expediente 
como se sabe independe de segurança de juízo(aliás, hoje os embargos de 
devedor independem de penhora). 
Por fim, trago o grave problema das constantes iniciativas 
da Administração com relaçãoa utilização dos embargos de devedor, em 
execuções promovidas visando ao pagamento do justo preço da indenização 
nas desapropriações. 
 
Elucidativo o teor do acórdão na AC nº 462288 – RN, 
Relator Desembargador Francisco Cavalcanti, DJ de 9 de outubro de 2009, no 
sentido de que a inexigibilidade do título, nos termos do artigo 741, parágrafo 
único, do Código de Processo Civil, somente haverá se a Administração provar, 
 
19
 Coisa julgada e sua revisão, São Paulo, RT, 2005, pág. 463. 
na forma daquele dispositivo legal, que aquele se fundara em lei ou ato 
normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou que o 
título tomou por base a aplicação ou interpretação de norma tida pelo Supremo 
Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal. 
 
Não foi outro o entendimento do Ministro Humberto 
Martins, Segunda Turma, no julgamento do Recurso Especial 1244041, DJe de 
13 de junho de 2011, quando disse que não se reconhece coisa julgada 
quando a sentença contraria abertamente o princípio constitucional da justa 
indenização, princípio jurídico indeterminado ou decide em evidente 
descompasso com dados fáticos da causa. É interesse do particular que a 
prévia e justa indenização lhe seja paga nas desapropriações, dentro dos 
limites da razoabilidade, assim como não se concebe que a Fazenda Pública 
seja condenada em injustas indenizações milionárias. 
 
V – A subsistência da querela nullitatis insanabilis – 
Independente da questão da ação declaratória de 
inexistência da relação processual, nos casos não ocorrência de citação para 
réu, onde há evidente divergência doutrinária e jurisprudencial entre a 
incidência da inexistência ou da ineficácia da sentença, tem-se o crescimento, 
nos tribunais, de discussões em torno da subsistência da querela nullitatis 
insanabilis, na defesa dos princípios constitucionais norteadores da 
Administração, como a legalidade e moralidade, dentre outros. Em caso 
importante julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 
1.015.133 – MT, a Relatora Eliana Calmon entendeu que em respeito a coisa 
julgada e à segurança jurídica, incabível a ação civil pública, que, pela via 
transversa, busca declarar nulo o titulo de domínio, rescindir o julgado na ação 
de desapropriação e condenar os particulares a devolverem valores recebidos 
em cumprimento a uma ordem judicial. 
Cito importante leading case, no Recurso Especial nº 
1.015.133 – MT, onde foi Relator para acórdão o Ministro Castro Meira. Dele 
retiro as seguintes conclusões: 
a) O controle de nulidades processuais, em nosso 
sistema jurídico, comporta dois momentos distintos: o 
primeiro, de natureza incidental, é realizado no curso 
do processo, a requerimento das partes, ou de ofício, 
a depender do grau de nulidade. O segundo é feito 
aos o transito em julgado, de modo excepcional, por 
meio de impugnações autônomas. As pretensões 
possíveis, visando ao reconhecimento de nulidades 
absolutas, são a querela nullitatis e a ação rescisória, 
cabíveis conforme o grau de nulidade no processo 
originário; 
b) A nulidade absoluta insanável – por ausência dos 
pressupostos de inexistência – é vício que, por sua 
gravidade, pode ser reconhecido mesmo após o 
trânsito em julgado, mediante ação declaratória de 
inexistência da relação jurídica(o processo), não 
sujeita a prazo prescricional ou decadencial e fora das 
hipóteses previstas no artigo 485 do Código de 
Processo Civil(ação rescisória). A chamada querela 
nullitatis insanabilis é de competência do juízo 
monocrático, pois não se pretende a rescisão da coisa 
julgada, mas apenas o reconhecimento de que a 
relação processual e a sentença jamais existiram; 
c) A doutrina e a jurisprudência são unânimes em afirmar 
que a ausência de citação ou a citação inválida 
configuram nulidade absoluta insanável por ausência 
de pressuposto de existência da relação processual, o 
que possibilita a declaração de sua inexistência por 
meio da ação querela nullitatis. 
No caso em discussão, a União Federal não havia 
participado do feito e o simples fato com relação a que a área que estava 
sendo objeto de desapropriação lhe pertencia gerava dúvidas razoáveis quanto 
a uma das condições da ação, especificamente o interesse processual, pois 
provado o domínio federal, desapareceria a utilidade do processo, já que é 
impossível desapropriar o que é próprio. 
Mas a conclusão que mais alerta ao pesquisador é a de 
que a pretensão querela nullitatis pode ser exercida e proclamada em qualquer 
tipo de processo e procedimento de conteúdo declaratório. A ação civil pública, 
por força do que dispõe o artigo 25, IV, ¨b¨, da Lei nº 8.625/93(Lei Orgânica do 
Ministério Público), pode ser utilizada como instrumento para a anulação ou 
declaração de nulidade de ato lesivo ao patrimônio público. Tal o entendimento 
da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por ambas as Turmas. 
Por fim, o respeitável acórdão, ora objeto de análise, 
reitera que há ausência de coisa julgada quando a sentença ofende 
abertamente o princípio constitucional da justa indenização. Será caso de coisa 
julgada inconstitucional. 
Tal haveria e permitiria fosse esgrimada a querela 
nullitatis sempre que a sentença fixa indenização em desconformidade com a 
base fática dos autos ou quando há desrespeito explícito ao principio 
constitucional da ¨justa indenização¨, pois agride ao sistema jurídico a 
concessão de indenizações milionárias, onde os princípios da moralidade 
administrativa e da legalidade, norteadores da Administração Pública seriam 
afrontados. 
No AC 406947 – PE, em que foi relator o Desembargador 
Federal Lázaro Guimarães, na Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 
5ª Região, DJ de 3 de julho de 2007 , a questão da patologia da sentença 
viciada pela falta de citação foi discutida. 
 
