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A SEXUALIDADE COMO ARMA DE OPRESSÃO E REGULAÇÃO SOBRE O SEXO FEMININO

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A SEXUALIDADE COMO ARMA DE OPRESSÃO E REGULAÇÃO SOBRE O SEXO FEMININO 
Eliane Mello de Souza
Graduanda em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR – Brasil, email: liasmello@gmail.com 
Resumo: O objetivo do trabalho é, através de pesquisa bibliográfica de obras que tratam da sexualidade feminina no que concerne à sua condição ao longo da história, embasada em autores como Simone de Beauvoir, Jacqueline Pintanguy, Branca Moreira Alves e Marilena Chauí, buscar compreender as origens da “castração” que a mulher desenvolveu com relação à própria vida, capacidades e direitos ao longo dos séculos. E ainda, investigar como as instituições que exercem um papel modelador da atividade sexual, influenciam negativamente os âmbitos social, cultural, profissional e político feminino. Os resultados obtidos são apresentados em um breve recorte histórico que perpassa toda a pesquisa e tratam da situação da mulher em diferentes sociedades.
Palavras-chave: sexualidade, história, repressão feminina.
Introdução
A repressão sexual é a postura adotada pelo patriarcado para, ainda nos dias de hoje, realizar uma manutenção de status do homem na sociedade. Entre os artifícios utilizados estão, a exaltação à castidade feminina e o modelo santificado da mesma, visando a domesticidade dos corpos. Esse é o ponto que nos conduziu no desenvolvimento do presente trabalho. Para tanto, recorremos à pesquisa bibliográfica, tendo como principais autores e obras, Marilena Chauí, com a Repressão sexual, Branca M. Alves e Jacqueline Pitanguy com O que é o feminismo?, secundariamente, mas não com menor importância, Simone de Beauvouir com a obra O segundo sexo e Wilhelm Reich com A função do Orgasmo, entre outros.[1: Para a sociologia, trata-se de uma organização social primitiva onde a autoridade é exercida por um homem. Esse poder estende-se aos parentes de uma mesma linhagem. Por outras palavras, um patriarcado é um sistema em que os homens dominam as mulheres. Os homens exercem uma opressão sobre as pessoas do sexo feminino, apropriando-se por meios pacíficos ou violentos da sua força produtiva e de reprodução. [...] A noção de patriarcado é usada para criticar e condenar semelhantes práticas ou políticas de cunho machista. A divisão sexual no trabalho (com as mulheres a cargo do trabalho não remunerado, como as tarefas domésticas, ou dos empregos mal pagos), a falta de independência econômica (quando são os homens que gerem o dinheiro), a violência doméstica e o assédio sexual são questões relacionadas, de alguma forma, com o patriarcado que ainda se mantém. (Http://conceito.de/patriarcado)]
Primeiramente, desenvolver-se-á um breve recorte histórico das reviravoltas quanto à posição da mulher em diferentes sociedades. Em seguida, trataremos da sexualidade enquanto artifício para justificar a opressão e possibilitar a regulação dos corpos e vidas, e por fim, abordaremos as consequências catastróficas - com enfoque na sociedade brasileira -, da disseminação de uma cultura na qual a mulher é um ser inferior.
Reviravoltas quanto à condição da mulher nas sociedades: uma breve perspectiva histórica
Desmistificando o caráter de sujeição natural da mulher enquanto destino irrevogável, a-histórico e universal, conforme defendido por Branca Moreira Alves e Jacqueline Pitanguy (1985. p, 15), levanta-se a experiência entre os sexos na Gália e na Germânia, sociedades tribais em cujo regime designava-se às mulheres um espaço de atuação semelhante ao dos homens. Participavam da guerra, dos Conselhos tribais, ocupavam-se da agricultura e gado, construíam suas casas. Funcionavam também como juízas. Outras duas sociedades podem ser citadas ao usarem desta equidade entre os seus habitantes: os Iroqueses e os Hurons.[2: Juntas, as duas pesquisadoras escrevem o livro O que é feminismo, livro que trata do histórico do movimento feminista e aborda questões como: a situação da mulher na sociedade antiga, medieval e moderna. Abordando o feminismo enquanto movimento político e trazendo à tona suas primeiras líderes, lutas e conquistas.][3: Grupo nativo norte-americano que vivia em torno da região dos Grandes Lagos, primariamente no sul de Ontário, uma província do Canadá, e no nordeste dos Estados Unidos.][4: Grupo de indígenas agricultores da América do Norte. Antigamente, viviam em tribos de até mil membros.]
