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ilu st ra çã o: e du ar do M or ci llo (2 00 8) . III Participação social e envelhecimento 11. Determinantes do envelhecimento ativo Sara Nigri Goldman e Vicente de Paula Faleiros Você se lembra da situação de d. Joana relatada no Módulo 1? Dona Joana vive de fazer seus doces, cuida da família e enfrenta muitos problemas cotidianos, mas gosta de votar e desconhece seus direitos. Após visitar o Posto de Saúde, d. Joana decidiu mudar de vida e passar a ter um envelhecimento ativo, pois se deu conta de que estava com problemas de hipertensão, além de precisar cuidar da fratura na perna causada por uma queda. Sua perna foi engessada, e ela pôde retomar o trabalho. Enquanto se recuperava, ela teve de fazer seus doces sentada, mas em conflito com a filha, que cobrava que ela desse atenção para a neta Carla, de 7 anos, e para o filho, dependente químico. O sofrimento de d. Joana intensificava suas orações, e ela desabafava sozinha cho- rando, triste e deprimida. Usava seus chás para se acalmar, mas passava as noites despertando, principalmente por ser responsável por obter a renda necessária para os remédios e seus compromissos financeiros. Depois de tirar o gesso, uma cliente convidou-a para uma reunião com algumas amigas que caminhavam no parque próximo à sua casa. Ela começou a ir às reuniões e, mesmo devagar, foi participando das cami- nhadas aos domingos com as novas amigas. Essa atitude de mudança de comportamento fez com que melhorasse seu estilo de vida, o que, no processo de envelhecimento ativo, é caracterizado como forma de autocuidado para tornar o envelhecimento mais saudável. Dona Joana não fumava nem usava álcool, vivia sempre trabalhando, esquecendo-se de si mesma e deixando de cuidar de sua roupa, reparar os estragos em sua casa e até de ir ao oculista, apesar de, um dia, ter con- 330 Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa fundido o açúcar com o sal e ter perdido uma remessa de doces. Esse des- cuido consigo é chamado autonegligência, uma forma de violência muito comum. Entretanto, quase nunca os profissionais da saúde a percebem. Autonegligência é a conduta da pessoa idosa que ameaça sua própria saúde ou segurança pela recusa a ter cuidados consigo mesma. Geralmente, a pessoa deixa de comer direito, para de tomar remédio, descuida-se de sua aparência física, diminui sua capacidade de se comunicar, manifestando desgosto pela vida. cora coralina, poetisa e também doceira, escreveu: Estrofe do poema “assim devia ser. Fiz um nome bonito de doceira, glória maior. e nas pedras rudes do meu berço gravei poemas.” Estrofes do poema “Todas as vidas” “vivi dentro de mim a lavadeira do rio vermelho Seu cheiro gostoso d’água e sabão.” “vivi dentro de mim a mulher do povo. bem proletária bem linguaruda, desabusada, sem preconceitos, de casca-grossa, de chinelinha e filharada.” Estrofe do poema “Goiás Velho” “eu sou a dureza desses morros, revestidos, enflorados, lascados a machado, lanhados, lacerados, queimados pelo fogo...” Estrofe do poema “Minha cidade” “Minha vida meus sentidos, minha estética, todas as vibrações de minha sensibilidade de mulher, têm, aqui, suas raízes.” Estrofe do poema “Eu sou aquela Mulher” “eu sou aquela mulher a quem o tempo muito ensinou. ensinou a amar a vida...” Fonte: cora coralina (apud teleS, 2003). a autora dessas estrofes, cora coralina, assumiu sua identidade por meio de um processo de muita luta contra o machismo, a sociedade de seu tempo e os preconceitos da academia. publicou seu primeiro livro aos 76 anos. procure se informar sobre essa grande poetisa e contista brasileira na internet. 331 Determinantes do envelhecimento ativo Embora d. Joana tenha uma boa condição genética, que são os fatores pessoais, sua saúde e participação social dependem também das condi- ções sociais, além das comportamentais. Os determinantes para o envelhecimento ativo são apresentados na Figura 1, a seguir, de autoria da Organização Mundial da Saúde (www. opas.org.br). Figura 1 – Os determinantes do envelhecimento ativo para saber mais, leia a publicação Envelhecimento ativo: uma política de saúde da organização Mundial da Saúde (2005), na página eletrônica do Ministério da Saúde http://portal.saude. gov.br/portal/arquivos/pdf/ envelhecimento_ativo_ idoso.pdf. o documento está disponível inclusive na biblioteca do ava. no site