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Universidade Presbiteriana Mackenzie Nancy Rabello de Barros Trindade . A BRUXA NOS CONTOS DE FADAS São Paulo 2008 id28819590 pdfMachine by Broadgun Software - a great PDF writer! - a great PDF creator! - http://www.pdfmachine.com http://www.broadgun.com NANCY RABELLO DE BARROS TRINDADE . A BRUXA NOS CONTOS DE FADAS Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito para obtenção do título de mestre em Educação Arte e História da Cultura. Orientador Prof.Dr. Arnaldo Daraya Contier São Paulo 2008 Trindade, Nancy R.B. A bruxa nos contos de fadas / Nancy Rabello de Barros Trindade. 2008 204f. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2008. Bibliografia: f. 197-204 l. Contos de fadas 2. Bruxa 3. Arquétipos 4. Psicologia analítica 5. Símbolos 6. Imagens arquetípicas. I. Título. NANCY RABELLO DE BARROS TRINDADE . A BRUXA NOS CONTOS DE FADAS Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito para obtenção do título de mestre em Educação Arte e História da Cultura. Aprovado em de de 2008. COMISSÃO EXAMINADORA Prof. Dr. Arnaldo Daraya Contier________________________________________ (orientador) Prof. Dra.Patrícia Pinna Bernardo_________________________________________ (USP) Prof. Dra. Maria Aparecida de Aquino _____________________________________ AGRADECIMENTOS O mestrado, para mim, foi motivo de satisfação. Um sonho que acalentei por muitos anos e que, enfim, se tornou uma realidade. Poder estudar, me aprofundar e apropriar dos contos de fadas foi muito gratificante. Ir, aos poucos, percebendo o quanto eles são importantes em nossas vidas, conhecer mais a fundo os autores que os estudam, fazer as relações, perceber o quanto a personagem por mim escolhida A bruxa nos contos de fadas traz consigo uma sabedoria muito grande, é a Grande Mãe conhecedora da vida, de seus encantamentos e mistérios, me acrescentou muito em todos os sentidos e, principalmente, enquanto mulher. Pois, o estudo da bruxa na história da humanidade é, por certo, o estudo da mulher. É por tudo isso que conquistei ao longo deste mestrado que faço aqui os meus agradecimentos. Em primeiríssimo lugar ao meu filho Alessandro, que me fez perceber que os desafios estão aí para serem vencidos. Seu incentivo fez com que eu ingressasse no mestrado, sabendo que tinha junto a mim um dos meus maiores incentivadores. Ao Rodrigo, que acompanhou todos os passos e soube compreender as noites de estudos e leituras, os passeios não feitos, acreditando sempre que este esforço era importante para o meu desempenho acadêmico. À minha mãe e minhas irmãs, que me incentivaram a prosseguir sempre, apesar das possíveis dificuldades encontradas. Ao apoio recebido do Fundo Mackenzie de Pesquisa, o MACKPESQUISA, que me ajudou com o reembolso de parte da verba destinada à conclusão deste projeto. Os meus agradecimentos especiais aos professores do curso de mestrado, que abriram meus horizontes, que me ofereceram as possibilidades de atingir o grande momento que é a defesa do mestrado. Em especial ao Prof. Dr. Feijó, que ao longo do curso me possibilitou aprofundar meus conhecimentos sobre as bruxas, indicando-me bibliografias, textos e emprestando livros. À amiga e Prof. Dra. Patrícia Pinna, que através de seus cursos me propiciou um maior e amplo conhecimento sobre os contos de fadas e as bruxas neles contidos, e que me dá a honra de tê-la em minha banca. À Clara Custódio, que com o seu jeito meigo me orientou em relação à arte de escrever, o que muito me ajudou durante todo o processo da escrita da minha dissertação e nesta etapa final. E um agradecimento especialíssimo ao meu querido orientador Prof. Dr. Contier, que com seu jeito carinhoso e seguro soube fazer com que as minhas idéias fossem transcritas com o rigor acadêmico necessário, mas que, em nenhum momento, tolheu meu caminho, deixando que eu realmente fosse autora desta dissertação. Como acontece nos contos de fadas, esta dissertação teve seu começo algumas provas à serem vencidas, a ajuda dos seres sobrenaturais e, em diferentes momentos houve a necessidade de recorrer a sabedoria e às poções mágicas das bruxas. Mas, como quase todo conto de fadas, existe um final feliz. E este final é o que estou vivendo agora, fazendo a minha defesa com a colaboração e o carinho de todos vocês que estiveram comigo durante este percurso. RESUMO Esta dissertação visa analisar e estudar a bruxa nos contos de fadas. Busca, no teórico e no prático, a resposta para uma questão principal: como as crianças e adultos da atualidade vêem a bruxa nos contos de fadas? Para melhor entender e desenvolver este tema, busca-se respaldo em Jung e autores como Paz, von Franz, Coelho e Byington, que seguem a linha da Psicologia Analítica de Jung para seus estudos sobre os contos de fadas. A construção da personagem também é vista ainda sob o olhar de historiadores como Darnton, Clark e Nogueira, que analisam a figura da bruxa e da mulher no contexto histórico. Em relação à parte teórica, buscou-se observar a estrutura dos contos sob o olhar de Propp e de outros tantos que fazem análises através das ações e das personagens neles inseridos. Analisaram-se os principais conceitos relacionados aos contos de fadas e suas personagens, como arquétipo, Grande Mãe e imagens arquetípicas, além da contribuição da bruxa na formação da personalidade das crianças. Os símbolos e as imagens são privilegiados ao longo do trabalho, pois é através da linguagem simbólica que os contos transmitem seus conteúdos à humanidade. Os autores usados para entender os símbolos são Byington, Neumann, Bussato e Kast, entre outros. Este estudo está dividido em dois grandes momentos: os dados teóricos e as pesquisas realizadas com crianças e adultos. Para a parte prática foram escolhidos três contos: João e Maria, Branca de Neve e Rapunzel, que apresentam a bruxa de diferentes maneiras. Após ouvirem os contos, as crianças foram convidadas a desenhar a bruxa e, posteriormente, buscou-se analisar estes desenhos a partir das teorias da Arteterapia, com aporte teórico de autores como Futh, Derdyk, Cox e Mèredieu. A partir das atividades conduzidas, chegou-se à conclusão de que as bruxas dos contos de fadas não são percebidas como puramente más, uma vez que a personagem é importante para que os contos de fadas cumpram seu potencial para ajudar as crianças a atravessarem a infância. Palavras-chave: contos de fadas bruxa arquétipos psicologia analítica símbolos imagens arquetípicas ABSTRACT This paper´s objective is to focus on the witch of the fairy tales more specifically on they way witches are perceived by adults and children. In order to better understand and develop this theme, it seeks background on Jung himself and authors as Paz, von Franz, Coelho, Byington who follow the Analytical Psychology of Jungon their studies about fairy tales. The research is enriched by the perspectives of authors as Darnton, Clark and Nogueira, who analyze the construction of the images of the witch and the woman within the historical context The structure of the fairy tale was based on Propp s view among other authors who analyze the fairytale through the actions of the characters within it. It was also analyzed the contribution of this character to the development of the childrens personality. The main concepts related to fairy tales (archetypes, Great Mother and other archetypical images) were also identified on several chapters. The symbols and images are the focus of the following chapter, as it is through the symbolic language that the fairy tales bring out their meanings to the mankind. The authors used to understand the symbols are Byington, Neumann, Bussato and Kast among others. This study is divided in 2 great moments: theoretic data and interviews conduct among children and adults. For interviews work, 3 stories were chosen: Hänsel and Grethel, Snow white and Rapunzel, which represent the witch in 3 different perspectives. After listening to the stories, the children were invited to draw the witch. Those drawings were analyzed using as a starting point the theories of Art- therapy, supported by authors as Futh, Derdyk, Cox and Mèredieu. The conclusion achieved from the conducted study is that the witches are not perceived by children as being totally mean, and that this character has a fundamental part in order to allow the fairy tales to accomplish its potential of helping children across their childhood. Key words: fairy tales witch archetypes Analytical Psychology symbols archetypical images SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................... 10 A Justificativa........................................................................................ 10 B- Objetivos principais............................................................................. 12 C - Critérios teórico-metodológicos......................................................... 15 D - Corpus - Estudo de caso - A representação da bruxa........................ 21 CAPÍTULO I - CONTOS NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE.................................... 24 1.1. As primeiras coletâneas e as origens dos contos de fadas..................... 31 CAPÍTULO II - OS CONTOS DE FADAS................................................................. 38 2.1. João e Maria...................................................................................... 