Já na Grécia, temos os primeiros registros da desvalorização - especificamente com relação às de classe mais baixa -. O papel exercido pela mulher grega se assemelhava ao dos escravos, uma vez que realizavam tão somente atividades manuais, que ao ver do homem livre, não tinham grande valor. Em Atenas, cidade jônica, situada na pequena península da Ática, o primeiro critério para ser considerado livre, era ser homem, ateniense ou descendente de atenienses. Aos homens, eram reservados os trabalhos, por assim dizer, mais nobres, como o exercício da filosofia, política, etc. Aristóteles, teria afirmado que “A fêmea é fêmea em virtude de certa falta de qualidades. A mulher é mais vulnerável à piedade (...). Tem menos pudor e menos ambição. É menos digna de confiança (...)” (in Alambert 1986) e ainda que “A mulher é um homem incompleto; um homem castrado.” (Aristóteles apud AQUINO, 2001. p, 823)[5: Filósofo grego, Aristóteles (384 - 322 a.C.), nasceu em Estágira, colônia de origem jônica encravada no reino da Macedônia. (http://www.pucsp.br/pos/cesima/schenberg/alunos/paulosergio/biografia.html)]
Destarte, essa relação desigual constata a atribuição às mulheres, mesmo às de classe mais nobre, atividades direcionadas, em geral, às tarefas domiciliares e à procriação. O ambiente “natural” era exclusivamente o lar, onde deveria gerar e educar seus filhos, devendo ser submissas ao seu cônjuge, prestando-lhe total fidelidade. Assim:
Ao afirmar que “os Deuses criaram a mulher para as funções domésticas, o homem para todas as outras”, Xenofonte, no século IV a.C., exprimia um tipo de argumentação naturalista que ainda hoje demarca espaços para os sexos. (ALVES E PINTANGUY, 1985. p, 12).
 Não obstante a raras exceções, onde eram educadas para se tornar uma espécie de companhia agradável para os homens, o horizonte da mulher era excluído do mundo do pensamento e do conhecimento, tão valorizados pela civilização grega. Nesse período, a única escola dedicada à formação feminina, que se tem conhecimento, foi o centro fundado por Safos, no ano de 625 a.C. [6: Poetisa grega nascida em Eresso, próxima de Mitilene, capital da ilha grega de Lesbos, nordeste do mar Egeu, situada diante da costa da Anatólia, a maior poetisa lírica da Antigüidade e conhecida como a Vênus de Lesbos, famosa pelas declamações de seus poemas, em reuniões sociais de mulheres de boa família, costume comum nessa ilha grega. (http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/SafoLesb.html)]
	Quanto à civilização Romana, sob alguma ressalva, a mulher romana, além dos filhos, servos e escravos, estava sempre sob o poder de um homem, do paterfamilias (chefe do lar), do marido ou de um tutor, que tinha sobre seus dominados, pleno poder sobre a determinação de seus destinos. A esposa adúltera e a filha desonrada tinham a sentença de morte por ele decretada. As mulheres nessa sociedade eram proibidas também de fazer uso dos transportes públicos e obrigadas a se locomover a pé. Epiteto ilustra a situação da mulher nessa época, da seguinte maneira:[7: Epiteto foi um filósofo grego antigo, que pertenceu à escola filosófica estoica. Viveu parte de sua vida como escravo em Roma. Seus pensamentos, ideias e ensinamentos estão presentes em duas obras (Manual e Discursos de Epicteto) editadas pelo seu discípulo Flavio Arriano. ]
As mulheres, logo após seus quatorze anos, são chamadas de senhoras pelos homens. Vendo assim que nenhuma outra coisa lhes cabe, exceto se deitarem com eles, começam a se embelezar e nisso depositam todas as suas expectativas. É importante que cuidemos para que percebam que por nenhuma outra coisa são honradas,senão por se apresentarem disciplinadas e dignas. (EPITETO, 2012. p. 53)
	No entanto, é na Idade Média que o caráter negativo da sexualidade feminina é reforçado e a partir daí passa-se a justificar que esteja sempre em uma posição inferior em relação ao homem ou que deva ser “excomungada” caso seu comportamento fuja do que é tido como definido pela lei dos homens. Segundo Christiane Klapisch (2014), não é surpreendente constatar como a repulsão à sexualidade e à reprodução (autodefesa de homens que não conhecem as mulheres), encontra-se presente também nos tratados, cada vez mais numerosos a partir do século XIII, redigidos por leigos preocupados em regular a vida doméstica e os comportamentos amorosos e conjugais femininos.[8: Contudo, no século VII, já se tem registros de Códigos de Leis, como o Edito de Rotari que em seus objetivos buscava controlar e regulamentar as ações das mulheres para que as mesmas “não degradassem a ordem da constituição familiar”. O artigo 204 desse código de leis demonstra que: “A nenhuma mulher livre habitante do nosso reino e governada pela Lei dos Lombardos seja permitido viver de acordo com a sua vontade, como selpmundia, mas que permaneça sob o poder de um homem ou do rei. Não poderá vender seus bens móveis ou imóveis sem a autorização daquele que detém o seu mundio” (MACEDO, 2002. p, 18,19)]
Nesse período, as mulheres gozavam de alguns direitos assegurados pelas leis e pelos costumes. Contudo, essa situação não durou muito tempo, a participação das mulheres nos ambientes profissionais e o fato de ter tanto conhecimento em mãos, despertou uma espécie de ameaça e revolta no dito patriarcado. Além dessa possível ameaça ao campo da ordem simbólica, o fato dessas mulheres usarem seus conhecimentos para a erradicação de epidemias que porventura ocorriam em seus povoados, despertou a ira da instituição médica masculina em ascensão, que viu na Inquisição uma maneira de eliminar suas concorrentes. 