Ali foi entendido que a sentença proferida no Juízo 
Estadual, envolvendo causa de interesse da União Federal, ocorreu sem que 
houvesse citação das pessoas de direito público interessadas. Trata-se de uma 
sentença nenhuma. 
A tese é a mesma já enfrentada pelo Supremo Tribunal 
Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 96.374.(RTJ 110/210), 
reproduzindo entendimento do Plenário, no RE nº 97.589, onde se entendeu 
que a nulidade da decisão pode ser declarada em ação declaratória, 
independentemente de prazo para a propositura de ação rescisória. 
A querela nullitatis insanabilis é o remédio voltado para a 
impugnação de erros graves cometidos no âmbito da jurisdição que não se 
sanam com a preclusão temporal e sobrevivem à formação da coisa julgada. 
O remédio em discussão pode ser alegado quanto a 
vícios que, consoante a lição de Alexander dos Santos Macedo20 não se sanam 
com a preclusão temporal e sobrevivem à formação da coisa julgada. Essa a 
linha de Piero Calamandrei21. 
De há muito, o Superior Tribunal de Justiça, como se lê 
do julgamento do Recurso Especial nº 12.586 – SP, Relator Ministro Waldemar 
Zveiter, DJ de 4 de novembro de 1991 , consignou que a tese da querela 
nullitatis persiste no direito positivo brasileiro, o que implica em dizer que a 
nulidade da sentença pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, eis 
que, sem a citação, o processo, vale falar a relação jurídica processual não se 
constitui nem validamente se desenvolve e nem por outro lado a sentença 
transita em julgado, podendo, a qualquer tempo, ser declarada nula, em ação 
com esse objetivo, ou, outrossim, em embargos à execução, se for o caso, 
artigo 741, I, do Código de Processo Civil. 
 
A esse respeito disse o Ministro MoreiraAlves: 
 
 
20
 Da Querela Nullitatis: Sua subsistência no Direito Brasileiro, 2ª edição, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 
2000, pág. 50 
21
 Sopravvivenza della Querela di Nulità nel Proceso Civile Vigente, in Revista di Diritto Processuale, pág. 
112 a 128). 
 
"Ação Declaratória de nulidade de sentença por ser nula a 
citação do réu revel na ação em que ela foi proferida. 
Para a hipótese prevista no artigo 741, I, do atual CPC – que é 
a da falta ou nulidade de citação, havendo revelia -, persiste no 
direito positivo brasileiro, a querela nulitatis, o que implica dizer 
que a nulidade da sentença nesse caso, pode ser declarada 
em ação declaratória de nulidade, independentemente do 
prazo para a propositura da ação rescisória, que, em rigor, não 
é cabível para essa hipótese" (in RTJ, vol. 110/116). 
 