40 2.2. Branca de Neve................................................................................. 46 2.3. Rapunzel........................................................................................... 51 CAPÍTULO III............................................................................................................. 56 3.1. A estrutura dos contos............................................................................. 56 CAPÍTULO IV - CONSIDERAÇÕES SOBRE OS CONTOS, ARQUÉTIPOS E A CONTRIBUIÇÃO DA PSICOLOGIA JUNGUIANA............................................ 62 4.1. Jung e os arquétipos contidos nos contos de fadas.......................... 62 4.2. Símbolos e imagens nos contos de fadas......................................... 68 CAPÍTULO V - A BRUXA NOS CONTOS DE FADAS............................................. 79 5.1. A bruxa: o arquétipo da Grande Mãe................................................ 82 5.2. A relação mãe/criança e as bruxas................................................... 87 CAPÍTULO VI - DARNTON E A VISÃO HISTÓRICA DOS CONTOS DE FADAS.. 91 6.1. A construção histórica da figura da bruxa e a relação mulher/bruxa. 96 CAPÍTULOVII - A CRIANÇA E A CONCEPÇÃO DA BRUXA NA CONTEMPORANEIDADE: UM ESTUDO DE CASO......................................... 100 7.1. Aporte teórico para a interpretação dos desenhos............................ 100 7.2. Comparação dos desenhos de cada criança nos diferentes contos descrição e análise................................................................... 106 7.3. Os desenhos dos adultos/professoras.............................................. 151 7.4. Considerações finais sobre os desenhos e depoimentos................. 154 COSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................... 158 APÊNDICE I - JOÃO E MARIA................................................................................. 161 APÊNDICE II - BRANCA DE NEVE.......................................................................... 174 APÊNDICE III RAPUNZEL..................................................................................... 190 REFERÊNCIAS......................................................................................................... 197 INTRODUÇÃO A Justificativa No estudo sobre contos de fadas, é possível observá-los como portadores de mensagens. Os temas neles tratados revelam as dificuldades encontradas na vida de toda a humanidade. Apresentam, em seu bojo, conteúdos da sabedoria universal. Cada época reflete mudanças quanto à interpretação de seus possíveis significados. Von Franz (1990) assegura que alguns contos de fadas são tradições religiosas e folclóricas. Desta forma, ao estudá-los, reinterpretam-se as tradições e os ritos. Os contos apresentam aos leitores diferentes conflitos, semelhantes às suas vivências reais, e também lhes sugerem as possíveis soluções para resolvê- los. Dentre os estudiosos dos contos de fadas, encontra-se Bettelheim (1979), que discute sobre os contos e sua importância, e reporta-se às crianças que se maravilham e se encantam com as histórias. E que, ao mesmo tempo, sentem-se compreendidas, pois os contos segundo este autor lidam com as angústias infantis. Os contos contêm uma estrutura básica, permanecendo ao imaginário popular durante séculos. Suas personagens, reis, príncipes, princesas, fadas e bruxas estão sempre presentes, independentemente da cultura na qual estes contos estão inseridos. No entanto, cada cultura apresenta diferentes contextos sociais. Desta forma, para melhor compreensão dos contos, torna-se importante o conhecimento da cultura da qual este conto é originário. Entre as personagens que compõe o conto de fadas, uma das mais marcantes é a bruxa. Ela conhece a natureza, as ervas, e diferentes maneiras de produzir encantamentos. Nesta pesquisa, a bruxa é a personagem central, pois procurar-se-á discutir a construção de discursos nas mais diferentes conjunturas históricas e psicológicas que caracterizam seu comportamento conforme realidades diversas. A bruxa será estudada, portanto, de acordo com comportamentos femininos específicos e variáveis e, conforme momentos sócio-culturais no decorrer da história. Entre as personagens dos contos de fadas, encontram-se os aliados do bem e os antagonistas do mal. Estas personagens fazem parte de um mundo diferente, onde fatos inimagináveis podem acontecer, onde existem heróis e heroínas que passam por provas até alcançarem seus objetivos. Lá existem fadas e bruxas. É o mundo do Era uma vez.... O estudo da bruxa nos contos de fada justifica-se por ser, esta personagem, uma mulher que, por transgredir os valores sócio-culturais de uma determinada comunidade, é excluída do convívio social, vivendo de maneira independente. Ela sabe cuidar da alma e do corpo das pessoas de sua comunidade,ela conhece as ervas que curam e as poções para os encantamentos. Por este motivo, ela é valorizada e temida ao mesmo tempo. Para a realização desta pesquisa, faz-se necessário elucidar e considerar inúmeros conceitos como os contos de fadas, arquétipo, imagens arquetípicas, Grande Mãe e símbolo, entre outros. Analisando-se esta personagem, portanto, do ponto de vista psicológico, Jung esclarece os contos de fadas são em si mesmo a sua melhor explicação. Seu significado está contido nos temas que compõe a história da humanidade (apud VON FRANZ, 1990, p. 9) Do ponto de vista histórico, buscar-se-á ponderar seu percurso em diferentes momentos culturais, tendo como base bibliográfica historiadores que discursam sobre a bruxa enquanto personagem de uma cultura inserida em uma comunidade. Analisando-se desta maneira, também será ponderado como constrói- se a figura da bruxa levando em conta a comunidade na qual ela vive. Os contos de fadas fazem parte de um momento mágico da vida das crianças. Através deles, elas vivenciam fantasias, medos, conquistas e sonhos. Os contos são, acima de tudo, obras de arte literária que possibilitam transcender o cotidiano e viajar com a imaginação. Suas mensagens são entendidas de diferentes maneiras pelas pessoas que os lêem, independentemente da faixa etária na qual se encontram. Através da imaginação criam-se castelos, florestas, fadas, bruxas princesas, príncipes, reis e rainhas. Sendo que, para cada leitor ou ouvinte, existe uma imagem diferente, pois esta depende de suas vivências. Nos contos de fadas, as figuras da fada e da bruxa são uma constante. Desta forma, Robles (2006) afirma que fadas são personagens que têm o poder de reger os destinos humanos muito antes de seu nascimento. São jovens, belas e sempre dispostas a resolver problemas. Já as bruxas desviam a ordem e o bem estar, pois se entregam aos mistérios da feitiçaria. A bruxa é representada, na maioria dos contos, através do esteriótipo da mulher feia e velha. B - Objetivos principais A figura da bruxa faz parte do imaginário popular. Sendo assim, esta dissertação tem por objetivo analisar como as crianças da atualidade vêem esta figura, fazendo comparações entre visões antigas e atuais. A bruxa, como personagem significativa nos contos de fadas, é nesta pesquisa o foco principal. Cabe, neste estudo, considerar quais os riscos que esta figura pode representar para a personalidade em formação destas crianças, assim como, quais as oportunidades que esta personagem trás para o crescimento psicológico destas mesmas crianças. Desta feita, é objetivo básico analisar o aspecto psicológico dessa figura e a sua influência para as crianças entre a faixa etária de 4 a 6 anos. Além de analisar também como essa figura permanece no imaginário dos adultos. Para entender como é vista a bruxa pelas crianças dos dias de hoje e pelos adultos, valer-me-ei de três contos escolhidos: João e Maria, Branca de Neve e Rapunzel, nos quais a bruxa aparece de maneiras diferentes. Estes contos serão narrados aos grupos de alunos de acordo com cada faixa etária, juntamente com os adultos (professoras). A representação das bruxas dar-se-á através do desenho. Segundo Mèredieu (1974), o desenho constitui-se numa linguagem própria e específica que se dá a conhecer através das possíveis metáforas e simbologias nele inseridas. Sabe-se que a criança, ao desenhar, utiliza-se de uma série de signos gráficos, os quais se assemelham em crianças de uma mesma faixa etária. Isso facilita as pesquisa em relação ao desenvolvimento do desenho infantil. A criança convive com o imaginário desde muito cedo. Esta coexistência entre seres reais e imaginários faz com que os contos de fadas encontrem facilmente lugar em sua vida. Eles proporcionam crescimento e amadurecimento emocional, gerando compreensão das situações vividas no dia-a-dia. A imagem traz em si mensagens subjetivas, sendo que a subjetividade é menor quando se lida com a palavra. As imagens carregam consigo um cabedal imenso de simbologias. A representação da figura da bruxa também será feita pelas professoras da escola da mesma maneira como será realizada pelas crianças, visto que os contos, segundo Dieckmann (1986), conseguem atingir o interesse de diferentes pessoas, em diferentes fases de suas vidas, e com diferentes graus de amadurecimento. Isso porque, os contos trazem os problemas fundamentais da humanidade, os quais transitam não só durante vários momentos de nossa vida, assim como na vida da humanidade. Desta