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Universidade Federal do ABC 
Bacharelado em Ciências e Humanidades 
Temas e Problemas em Filosofia 
Os paradoxos de Zenão 
Prof. Valter A. Bezerra (CCNH) 
 
 
 
Paradoxos de Zenão 
Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter A. Bezerra — BCH — UFABC 
2 
 
Os Paradoxos de Zenão 
 
Aristóteles — Física, Livro VI, Capítulo 9 
 
Grupo 1 — Argumentos destinados a mostrar que o movimento é impossível supondo-se a 
divisibilidade infinita do espaço e do tempo: 
• A Dicotomia 
• O Aquiles 
Grupo 2 — Argumentos destinados a mostrar a impossibilidade do movimento supondo que o 
espaço e tempo são divisíveis apenas até certo ponto (i.e. são atômicos): 
• A Flecha 
• O Estádio 
 
Os argumentos de Zenão chegaram até nós apenas na apresentação feita por Aristóteles. Os 
pensamento dos filósofos pré-socráticos, de maneira geral, chegou até nós apenas na forma 
de citações, comentários e fragmentos. 
 
Afinidade de Zenão com os pontos de vista de Parmênides, que defendia uma visão de mundo 
baseada nas noções de “um” e de “mesmo”, e combatia a idéia de mutabilidade... 
— contrapondo-se assim a Heráclito, que propunha uma visão de mundo baseada na noção de 
“muitos”, na idéia de opostos, e na mudança. 
 
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Analisemos a seguir a estrutura, os pressupostos e desdobramentos dos argumentos 
denominados “A Dicotomia”, “A Flecha” e “O Estádio”: 
 
Zenão de Eléia — Argumento da Dicotomia 
 
1. Suponhamos um corredor que pretende ir de um ponto-origem O a outro 
ponto-destino P, separados por uma distância d. 
2. Antes de chegar ao ponto P, ele precisa passar, obrigatoriamente, pelo ponto 
situado a uma distância d/2 — chamemos de ponto P’. 
3. Antes de chegar ao ponto P’, ele precisa passar, obrigatoriamente, por um 
ponto que está entre O e P’, a uma distância d/4 — chamemos de ponto P’’. 
4. Antes de chegar ao ponto P’’, ele precisa passar, obrigatoriamente, 
por um ponto que está entre O e P’’, a uma distância d/8 — chamemos 
de ponto P’’’. 
5. Antes de chegar ao ponto P’’’, ele precisa passar, 
obrigatoriamente, por um ponto que está entre O e P’’’, a uma 
distância d/16 — chamemos de ponto P’’’’. 
6. Analogamente, antes de chegar a cada ponto P(n), a uma distância d/2n, ele 
precisa passar, obrigatoriamente, por um ponto P(n+1) que está entre O e P(n), a 
uma distância r = 1/2(d/2n) = d/2n+1. 
7. Logo, antes de chegar ao ponto-destino P, o corredor deve percorrer um 
número infinito de etapas do tipo descrito em (6). 
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0 d/16 d/8 d/4 d/2 d 
 
 
O....P’’’’ P’’’ P’’ P’ P 
 
 
 (...ampliando esta parte...) 
 
 d/256 d/128 d/64 d/32 d/16 
 
 
O....P(8) P(7) P(6) P(5) P’’’’ 
 
 
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Conclusão do argumento da Dicotomia — Variante A (número infinito de ações): 
 
8A. Mas é impossível executar um número infinito de ações. 
9A. Logo, é impossível percorrer um número infinito de etapas. 
10A. Logo, é impossível ao corredor ir de P até O. 
11A. O movimento do corredor pode ser substituído por um corpo qualquer que 
precise se mover ao longo de uma distância qualquer [(∗) obs. moderna: seja por 
inércia ou sob a ação de forças externas]. 
12A. Portanto, o movimento é impossível e deve ser uma ilusão. 
 