 
Faço menção à categorizada doutrina da lavra do 
eminente processualista e Ministro Alfredo Buzaid que lecionou, em voto: 
"Um processo não se constitui nem se desenvolve validamente 
sem citação do réu, para que lhe seja assegurada a 
possibilidade de aduzir as razões que tem. Esta norma, 
enunciada no art. 214 do Código de Processo Civil, 
correspondente a um requisito fundamental para existência do 
processo (Liebman, Estudos sobre o processo civil, Bushatski, 
ed. 1976, com notas da Professora Ada Pelegrini Grinover, 
pág. 179). 
Esta lição vem do direito tradicional – cf. ALEXANDRE 
GOMES, MANUAL PRÁTICO JUDICIAL, CIVIL E CRIMINAL, p. 
1 e seguinte). MENDES DE CASTRO sustenta também que 
nulo é o processo que se fizer sem a citação da parte." 
É tão importante o pressuposto da citação inicial para a 
constituição e desenvolvimento válida da relação jurídico 
processual, que a sua falta pode ser alegada em qualquer fase 
do processo, ou mediante ação ou embargos" (PONTES DE 
MIRANDA, Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, 
vol. III, p. 274). 
 
 
A lição do grande processualista é concluída no sentido 
de que há 2(dois) modos de se obter a declaração de nulidade do processo em 
que falta a citação inicial, ou a citação inicial for nula, desde que ocorreu a 
revelia: a) ou por embargos de devedor, a fim de desconstituir a eficácia do 
título executivo (Código de Processo Civil, art. 741, I); b) ou por ação 
declaratória, nomeadamente, se a sentença é desprovida de execução forçada, 
pois tal ação é meio idôneo para recusar os efeitos da sentença proferida em 
processo constituído nulamente, por força de citação inicial ou com a citação 
inicial nulamente feita, tendo ocorrido a revelia. 
 
Na lição de Pontes de Miranda, a sentença proferida em 
processo, em que não houve citação, nem o réu compareceu, ou a citação foi 
nula e revel foi o réu, é sentença nula de pleno direito, e não é só rescindível. 
Daí porque o não citado pode pedir a decretação de nulidade, fora da ação 
rescisória, nos simples embargos de devedor; ou, antes, em actio nullitatis ou 
ainda em exceptio nullitatis22 . 
Tal a linha de pensar exposta levando em conta 
argumento onde se diz que serão inexistentes também os processos a que 
tenha faltado pressuposto processual de existência e, por conseguinte, as 
sentenças de mérito nele proferidas. É o caso de falta de citação. 
O que se estaria a preservar é o devido processo legal, 
sob o ângulo procedimental, enquanto garantia constitucional. 
Ainda cito julgamento do Tribunal Regional Federal da 5ª 
Região, no AC 499016/CE, Relator Desembargador Francisco Wildo, onde se 
deu a hipótese em que a sentença atacada se limitou a declarar a ineficácia da 
sentença proferida no processo de desapropriação para fins de reforma agrária 
sobre a área dos apelados, que não tinham sido sequer citados. Colho a 
ementa daquela decisão, na linha do já relatado: 
 
¨ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA 
EM PROCESSO DE DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS 
DE REFORMA AGRÁRIA. ÁREAS DE PROPRIETÁRIOS, 
ANTIGOS OCUPANTES, DETENTORES DE 
ESCRITURAS. NÃO CITAÇÃO(QUERELA NULLITATIS 
INSANABILIS). VÍCIO DE INEXISTÊNCIA. 
PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. AÇÃO RESCISÓRIA. 
DESNECESSIDADE. 
 
1. A nulidade absoluta insanável é vício que, por sua 
gravidade, pode ser reconhecido mesmo após o 
trânsito em julgado, mediante simples ação 
declaratória de inexistência da relação jurídica(querela 
nullitatis insanabilis), não sujeita a prazo prescricional 
ou decadencial e fora das hipóteses taxativas do art. 
485 do CPC(ação rescisória). Precedente do STJ. 
REsp nº 1199884, AC Un. da 2ª Turma do STJ, Rel. 
min. Eliana Calmon, DJU de 24.08.2010. 
2. Hipótese em que a sentença atacada no apelo se 
limitou a declarar a ineficácia da sentença proferida no 
processo de desapropriação para fins de reforma 
agrária(nº 00.0044191 – 0/CE), sobre área dos 
apelados que não tinham sido sequer citados – 
inexistente, pois, em relação a eles – considerando 
 
22
 Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, pág. 102. 
válida a desapropriação de outras áreas atualmente 
utilizadas pelos assentados. Correção. 
3. Apelação desprovida. Sentença mantida por seus 
próprios e judiciosos fundamentos.¨ 
 
Um processo onde não haja citação, pressuposto 
processual de existência da relação jurídica, é processo onde não há 
contraditório, processo viciado, que atenta contra a garantia constitucional do 
devido processo legal. 
 
VI - A coisa julgada inconstitucional e as mutações constitucionais 
 
Outra questão a se pôr diz respeito ao fenômeno da 
mutação constitucional e a coisa julgada inconstitucional. 
 