forma, torna-se importante neste estudo analisar como a bruxa permanece no imaginário dos adultos. As entrevistas ou depoimentos serão baseados nas leituras da história oral, que asseguram que as informações colhidas oralmente e os estudos acadêmicos podem ter divergências, pois se estruturam de maneiras diferentes. Os trabalhos acadêmicos devem ser entendidos como uma narrativa que é estruturada pela linguagem do discurso acadêmico. Não podemos nivelar os depoimentos orais a estes escritos. Os depoimentos orais devem ser ouvidos e entendidos no seu contexto, isso porque recebem sempre a influência cultural. Estudar a simbologia que a bruxa carrega é um dos objetivos pretendidos nesta dissertação. Para tanto, a interpretação dos contos tendo como base a Psicologia Junguiana será a responsável para atingir este objetivo. Bernardo (2006) coloca que os contos de fadas apontam e mostram- nos como se dá a construção de diferentes formas de relação destes com a realidade. Os contos, porém, não pertencem somente ao passado, pois são processos criativos referentes a um momento histórico no qual foi produzido através da relação entre a percepção do real agregado do imaginário, trazendo em si diferentes significados. Desta forma, ao representarem a bruxa, as crianças e os adultos dialogarão com aspectos do seu mundo interno. Pode-se observar que através destas representações, o imaginário, tanto das crianças quanto dos adultos, estará sendo revelado. Conhecer a bruxa do ponto de vista histórico e entender sua passagem para os contos de fadas incide num dos pontos nodais desta pesquisa. Darnton (1986) afirma que no século XVIII a população de camponeses vivia na pobreza, com muitas dificuldades, com falta de alimentos, moravam em casebres longe da comunidade. Os homens enviuvavam cedo, necessitando casar- se novamente, pois eram muitos os filhos e precisava-se de uma mulher e/ou de uma madrasta para cuidá-los. Este era o cenário da vida real. Portanto, segundo a visão histórica deste autor, é este cenário real que foi transposto para os contos de fadas, os quais chegaram até os dias de hoje pela tradição oral, a princípio e, posteriormente, recolhidos por folcloristas e transformados em coletâneas. As duas visões, tanto a psicológica quanto a histórica fazem parte desta pesquisa. Cada um dos aspectos estudados ampliará a visão sobre a bruxa que, acrescido dos desenhos e depoimentos das crianças e adultos, formará a visão da bruxa no imaginário destas pessoas, dando subsídios para que os objetivos traçados possam ser atingidos. Desta maneira, não cabe aqui procurar debater se foram os contos de fadas se espelharam na realidade ou se esta é que foi acrescida de fantasias, isso porque, a fantasia faz parte da vida de todos os indivíduos em diferentes momentos, pois ela não existe somente nos livros e nos contos. Assim como, também não é vivida somente na infância, pois em diferentes fases de nossas vidas há a possibilidade de se viver a fantasia. É importante ressaltar que nem sempre a arte imita a realidade, sendo que muitas vezes é a realidade que imita a arte. C - Critériosteórico-metodológicos Os autores arrolados nesta dissertação compõem-se daqueles que, de diferentes maneiras, colaboram para a discussão do tema da bruxa nos contos de fadas, tanto na sua análise sob o olhar da Psicologia Junguiana, como sob olhar histórico. Definir contos de fadas e ampliar os conceitos a eles relacionados é o ponto de partida desta pesquisa. Estudiosos e teóricos que vêem o conto sob o enfoque da Psicologia Analítica postulada por Jung mostram-no como portador de mensagens e carregado de conteúdos arquetípicos. As mensagens inseridas nos contos de fadas vão ao encontro dos anseios das diferentes faixas etárias, pois estes conteúdos mostram os dilemas da humanidade. Desta forma, independentemente da idade em que se encontre o leitor, os contos de fadas podem trazer mensagens muito importantes, além de possibilitar vislumbrar novos caminhos. Sendo assim, por meio de diferentes leituras ampliam-se os conceitos, agregam-se valores, alargam-se os pontos de vista. E pode-se, desta maneira, construir o tema com raízes sólidas. Dos autores lidos, Jung é o que dá a base para a dissertação. Ampliando os conceitos apresentados por Jung, encontram-se Marie Louise von Franz, Nelly Coelho, Noemi Paz, Dieckmann e Neumann, que conceituam contos de fadas, arquétipos, símbolos , imagem arquetípica e o arquétipo da Grande Mãe . Em relação ao aspecto histórico desta dissertação, os principais autores arrolados foram Clark, Nogueira, e Darnton. Os conceitos inicialmente trabalhados nesta pesquisa são as definições de contos de fadas dados por diferentes autores, os quais, em linhas gerais, afirmam que os contos são produtos originários da uma determinada cultura e da fantasia. Estes contos fazem parte da literatura infantil. Coelho (2003) e Abramovich (1997) enfatizam a importância da literatura infantil, ilustram o percurso histórico dos contos e as primeiras coletâneas. Apresentam os primeiros e mais importantes autores de contos de fadas, como Perrault, Irmãos Grimm e Andersen, que elucidam as diferentes versões dos contos. Von Franz (1990) conceitua contos de fadas sob diferentes aspectos. Esta autora coloca que os contos se apresentam por meio de um sistema relativamente fechado e que neles vamos encontrar uma linguagem simbólica. Von Franz (1990) faz referência à linguagem dos contos, afirmando que esta é comum a toda uma espécie humana independentemente de idade, raças e culturas. Dieckmann (1986) complementa a conceituação de contos de fadas afirmando que estes são produções culturais, com os quais muitas pessoas colaboraram e foram trazidos pela oralidade até o momento em que foram coletados, transformado - se em coletâneas com os contos que conhecemos na atualidade. Coelho (2000) assegura que os contos de fadas são histórias originárias dos Celtas, entre os personagens que fazem parte de seus enredos encontram-se os mediadores vividos por fadas, que recebem a ajuda de talismãs e varinhas mágicas para realizar suas ações. E os opositores são representados por gigantes, bruxas e bruxos, feiticeiros, que interferem na vida e nas ações dos heróis e heroínas, dificultando seu caminho. Todos fazem parte das aventuras nas quais os heróis e heroínas são os personagens principais Paz (1996) amplia a visão sobre os contos de fadas quando afirma que estes podem ser entendidos como parte de passagens iniciáticas. Jung (2006) traz conceitos relevantes para o estudo dos contos de fadas. Este autor desenvolve o conceito de arquétipo, que é fundamental para o estudo dos contos de fadas, Jung afirma que os arquétipos que são conteúdos inconscientes que estão inseridos nos contos de fadas. Jung (2006, p. 87) esclarece que o arquétipo nada mais é do que uma expressão já existente na Antiguidade, sinônimo de idéia no sentido platônico. Entende-se arquétipo como conteúdos que habitam no nosso inconsciente e que são como matrizes que geram nossos comportamentos. Herdamos as formas e não a idéia propriamente dita. Sendo assim, são as formas que compõe as idéias. Cada arquétipo apresenta vários aspectos distintos, o positivo e o negativo, respectivamente. Giordano (2007) e Coelho (2003) escrevem sobre a trajetória dos contos, dando ênfase aos contadores de histórias e aos contos trazidos da cultura oral. Descrevem os conceitos de arquétipo, inconsciente coletivo, símbolos e mundo simbólico dos contos. Giordano conceitua o arquétipo enquanto Potencialidades Psíquicas que habitam no inconsciente coletivo. Esta autora ainda afirma que os arquétipos são universais, todos os humanos herdam as mesmas imagens sendo que, de acordo com nossas vivências, ampliamos estas imagens arquetípicas que recebemos. Giordano (2007) assegura ainda que há uma predisposição arquetípica para desempenhar papéis como mães e filhos, entre tantos outros papéis que desempenhamos nas nossas vidas, e que impulsionados pelos arquétipos, é que agimos de diferentes maneiras frente as mais diversas situações, pois, herdamos o potencial para a experimentação dos diferentes papéis sociais. Neumann (1974) permite analisar a bruxa como a Grande Mãe, vista sob sua face negativa, a mãe perversa, destrutiva. Discursa sobre o arquétipo da Grande Mãe, enfocando os diferentes aspectos do seu pólo positivo e negativo. Acrescenta novos conceitos sobre o arquétipo aos já existentes. Este autor assegura que o arquétipo da Grande Mãe, pode ser observado ao longo do percurso da humanidade, estando presente em ritos e mitos. Este autor exemplifica os dois pólos da personagem. Coloca que no conto de João e Maria, a casinha de pão-de-ló, decorada com chocolate, esconde uma devoradora de crianças, a bruxa, o pólo negativo da Grande Mãe. Neumann (1974) faz relação entre os conceitos de Grande Mãe e Grande Feminino, definindo o Feminino como princípio criativo, representando a totalidade de onde a vida surge. Esclarece que a Grande Mãe não é somente a mãe provedora, mas também aquela que traz a morte. Esta morte não é, necessariamente, a morte física, podendo significar a morte de uma etapa da vida, para o nascimento ou surgimento de uma nova fase. Portanto, momentos de transformações. A Grande Mãe é representada como aquela que nutre, no seu aspecto positivo, e vista como a que abandona, a mulher perversa e má, em seu aspecto