 Os relatos que chegam à atualidade foram escritos por clérigos, que em geral viviam um temor intenso quanto a esses seres que deveriam se limitar à procriação. As mulheres foram consideradas mais fracas que os homens, mais impuras e mais impudicas. Mesmo aquelas que exerciam atividades profissionais remuneradas, recebiam um salário muito inferior ao do homem, o que por consequência, gerou uma hostilização desmedida de seu trabalho. 
No campo da educação, embora minoritariamente, há registros de mulheres frequentando universidades. Assim em Frankfurt, no século XIV, quinze mulheres estudaram medicina e exerceram a profissão, enquanto em Bolonha algumas mulheres formaram-se em Medicina e Direito. (ALVES e PINTANGUY, 1985. p, 18). 
A instauração do Tribunal da Inquisição, criado nesse período (século XIII) pela Igreja Católica Apostólica Romana, com o propósito de investigar, apurar, julgar e condenar os culpados por crimes de blasfêmia, heresia e outras práticas como a homossexualidade, acaba por afastar quase que completamente, a mulher da esfera pública, na qual como já visto, até então, ainda participava de algum modo. 
No fim do século XV, foi publicado o Malleus Maleficarum, livro esse que, acabou por criar uma mitologia em torno da sexualidade feminina, devido aos tipos de exames sexuais aos quais as mulheres tidas como bruxas eram submetidas e ao desconhecimento que o homem tinha em relação ao corpo feminino. E é justamente nessa luta contra as “feiticeiras” que vemos um elemento claro de luta por uma posição de poder por parte do homem. Como demonstrado no próprio livro:[9: Escrito por dois teólogos e inquisidores dominicanos, Jacob Sprenger e Heinrich Kraemer, o Malleus Maleficarum (do latim, “Martelo das Bruxas”) foi um livro do século XV destinado a ajudar inquisidores em identificar e processar as acusadas de bruxaria. Enquanto em si mesmo ele não incitou a “caça às bruxas” no momento da sua publicação, foi influente na formação do pensamento de católicos e protestantes sobre as bruxas. E, embora Sprenger seja conhecido por ter tido uma profunda devoção pessoa mariana, seu livro foi muito misógino. O livro foi lançado em 1484 e inicialmente foi prontamente recusado pelo bispo que o encomendou, tendo seus dois autores sidos posteriormente excomungados por continuarem o publicando. Com 28 edições esse volumoso manual define as práticas consideradas demoníacas. Ele se torna uma espécie de bíblia da caça às bruxas e vai ter grande influência do outro lado do Atlântico séculos depois sobre as comunidades puritanas nos Estados Unidos tendo sido utilizado no famoso caso das bruxas de Salen. (http://logosapologetica.com/o-que-foi-o-malleus-maleficarum-a-igreja-e-a-inquisicao-o-aprovaram/#axzz4hN8uU2eN)
]
[...] A razão natural está em que a mulher é mais carnal do que o homem, o que se evidencia pelas suas muitas abominações carnais. E convém observar que houve uma falha na formação da primeira mulher, por ter sido ela criada a partir de uma costela recurva, ou seja, uma costela do peito, cuja curvatura é, por assim dizer, contrária à retidão do homem. E como, em virtude dessa falha, a mulher é animal imperfeito, sempre decepciona e mente. (KRAMER, Heinrich. SPRENGER. James, 1484. p.114).
É a partir deste período que a abominação sobre a sexualidade feminina ficará mais nítida em nível de ter pontos de apoio inclusive na medicina. Ambroise Paré, considerado médico e cientista ilustre do século XVI, vê no organismo feminino a prova de sua inferioridade em relação ao homem:
Porque o que o homem tem externamente a mulher o tem internamente, tanto por sua natureza, quanto por sua imbecilidade, que não pode expelir e pôr para fora estas partes. Os órgãos sexuais femininos tornam as mulheres disformes e vergonhosas quando nuas. (AMBROISE PARÉ apud ALVES, 2003, p. 21-22). 
O discurso científico associado à religião vai fomentar a perseguição. As instituições de poder, tanto religiosas quanto sociais, passam a ser constituídas exclusivamente pelo sexo masculino. Chegou-se a estabelecer competições entre as religiões vigentes no que se referia a essa “caça as bruxas”.[10: Segundo Julio Michelet em Sobre as feiticeiras, só na cidade de Genebra, por ordem de seu bispo, durante 3 meses em 1515, foram queimadas cerca de 500 mulheres; na Alemanha o bispado Bamberg queima de uma só vez 600; e o de Wutzburgo, 900.]