Que dizer com relação a julgamento feito levando em 
conta norma constitucional de interpretação obsoleta? 
Bem citou o Ministro Marco Aurélio, no julgamento da 
ADPF 46/DF, Relator para o acórdão o Ministro Eros Grau, DJe nº 35, 
divulgação em 25 de fevereiro de 2010, Publicação de 26 de fevereiro de 2010, 
que a atuação do Supremo Tribunal Federal não pode ser mecânica e apenas 
repetitiva das interpretações que até puderem ter feito sentido em um passado 
remoto, mas que não mais se coadunam com a realidade. Isso leva a 
necessidade de um processo constante, ininterrupto, dialético de 
condicionamento entre a norma e a realidade. A indiferença quanto ao 
cumprimento desses princípios hermenêuticos pode ocasionar um recorte 
drástico e indesejado, considerados o dispositivo constitucional e a realidade, 
na linha dita por Pablo Lucas Verdú, que convencionou chamar de mutação 
constitucional23. 
 Tem-se a concepção trazida por Uadi Lammêgo Bulos24 
para quem o fenômeno, mediante o qual os textos constitucionais são 
modificados sem revisões ou emendas, denomina-se mutação constitucional. 
Em tal hipótese a Constituição fica caduca, fragilizada. 
Com a mutação, ao contrário da reforma, se deixa indene 
o texto da Constituição sem mudá-lo formalmente, fato que se produz por fatos 
que não tem que ir acompanhados pela intenção ou consciência de tal 
mutação. 
 
23
 Curso de Derecho Político, Madrid, Tecnos, 1984, vol. 4, pág. 179 a 180.. 
24
 Mutação Constitucional, São Paulo, ed. Saraiva, 1997, pág. 54 
Tal lição se tem ainda dos intérpretes da Constituição da 
Alemanha de 1871, que distinguiam como Laband25 , reforma constitucional da 
mutação constitucional. 
Muda-se o sentido da norma constitucional sem se mudar 
o texto. São as transições constitucionais, na lição de José Joaquim Gomes 
Canotilho26. 
 Tais mudanças podem se dar em pouco ou muito tempo. 
Refiro-me as chamadas interpretações autênticas, que 
são aquelas empreendidas pelo órgão aplicador do direito compelido asolucionar o caso sub judice. Cria-se o direito para o caso concreto. 
De toda sorte, louve-me na lição de Konrad Hesse27para 
quem os princípios são diretrizes que orientam o intérprete do Texto Maior, 
para determinar a relação, coordenação e valoração dos pontos de vista que 
podem solucionar o problema. 
Digo mais: os princípios são fundamento de regras, isto é, 
são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, 
desempenhando função normogenética, como disse Canotilho28 na lição de 
Esser e de Canaris. 
 
Voltemo-nos a importância dos princípios para a 
interpretação constitucional á luz do pensamento alemão: 
 
a) princípio da unidade da Constituição – as normas 
constitucionais podem ser interpretadas em conjunto, 
para evitar possíveis contradições com outras normas 
da própria Constituição; 
b) princípio da concordância prática – os bens jurídicos, 
constitucionalmente protegidos, devem ser 
coordenados com vistas à resolução dos problemas 
concretos; 
c) princípio do critério da correção funcional – se a 
Constituição regula as funções estatais, bem como os 
agentes do Estado, o intérprete não deverá exceder 
as prescrições voltadas para esse sentido, a fim de 
evitar agressões a letra; 
 
25
 Wandlungen der deutschen Reichsverfassung, Dresden, 1895, pág. 2. 
26
 Direito Constitucional, 6ª edição, Coimbra, Livraria Almedina, 1993, pág. 231. 
27
 Obra citada, Lammêgo Bugos, Uadi. 
28
 Canotilho, obra citada. 
d) princípio da valoração e relevância dos pontos de vista 
– se a Constituição propõe criar e manter a unidade 
política, os pontos de vista, incumbidos de interpretar 
as suas normas, diante dos problemas jurídico-
constitucionais, devem promover a manutenção de 
sua unidade; 
e) princípio da força normativa da Constituição – a 
Constituição, para manter-se atualizada, deve ser 
interpretada no sentido de tornar-se sempre atual os 
seus preceptivos, os quais devem acompanhar as 
condições reais dominantes numa determinada 
situação. 
 