negativo. E é este aspecto da Grande Mãe que é geralmente associado ao símbolo da bruxa. O símbolo da Mãe, segundo Chevalier e Gheerbrant (2006), adquire valor arquetípico, apresentando dois aspectos distintos. Um construtivo e outro destrutivo. Ao considerar os aspectos positivos, essenciais para a existência humana, encontra- se o nutrir, a proteção, o alimentar, dar segurança, aquecer, que estão intimamente ligados ao Grande Feminino e a Grande Mãe, assegurando à criança os conteúdos positivos do relacionamento. As rupturas e cisões também pertencem ao símbolo Grande Mãe, no seu aspecto de mãe terrível e má, representado pela bruxa, a mãe diabólica, a velha sábia. A bruxa, sendo mulher, relaciona-se à imagem arquetípica da Grande Mãe vivenciada desta maneira nos contos de fadas. Chevalier e Gheerbrant (2006, p. XXV) esclarecem que o símbolo é sempre pluridimensional, sendo susceptível de um número infinito de dimensões. Os símbolos só existem para uma pessoa, uma comunidade ou mesmo para um grupo, na medida em que possam ser identificados de alguma maneira. A bruxa, nesta pesquisa, também é vista sob olhar dos historiadores, que tem pontos de vista divergentes dos autores que a enfocam sob o prisma da Psicologia Analítica. Darnton (1986) acredita que contos são documentos históricos, os quais sofreram as transformações das diferentes tradiçõesculturais. Considera, portanto, que os contos retratam fatos reais. Desta forma, o autor vê os contos como documentos que possibilitam conhecer melhor os camponeses e como viviam no século XVIII. Nogueira (2004) afirma que os poderes mágicos e a magia, existentes nos contos, fazem parte do imaginário popular e visam satisfazer a psique coletiva, em seus desejos, anseios, e necessidades. Seus estudos são baseados em fatos históricos, buscam analisar a bruxa e a caça às bruxas. Esta conceituação é valiosa, favorecendo desta maneira, relacionar e analisar a figura bruxa pelo viés da história cultural. Ainda coloca a importância que teve a Igreja em relação ao movimento da caça às bruxas. Clark (2006) apresenta a bruxa como modelo antifeminino, juntamente com o símbolo de mãe má. Não obstante, a bruxa é segregada por sua comunidade. Afinal, expressam o ponto negro social no suposto quadro branco da comunidade. Esta dicotomia preserva as relações de poder então estabelecidas para manter a ordem vigente. Este autor é da opinião de que a caça às bruxas refletiu também uma caça às mulheres. O uso do conceito de bruxaria como foco permitiu que se alcançassem outros objetivos, como a opressão desta mulher e seu controle social. A Arteterapia, que dará base para a interpretação dos contos e à sua real contribuição para a formação da personalidade das crianças, é neste trabalho representada por Ostrower (2004), que conceitua criatividade e processo criativo, e Byington, que esclarece sobre o desenvolvimento da personalidade das crianças sob o enfoque da Psicologia Junguiana. O autor afirma que o desenvolvimento da personalidade percorre ciclos, iniciando com o matriarcal, patriarcal, alteridade e cósmico, sendo que, em cada um deles, existem dinamismos diferentes que os diferenciam. Nesta pesquisa, porém, nos deteremos somente nos dois primeiros ciclos. Ostrower (2004) acredita que a criatividade na criança é vivida na sua totalidade Faz parte integrante de sua vida, surge em diferentes situações, nas brincadeiras, no faz-de-conta, nos sonhos, para que a criança aprenda e controle as diferentes situações da vida. Assegura que, para criar, há necessidade de se integrar os novos conhecimentos significativos às nossas vivências e poder, de alguma, maneira transmiti-los aos outros. A interpretação dos contos será embasada nos conceitos trabalhados por Bonaventure (1992), e Chevalier e Gheerbrant (2006), que apresentam os simbolismos que podem-se relacionar a diferentes elementos encontrados nos enredos dos contos de fadas, como por exemplo, os diferentes significados da torre , da madrasta e das florestas. Pain e Jureau (2001) acreditam que a imagem pode ser definida como representação mental e esta é construída na sua totalidade. Sua criação não acontece em partes separadas, portanto, é um todo que se transforma em resultado. É frágil, surge como objeto ou a figura, sendo construída a partir de algum conhecimento. Continuamente, são feitas análises e sínteses. Criar imagens é, portanto, um processo. As entrevistas e os depoimentos desta pesquisa baseiam-se nas leituras da história oral, que asseguram que as informações colhidas oralmente e os estudos acadêmicos podem ter divergências, pois se estruturam de maneiras diferentes. Os trabalhos acadêmicos devem ser entendidos como uma narrativa que é estruturada pela linguagem do discurso acadêmico. Não podemos nivelar os depoimentos orais a estes escritos. Os depoimentos orais devem ser ouvidos e entendidos no seu contexto, isso porque recebem sempre a influência cultural. Ao final desta dissertação ter- se -a material suficiente para, então, analisar e concluir a construção de um novo discurso sobre a bruxa, pois, a personagem terá sido vista de maneira ampla e abrangente nos seus diferentes aspectos e sob o ponto de vista de diversos autores. D - Corpus Estudo de caso - A representação da bruxa O estudo de caso será realizado em uma pré-escola situada no bairro de Higienópolis, em São Paulo. A escola é pequena e possui, no máximo, dez crianças por sala, sob a orientação de uma professora. A escola atende crianças desde a faixa etária referente ao berçário, com bebês a partir de 4 meses, até crianças com 6 anos completos. As crianças são separadas em salas, tendo como critério a faixa etária e o desenvolvimento cognitivo. Esta escola atende uma população de classe média, cujos pais trabalham fora durante o dia e, desta forma, muitas crianças permanecem na escola em período integral. A intervenção consta da representação da bruxa através de desenhos realizados pelas crianças e adultos da escola, a partir da narração dos contos e dos depoimentos gravados sobre a visão que fazem da bruxa. As crianças do Jardim I, que estão com 4 anos, as do Jardim II, com 5 anos, e as do Pré, com 6 anos, perfazem um total de 16 crianças. Todas suas professoras apresentam formação acadêmica. As professoras farão parte desta pesquisa para que, ao final, possamos ter a visão da criança e do adulto em relação à bruxa nos contos de fadas As crianças do Jardim I, ainda não alfabetizadas somente escutarão o conto e, posteriormente, farão uma representação através do desenho. As crianças do Jardim II, que já escrevem um pouco, poderão escrever uma palavra que defina a bruxa e também farão o desenho. As crianças do Pré, por já estarem alfabetizadas, escreverão uma frase sobre a bruxa, além de fazerem o desenho. Para a realização do desenho, as crianças terão à disposição folhas de Papel Canson A4 e giz de cera ou lápis de cor. Todos os desenhos serão identificados com o nome da criança ou adulto e com o nome do conto ouvido, para que se possa, posteriormente, relacioná-los aos depoimentos sobre a bruxa. No depoimento individual sobre a bruxa constará perguntas que serão gravadas. Este depoimento terá o objetivo de analisar o que as crianças e os adultos verbalizam sobre a bruxa, como a descrevem, seus sentimentos em relação à personagem e se esta fala difere do desenho realizado. A cada encontro serão tiradas fotos das etapas do trabalho. Elas serão anexadas à dissertação. Foram escolhidos os contos da coletânea Contos e Lendas, dos Irmãos Grimm (1962). Estes contos são João e Maria, Branca de Neve e Rapunzel. As versões utilizadas serão as antigas, e não as atualizadas. Estes contos foram escolhidos por apresentarem a personagem da bruxa através de diferentes formas de ações. Em João e Maria, pode-se observar a bruxa que mora na casa de chocolate, mas também a postura da madrasta pode ser entendida como a de uma bruxa. Em Branca de Neve, pode-se observar a transformação da rainha invejosa em bruxa, que busca retirar a vida da jovem para continuar sendo a mais bela. Já em Rapunzel, a bruxa age contra os pais da menina, contra a própria Rapunzel e contra o príncipe. Sendo assim, os contos escolhidos mostram a figura da bruxa nos seus diferentes aspectos, o que possibilita aos ouvintes percebê-la também de várias maneiras, Outro motivo que levou a escolha destes contos para integrarem a pesquisa é que são contos de uma coletânea que apresenta uma versão dos anos 60, sem muitas mudanças. Os três contos escolhidos serão narrados às crianças na faixa etária de 4 a 6 anos e, para os adultos, objetivando verificar a pertinência ou não de certas características da figura bruxa nos desenhos representados pelas crianças e pelos adultos na contemporaneidade. Observando-se, portanto, nos adultos, o que ainda permanece no seu imaginário e, nas crianças, como elas constroem a figura da bruxa. Ao finalizar esta intervenção, pode-se analisar como os integrantes desta pesquisa idealizam esta personagem,quais suas características, como se constrói esta figura no imaginário tanto de crianças quanto de adultos. Desta forma, teremos ao todo três desenhos de cada participante da pesquisa, podendo, portanto, analisar como esta personagem é vista na atualidade, visto que uma das questões levantadas é que antigamente esta personagem causava medo, era temida e assustadora. Já nos nossos