Nesse contexto, a maldição bíblica de Eva, definiria mais do que qualquer coisa o que era a mulher. Tomás de Aquino, venerado como santo pela igreja católica, afirmou em um de seus escritos que:
A mulher está em sujeição por causa das leis da natureza, mas é uma escrava somente pelas leis da circunstância [...] A mulher está submetida ao homem pela fraqueza de seu espírito e de seu corpo [...] é um ser incompleto, um tipo de homem imperfeito. (AQUINO, 2001. p. 823)
Foi um período em que tudo o que a mulher tentava realizar, por conta própria, era visto como uma imoralidade e, como constatado, passível de punição: 
Não apenas as instituições da Inquisição e da medicina condenam a mulher. Discursos de intelectuais e humanistas, como Jean Bodin, também a estigmatizaram como inferior e impura, contribuindo para a justificação ideológica de sua desvalorização. (ALVES e PINTAGUY 1985. p, 25)
 Ainda que não tivesse sido excluída completamente do mercado de trabalho, sua atuação era muito pequena e extremamente desvalorizada. O que restou foram os empregos onde exercia atividades menos qualificadas e de baixa remuneração, consequentemente, abastadas de oportunidades dignas de trabalho, cada vez mais mulheres buscaram na prostituição, o seu sustento.[11: A origem do fenômeno da prostituição não tem data precisa na história da humanidade [...] Ao longo dos anos, assumiu novos contornos influenciados por condicionamentos econômicos, culturais e religiosos, apesar disso, sobre todos eles houve um denominador comum: a prostituição como uma alternativa simples e primitiva de luta da mulher pela sobrevivência. (http://www.oblatas.org.br/artigos_detalhes.asp?codigo=17&categoria=3&subcategoria=2)]A partir dos séculos XVII e XVIII, as mulheres passam a se dedicar então às atividades voltadas aos setores domésticos e a trabalhos a domicilio. É um período caracterizado, por outro lado, por uma maior valorização do conhecimento e um desenvolver maior da instrução masculina. Não se tem registros de mulheres frequentando universidades até meados do século XIX. Os papéis na medicina, advocacia e no campo cirúrgico são agora, local de atuação exclusiva dos homens: 
Na Europa, a propagação de escolas públicas no final do século XVIII, ilustrava as consequências e influências de todo esse passado. Na Diocese De Rouen, por exemplo, a relação de escolas para meninos e para meninas é de 4 por 1. Tal defasagem se dá não somente em termos quantitativos como também no que se refere à qualidade dos cursos ministrados. O currículo das meninas enfatizava o aprendizado das prendas domésticas e sua escolarização não as preparava para o ensino superior, que, aliás, sequer lhes era acessível. (ALVES e PINTAGUY, 1985. p, 28).
Ainda vista como “objeto” particular voltado para o prazer e vontades masculinas, as aspirações femininas por uma melhor condição de vida, não passavam de meros anseios sem perspectivas de realização. A única visão de independência possível se encontrava no casamento. Fora disso, a mulher corria o risco de ficar social e moralmente mal vista. 
Essa moral, por sua vez era e é um ponto que atua exclusivamente, em favor do homem. O controle da sexualidade feminina como pudemos perceber, era a grande preocupação vigente. Contudo, a sexualidade da mulher continua na mira das críticas e abominações, mesmo dentro do matrimônio, onde a mulher deve se submeter ao que o marido permite ou considera “digno”.
Em 1857, a lei do divórcio foi aprovada e o que parecia ser um grande passo rumo à libertação das mulheres da submissão que lhes era imposta, foi na verdade um meio do homem, ao provar que estava sendo traído, obter a dissolução do casamento. No caso da mulher, ela só conseguiria o mesmo feito, se comprovasse, além de infidelidade, atos de crueldade por parte do cônjuge. 
Adentramos então, na contemporaneidade, com maior atuação feminina nos movimentos que buscam reelaborar o papel da mulher na sociedade:
Com efeito, ao afirmar que o sexo é político, pois contem ele também relações de poder, o feminismo rompe com os modelos políticos tradicionais, que atribuem uma neutralidade ao espaço individual e que definem como política, unicamente a esfera pública objetiva. (ALVES e PITANGUY, 1985. p, 8). 
Com exclusão de alguns lugares do mundo, onde a religião inferioriza de modo extremo o sexo feminino, a mulher conquistou direito à participação política, emprego e educação; o direito ao voto; acesso às universidades; etc. 
Todavia, mesmo após muita luta e direitos conquistados, os séculos XX e XXI denotam uma realidade não muito distante do que o observado até agora. O surgimento da mídia, em todas as suas faces, como fruto de uma cultura machista e misógina já perpetuada durante séculos e séculos, veio a corroborar com o que diz respeito à reprodução e propagação da visão negativa da sexualidade feminina em contraposição com o estímulo constante do desenvolvimento da sexualidade masculina. Segundo Chaves (2010. p, 218) a mídia é uma das maiores disseminadoras de preconceitos em nossa sociedade. As mulheres, foram transformadas em objeto de consumo ou em escravas domésticas, deixaram de ser pessoas. Basta assistir uma propaganda de cerveja ou de sabão em pó para perceber isso. Ao mesmo tempo a mídia tenta criar uma falsa aparência de igualdade entre os sexos. Assim, ratifica o machismo promovendo violências de gênero. [12: Misoginia é o ódio, desprezo ou repulsa contra as mulheres. É uma das bases que fomentam a violência de gênero nas mais diversas culturas e sociedades.][13: Fabiana Moreira Chaves, possui Mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e graduação em Comunicação Social / Jornalismo pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Atua como produtora cultural da Universidade Federal do Acre (UFAC), onde trabalha com educação popular feminista. É pesquisadora do grupo Amajor - Amazônia, jornalismo e ambiente (UFAC/CNPQ), do Núcleo de Estudos de Gênero da Amazônia - Nega (UFAC/CNPQ) e do Centro de Estudos Latino Americanos de Comunicação e Cultura - CELACC (USP/CNPQ).]