Estando o intérprete perante dois direitos fundamentais, 
não restringíveis constitucionalmente por lei, em conflito, deve-se utilizar do 
método da concordância prática. Tal princípio da concordância prática, 
divulgado por Hesse29 na visão da harmonização, determina que na colisão 
entre bens, que deve ser solucionado diante de caso concreto, torna-se 
imprescindível, dentro da unidade da Constituição, dentro de ótica da 
otimização, a aplicação do critério de proporcionalidade, de balanceamento. 
 
A noção de que a mudança de fatores políticos, 
econômicos, técnicos, sociais, pode alterar a relação de incompatibilidade entre 
uma norma infraconstitucional e a Constituição é aceita pelo Supremo Tribunal 
Federal(RE 135.328, relator Ministro Marco Aurélio, DJU de 20 de abril de 
2001; RE 147.776 – SP, relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJU de 19 de 
junho de 1998. 
No controle abstrato, concentrado, se a decisão do 
Supremo Tribunal Federal for pela inconstitucionalidade, a matéria já estará 
definida, não podendo se repropor ação com o mesmo objeto, pois, do 
contrário, estar-se-ia repristinando norma, o que só pode ocorrer por expressa 
autorização legal. Mas há hipótese diversa. 
Assim, observe-se caso onde o Supremo Tribunal Federal 
volte a examinar a inconstitucionalidade de norma antes negada e, desta feita, 
considere que há tal vício. Essa a interpretação de Michel Temer30, ao afirmar 
que as decisões nas ações de inconstitucionalidade não fazem coisa julgada. 
Ao estudar as chamadas sentenças de rejeição da 
inconstitucionalidade, o Ministro Gilmar Mendes31, é claro ao concluir que a 
decisão confirmatória da validade não parece obstar à reapreciação da matéria 
 
29
 Escritos de derecho constitucional, 1983, pág. 49. 
30
 Elementos de Direito Constitucional, 9ª edição, São Paulo, Malheiros, pág. 44. 
31
 Controle de Constitucionalidade, Aspectos Jurídicos e Políticos, São Paulo, Ed. Saraiva, 1990, pág. 299. 
do juízo de constitucionalidade, desde que se configurem significativas 
alterações quanto ao parâmetro de controle. 
É a linha adotada para o direito português, onde Jorge 
Miranda32 recusa, de forma enfática, qualquer relevância às sentenças de 
rejeição da inconstitucionalidade. 
 
VII - A coisa julgada inconstitucional e seu controle por meio de arguição de 
descumprimento de preceito fundamental 
 
Por certo, casos há em que a supremacia da Constituição, 
à vista do princípio da força normativa, é ferida por decisões judiciais trânsitas 
em julgado. 
 
Considero, à luz do artigo 1º da Lei nº 9882/99, que é 
possível esgrimar, em sede da Suprema Corte, mediante os entes legitimados 
pelo artigo 2º daquele diploma legal, arguição de descumprimento de preceito 
fundamental para combater coisa julgada que fira a Constituição Federal, que 
fira preceito fundamental. 
A relativização da coisa julgada pode vir a ser combatida, 
em sede de controle concentrado também pelo remédio constitucional posto no 
artigo 102, parágrafo primeiro, da Constituição Federal. 
 Que dizer de decisão judicial transitada em julgado, onde, 
por error in procedendo, se negou pedido de ação de investigação de 
paternidade formulada? 
Tal decisão, por hipótese, que não leve em conta 
instrução probatória ampla, onde se observem padrões tecnológicos modernos 
de verificação da paternidade, pode trazer lesão a princípios constitucionais 
impositivos. 
A dignidade da pessoa humana não seria levada em 
conta em tais decisões que são merecedoras de desconstituição. 
Essa a correta interpretação que se dá aos direitos 
fundamentais que, na Alemanha, são consagrados nos artigos 1º a 19 da Lei 
Fundamental: proteção à dignidade do homem; os direitos da liberdade; a 
igualdade perante a lei, a liberdade de crença; de consciência e de confissão; 
o direito de livre expressão do pensamento; o matrimônio; família, e igualdade 
de filhos naturais; o ensino; a liberdade de reunião e de associação; o 
segredo de correspondência e de comunicação; a liberdade de circulação e 
permanência; a liberdade de escolha de profissão; o serviço militar e outros 
 
