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III Participação social e envelhecimento 
11. Determinantes do 
envelhecimento ativo 
Sara Nigri Goldman e Vicente de Paula Faleiros 
Você se lembra da situação de d. Joana relatada no Módulo 1? 
Dona Joana vive de fazer seus doces, cuida da família e enfrenta muitos 
problemas cotidianos, mas gosta de votar e desconhece seus direitos. 
Após visitar o Posto de Saúde, d. Joana decidiu mudar de vida e passar 
a ter um envelhecimento ativo, pois se deu conta de que estava com 
problemas de hipertensão, além de precisar cuidar da fratura na perna 
causada por uma queda. Sua perna foi engessada, e ela pôde retomar o 
trabalho. Enquanto se recuperava, ela teve de fazer seus doces sentada, 
mas em conflito com a filha, que cobrava que ela desse atenção para a 
neta Carla, de 7 anos, e para o filho, dependente químico. O sofrimento 
de d. Joana intensificava suas orações, e ela desabafava sozinha cho-
rando, triste e deprimida. Usava seus chás para se acalmar, mas passava 
as noites despertando, principalmente por ser responsável por obter a 
renda necessária para os remédios e seus compromissos financeiros.
Depois de tirar o gesso, uma cliente convidou-a para uma reunião com 
algumas amigas que caminhavam no parque próximo à sua casa. Ela 
começou a ir às reuniões e, mesmo devagar, foi participando das cami-
nhadas aos domingos com as novas amigas. 
Essa atitude de mudança de comportamento fez com que melhorasse seu 
estilo de vida, o que, no processo de envelhecimento ativo, é caracterizado 
como forma de autocuidado para tornar o envelhecimento mais saudável.
Dona Joana não fumava nem usava álcool, vivia sempre trabalhando, 
esquecendo-se de si mesma e deixando de cuidar de sua roupa, reparar 
os estragos em sua casa e até de ir ao oculista, apesar de, um dia, ter con-
330
Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa
fundido o açúcar com o sal e ter perdido uma remessa de doces. Esse des-
cuido consigo é chamado autonegligência, uma forma de violência muito 
comum. Entretanto, quase nunca os profissionais da saúde a percebem.
Autonegligência é a conduta 
da pessoa idosa que ameaça sua 
própria saúde ou segurança pela 
recusa a ter cuidados consigo 
mesma. Geralmente, a pessoa 
deixa de comer direito, para de 
tomar remédio, descuida-se de 
sua aparência física, diminui sua 
capacidade de se comunicar, 
manifestando desgosto pela vida.
cora coralina, poetisa e também doceira, escreveu: 
Estrofe do poema 
“assim devia ser.
Fiz um nome bonito de doceira, glória maior.
e nas pedras rudes do meu berço
gravei poemas.” 
Estrofes do poema “Todas as vidas”
“vivi dentro de mim
a lavadeira do rio vermelho
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.”
“vivi dentro de mim 
a mulher do povo.
bem proletária
bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha
e filharada.”
Estrofe do poema “Goiás Velho” 
“eu sou a dureza desses morros,
revestidos,
enflorados,
lascados a machado,
lanhados, lacerados,
queimados pelo fogo...”
Estrofe do poema “Minha cidade”
“Minha vida
meus sentidos,
minha estética,
todas as vibrações
de minha sensibilidade de mulher,
têm, aqui, suas raízes.”
Estrofe do poema “Eu sou aquela Mulher” 
“eu sou aquela mulher
a quem o tempo
muito ensinou.
ensinou a amar a vida...”
Fonte: cora coralina (apud teleS, 2003). 
a autora dessas estrofes, 
cora coralina, assumiu sua 
identidade por meio de um 
processo de muita luta contra 
o machismo, a sociedade de 
seu tempo e os preconceitos 
da academia. publicou seu 
primeiro livro aos 76 anos. 
procure se informar sobre 
essa grande poetisa e contista 
brasileira na internet. 
331
Determinantes do envelhecimento ativo 
Embora d. Joana tenha uma boa condição genética, que são os fatores 
pessoais, sua saúde e participação social dependem também das condi-
ções sociais, além das comportamentais. 
Os determinantes para o envelhecimento ativo são apresentados na 
Figura 1, a seguir, de autoria da Organização Mundial da Saúde (www.
opas.org.br). 
Figura 1 – Os determinantes do envelhecimento ativo
para saber mais, 
leia a publicação 
Envelhecimento 
ativo: uma política de saúde 
da organização Mundial da 
Saúde (2005), na página 
eletrônica do Ministério da 
Saúde http://portal.saude.
gov.br/portal/arquivos/pdf/
envelhecimento_ativo_
idoso.pdf. 
o documento está disponível 
inclusive na biblioteca do ava.
no site http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2013/decreto/
d8114.htm, é possível 
conhecer o decreto n. 