A sexualidade sendo utilizada como dispositivo que justifica a opressão e possibilita um maior controle sobre corpos e vidas
A partir de um recorte do século XIX, podemos usar a imagem mulher burguesa naquela época, como o exemplo do que seria ideal quanto às imposições de sexualidade que irão repercutir nas fantasias ocidentais, história afora. As damas alimentavam um medo intenso com relação ao desejo. Imaginar-se sendo desejada ou mesmo desejando um homem ou o envolvimento sexual com alguém, era motivo de um profundo abalo psicológico. Fruto esse, da moral pregada, onde a mulher deveria se assemelhar a Virgem Maria em seus hábitos, tendo sua imagem e sexualidade voltada apenas para a reprodução e para a maternidade. O modelo mulher-mãe-santa tinha como foco, conter sexualmente as vontades e aspirações femininas, para a preservação dos valores impostos pela moral patriarcal. 
Segundo Fonseca (2010. p, 32), mesmo casada, a mulher sofria constante interferência e seguia as normas dos teólogos moralistas, que eram: evitar o excesso, o erotismo, o coito de pé, sentado ou por baixo (da mulher), posições que desperdiçavam o sêmen procriador, pois não entrava no lugar certo. Neste sentido:[14: Mestra em Ciências das Religiões pela Universidade Federal da Paraíba; especialista em História, Meio Ambiente e Turismo pelo Centro Universitário de João Pessoa e graduada em História pela UFPB. Pesquisadora dos seguintes temas: gênero, sexualidade, religião e poder.]
[...] Durante séculos, as sociedades foram regidas por fortes interferências religiosas, uma delas foi a educação doméstica (feminina) que funcionava com limitações, interferências e regras dos dogmas das Igrejas Cristãs. Neste caso, a Igreja Católica possuía uma aliança com a Família e a Medicina, por essa razão, ela, tinha forte domínio no papel social da mulher que se prolongou por séculos até os dias de hoje. (FONSECA, 2011. p, 216).
Essa visão religiosa sobre o corpo e vida feminino, ao controlar o corpo e pensamentos da mulher, se estendia ao ambiente da Igreja, onde a mulher deveria dispor-se a confessar seus supostos pecados, sendo submetida à penitência logo em seguida. O desejo é demoníaco, e contraria a vontade de Deus, devendo assim, ser abolido. É desse modo que o cristianismo reforçava o modelo angelical, com a exaltação à virgindade e a ascensão de um “lirismo da castidade”. [15: Ponto esse que, pode-se compreender à partir de algum estudo, dará bases para o que se chama hoje de infantilização das mulheres e hipersexualização das meninas, que por sua vez, terão ligações intrínsecas com a não tão atual, cultura do estupro – ver nota 9-. Não é exatamente o tema do presente trabalho, mas é importante salientar o modo como esse pensamento prejudica a vida das mulheres, ainda na atualidade.]
Quanto a definição de sexualidade, esta se apresenta definida no Dicionário da língua portuguesa, como “características morfológicas, fisiológicas e psicológicas relacionadas com o sexo”, “conjunto dos fenômenos relativos ao instinto sexual” e ainda, “sensualidade”. [16: Dicionário infopédia da Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2017. (https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/sexualidade)]
Para a Associação Mundial da Saúde Sexual (AMS), na Declaração dos Direitos Sexuais “a sexualidade é um aspecto central do ser humano em toda a vida e abrange sexo, identidade e papeis de gênero, orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução. A Sexualidade é exercida e expressa em pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes, valores, comportamentos, práticas,papeis e relacionamentos. Embora a sexualidade possa incluir todas essas dimensões, nem todas elas são sempre expressadas ou sentidas. Verifica-se também, que é influenciada pela interação de fatores biológicos, sociais, econômicos, políticos, culturais, legais, históricos, religiosos e espirituais”. [17: WAS. Declaração dos direitos sexuais. Disponível em: http://www.worldsexology.org/wp-content/uploads/2013/08/DSR-Portugese.pdf. Acesso em maio de 2017.]