32
 Manual de direito constitucional, 2ª edição, Coimbra, Coimbra editora, 1981, 2º volume, pág. 384. 
serviços obrigatórios e a escusa de consciência; a inviolabilidade de domicílio; 
o direito de propriedade e de sucessão e previsão de expropriação; a proteção 
contra a perda da nacionalidade; extradição e o direito de asilo; o direito de 
petição. 
Na lição de Canotilho33, princípios constitucionais 
impositivos subsumem-se todos os princípios que, sobretudo, no âmbito da 
constituição dirigente, impõem aos órgãos do Estado, sobretudo, ao legislador, 
a realização de fins e execução de tarefas. São princípios dinâmicos. 
A coisa julgada em matéria de investigação de 
paternidade, á vista da hipótese trazida, foi objeto de apreciação pelo Superior 
Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 226.436/PR, Quarta Turma, Relator 
Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 4 de fevereiro de 2002, pág. 370, 
admitindo uma segunda ação. 
Pode-se entender que a arguição de descumprimento de 
preceito fundamental brasileira, tal como posta no texto constitucional, tem 
raízes na Verfassungsbeschwerd, do direito alemão, que funciona como meio 
de queixa jurisdicional perante o Bundesverfassungericht, almejando a tutela 
de direitos fundamentais e de certas situações subjetivas lesadas por um ato 
da autoridade pública. 
A discussão que tragoà colação diz respeito ao que o 
artigo 1º da Lei 9882/89 chama de ato do poder público. 
.Diz Alexandre de Moraes34 deve-se ver os fundamentos 
e objetivos fundamentais da República de forma a consagrar maior efetividade 
às previsões constitucionais. 
 Na linha de Klaus Schlaich35, Alexandre de Moraes 
observa que devem ser admitidas arguições de descumprimento de preceitos 
fundamentais contra atos abusivos do Executivo, Legislativo e Judiciário, desde 
que esgotadas as vias judiciais ordinárias, em face de seu caráter subsidiário. 
Em síntese, ainda André Ramos Tavares36 entende que 
esse controle abarcaria a fiscalização e possível correção do ato normativo ou 
do comportamento tido como inconstititucional, inclusive o não normativo, mas 
oriundo do Estado, seja o Poder Público, como tal, como mais longe, como 
atuando como particular, quando se despe de suas prerrogativas, equiparando-
se a uma entidade privada. 
 
33
 Obra citada. 
34
 Comentários à Lei nº 9.882/99 – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, in Arguição 
de Descumprimento de preceito fundamental: análises à luz da Lei nº 9.882/99. 
35
 Das Bundesverfassungsgericht: Stellung Verfahren, Entscheldlunggen, 1985. 
36
 Tratado de Arguição de Preceito Fundamental, São Paulo, Ed. Saraiva, pág. 204. 
Não há prazo, no Brasil, de ordem decadencial, para o 
ajuizamento de tal medida de controle constitucional, ao contrário da 
Alemanha, onde deve ser ajuizada em um mês da violação dos direitos 
fundamentais. Tal prazo para ajuizar o recurso próprio é de 6(seis) meses a 
contar da prática, na Áustria. 
O Ministro Gilmar Mendes37 dá exemplos de hipóteses de 
objeto e de parâmetros de controle: 
 
a) direito pré-constitucional; 
b) lei pré-constitucional e alteração de regra 
constitucional de competência 
legislativa(incompetência legislativa superveniente)38 
c) O controle direto da constitucionalidade do direito 
municipal em face da Constituição Federal; 
d) Pedido de declaração de constitucionalidade(ação 
declaratória) do direito estadual ou municipal e 
arguição de descumprimento; 
e) A lesão a preceito decorrente de mera interpretação 
judicial; 
f) Contrariedade à Constituição decorrente de decisão 
judicial sem base legal(ou fundada em falsa base 
legal); 
g) Omissão legislativa e controle da constitucionalidade 
no processo de controle abstrato de normas e na 
arguição de descumprimento de preceito 
fundamental39; 
h) Norma revogada40; 
i) Medida Provisória rejeitada e relações jurídicas 
constituídas durante a sua vigência41; 
j) O controle do ato regulamentar.42 
 