Conclusão do argumento da Dicotomia — Variante B 
(movimento que não pode começar nem terminar, variante regressiva): 
 
8B. Como o corredor deve executar um número infinito de etapas antes de cada 
etapa, não existe uma primeira etapa que ele deva percorrer; pois cada etapa que 
for tomada como primeira incluirá uma meia-etapa anterior, portanto ela não será 
a primeira. 
9B. Logo o movimento não pode nem sequer começar. 
10B. Mas é evidente que um movimento que não pode começar também não 
pode terminar. 
11B. Portanto, seja porque não pode começar (por 9B), seja porque não pode 
terminar (por 10B), o movimento é impossível. 
 
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Conclusão do argumento da Dicotomia — Variante C 
(movimento que não pode começar nem terminar, variante progressiva): 
⇒ Nesta variante, as subdivisões do intervalo OP não são feitas em direção ao extremo O do 
percurso (lado esquerdo), como na Variante B, mas sim em direção ao extremo P (lado direito). 
⇒ Nesse caso, os passos (1) a (7) devem ser reformulados da seguinte forma: 
“Após partir do ponto O, o corredor precisa passar pelo ponto P’, que está a uma distância d/2 de P. 
Após chegar ao ponto P’, o corredor precisa passar pelo ponto P’’, que está a uma distância d/4 de P (e a 
uma distância 3d/4 de O). 
Após chegar ao ponto P’’, o corredor precisa passar pelo ponto P’’’, que está a uma distância d/8 de P (e a 
uma distância 7d/8 de O). Etc.” 
 
8C. Como o corredor deve executar um número infinito de etapas após cada etapa, não existe 
uma última etapa que ele deva percorrer; pois cada etapa que for tomada como última estará 
antes de uma meia-etapa posterior, portanto ela não será a última. 
9C. Logo, o movimento não pode terminar. 
10C. Mas, para se poder dizer que um movimento começa, ele precisa completar alguma 
pequena etapa inicial, por menor que seja, contanto que de extensão não-nula, que faz parte 
do movimento total. [Se nem essa etapa inicial for completada, não se pode dizer que o 
movimento começou.] 
11C. Mas então isso seria um caso de um movimento que termina. Porém, por (9C), vimos que 
nenhum movimento pode terminar. 
12C. Como nem o movimento inicial é possível para que um movimento comece, o movimento 
também não pode começar. 
13C. Logo, um movimento que não pode terminar também não pode começar. 
14C. Portanto, seja por não poder terminar (9C), seja por não poder começar (13C), o 
movimento é impossível. 
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Os paradoxos constituem uma estratégia de análise filosófica. 
 
 
Quando somos confrontados com um paradoxo, com premissas 
aparentemente verdadeiras e uma conclusão indesejável, as atitudes 
possíveis são as seguintes: 
 
 
(1) Aceitar a veracidade das premissas e a validade do argumento, sendo 
então forçados a admitir a veracidade da conclusão indesejada. 
(2) Aceitar a validade do argumento mas rejeitar a veracidade da conclusão, o 
que leva a rejeitar uma ou mais das premissas, por prova indireta. 
(3) Mostrar que o próprio argumento é inválido, e portanto é possível aceitar a 
veracidade das premissas sem ser obrigado a admitir a conclusão 
indesejada. 
(4) Ou então mostrar que o argumento, na realidade, possui premissas 
implícitas (pressupostos) que são inaceitáveis ou controversos, e que 
tornam o próprio argumento inaceitável. 
 
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Pressuposto do argumento da Dicotomia, em todas as suas variantes: 
H1 = a distância entre O e P é infinitamente divisível. 
 
 
 
Outro pressuposto do argumento da Dicotomia: 
H2 = Na Variante A, o ponto crucial do argumento é o passo (8A), de que é 
impossível executar um número infinito de ações. 
 
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Por que deveríamos aceitar o pressuposto H2 no argumento da Dicotomia? 
 