Os Direitos Sexuais estabelecidos são os direitos humanos referentes à sexualidade. E entre eles, podemos identificar os seguintes: 1. O Direito a igualdade e a não descriminação; 2. O Direito à vida, Liberdade e segurança pessoal; 3. O direito a autonomia e integridade corporal; 4. O direito de estar isento de tortura, tratamento ou punição cruel, desumana ou degradante; 5. O direito à privacidade; 6. O direito ao mais alto padrão de saúde atingível, inclusive de saúde sexual; com a possibilidade de experiências sexuais prazerosas, satisfatórias e seguras; 7. O direito à informação; 8. O direito de constituir, formalizar e dissolver casamento ou outros relacionamentos similares baseados em igualdade, com consentimento livre e absoluto; 8. O direito a decidir sobre ter filhos, o número de filhos e o espaço de tempo entre eles, além de ter informações e meios para tal; 9. O direito de participação em vida pública e política; 10. O direito de acesso à justiça, reparação e indenização. [18: A declaração de direitos sexuais da WAS foi originalmente proclamada no 13º. Congresso de Sexologia em Valencia, Espanha em 1997 e então em 1999, uma revisão foi aprovada em Hong Kong pela Assembleia Geral da WAS e reafirmada na “Declaração WAS: Saúde Sexual para o Milênio (2008)”. Os excertos utilizados neste artigo, estão contidos integralmente na declaração revisada e aprovada pelo Conselho Consultor da WAS (AMS) em Março de 2014.]
É com base nesses direitos, ou ainda no fato de a maioria deles ter sido negado às mulheres, que trataremos do que concerne à questão da sexualidade enquanto arma ou dispositivo que vem a ser utilizada em favor de quem está no poder: 
A repressão sexual pode ser considerada como um conjunto de interdições, permissões, normas, valores e regras, estabelecidos histórica e culturalmente para controlar o exercício da sexualidade, pois, como inúmeras expressões sugerem, o sexo é encarado por diferentes sociedades, como uma torrente impetuosa e cheia de perigos. (CHAUÍ, 1984. p, 9)
 Uma vez que é justamente ao negar ou tornar inacessível, alguns desses direitos às mulheres e aos indivíduos de classe social mais baixa, que o patriarcado realiza a manutenção dos próprios interesses. Como visto, ao longo da história, foram utilizados diversos meios para que a mulher se tornasse símbolo de inferioridade, incapacidade e de mero meio para satisfação de prazer e reprodução da espécie. 
Para compreender qual a recorrência do uso da palavra “arma” nesse contexto, podemos considerar a definição do conceito, que se coloca como: “Uma arma é um instrumento ou uma ferramenta, que permite atacar ou defender-se. Como regra geral, o termo faz referência ao aspecto físico, tendo em conta que a arma pode machucar fisicamente ou, inclusive, matar outra pessoa. No entanto, em sentido figurado, muitas das vezes, é utilizada a noção de arma para fazer referência às agressões verbais ou que procuram afetar emocionalmente o outro.”[19: Conceito de arma - O que é, Definição e Significado http://conceito.de/arma#ixzz4i83IpT5v]
Tratar de um conceito com tamanho peso, como esse, se mostra arriscado. No entanto, é o tipo de analogia, que infelizmente tem mais coerência com a realidade, uma vez que o machismo implicado na cultura patriarcal tem, não só causado danos psicológicos em suas vítimas, como também as têm levado à morte, na maioria dos casos. Quanto à violência sexual e física, fala-se de uma cultura do estupro, pautada na infantilização da mulher, e consequente abominação do corpo adulto feminino; no uso de material pornográfico, cujo conteúdo não faz mais que denegrir o que se pode chamar de sexualidade sadia, etc.[20: O termo foi cunhado na década de 70 por feministas americanas e, de acordo com o Centro das Mulheres da Universidade Marshall, nos Estados Unidos, é utilizado para descrever um ambiente no qual o estupro é predominante e no qual a violência sexual contra as mulheres é normalizada na mídia e na cultura popular.]
Heranças na atualidade da constante desumanização e objetificação do corpo da mulher: um enfoque na sociedade brasileira
Segundo Luiza Barros, “Não é a violência que cria a cultura, mas é a cultura que define o que é violência. Ela é que vai aceitar violências em maior ou menor grau a depender do ponto em que nós estejamos enquanto sociedade humana, do ponto de compreensão do que seja a prática violenta ou não”. Sendo assim, a persistência das discriminações contra as mulheres, revela as marcas profundas deixadas por uma cultura que implica na noção de que o valor da mulher como ser humano, está ligado às noções que determinam o que é certo ou errado na conduta feminina - o que nos coloca, mais uma vez, frente a frente com as questões que abarcam uma moral intrínseca à conduta sexual.[21: Doutora em Sociologia pela Universidade de Michigan e ex-ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Governo Dilma).]