 
37
 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, São Paulo, ed. Saraiva, 2009, 1ª edição, 2ª 
tiragem. 
38
 A esse respeito Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, 
1975, vol. 6, pág. 66 e 67, para quem sempre que a Constituição dá a União a competência sobre certa 
matéria e havia legislação anterior, federal e local, em contradição, a Constituição abrogou ou derrogou 
a legislação federal ou local, em choque com a regra jurídica da competência. Disse ainda se havia 
legislação federal e estadual e a competência passou a ser, tão-só, do Estado-Membro, ou do Município, 
a legislação federal persiste, estadualizada ou municipalizada, respectivamente, até que o Estado-
Membro ou o Município ab-rogue ou derrogue. 
39
 Aqui se trata do problema da implementação de políticas púbicas, como se lê na ADPF – 45, relator 
Ministro Celso de Melo, DJ de 4 de maio de 2004. 
40
 ADPF 33, Relator Ministro Gilmar Mendes, julgada em 7 de dezembro de 2005. 
41
 ADPF 84 – AgRg, DJ de 7 de março de 2006. 
42
 ADPF 87, Relator Ministro Gilmar Ferreira Mendes. 
Interessa-nos, sobremaneira, a lesão a preceito 
decorrente de mera interpretação judicial. 
Aqui, o ato judicial de interpretação direta de um preceito 
fundamental poderá conter uma violação de norma constitucional. Nessa 
hipótese caberá a propositura de arguição de descumprimento de preceito 
fundamental para afastar a lesão a preceito fundamental resultante de ato 
judicial do Poder Público. Tal remédio, de lege ferenda, poderia ser ajuizado a 
par de eventual recurso extraordinário, questionando-se aí a subsidiariedade 
da medida a tomar. 
No caso da contrariedade à Constituição decorrente de 
decisão judicial sem base legal(ou fundada em falsa base legal), trago, 
outrossim, a lição do Ministro Gilmar Ferreira Mendes43, quando diz que se se 
admite, como expressamente estabelecido na Constituição, que os direitos 
fundamentais vinculam todos os Poderes e que a decisão judicial deve 
observar a Constituição e a lei, considera-se que a decisão judicial desprovida 
de base legal afronta algum direito individual específico, pelo menos na 
vertente do princípio da legalidade. 
Tal decisão haverá de ser insustentável, à luz do sistema 
juridico vigente, afrontando, frontalmente, direitos e garantias constitucionais. 
Presta-se a arguição de descumprimento de preceito 
fundamental a atacar a interpretação arbitrária da norma legal. 
Ainda o Ministro Gilmar Ferreira Mendes44, à luz do que 
disse Rüdiger Zuck45, alude que essa concepção foi estudada pela Corte 
Constitucional na Alemanha, levando-se à formulação de uma teoria sobre os 
graus ou sobre a intensidade da restrição imposta aos direitos fundamentais, 
que admite uma aferição de constitucionalidade tanto mais intensa quanto 
maior for o grau de intervenção no âmbito de proteção aos direitos 
fundamentais. 
Será o caso de uma decisão judicial transitada em 
julgado, onde se desconsidere frontalmente, o estatuto constitucional do 
contribuinte, seja em agressão ao princípio da legalidade, da igualdade, da 
anualidade, não havendo possibilidade de ajuizamento de ação rescisória. 
Aqui não haveria a necessidade de prequestionamento, 
requisito extrínseco quanto ao ajuizamento de eventual recurso extraordinário. 
 
43
 Obra citada, pág. 73. 
44
 Obra citada, pág. 75. 
45
 Das Recht der Verfassungsbeshwerde, pág. 221. 
Tem-se pela leitura do artigo 10, § 3º, da Lei nº 9.882/99, 
que a decisão de mérito proferida na ADPF terá eficácia contra todos e efeito 
vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público. 
Registro que uma norma já declarada constitucional pelo 
Supremo Tribunal Federal, pode, posteriormente, até em sede de ADPF ser 
questionada, observando-se o instituto da mutação constitucional. Isso se dá 
diante de mudanças das concepções jurídicas dominantes, dentro do que se 
tem como cláusula rebus sic stantibus. 
A decisão em arguição de descumprimento de preceito 
fundamental é dotada de eficácia contra todos. 
Com o efeito vinculante, tem-se a extensão da decisão a 
casos e situações paralelas. 
É ainda o Ministro Gilmar Ferreira Mendes46 que 
considera que o efeito vinculante da decisão em ADPF incide sobre a 
Administração Pública e sobre os órgãos do Poder Judiciário em geral. 
Todavia, não haveria possibilidade de aplicação ao Poder 
Legislativo, uma vez que a possibilidade de engessamento do sistema jurídico 
e a dificuldade de sua renovação estão a indicar que o princípio da separação 
dos poderes há de ser aplicado. 
Os efeitos da decisão de procedência em arguição de 
preceito constitucional, á luz do artigo 11 da Lei nº 9.882/99 poderão, por 
decisão de 2/3 de seus membros, ter eficácia a partir do trânsito em julgado. 
Reitero que uma decisão transitada em julgado, desde 
que seja contrária à Constituição e sembase legal, pode ser objeto de arguição 
de preceito constitucional. 
Trago, aliás, o posicionamento de Fausto F. de França 
Júnior47. 
Disse ele que quanto à coisa julgada inconstitucional, 
verifica-se perfeitamente a possibilidade de cabimento de arguição de 
descumprimento de preceito fundamental para seu controle, até porque não 
existem recursos contra a mesma, nem é passível de mandado de segurança, 
consoante que se tem da leitura da Súmula 268 do Supremo Tribunal Federal. 
É certo que o Ministro Gilmar Ferreira Mendes48 vê ainda 
na ADPF meio de controle hábil a barrar a chamada guerra de liminares e 
 