dias, parece-nos que esta personagem é vista pelas crianças não mais como portadora do mal, que assusta e amedronta, mas sim como portadora de conhecimentos que podem ajudar. CAPÍTULO I CONTOS NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE Von Franz comenta que Platão faz referências sobre o contar histórias, afirma ... que as mulheres mais velhas contavam às suas crianças histórias simbólicas denominadas mythoi (1990, p. 11). Isso demonstra que, desde muito tempo, os contos de fadas são vinculados à educação das crianças. Ainda cita que, na Antiguidade, Apuleio1, escritor e filósofo do século II d.C. escreveu uma novela famosa : O asno de ouro. Uma narrativa em prosa com 11 livros, denominada inicialmente Metamorfoses. Essa obra narra as aventuras do jovem Lúcio que, para se transformar em pássaro, unta-se de um unguento mágico. Mas, em função do uso equivocado do unguento, vê-se transformado em asno. Depois de uma série de aventuras extraordinárias, ele recupera a forma humana graças à intervenção de Ísis. Desta coletânea, o único romance da Antigüidade a chegar intacto aos nossos dias é Amor e Psique. Esta história pode ser interpretada como uma alegoria da união mística, relacionando cenas grotescas e obscenas. Interaja com este mito: 1Apuléio - Lucius Apuleius (125 - 164) - nasceu em Madaura, na Numídia (hoje Argélia) no ano de 125. Educado em Cartago e Atenas, viajou pelo Mediterrâneo, estudando ritos de iniciação e cultos. Profundo conhecedor de autores gregos e latinos, ensinou retórica em Roma antes de regressar à África para casar-se com uma rica viúva. Em virtude da oposição da família da noiva ao casamento, escreveu a obra Apologia (173), uma espécie de autobiografia, em que se defende da acusação da prática de magia. Escreveu ainda diversos poemas e tratados, entre os quais Florida, Coletânea de trabalhos de eloqüência. A sua obra mais conhecida é O asno de ouro. <http:// www.mundocultural.com.br/literatura1/latina/apuleio.htm - 4> Psique era a mais nova de três filhas de um rei de Mileto e era extremamente bela. Sua beleza era tanta que pessoas de várias regiões iam admirá-la, assombrados, rendendo-lhe homenagens que só eram devidas à própria Afrodite. Afrodite enviou seu filho, Eros, para fazê-la apaixonar-se pelo homem mais feio e vil de toda a terra. Porém, ao ver sua beleza, Eros apaixonou-se profundamente Psique continuava só. Seus pais procuram um oráculo que disse que deviam levar Psique ao cume de uma montanha e lá surgiria seu marido, uma terrível serpente, e assim ocorreu. Ao chegar a montanha Psique sentou e sentiu muito sono adormecendo, ao acordar se viu num lindo lugar onde foi levada a um castelo escuro lá , na escuridão encontrou seu marido. Sendo alertada que nunca o poderia ver. Ao amanhecer o marido não se encontrava lá, sendo assim por muito tempo. Com saudades de suas irmãs, pediu permissão para visitá-las, recebendo a permissão do marido, mas ao contar às irmãs que era muito feliz mas, que nunca vira seu marido foi instigada por elas para vê- lo. Voltando ao castelo, com uma lamparina tentou vê-lo, viu ao seu lado um lindo jovem, mas Eros acorda com um pingo de óleo que caiu da lamparina. Afirmou que o amor não sobrevive às suspeitas e a abandona. Para recuperar o amor de Eros que realizar três provas e somente depois disto foi realmente feliz.2 Esta história assemelha-se à conhecida A Bela e a fera. O enredo relata a história de uma jovem que é obrigada a viver em um castelo, convivendo com um príncipe transformado em fera. Ela aprende a amá-lo, valorizando sua beleza interior. Quando o feitiço é quebrado através do beijo entre ambos, Fera transforma-se em príncipe novamente. É possível observar a similaridade entre estes contos e outros, ainda da atualidade, encontrados na Rússia, Suécia e Noruega. Este tipo de conto, pontuado por transformações, se refere à figura feminina enquanto personagem que através do seu amor redime seu amado. Existe, aproximadamente, há mais de 2.000 anos, mantendo-se praticamente inalterado em seu conteúdo até os dias de hoje. Von Franz (1990), a respeito da trajetória dos contos de fadas, cita documentos como as colunas de papiros egípcios que os descrevem. Um dos mais célebres, por exemplo, é o conto sobre a história de dois irmãos Anúbis e Bata, que relata as desavenças entre dois irmãos, projetadas na dupla de deuses. Eles constantemente brigam entre si, mas dependem um do outro. Observa-se, então, que os temas básicos dos contos permanecem muito semelhantes entre si. Outra informação que von Franz fornece é sobre a teoria do 2 Disponível em: <http://www.angelfire.com/la/psique/mito.html> padre W. Schimidt, segundo a qual os temas dos principais contos permanecem inalterados desde aproximadamente 25.000 anos a.C. Nos séculos XVII e XVIII, os contos eram dirigidos para crianças e adultos, sendo a narração de histórias uma prática permanente nos centros de civilização primitiva. Vale elucidar que [...] o contar histórias era tido como uma espécie de ocupação espiritual essencial sendo até chamado de: filosofia da roda de fiar - Rocken Philosophie. (VON FRANZ, 1990, p. 12) Herder, um estudioso do século XVIII, afirmava que estes contos continham lembranças de crenças já enterradas e que eram expressas através de seus símbolos. Eram reminiscências de uma sabedoria ou fé, isto é, a busca de algo que melhor satisfizesse os ensinamentos dados às crianças pelo Cristianismo, uma nova aspiração vital. (id., ibid) Os irmãos Grimm (apud VON FRANZ, 1990), integrantes da escola romântica alemã, investigaram os contos folclóricos. Segundo Giordano (2007), Folclore é a palavra que designa conjunto de tradições e de conhecimentos que pertencem a uma sociedade. É, portanto, uma herança social transmitida pelos diferentes participantes das comunidades, independentemente de onde habitem. Giordano esclarece que a palavra Folclore surgiu pela primeira vez em Londres, na revista Ateneu, em 22 de Agosto de 1846, tendo sido criada pelo arqueólogo inglês Willian John Thomas. Esta palavra se compõe da junção de dois vocábulos folk, que significa povo, e lori cujo significado é sabedoria. Os irmãos Grimm escreveram contos sem mudar as histórias contadas pelos camponeses e pessoas dos arredores. Porém, não resistiram à tentação de misturar elementos fantasiosos em algumas versões. Cautelosos, mediante alguma modificação no original do conto, explicavam-na nas notas de rodapé de página. Eles não conseguiam deixar coisas ou fatos desconexos, vazios, como os paradoxos aparecerem afirma von Franz (1990, p. 14). A coletânea dos Irmãos Grimm nasce com muito sucesso, sendo que existiram várias edições. Surge Perrault na França, ressaltando que em todos os países as pessoas começaram a colecionar os contos de fadas locais. Os estudiosos identificavam, admirados, a quantidade de temas que se assemelhavam e que se repetiam. Um tema presente na França era também encontrado, com algumas variações, na Rússia ou na Itália. (VON FRANZ, 1990) Para explicar este fenômeno, os irmãos Grimm usaram a seguinte metáfora: Contos são como cristais, que quando quebrados, espalham seus fragmentos pelagrama. (apud VON FRANZ, 1990, p. 14) Paralelamente aos irmãos Grimm, surgiu uma linha de pensamento que considerava que os mitos expressavam, simbolicamente, as realizações e os pensamentos filosóficos mais profundos. Nesse sentido, pode-se ver como um ensinamento místico de algumas das verdades mais profundas da relação de Deus e o mundo. (id., ibid.) O interesse em verificar o que causava a repetição e a semelhança entre os temas conquistou expressão histórica e enfoque científico. A pesquisa foi direcionada para a descoberta dos originais e de suas migrações, pois não havia, até então, estudos sobre o inconsciente coletivo e a psique. Alguns acreditavam que os contos eram, em sua maioria, originários da Índia ou até da Babilônia. De lá, migravam para toda a Europa. Outros acreditavam que esses fossem oriundos da Ásia Menor, centro de origem dos contos, e assim algumas teorias se desenvolveram sobre as possíveis migrações. (VON FRANZ, 1990) A autora enfatiza que o Centro Folclórico buscava analisar a teoria das migrações. Vários estudiosos chegaram à conclusão que os contos não poderiam ter sua origem em um só país. Eles acreditavam que diferentes contos surgiam em diversos locais. A partir desta teoria, surgiram coletâneas agregando contos do mesmo tipo, acreditando-se que a melhor das versões, a mais rica, ou a mais poética, seria a geradora dos demais. Von Franz (1990) declara sua posição sobre o pensar em relação aos contos: alguns migram e se desintegram e outros recebem valor agregado. No percurso da história dos contos, a autora assegura que no século XVIII outras pesquisas foram feitas. Surge Ludwig Laistner que escreveu em Berlim Das Ratsel der Sphinx, em 1889. Este autor defendia a hipótese que os temas básicos, tanto dos contos de fadas, como dos folclóricos, derivam de sonhos. Faz a relação entre os temas repetidos de sonhos típicos, aqueles que são comuns às pessoas em diferentes fases da vida, como sonhos de se casar, ter filhos, e os temas folclóricos. Para Bastain3, os temas mitológicos são denominados de pensamentos elementares (apud VON FRANZ, 1990, p. 17) da espécie humana. Esta, possui um estoque de Elementargedanken, os quais não migram, são congênitos a cada