(a) Será porque um número infinito de intervalos (todos eles maiores do que zero) teria como 
total uma distância infinita? Não, porque, mesmo que os intervalos sejam todosnão-nulos, 
não existe um intervalo mínimo, e pode-se mostrar — usando a matemática moderna — que a 
soma dos comprimentos dos intervalos 
 
1/2 + 1/4 + 1/8 + ... + 1/2n + ... = 1 
 
converge. 
 
Porém isso depende de uma definição rigorosa do que são séries infinitas, e da demonstração 
e da aplicação de um critério de convergência de séries. Algo que só foi conseguido de forma 
rigorosa no século XVIII, por matemáticos como Cauchy, Dirichlet e outros. 
 
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(b) Será porque percorrer um número infinito de intervalos espaciais maiores do que zero 
levaria um tempo infinito? Não, se supusermos (como faz Aristóteles, contestando Zenão) que 
o tempo também pode ser infinitamente divisível. Então a cada distância fracionária 
corresponderia um intervalo fracionário de tempo para essa distância ser percorrida: 
 
(1/2)t para (1/2)d, (1/4)t para (1/4)d, (1/8)t para (1/8)d, etc. 
 
Então, a situação com o tempo é análoga à situação com o espaço, e, como vimos no item (a), 
a soma de um número infinito de intervalos nem sempre leva a um resultado infinito. 
 
 
Só que Aristóteles, evidentemente, ainda não tinha a noção de convergência de séries! 
 
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Para um leitor moderno, o argumento da Dicotomia também toca na questão da distinção entre 
os números racionais e os números reais. As divisões no segmento de reta ocorrem sempre 
em números da forma d/2n, que são racionais. 
 
O conjunto dos racionais é denso — i.e. sempre existe um número racional entre dois números 
racionais dados quaisquer — mas não é contínuo — i.e. ele tem “buracos”, como por exemplo 
aquele que corresponderia ao número pi. O conjunto dos reais é que é contínuo (não possui 
“buracos”). 
 
 
Repare que se a reta de Zenão fosse racional, e não real, o argumento funcionaria da mesma 
forma. 
 
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Zenão de Eléia — Argumento da Flecha 
 
1. Suponhamos uma flecha que é disparada por um arco. 
2. Consideremos a situação da flecha em um instante durante o seu percurso. 
Durante este instante, a flecha “ocupa um espaço igual a si mesma” — que é 
outra forma de dizer que ela não se move. 
3. Mas o tempo é composto de instantes (“agoras” ou “presentes”), nos quais, por 
(2), a flecha não se move. 
4. Logo, a flecha não se move durante todo o período considerado. 
5. Logo, o movimento da flecha — bem como qualquer outro movimento — é, no 
máximo, uma ilusão. 
 
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Pressuposto do argumento da Flecha: 
H3 = Em cada instante, a flecha está imóvel. 
 
Temos duas possibilidades para a justificação de H3: 
 
Possibilidade (a). O tempo é composto por instantes que não têm duração. Assim, o instante 
considerado no passo (2) dura 0 segundos. Então segue-se trivialmente que, durante um 
instante, a flecha não pode se mover, seja com a velocidade que for. Assim, o pressuposto H3 
está justificado. 
 
ou 
 
Possibilidade (b). Se, ao contrário, o tempo é composto por instantes que têm uma duração 
finita (ainda que minúscula), então parece, nesse caso, que a flecha poderia se mover um 
pouco durante um instante. 
 
(Esta possibilidade dá mais trabalho.) 
 
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Uma maneira de apoiar, até mesmo no caso (b) — instantes com duração —, o pressuposto 
H3 — de que a flecha não se move durante qualquer instante —, é argumentar assim: 
 
• supor que os instantes são indivisíveis (ainda que de magnitude finita), e mostrar que 
essa suposição é incompatível com a tese de que, durante um instante, a flecha se 
move. 
 
Suponhamos então que os instantes são indivisíveis. Fazendo esta suposição, vamos supor 
também que, uma vez que os instantes são finitos, a flecha se movesse durante um instante. 
 