http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_ato2011- 2014/2013/decreto/ d8114.htm, é possível conhecer o decreto n. 8.114/2013 que estabelece o compromisso nacional para o envelhecimento ativo e institui a comissão interministerial para monitorar e avaliar ações em seu âmbito, bem como promover a articulação de órgãos e entidades públicas envolvidos em sua implementação. conheça o programa de preparação para a aposentadoria (ppa) disponível na biblioteca do ava do curso. Fonte: organização Mundial da Saúde (2005, p. 19). Apesar de aposentada, d. Joana continua trabalhando. Ela nem perce- beu que a aposentadoria deveria ser um momento muito especial em sua vida de trabalhadora, pois lhe permitiria ter tempo livre, usufruir de espaços de sociabilidade. Algumas de suas amigas ficaram deprimi- das ao saírem da atividade produtiva. Um caso especial foi de seu vizi- nho, seu Vitor, 65 anos, morador da Rua Sergipe n. 5, que sentiu-se um “vagabundo”, e sua permanência em casa não foi muito bem-aceita. O chefe do seu Vitor, seu Antenor, 68 anos, morador da Rua Mato Grosso do Sul n.10, no entanto, planejou-se melhor para a aposenta- doria usando o Programa de Preparação para a Aposentadoria (PPA). Caderno de atividades realize a atividade 1 do Módulo 11. 332 Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa Para refletir e você? está se preparando para sua aposentadoria? Seu local de trabalho possui um programa direcionado a essa finalidade? como ele funciona? Dona Joana, porém, é independente, e sua autonomia de decisão está condicionada às suas relações sociais e aos meios de que dispõe. Sua independência está vinculada à sua capacidade funcional, mas sua auto- nomia depende de suas decisões. Uma amiga, a despeito de se encon- trar em uma cadeira de rodas, decide sobre sua vida. A autonomia de uma pessoa consiste na possibilidade de intervir, decidir a respeito de si mesma, de seus projetos, suas ações em interação com outras pessoas. A independência é não somente a capacidade, mas a habilidade de lidar com as tarefas da vida diária, tais como se alimentar, vestir-se, cami- nhar, telefonar. Na família e na sociedade, muitas vezes, nega-se à pessoa idosa sua auto- nomia com a justificativa de perda da sua independência. Uma pessoa dependente de cuidados para a vida diária pode conservar sua autonomia. Determinantes sociais da saúde como as condições socioeconômicas, culturais, ambientais, de vida e de trabalho, as redes sociais e comuni- tárias influem no quadro clínico-funcional dos idosos estabelecendo e ampliando a vulnerabilidade sociofamiliar em um contexto no qual as famílias, principalmente da classe trabalhadora, assumem a atenção e o cuidado de seus idosos. Do ponto de vista ético, cabe à pessoa idosa deliberar a respeito de seu tempo, seu dinheiro, seus bens, a menos que tenha uma incapacidade que tolha essas faculdades. Nas famílias, muitas vezes, as pessoas idosas são pressionadas para não sair de casa, não comer o que gostam e até mesmo não namorar ou ter novos companheiros ou companheiras. Às vezes, essa situação ocorre para que não sejam divididos seus bens, sobre os quais estão de olho os herdeiros. Na conjuntura atual, caracterizada pelo desemprego de jovens e de novos arranjos familiares, o idoso é solicitado a amparar os membrosmais novos de sua família. Não apenas em função do desemprego, mas também do trabalho dos pais, está se tornando comum que os avós cui- dem de seus netos. O pedido de guarda dos netos na Justiça, por parte das avós, vem aumentando. O crédito consignado, não raro, está sendo para conhecer mais sobre os determinantes sociais, acesse o site http:// bvsdss.icict.fiocruz.br/php/ index.php. assista aos filmes Mar Adentro e Invasões Bárbaras, nos quais, respectivamente, um tetraplégico e um moribundo idoso tomam decisões sobre suas mortes em consonância com suas trajetórias de vida. os filmes sugeridos podem ser encontrados nas locadoras de vídeo de seu bairro/ região. É interessante ler o livro Incidente em Antares, de erico verissimo (2006). nele, o autor conta a história de mortos que voltam do túmulo para presenciar as discussões dos herdeiros. 