indivíduo. Estes pensamentos elementares aparecem com variações geográficas na Índia, Babilônia, por exemplo, o que denominou como Histórias Especificas. Tais idéias se aproximam muito das de Jung sobre o arquétipo e imagem arquetípica, conforme explica von Franz. Segundo Jung, [...] o arquétipo é a disposição estrutural básica para produzir certa narração mítica e a imagem específica sob a qual os arquétipos acabam de uma forma recebendo então o nome de Imagens arquetípicas. ( id., ibid.) Bastian acreditava que os pensamentos elementares refletiam um fator hipotético, o que significa que não poderiam ser vistos. Mas, ao deparar com pensamentos nacionais semelhantes, tem-se indício da existência de um pensamento básico que está subjacente a estes. (id, ibid.) A Escola Literária visava investigar os contos sob o ponto de vista estritamente formal. Faz a distinção entre os vários contos: mitos, lendas, histórias cômicas, histórias com animais e histórias jocosas, e o que se denomina de contos de fadas clássicas (id., p. 18). Estes contos são os de autoria de Perrault, Grimm e Andersen, que transcrevem os contos da tradição oral de suas comunidades, 3 Antropólogo alemão, Adolf Bastian (1826-1905), abria o campo da experiência da datação dos mitos para distinguir duas importantes concepções da esfera mitológica. Obsessivo historiador dos costumes de cada povo, experimentado e curioso explorador, Bastian, dentro das longas viagens que fez, desenvolveu a teoria das "idéais elementares" (Elementargedanke), em contrapartida as "idéias étnicas ou culturais" (Volkergedanke). Disponível em: <http://www.symbolon.com.br/artigos/papainoel.htm> mantendo suas singularidades. Estes estudos foram importantes e denotaram as diferenças existentes entre os heróis dos contos de fadas, que podem ser definidos como aqueles que salvam, matam e não têm medos. Agem sem demonstrar seus sentimentos, são reações que seguem os mesmos padrões em diferentes contos. Nas lendas e sagas, o herói já demonstra seus sentimentos. (VON FRANZ, 1990) Os contos de fadas foram estudados por etnólogos, antropólogos e especialistas em mitologia e histórias das religiões, o que permitiu ampliação poética e cientifica sobre o assunto em pauta. A trajetória realizada sobre os contos de fadas permite observar os diferentes enfoques sobre seus significados. Von Franz conclui que os estudiosos, aos poucos, começaram a notar as semelhanças entre os temas, os motivos simbólicos contidos nos contos e a semelhança nas ações dos personagens. Com o avanço da Psicologia, percebeu - se o quanto os contos possibilitam o conhecimento das estruturas mentais, emocionais e sociais dos indivíduos. Jung, ao estudar os mitos, percebeu que os contos de fadas também continham ensinamentos vindos da sabedoria popular. Em suas pesquisas sobre os arquétipos, constatou-os presentes em mitos e em contos de fadas. Uma definição interessante sobre os contos coloca que os contos de fadas são as expressões mais pura e mais simples dos processos psíquicos do inconsciente coletivo. (VON FRANZ, 1990, p. 9) A autora comenta o motivo que Jung e a Psicologia Junguiana têm para estudar os contos. Deve-se ao fato de ser nos contos onde melhor se pode estudar a anatomia comparada da psique (JUNG apud VON FRANZ, 1990, p. 25), pois nos contos existe um material cultural que tem suas raízes no imaginário da psique coletiva, possibilitando a criação de imagens diferenciadas. Conseqüentemente, eles oferecem uma imagem mais clara das estruturas psíquicas. Já nos mitos e lendas, ou outro material mais elaborado, temos as estruturas básicas da psique através de uma grande quantidade de material cultural. Silveira (2000) sugere tratar-se uma maneira de lidar com vários dramas que temos durante as diferentes etapas de nossas vidas. Ela ressalta que estes elementos trazidos nos contos são comuns a todos os homens, tendo sua origem nas profundas camadas do inconsciente, comuns a pisque de todos os seres humanos e pertencentes ao mundo dos arquétipos. Por este motivo é que os mesmos temas aparecem em contos de países distantes, em diferentes épocas e com muito pouca variação. Von Franz (1985) afirma que as tendências inatas, os arquétipos que encontram-se nos contos, podem ser influenciados pelas civilizações nas quais se originaram. O conto se origina de uma história, tendo um núcleo que é formado a partir de um sonho. Este revela um ou mais arquétipos da sociedade em que se encontra. Observa-se, assim, a permanência dos arquétipos. Apesar das ramificações de contos europeus e africanos, percebe-se a inter-relação entre eles, isso porque, os contos de fadas podem migrar de um lugar ao outro com maior facilidade. Apresentam uma estrutura simples e básica, o que lhe permite fazer sentido para qualquer pessoa. (VON FRANZ, 1985) Segundo Silveira, para Jung: Mitos e contos de fadas dão expressão aos processos inconscientes e sua narração provoca revitalização destes processos, restabelecendo a conexão do consciente ao inconsciente (JUNG apud SILVEIRA, 2006 p.105) Isso acontece quando se escuta ou se lê um conto. É este o motivo pelo qual as crianças solicitam para que lhes contem várias vezes os mesmos contos. Enquanto não vêem soluções para suas dificuldades, buscam no conto a resposta para seus conflitos. Jung define arquétipo: [...] o arquétipo representa essencialmenteum conteúdo inconsciente, o qual se modifica através de sua conscientização e percepção, assumindo matizes que variam de acordo com a consciência individual na qual se manifesta (JUNG, 2006, p. 17 ) O autor expõe que, além do arquétipo ser um pensamento padrão e estar interligado a outros, é também uma experiência emocional que pertence a um indivíduo. Quando adquire valor emocional e afetivo, pode ter vida. Jung defende que não há significado em copilarmos os temas, as Grandes Mães, os santos. Só há significado em algo quando existe, junto a ele, uma experiência afetiva. (apud VON FRANZ, 1990). Os arquétipos são contaminados uns pelos outros no inconsciente. São representações simultâneas que lá estão, e quando o consciente dá atenção a um deles é como se um foco de luz fosse projetado nele, realçando-o neste momento (id., ibid.). Este conceito é muito importante ao estudar-se os contos. Pode-se verificar quando o arquétipo foi focalizado por um ou outro indivíduo. Isso acontece de acordo com o momento de vida e com a percepção deste momento específico. É importante perceber que cada indivíduo, a seu modo, irá contribuir para a interpretação do conto. Selecionará um ou outro aspecto para validá-la. Observará a maneira com que os contos se conectam. Frente a uma visão racional, talvez se encontrem explicações baseadas na hierarquia de valores expressos no conteúdo do texto. Outros leitores observarão os símbolos neles contidos e suas possíveis ampliações. Outros ainda tenderão a ver os elementos em sua totalidade, ao invés de mensagens fragmentadas, cujo conjunto representa uma interpretação de casualidade entre as ações e os resultados obtidos. 1.1. As primeiras coletâneas e as origens dos contos de fadas A primeira coletânea de contos infantis surgiu na França, no reinado de Luís XVI, Contos para Mãe Gansa. Esta coletânea tem autoria de Perrault apresentando o total de oito contos recolhidos dos relatos da população. São eles: A Bela Adormecida no Bosque, Chapeuzinho Vermelho, O Barba Azul, O Gato de Botas, As Fadas, Cinderela ou A Gata Borralheira, Henrique do Topete, e O Pequeno Polegar. Numa próxima edição foram acrescentados os contos Pele de Asno, Griselidis, e Desejos Ridículos. (COELHO, 2003) Coelho (2003) assegura que Perrault foi o primeiro escritor a fazer uma coletânea. Pode-se dizer que a literatura infantil surgiu na Alemanha, século XVIII, tendo como objetivo a pesquisa da língua alemã. No país também surgiram os Irmãos Grimm. A partir do trabalho deles, a literatura infantil começou a se expandir pela Europa e Américas. Os irmãos Grimm tentavam buscar as raízes de sua língua. Os objetos de estudo preferenciais destes autores eram os mitos, lendas e sagas que permaneceram vivos na tradição popular, por serem transmitidos de geração a geração. Nos textos que usavam para seus estudos lingüísticos, encontravam-se os contos, trazidos pela cultura popular: Os Contos de Grimm, nesta coleção receberam o nome de Contos de Fadas para Crianças e Adultos. (id., ibid.) As histórias mais conhecidas, tais como A Bela Adormecida, Branca de Neve e os Sete Anões, Chapeuzinho Vermelho, A Gata Borralheira, O Ganso de Ouro, Os Sete Corvos, Os Músicos de Bremen, A Guardadora de Gansos, Joãozinho e Maria, O Pequeno Polegar, As Três Fiandeiras, O Príncipe Sapo, entre outros, foram publicadas como contos avulsos, entre os anos de 1812 a 1822. Na segunda edição, os Irmãos Grimm retiraram alguns episódios que continham fatos cruéis e aqueles que envolviam as crianças. (id., p. 23) Décadas depois dos Irmãos Grimm, surgiu, no início do romantismo, Andersen, dinamarquês que publicou seus 187 contos de 1835 até 1877, denominado Eventyr. Andersen era um homem ligado aos valores cristãos e tinha os mesmos ideais românticos, acreditando nos valores populares. Sensível, torna-se o primeiro escritor a escrever para o público infantil. Sua linguagem é singela e toca o coração das crianças. Seus contos transmitem sua visão do mundo, veiculando valores como bondade, lealdade