46
 Obra citada, pág. 197. 
47
 A coisa julgada inconstitucional e seu controle por ADPF, in jus.uol. com.br/revista/texto/6590. 
concentrar no Supremo Tribunal Federal a defesa da Constituição em certas 
demandas de massa que, geralmente, tem a Fazenda Pública como ré. 
Ora, se o artigo 4º da Lei da ADPF expressa o princípio 
da subsidiariedade, pois somente será admitida a arguição quando houver 
qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade, o remédio estudado deve 
depender do esgotamento das instâncias ordinárias, exatamente quando 
ocorre com a coisa julgada já formada. Observe-se que a ADPF, no sistema 
constitucional brasileiro, não é recurso, mas ação constitucional. Tal seria a 
chamada arguição autônoma, o que não impede outra fórmula, segundo André 
Ramos Tavares49. O mesmo autor, é certo, fala de arguição incidental, paralela 
a um processo já instaurado e que surge em função deste(artigo 1º, parágrafo 
único, da Lei nº 9.882/99). 
Seria a arguição incidental algo que se aproxima da 
avocatória. Haveria a possibilidade de uma medida capaz de saltar as 
instâncias judiciais. Tal é a técnica da defesa que se reconhece possível por 
meio da qual o réu argui no bojo de um processo a violação a preceito 
fundamental, podendo chegar a análise do Supremo Tribunal Federal por via 
de recurso extraordinário, algo similar ao controle difuso, que, aqui, teria como 
parâmetro um preceito fundamental, e não uma norma jurídica. 
Ficamos aqui com a ação, argüição de preceito 
fundamental como instrumento junto ao Supremo Tribunal Federal para atacar, 
diretamente, coisa julgada inconstitucional. 
Insisto na condição de procedibilidade referente ao 
ajuizamento dessa magnífica ação constitucional. Aliás, André Ramos 
Tavares50 registra que a Lei do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha 
exige para o cabimento da ¨reclamação constitucional¨ o prévio esgotamento 
das instâncias ordinárias. Aí se diz que essa imposição contém um cunho do 
princípio geral da subsidiariedade do recurso constitucional. Tal ensinamento 
está dito por Konrad Hesse51 
Mas, é certo que se couber ação declaratória de 
inexistência da relação jurídica, que pode ser ajuizada em qualquer tempo, 
caberá a arguição de descumprimento de preceito fundamental. Do contrário, 
ela nunca seria cabível. 
Temos aí, ao lado da ação direta de inconstitucionalidade 
e da ação declaratória de constitucionalidade, que se centram na norma 
 
48
 Mendes, Gilmar Ferreira. Arguição de descumprimento de preceito fundamental : demonstração de 
inexistência de outro meio eficaz. Jux Navigandi, Teresina, n. 43, jul. 2000. 
49
 Arguição de descumprimento de preceito fundamental, Análises á luz da Lei nº 9.882/99, São Paulo, 
Atlas, 2001, pág. 60) 
50
 Tratado da argüição de preceito fundamental, São Paulo, Ed. Saraiva, 2001, pág. 45) 
51
 Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, pág. 272. 
jurídica, um importante instrumento para o controle da sindicabilidade da 
atividade estatal em sua conformidade com a Constituição, tendo como órgão 
competente para realizá-la o Judiciário. 
A legitimidade para seu ajuizamento seguirá, na forma do 
artigo 2º, da Lei 9.882/99, aqueles que podem propor a ação direta de 
inconstitucionalidade. Houve veto presidencial com relação a possibilidade de 
qualquer pessoa lesada poder ajuizar o remédio em discussão. 
É fácil concluir que uma leitura excessivamente literal 
dessa disposição, que tenta introduzir o princípio da subsidiariedade acabaria 
por tirar desse instituto qualquer significado prático. 
Tem-se o sentido de considerar ter o legislador pretendido 
propiciar o cabimento da argüição ainda em todos os demais casos em que o 
descumprimento de preceito fundamental não possa ser sanado por não 
encontrar via adequada, sempre que houver a defesa dos preceitos 
fundamentais. 
Ab absurdum, se daria a ação constitucional uma 
impossibilidade concreta lógica, o que fugiria ao principio da razoabilidade, 
proibindo-se o excesso, princípio jurídico fundamental.