 Segundo Reich (1987. p, 24) a "moralidade" é ditatorial quando confunde com pornografia, os sentimentos naturais da vida. A objetificação da mulher se insere nesse contexto, quando aceita-se que ela seja desumanizada a ponto de ser caracterizada como sendo alguém com ou sem valor, simplesmente por fazer uso de sua sexualidade fora do molde que lhe é imposto socialmente. [22: Médico e psicanalista, Wilhelm Reich (1897-1957) foi admitido como membro da Associação Psicanalítica de Viena em 1920, antes mesmo de se graduar em Medicina (a formatura ocorreu em 1922). A partir de 1923, ele passou a defender a tese de que o núcleo das neuroses reside em uma insatisfatória descarga genital da excitação sexual. Um processo terapêutico bem-sucedido deveria restabelecer, a seu ver, a “potência orgástica”. [...] Pautando-se pela teoria da potência orgástica, inspirando-se em alguns referenciais energetistas que encontrara nas obras de Freud e Marx e valendo-se do materialismo histórico e dialético, Reich fundou, por volta de 1928, um novo ramo de investigações, a Economia Sexual (REICH, 1942-1989).]
A consequência desse olhar que toma a mulher como inferior, denota que as razões para que a violação física e psicológica, muitas vezes seguida de morte, que atinge mulheres de todas as idades, religiões, raças, etnias e culturas, estejam diretamente ligadas com a desigualdade, que como já observado, são historicamente construídas.
A agência Patrícia Galvão, criada em 2009, pelo Instituto Patrícia Galvão, que produz e divulga notícias, dados e conteúdos multimídia sobre os direitos das mulheres brasileiras, divulgou números sobre a violência sofrida pelas mulheres em todo país: São 5 espancamentos a cada 2 minutos, 1 estupro a cada 11 minutos, 1 feminicídio a cada 90 minutos, 179 relatos de agressão por dia, tendo 13 homicídios femininos por dia em 2013. [23: Fundado em 2001, o Instituto Patrícia Galvão é uma organização social sem fins lucrativos que atua nos campos do direito à comunicação e dos direitos das mulheres brasileiras.]
Incluem-se como alguns dos agravantes dessas formas de violência, o feminícidio e a perpetuação da supracitada cultura do estupro. Segundo a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (Relatório Final, CPMI-VCM, 2013) “O feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita de posse, igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro; como subjugação da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexualassociada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração de seu corpo; como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou degradante.” Trata-se basicamente da violência ou assassinato de mulheres pela condição de serem mulheres. [24: Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (Relatório Final, CPMI-VCM, 2013).]
Com relação ao alto número de casos de estupros no país, é recorrente que uma cultura que envolve a prática seja fortemente negada, tanto porque reconhecer que há uma cultura do estupro demanda a necessidade de rever comportamentos e hábitos que foram ensinados e seguem sendo praticados como normais por se incluírem na concepção errônea do que é a masculinidade, como porque é muito mais “simples”, gerar na mulher, a ideia que determinados hábitos e comportamentos podem deixá-la segura perante a tais violências.
Considerações finais
Como constatado, muitos foram os artifícios utilizados para impedir o crescimento pessoal, político, profissional e econômico da mulher ao longo da história. As armas de controle e opressão foram os meios que levaram a intimidação da mulher em todos os setores de sua própria vida. Tornando-a uma espécie de espectadora da própria existência, limitando-a, ainda, ao ambiente doméstico, acobardando e mutilando as suas possibilidades fora do lar. 
 Zuleika Alambert (2004. p, 27) nos auxilia nesse processo de compreensão, ao afirmar que, na aurora da humanidade não há como falar na existência de desigualdades entre homens e mulheres, uma vez que não existiam povos, nem Estados separados. Os seres humanos viviam em pequenos grupos (hordas) e depois em famílias e tribos, tendo assim que se manterem agregados, solidários entre si na busca de sobrevivência. Quem se afastava dessas condições, perecia. Não havia superioridade entre homem e mulher. E conforme Reich:[25: Escritora, política e líder feminista. Ela foi uma das duas primeiras mulheres a se eleger deputada estadual em São Paulo, em 1947 [...] Escreveu livros como “Uma jovem brasileira na URSS” (1953), “Estudantes fazem história” (1964), “Feminismo: O Ponto de Vista Marxista” (1986) e “Uma mulher na História” (2004). (http://agenciapatriciagalvao.org.br/site-antigo/mulheres-de-olho-antigo/27122012-morre-zuleika-alambert-pioneira-do-feminismo-e-guerreira-das-causas-democraticas/)]
A estrutura do caráter do homem moderno, que reflete uma cultura patriarcal e autoritária de seis mil anos, é tipificada por um encouraçamento do caráter contra a sua própria natureza interior e contra a miséria social que o rodeia. Essa couraça do caráter é a base do isolamento, da indigência, do desejo de autoridade, do medo à responsabilidade, do anseio místico, da miséria sexual e da revolta neuroticamente impotente, assim como de uma condescendência patológica. O homem alienou-se a si mesmo da vida, e cresceu hostil a ela. Essa alienação não é de origem biológica, mas socioeconômica. Não se encontra nos estágios da história humana anteriores ao desenvolvimento do patriarcado. (REICH,1987. p, 16)
Concomitantemente, considerando a célebre frase de Simone de Beauvoir “Não se nasce mulher, torna-se mulher” e a sua devida explicação dada em entrevista cedida à TV canadense, temos nas palavras da própria filósofa que:[26: Referimo-nos aqui, ao O segundo sexo, em seu primeiro volume, onde a filósofa busca abordar e fazer uma reflexão quanto aos fatos e mitos da condição da mulher. O livro foi escrito em 1949 e é considerado como a grande obra filosófica de Beauvoir.]