e honestidade. Seus contos, em geral, são tristes e retratam um final nem sempre feliz, diante do egoísmo e da injustiça social. Desta maneira, os contos de Andersen refletem, em seus conteúdos, os problemas religiosos de seu país. Estes não apresentam estrutura folclórica, mas são impregnados de problemas pessoais, a maioria deles vivenciados pelo autor. (VON FRANZ, 1985) Andersen busca resgatar o folclore da Dinamarca. Ao mesmo tempo em que mostra as injustiças da sociedade, apresenta o caminho da religião como solução. Assim, procura passar às crianças padrões que acreditava serem os ideais para se alcançar o céu. Seus principais contos são O soldadinho de Chumbo, A pequena vendedora de fósforos, O rouxinol e o imperador, A roupa nova do imperador, João e Maria e A rainha da neve. (COELHO, 2003) Andersen trazia em seus contos os valores ideológicos que prezava. Temos como exemplo os contos A pastora e Limpador de Chaminés, que mostram a defesa dos direitos iguais para todos, propondo a anulação das classes sociais. O patinho Feio e A pequena vendedora de fósforos demonstram a necessidade da valorização individual, através das qualidades de cada um. A aceitação é explicitada nos contos A Sereiazinha, O sapo e O pinheirinho. O Soldadinho de Chumbo e O homem da Neve apresentam os valores que envolvem a incerteza da vida. O Rouxinol e o Imperador discorre sobre os valores naturais em relação aos artificiais. E, finalmente, os contos Os Cisnes Selvagens e Os Sapatinhos Vermelhos mostram a necessidade de se incentivar a fraternidade, a caridade, a resignação e a paciência diante dos infortúnios da vida. (id., ibid.) Coelho (2003) investiga algumas origens dos contos de fadas. Vale a pena relembrar Chapeuzinho Vermelho: Uma menina conhecida pelo apelido de Chapeuzinho Vermelho, que a pedido de sua mãe deve levar uns doces e sua avó. No caminho, desobedece a sua mãe e conversa com estranhos. Um lobo fica sabendo então que irá à casa da avó, a antecede, (em algumas versões come e avó e depois a menina). Ambas são salvas pelo caçador que passava. o caçador mata o lobo (em algumas versões são colocadas pedras na barriga do lobo que morre)4 Este conto existe em vários folclores pesquisados, mas não tem origem certa. Acredita-se que tenha sido originário do mito grego de Cronos. 4 *Nota da autora O mito nos fala sobre que a esposa de Urano era Gaia (a Terra) e que cada vez que Gaia tinha um filho, Urano o devolvia ao ventre de Gaia. Cansada disto, Gaia tramou com seu filho Cronos. Ela fez de seu próprio seio uma pedra em forma de âmina e a deu para Cronos. Cronos esperou que Urano, seu pai, dormisse e o castrou. Atirou a genitália de Urano no mar, de onde brotou Afrodite, a deusa do amor. Depois, Cronos reinou entre os deuses durante um período de prosperidade conhecido como Idade Dourada. Mas uma profecia dizia que ele seria enfim vencido por um filho seu. Assim, temendo uma revolta tal qual a sua, ele passou a devorar seus próprios filhos assim que nasciam. Até que a profecia se cumpriu, e Zeus, auxiliado por sua mãe, Réia, o destronou na guerra que ficaria conhecida como titanomaquia. Zeus libertou definitivamente seus irmãos e baniu os titãs paraTártaro.5 Esta mesma história é encontrada numa fábula latina do século XI, Fecunda Ratis. Ela conta sobre uma menina que usava um capuz vermelho, é devorada por lobos, e consegue escapar, enchendo a barriga do lobo com pedras. A Bela Adormecida é conhecida numa coletânea que circulou pela Europa com um tema semelhante, cujo originalé datado do século XIII: O cavaleiro Troylus e a bela Zellandine. (COELHO, 2003) Outro conto, cuja célula original vem de uma lenda da mitologia grega, é O Barba Azul. Sua origem seria a lenda do Tesouro de Ixion. (id., ibid.) O conto Henrique do Topete, segundo o autor, é uma variante de A Bela e a Fera. Ambos teriam suas origens no conto oriental O príncipe porco e as três irmãs, no qual uma das irmãs é desencantada, se transformando numa bela jovem. Este mesmo tema aparece em Pantscahtantra. O príncipe serpente também sofre o processo de desencantamento. Esta lenda procede de Portugal e tem o nome de Nobitário do conde D. Pedro. Este é um bom exemplo de migração. Sua possível origem, o mito Psique e Cupido, de Apuléio. Cinderela ou a Gata Borralheira tem sua origem em La Gata Ceneréntola, registrada por Basile, na qual existe uma moça feia que se transforma em bela. Ainda no folclore italiano, outra história apresenta o tema da transformação: O rei e seus três filhos. Neste conto, há uma princesa que aparece transformada em rã. (id. Ibid.) 5 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Cronos> Coelho (2003) revela que as origens do Pequeno Polegar, conto que relata a história de uma família, já não são descritas com tamanha exatidão. Porém, o tema é visto em quase todos os folclores do mundo. A história conta a tradição milenar do nascimento de uma criança muito pequena que ajuda seus pais. Segundo Coelho (2003), há uma fusão de contos entre este, Joãozinho e Maria e ainda com a história que tem o nome de Crianças e feiticeira. Em todos estes contos o cenário é muito semelhante: a floresta, onde crianças são abandonadas, um ogre que se alimenta de crianças, a troca de gorros e a bota de sete léguas. Este é um bom exemplo de como os contos se fundem e trazem temas semelhantes com sua migração de um local para outro. (COELHO, 2003) E, finalmente, o autor menciona o Gato de Botas, que tem origem incerta, embora conhecido nos folclores de diferentes localidades. Anteriormente a Perrault, Basile, em sua coletânea Conto dos Contos, datada do século XVI, na Itália, relata um conto cujo nome é Cogluso. Trata-se de um gato astuto, audacioso e sagaz, que consegue transformar um amo pobre em rico senhor da corte, casando-se com a princesa, da mesma maneira que acontece no conto Gato de Botas. O conto relata as experiências arriscadas de um gato astuto que, para agradar seu amo, busca soluções diferentes e audaciosas para os problemas existentes. Tais atitudes causam espanto entre os moradores da sua comunidade. Pode-se afirmar que os recursos por ele encontrados são criativos. Por meio desses exemplos de contos conhecidos de geração em geração, pode-se constatar o quão antigos são e que se originam de mitos ou lendas vindas da Europa. Cabem, então, alguns questionamentos: Qual o motivo que faz com que sejam contados até a atualidade? Como, e porque, se perpetuam no tempo? Em geral, os contos apresentam características comuns. Sua composição é mais simples e básica que seus elementos estruturais. Por isso, podem fazer sentido para qualquer pessoa. Apresentam uma linguagem que é compreendida por adultos e crianças. Entre as principais características pode-se observar: 1. A presença do elemento fada, ser fantástico imaginário, embora alguns contos não revelem a sua presença. Pode-se dizer que é a presença do mediador entre o herói (ou heroína) e o objetivo a ser alcançado; 2. A oposição bem e mal. É uma visão maniqueísta. Aquele que pratica o bem é bondoso na sua totalidade. Não existem dúvidas sobre a sua bondade. Aquele que pratica o mal é perverso em suas atitudes e incapaz de qualquer ação ponderada entre bem e mal. Frente a esta dualidade em constante guerra, o bem deverá ser o vencedor. 3. A ambigüidade entre as personagens: bom e o mau; ou o personagem é muito bom ou ao contrário. São lindos ou muito feios. Os valores são absolutos, em essência, e seus opostos não coabitam uma mesma personagem. As personagens são divididas de acordo com o esteriótipo produzido pelos valores que carregam em suas ações. 4. As provas ou desafios, que normalmente acontecem ao herói do conto, dificultam sua trajetória ao tentar atingir seus objetivos. 5. Estereótipos: Em sua maioria as personagens do conto são dotadas de beleza, mesmo que pobres. Os opositores são feios. As princesas são lindas e meigas. As bruxas são feias, velhas e com verruga no nariz. 6. Os elementos mágicos são aqueles que ajudam o herói. Como a varinha de condão ou poções mágicas, o caldeirão ou a vassoura, que ajudam a fazer o mal. 7. O Final feliz, que corresponde à conquista do objetivo. (VON FRANZ, 1990) Paz (1995) esclarece que os contos podem ser classificados de acordo com os temas que desenvolvem no seu enredo. Sendo assim, temos: Ciclo arcaico nele, encontram-se crianças abandonadas, que ficam a mercê de poderes do mal (da bruxa), crianças na casa do Ogro, espíritos que são aprisionados em garrafas, o rei e seus filhos, o animal que recupera forma humana. Ciclo dos adormecidos neste ciclo, encontram-se contos nos quais o príncipe é adormecido por magia e as princesas adormecem por feitiços. Ciclo heróico abrange contos onde existem lutas. A luta contra o dragão, a busca e o resgate, e as provas que levam ao casamento. Bettelheim (1979) acrescenta que nos contos de fadas o mal é tão presente quanto o bem, sendo comum estarem inseridos sob forma de personagens e suas ações, pois estes também são onipresentes em nossas vidas. É a dualidade que possibilita à criança observar o problema existente e também a necessidade de resolvê-lo. O mal está presente nos contos, sendo simbolizado pela poderosa bruxa, pelos gigantes maus ou, por exemplo, pela astuta rainha de Branca de Neve. As ações exercidas pelos detentores do mal prevalecem por um determinado período em destaque. Porém, no