8.114/2013 que estabelece 
o compromisso nacional 
para o envelhecimento 
ativo e institui a comissão 
interministerial para 
monitorar e avaliar ações 
em seu âmbito, bem como 
promover a articulação 
de órgãos e entidades 
públicas envolvidos em sua 
implementação.
conheça o programa 
de preparação para a 
aposentadoria (ppa) 
disponível na biblioteca do 
ava do curso.
Fonte: organização Mundial da Saúde (2005, p. 19).
Apesar de aposentada, d. Joana continua trabalhando. Ela nem perce-
beu que a aposentadoria deveria ser um momento muito especial em 
sua vida de trabalhadora, pois lhe permitiria ter tempo livre, usufruir 
de espaços de sociabilidade. Algumas de suas amigas ficaram deprimi-
das ao saírem da atividade produtiva. Um caso especial foi de seu vizi-
nho, seu Vitor, 65 anos, morador da Rua Sergipe n. 5, que sentiu-se um 
“vagabundo”, e sua permanência em casa não foi muito bem-aceita. 
O chefe do seu Vitor, seu Antenor, 68 anos, morador da Rua Mato 
Grosso do Sul n.10, no entanto, planejou-se melhor para a aposenta-
doria usando o Programa de Preparação para a Aposentadoria (PPA).
Caderno de atividades 
realize a atividade 1 do Módulo 11. 
332
Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa
Para refletir
e você? está se preparando para sua aposentadoria?
Seu local de trabalho possui um programa direcionado a essa 
finalidade? como ele funciona?
Dona Joana, porém, é independente, e sua autonomia de decisão está 
condicionada às suas relações sociais e aos meios de que dispõe. Sua 
independência está vinculada à sua capacidade funcional, mas sua auto-
nomia depende de suas decisões. Uma amiga, a despeito de se encon-
trar em uma cadeira de rodas, decide sobre sua vida. A autonomia de 
uma pessoa consiste na possibilidade de intervir, decidir a respeito de si 
mesma, de seus projetos, suas ações em interação com outras pessoas.
A independência é não somente a capacidade, mas a habilidade de lidar 
com as tarefas da vida diária, tais como se alimentar, vestir-se, cami-
nhar, telefonar.
Na família e na sociedade, muitas vezes, nega-se à pessoa idosa sua auto-
nomia com a justificativa de perda da sua independência. Uma pessoa 
dependente de cuidados para a vida diária pode conservar sua autonomia. 
Determinantes sociais da saúde como as condições socioeconômicas, 
culturais, ambientais, de vida e de trabalho, as redes sociais e comuni-
tárias influem no quadro clínico-funcional dos idosos estabelecendo e 
ampliando a vulnerabilidade sociofamiliar em um contexto no qual as 
famílias, principalmente da classe trabalhadora, assumem a atenção e o 
cuidado de seus idosos. 
Do ponto de vista ético, cabe à pessoa idosa deliberar a respeito de seu 
tempo, seu dinheiro, seus bens, a menos que tenha uma incapacidade 
que tolha essas faculdades. Nas famílias, muitas vezes, as pessoas idosas 
são pressionadas para não sair de casa, não comer o que gostam e até 
mesmo não namorar ou ter novos companheiros ou companheiras. Às 
vezes, essa situação ocorre para que não sejam divididos seus bens, 
sobre os quais estão de olho os herdeiros.
Na conjuntura atual, caracterizada pelo desemprego de jovens e de 
novos arranjos familiares, o idoso é solicitado a amparar os membrosmais novos de sua família. Não apenas em função do desemprego, mas 
também do trabalho dos pais, está se tornando comum que os avós cui-
dem de seus netos. O pedido de guarda dos netos na Justiça, por parte 
das avós, vem aumentando. O crédito consignado, não raro, está sendo 
para conhecer 
mais sobre os 
determinantes 
sociais, acesse o site http://
bvsdss.icict.fiocruz.br/php/
index.php.
assista aos filmes Mar 
Adentro e Invasões Bárbaras, 
nos quais, respectivamente, 
um tetraplégico e um 
moribundo idoso tomam 
decisões sobre suas mortes 
em consonância com suas 
trajetórias de vida. os 
filmes sugeridos podem ser 
encontrados nas locadoras 
de vídeo de seu bairro/
região.
É interessante ler o livro 
Incidente em Antares, de 
erico verissimo (2006). nele, 
o autor conta a história 
de mortos que voltam do 
túmulo para presenciar as 
discussões dos herdeiros. 