“[...] ser mulher não é um dado natural, mas o resultado de uma história. Não há um destino biológico ou psicológico que defina a mulher como tal. Foi a história quem a fez. Primeiro, a história da civilização que resultou em seu status atual e, depois, para cada mulher em particular, foi a história de sua vida, em especial de sua infância, que a determinou como mulher e criou nela algo que não é um dado, uma essência, mas que cria nela o chamado “eterno feminino”, a feminilidade. E quanto mais se aprofundam os estudos de psicologia infantil, mais ficamos sensíveis, mais vemos com obviedade que o bebê feminino é fabricado para se tornar mulher.” (QUESTIONNAIRE. 1975).[27: QUESTIONNAIRE. Porque sou feminista. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=J-F2bwGtsMM&t=1628s. Acesso em: 17 de maio de 2017.]
O papel ou essência atribuído à mulher e a consequente transvaloração da sua sexualidade, nada mais é do que uma construção social e histórica que visa, dentro de seus objetivos, colocar a mulher em um papel secundário em relação ao homem a partir de um jogo de poder, onde praticamente não há a possibilidade de ascensão. Logo, a percepção ou crença errônea de que é algo natural da mulher exercer esse papel secundário, foi (se assim podemos dizer), desmentida em certo ponto. Considerando que justamente em função das pretensões da ideologia de um sistema patriarcal (machista), que vem a definir o que é ser mulher, e dentre outras coisas, quais são os atributos de quem pertence ao sexo feminino, a identidade feminina é distorcida, mas ainda assim, desacertadamente vista como sendo natural. 
Quanto às sequelas da difusão dessa cultura, as diversas formas de violência, não poderiam ser excluídas das explanações da presente pesquisa. Com enfoque na situação brasileira, percebe-se que o número alarmante de atentados contra a mulher, além de graves, tendem a continuar aumentando. A impunidade, provavelmente está ligada ao número elevado de estupros e assassinatos no Brasil e a dúvida da veracidade dos acontecimentos relatados, por parte das autoridades e familiares da vítima.[28: Segundo o Mapa da Violência (2015) de 2003 a 2013, o número de vítimas do sexo feminino cresceu de 3.937 para 4.762, ou seja, mais de 21% na década. Estando em maior parte, associados à violência sexual seguida de homicídio.]
O feminismo enquanto movimento social e prática política demonstra que mesmo diante de tanta desigualdade, intolerância e perseguição, as mulheres se uniram, lutaram e lutam contra o sistema machista vigente. Historicamente antigo, surge como processo de libertação e emancipação visando uma sociedade igualitária para ambos os sexos.[29: Já no século XVIII, temos bons exemplos disto: na França em 1791, com Olympe de Gouges, escreve a Declaração dos direitos da mulher e cidadã em protesto e paralelamente à Declaração dos direitos do homem. E em 1792, na Inglaterra, Mary Wollstonecraft vem a publicar a Reinvindicação dos direitos da mulher.]
	Finalmente, podemos dizer que pretendemos despertar a atenção e reflexão quanto à grande influência do sócio culturalismo, que, pautado num sistema patriarcal machista, atacou durante séculos (através da sexualidade), a individualidade feminina em diversas sociedades. Desinformada e desacertadamente, muitas vezes passamos a vida toda, apenas repetindo padrões de comportamentos sem nos questionar quanto às causas que nos levam a pensar ou agir de determinado modo. Esta busca por discernimento se mostra ainda mais importante no que diz respeito aos principais reprodutores e disseminadores dessa cultura e violência: os homens.
Com atenção especial ao assunto tratado aqui, a reflexão e mudança de hábitos, tanto partindo do indivíduo como do sistema em geral (Governo, educação com políticas de conscientização, etc) se mostra uma questão a ser resolvida com extrema urgência, pois como demonstrado, a cultura que nos contempla não poupa a vida daquelas que estão condenadas à inferioridade pelas leis irrevogáveis da natureza.[30: Trecho retirado da seguinte afirmação de August Comte “desde a infância, cada um de nós [homens] será ensinado a considerar seu sexo [o das mulheres] como a principal fonte de felicidade e melhora humana seja na vida pública ou privada”. Mas, isso não quer dizer que ele deixe de evocar a “inferioridade relativa da mulher”, uma mulher “[…] condenada à inferioridade pelas leis irrevogáveisda natureza [porque] cada sexo tem funções especiais e permanentes desempenhadas na economia natural da família humana”. Mais: “a sociologia provará que a igualdade dos sexos é incompatível com toda existência social”. Por isso, não haja ilusões, as mulheres serão “livres no sagrado retiro de seus lares” (Comte, Sistema de Política Positiva, 1851). (http://www.incomunidade.com/v12/art.php?art=150)]
Referências
ALAMBERT, Zuleika. Feminismo: o Ponto de Vista Marxista. São Paulo: Nobel. 1986.

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