final da história, o mal será punido, mostrando à criança que a pessoa má quase sempre é perdedora. Fica claro que o conto sugere às crianças uma maneira de agir. Como podem lidar com seus sentimentos. Mostra- lhes que existem, ao mesmo tempo, uma mãe boa, e uma madrasta má, que coabitam a mesma personagem. CAPÍTULO II OS CONTOS DE FADAS Os contos de fadas trazem-nos de volta ao mundo maravilhoso da imaginação e da fantasia, onde vivem os reis, as rainhas, os príncipes, as princesas, as bruxas e as fadas. Além disso, os contos destacam em seus conteúdos o conhecimento sobre o comportamento humano, pois têm uma estrutura que reflete as diferentes formas atitudinais e traços que personificam o homem. Através deles, pode-se estudar as estruturas básicas do comportamento humano. Sua maior importância, como afirma von Franz (1990), está no fato de que os contos de fadas trazem em seus conteúdos mensagens, as quais são importantes tanto para as crianças que os lêem ou escutam, como para os adultos. Os conteúdos dos contos de fadas vão se conectar com o nosso inconsciente, ao mostrarem, em seus enredos, situações comuns ao nosso cotidiano. Por vezes, falam de problemas e também das situações agradáveis que podem se assemelhar ao nosso dia-a-dia. As soluções destes problemas ou dificuldades nos são mostradas através das ações dos seus heróis. Von Franz (1985) contextualiza que antigamente os contos de fadas não eram destinados às crianças, e sim aos adultos das classes inferiores da população, como lenhadores e camponeses. Conta-se que enquanto as mulheres fiavam, ouviam contos. A autora relata ainda que, em alguns locais, existiam profissionais contadores de contos, que eram convidados a contá-los e a repeti-los,se necessário. Essas atividades eram herdadas ou aprendidas, caracterizando-se como uma tradição cultural. Os contos conquistavam valor. Havia uma tradição oral que os mantinham sempre no imaginário das crianças e dos adultos. Ao mesmo tempo em que revelam uma forma de entreterem adultos e crianças, trazem ensinamentos através de seus conteúdos simbólicos, o que aumenta sua importância. Portanto, expressam aspectos da sabedoria popular, passados de geração a geração. (VON FRANZ, 1990) Von Franz afirma que, para Jung, o conto de fadas é, em si mesmo, a sua melhor explicação. Seu significado está contido na totalidade dos temas que ligam o fio da história. (apud VON FRANZ, 1990, p. 9). Os temas encontrados nos contos de fadas são temas comuns a toda humanidade. Contam histórias de famílias, de pais e mães, relacionadas aos medos, às madrastas, aos ricos e pobres. Bettelheim (1979) afirma que nos contos de fadas, os personagens são muito parecidos com os homens, mas se diferem destes pois não têm um nome próprio. As citações se apresentam como: um certo rei..., uma moça que... ou então o rei tinha três filhos, seu filho mais velho... E quando, porventura, estes personagens têm nomes próprios, eles são os mais comuns, como Maria ou João. Da mesma forma, fadas e bruxas também não têm nomes próprios. Isso acontece para que a identificação com as personagens flua com maior facilidade. Os personagens têm vida e características próprias. Cabe refletir que os indivíduos que os habitam nos contos atravessam o tempo da história, que são finitos. O indivíduo morre. O personagem se mantém vivo. Logo, a personagem tem prioridade ao individuo, em se tratando de contos de fadas. O indivíduo não constrói um diferencial com relação à personagem. Esta possui vida e lugar próprios. É diferenciada por si só. Cada personagem é eterna no conto de fadas, pois nos contos sempre encontramos rainhas, reis, príncipes e princesas, além de bruxas e fadas. Assim, podemos pensar que esta possibilidade, de ser eterno e com características próprias, é um elemento essencial para que os contos existam até os dias atuais. Assim, as personagens ganham vitalidade para atravessar a linha do tempo em que transita a humanidade. Por exemplo, o rei quando falece deixa o trono para que outro indivíduo possa ocupá-lo. Quem morre não é o rei, mas sim o humano que exercia o reinado. A função rei permanece viva no imaginário histórico. Surge a indagação: quem será o próximo rei? Observa-se que a identificação entre personagem e indivíduo encontra-se facilitada. Trata-se de representações arquetípicas de pais, mães e filhos. Para Bettelheim (1979), os contos, ao lidarem com o imaginário, não iludem as crianças. Estes apenas colocam-nas em contato com diferentes emoções e dificuldades comuns à humanidade. 2.1. João e Maria Este conto encontra-se na Coleção Contos e Lendas, dos Irmãos Grimm, de junho 1962, volume I. Recebe, nesta edição, o nome de Joãozinho e Margarida. Este conto relata a vida de um casal com dois filhos, vivendo numa época em que a fome era comum nas diferentes comunidades européias. Por este motivo, a madrasta e o pai das crianças decidem deixá-los abandonados na floresta. Esta foi a solução encontrada para sanar a falta de alimentos para a família. Joãozinho, por ter ouvido a conversa dos adultos, que decidiram abandoná-los na floresta, leva em seu bolso ao sair de casa, pedrinhas com as quais pretende marcar o caminho para retornar a casa. Com esta atitude, as crianças conseguem retornar para casa. Mas a situação de falta de alimento persiste, e mais uma vez, são levados à floresta e, desta vez, João não encontra as pedrinhas e, por isso, leva pedaços de pão. As migalhas são comidas pelos pássaros, impedindo a volta das crianças para casa. Na floresta, buscam abrigo e, depois de algum tempo, encontram uma casinha de chocolate. Como estavam famintos, resolvem comer partes da casinha, que era de uma bruxa. Esta, logo vem ao encontro das crianças. A princípio, os cativa com boa alimentação e cama gostosa para dormirem. Mas, logo depois, prende Joãozinho em uma gaiola e faz Maria trabalhar para ela. A bruxa tem a intenção de comer as crianças e é enganada por elas no final da história. Maria empurra a bruxa no fogão e solta João. Depois, as crianças encontram um tesouro e voltam para casa com a ajuda de um pássaro. Encontram o pai sozinho e podem, então, viver tranqüilos e felizes. No conto João e Maria, a madrasta e a bruxa apresentam características do pólo negativo da Grande Mãe. Neumann (1974) afirma que muitas imagens simbólicas representam o arquétipo da Grande Mãe. Os arquétipos transitam entre os dois pólos: um negativo e outro positivo. Sendo um complementar ao outro. Segundo Grinberg (2003), o arquétipo da Grande Mãe, no seu pólo positivo, apresenta a mãe como aquela que provém, alimenta e acolhe a criança. E o pólo negativo da Grande Mãe, manifesta-se através da mãe devoradora e terrível, que seduz, asfixia, abandona e aprisiona, quase sempre representada nas histórias como a personagem da bruxa ou da madrasta. Grinberg (2003) esclarece que estas estruturas arquetípicas são sempre bipolares e, desta forma, apresentam aspectos que são criativos e estruturantes, ao lado dos aspectos negativos e destruidores. Mas estas polaridades não estão relacionadas às noções de bem e mal. No conto João e Maria, a figura da mulher assume posturas também vividas pelas mulheres atuais. Uma delas é a função da mãe que, neste conto, é vivida pela madrasta. A outra função é a de filha, vivenciada pela Mariazinha. Toda mulher vive o arquétipo da Grande Mãe em fases distintas de sua vida. Primeiramente, vive este arquétipo como filha, quando é ainda bebê e é acolhida no colo e, posteriormente, o vive em outra fase, quando é já mãe que dá o colo aos seus filhos. Estes, em alguns momentos de suas vidas, podem sentir-se abandonados assim como João e Mariazinha. (BONAVENTURE, 1992). Neste conto a madrasta (bruxa) pode ser entendida pelas crianças como modelo de mãe. Isso significa que as crianças, durante suas vidas, podem sentir sua mãe como a personificação da bruxa, por exemplo, quando a mãe não lhes faz todas as vontades. Sendo assim pode-se dizer que toda mãe tem uma bruxa dentro de si. A mãe normalmente é vista como provedora de amor e de acolhimento, mas ela deve também afastar-se um pouco para que as crianças possam agir de maneira independente, pois é importante que ela mostre aos filhos que eles devem e podem caminhar sozinhos. Uma mãe zelosa e cuidadosa, que alimenta seus filhos na boca quando estas crianças já têm condições de se alimentarem por conta própria, estarão atuando como bruxas que não permitem o crescimento das crianças, por mais que estejam agindo com amor e carinho. Pode-se, então, perceber que as atitudes das mães podem ser entendidas como a Grande Mãe no seu aspecto negativo ou positivo, nas diferentes situações da vida. A floresta é um local onde não há segurança. É escuro, o que causa medo. É um lugar desconhecido, obscuro, inatingível. Segundo Chevalier e Gheerbrant (2006), a floresta simboliza o inconsciente, sendo o local onde vivem os animais selvagens, que correspondem aos nossos instintos, e onde deparamo-nos com o desconhecido. Na vida, precisamos também passar pela floresta para que possamos crescer. As situações pelas quais as crianças passam desde pequenas, como o primeiro dia na escola, ou tendo que fazer sozinhas algumas atividades, podem gerar uma sensação de abando. Essas situações podem ser relacionadas à entrada na floresta, levando à novas conquistas. Isso
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