333 Determinantes do envelhecimento ativo usado pelos filhos ou parentes das pessoas idosas para atender às suas necessidades, em detrimento das condições de vida do próprio idoso. no site http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idpr oposicao=565956, você poderá entender um pouco mais do assunto. o empréstimo consignado, instituído pelo projeto de lei (pl), foi um dos tópicos pleiteados pelo Movimento dos aposentados em todo o brasil, pois havia dificuldade na concessão de empréstimos para os idosos. Muitos idosos contraíram dívidas próprias e de seus familiares, ocasionando um superendividamento que interfere no quadro de saúde, entendida em seu sentido pleno. para conhecer as armadilhas, acesse o site: http://www12.senado.gov.br/jornal/edicoes/2013/09/03/as-armadilhas-do- credito-consignado A perda da independência se amplia com o passar dos anos, e os idosos precisam de seus recursos para cuidar de si, para seu lazer e remédios. Eles necessitam de cuidados, principalmente os dependentes e semi- dependentes. Essa dialética do cuidado há de ser contemplada não só no interior das famílias, mas também por meio da concretização de políticas sociais. Historicamente, o cuidado tem sido atribuição quase exclusiva do sexo feminino. o livro Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra, de leonardo boff (1999), possibilita saber mais acerca dos cuidados para idosos. Caderno de atividades realize a atividade 2 do Módulo 11. Uma cena bastante frequente revela mulheres idosas cuidando de outros idosos, o que pode acentuar ainda mais suas vulnerabilidades. A dificuldade no cuidado é intensificada pela implementação, ainda precária, de alternativas ao asilamento, como as modalidades de aten- dimento previstas na Lei n. 8.842/94 (BRASIL, 1994) e na Resolução CNAS 109/2009 – Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais –, tais como: centros-dia, hospitais-dia, casas-lares, repúblicas, oficinas abrigadas de trabalho, atendimentos comunitários domiciliares e cen- tro de convivências. Registra-se, também, que há a precariedade de pessoal qualificado para atender às necessidades básicas dos idosos. Entretanto, as entidades de 334 Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa longa permanência, necessárias em algumas situações, chamadas Insti- tuições de Longa Permanência para Idosos, costumam ser filantrópicas ou privadas – essas de valor inacessível para a população de média e baixa rendas, além de contarem, em sua maioria, com serviços insatis- fatórios para os idosos. Assim, a família se sente cada vez mais onerada no trato de seus membros de todas as gerações que apresentem vulnerabilidades de toda ordem. Volta-se, assim, ao que Guita Debert (1999) chama “reprivatização da velhice”, correspondendo ao afastamento gradual do Estado de sua função de proteção, delegando às famílias, brutalmente afetadas pelas mazelas do neoliberalismo, a responsabilização pelo atendimento às situações de vulnerabilidade. Referências bandeira, M. poema do mais triste maio. in: bandeira, M. Antologia poética. rio de janeiro: nova Fronteira, 2001. boFF, l. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. 3. ed. petrópolis: vozes, 1999. braSil. lei n. 8.114, de 30 de setembro de 2013. estabelece o compromisso nacional para o envelhecimento ativo e institui comissão interministerial para monitorar e avaliar ações em seu âmbito e promover a articulação de órgãos e entidades públicos envolvidos em sua implementação. Diário Oficial da União, brasília, dF, 1 out. 2013. braSil. lei n. 8.842, de 4 de janeiro de 1994. dispõe sobre a política nacional do idoso, cria o conselho nacional do idoso e dá outras providências. Diário Oficial da União, brasília, dF, p. 77, 5 jan. 1994. conSelHo nacional de aSSiStÊncia Social (brasil). resolução cnaS 109/2009, de 11 de novembro de 2009. dispõe sobre a tipificação nacional de Serviços Socioassistenciais. Diário Oficial da União, brasília, dF, 25 nov. 2009. debert, G. G. A reinvenção da velhice: socialização e processo de reprivatização da velhice. São paulo: edusp: Fapesp,1999. FreitaS, elizabete v. et al. (org.). Tratado de geriatria e gerontologia. rio de janeiro: Guanabara Koogan, 2002. orGanização Mundial da Saúde. Envelhecimento ativo: uma política de saúde. tradução: Suzana Gontijo. brasília: organização pan-americana da Saúde, 2005. disponível em: <http://portal.saude. gov.br/portal/arquivos/pdf/envelhecimento_ativo_idoso.pdf>. teleS, j. M. No santuário de Cora Coralina. 3. ed. Goiânia: Kelps, 2003. verÍSSiMo, e. Incidente em Antares. São paulo: cia. das letras, 2006.
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