333
Determinantes do envelhecimento ativo 
usado pelos filhos ou parentes das pessoas idosas para atender às suas 
necessidades, em detrimento das condições de vida do próprio idoso.
no site http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idpr
oposicao=565956, você poderá entender um pouco mais do assunto.
o empréstimo consignado, instituído pelo projeto de lei (pl), foi um dos 
tópicos pleiteados pelo Movimento dos aposentados em todo o brasil, 
pois havia dificuldade na concessão de empréstimos para os idosos. Muitos 
idosos contraíram dívidas próprias e de seus familiares, ocasionando um 
superendividamento que interfere no quadro de saúde, entendida em seu 
sentido pleno.
para conhecer as armadilhas, acesse o site:
http://www12.senado.gov.br/jornal/edicoes/2013/09/03/as-armadilhas-do-
credito-consignado
A perda da independência se amplia com o passar dos anos, e os idosos 
precisam de seus recursos para cuidar de si, para seu lazer e remédios. 
Eles necessitam de cuidados, principalmente os dependentes e semi-
dependentes. Essa dialética do cuidado há de ser contemplada não só 
no interior das famílias, mas também por meio da concretização de 
políticas sociais. Historicamente, o cuidado tem sido atribuição quase 
exclusiva do sexo feminino.
 o livro Saber 
cuidar: ética do 
humano, 
compaixão pela terra, de 
leonardo boff (1999), 
possibilita saber mais acerca 
dos cuidados para idosos. 
Caderno de atividades 
realize a atividade 2 do Módulo 11. 
Uma cena bastante frequente revela mulheres idosas cuidando de 
outros idosos, o que pode acentuar ainda mais suas vulnerabilidades.
A dificuldade no cuidado é intensificada pela implementação, ainda 
precária, de alternativas ao asilamento, como as modalidades de aten-
dimento previstas na Lei n. 8.842/94 (BRASIL, 1994) e na Resolução 
CNAS 109/2009 – Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais –, 
tais como: centros-dia, hospitais-dia, casas-lares, repúblicas, oficinas 
abrigadas de trabalho, atendimentos comunitários domiciliares e cen-
tro de convivências.
Registra-se, também, que há a precariedade de pessoal qualificado para 
atender às necessidades básicas dos idosos. Entretanto, as entidades de 
334
Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa
longa permanência, necessárias em algumas situações, chamadas Insti-
tuições de Longa Permanência para Idosos, costumam ser filantrópicas 
ou privadas – essas de valor inacessível para a população de média e 
baixa rendas, além de contarem, em sua maioria, com serviços insatis-
fatórios para os idosos.
Assim, a família se sente cada vez mais onerada no trato de seus membros 
de todas as gerações que apresentem vulnerabilidades de toda ordem.
Volta-se, assim, ao que Guita Debert (1999) chama “reprivatização da 
velhice”, correspondendo ao afastamento gradual do Estado de sua 
função de proteção, delegando às famílias, brutalmente afetadas pelas 
mazelas do neoliberalismo, a responsabilização pelo atendimento às 
situações de vulnerabilidade.
Referências 
bandeira, M. poema do mais triste maio. in: bandeira, M. Antologia poética. rio de janeiro: 
nova Fronteira, 2001.
boFF, l. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. 3. ed. petrópolis: vozes, 1999.
braSil. lei n. 8.114, de 30 de setembro de 2013. estabelece o compromisso nacional para o 
envelhecimento ativo e institui comissão interministerial para monitorar e avaliar ações em seu 
âmbito e promover a articulação de órgãos e entidades públicos envolvidos em sua implementação. 
Diário Oficial da União, brasília, dF, 1 out. 2013.
braSil. lei n. 8.842, de 4 de janeiro de 1994. dispõe sobre a política nacional do idoso, cria o 
conselho nacional do idoso e dá outras providências. Diário Oficial da União, brasília, dF, p. 77, 
5 jan. 1994.
conSelHo nacional de aSSiStÊncia Social (brasil). resolução cnaS 109/2009, de 11 de novembro 
de 2009. dispõe sobre a tipificação nacional de Serviços Socioassistenciais. Diário Oficial da União, 
brasília, dF, 25 nov. 2009. 
debert, G. G. A reinvenção da velhice: socialização e processo de reprivatização da velhice. 
São paulo: edusp: Fapesp,1999.
FreitaS, elizabete v. et al. (org.). Tratado de geriatria e gerontologia. rio de janeiro: Guanabara 
Koogan, 2002. 
orGanização Mundial da Saúde. Envelhecimento ativo: uma política de saúde. tradução: Suzana 
Gontijo. brasília: organização pan-americana da Saúde, 2005. disponível em: <http://portal.saude.
gov.br/portal/arquivos/pdf/envelhecimento_ativo_idoso.pdf>.
teleS, j. M. No santuário de Cora Coralina. 3. ed. Goiânia: Kelps, 2003.
verÍSSiMo, e. Incidente em Antares. São paulo: cia. das letras, 2006.

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