Mas então ela estaria em posições diferentes no “início” e no “fim” do instante, o que significa 
que o instante possui pelo menos duas partes. Assim, o instante teria que ser divisível, e não 
indivisível, contrariando a suposição. 
 
Logo, supondo os instantes indivisíveis e com duração finita, não podemos supor que a flecha 
se move dentro de um instante, e desse modo também fica justificado o pressuposto H3 do 
argumento da Flecha. 
 
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Além de se pressupor que nada se move durante qualquer instante, há 
também um outro pressuposto em jogo no argumento da Flecha: 
H4 = O tempo, na descrição do (aparente) movimento, é composto 
exclusivamente de instantes (“agoras” ou “presentes” atômicos). 
 
(a) Objeção: O pressuposto H4 parece passível de ser contestado: 
 
Para determinar a velocidade da flecha é preciso — falando em termos modernos —, calcular o 
quociente v = ∆x / ∆t. É possível determinar tal quociente aqui? Se ∆x = 0 durante um instante 
qualquer, como foi estabelecido em H3, ainda assim existe o problema de se ter ∆t = 0. A 
velocidade seria igual a 0m / 0s, mas esse quociente não tem sentido, matematicamente 
falando (usando conceitos atuais). 
 
Assim, não se poderia inferir, a partir do fato de que a flecha não percorre nenhuma distância 
em um instante sem duração, que a flecha está, por isso, em repouso. 
 
Para podermos determinar se a flecha está em repouso ou em movimento, precisaríamos 
sempre levar em conta outros instantes: isto é, precisaríamos considerar um intervalo finito que 
inclui o instante em questão. 
 
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(b) Réplica: 
 
Mas então, recusando H4, pareceria que, com base na possibilidade (b) do pressuposto H3, 
tomando intervalos de tamanho finito, é possível sustentar que em cada instante a flecha está 
imóvel. 
 
Porém, mesmo considerando intervalos de tamanho finito, não se segue necessariamente que 
a flecha deva estar imóvel. Pois — falando novamente em termos modernos —, quando se 
toma o limite ∆t → 0, à medida que a duração do intervalo tende a zero — porém sem chegar 
a ser exatamente zero —, na matemática se pode mostrar que o quociente ∆x / ∆t não precisa 
necessariamente se aproximar de zero: ele pode convergir para um valor não-nulo que é a 
chamada velocidade instantânea da flecha. 
 
Esse limite e, portanto, essa velocidade instantânea podem receber uma definição 
perfeitamente rigorosa. E essa é uma noção muito usada na ciência moderna. Mas isso 
somente seria possível após o trabalho de matemáticos do Século XIX como Cauchy, 
Dedekind, Weierstrass, etc... 
 
Resumindo: Assim, a chave para desarmar o argumento da Flecha está em negar o 
pressuposto de que o tempo, na descrição dos fenômenos físicos, esteja composto 
exclusivamente por “agoras” indivisíveis. Negando isso, consegue-se barrar a conclusão de 
que a flecha está imóvel em seu vôo —, mesmo admitindo que em cada “agora” a flecha 
(movente) está em repouso. 
 
Assim, contrariamente a Zenão, o movimento da flecha não é impossível. 
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Zenão de Eléia — Argumento do Estádio 
 
1. Suponhamos três filas coesas de 2 corpos adjacentes, cada corpo com 
comprimento unitário: A = {A1, A2}, B = {B1, B2} e C = {C1, C2}, dispostos 
paralelamente. 
2. Suponhamos que A está estacionário; suponhamos que B se move da 
esquerda para a direita, paralelalmente a A, de modo que, após uma unidade de 
tempo, elecoincide com A; e suponhamos que C se move da direita para a 
esquerda, paralelamente a A e B, de modo que, após uma unidade de tempo, ele 
também coincide com A e com B. 
 
Situação inicial: 
 
A1 A2 
B1 B2 
C1 C2 
 
Situação final: 
 
A1 A2 
B1 B2 
C1 C2 
 
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Conclusão do argumento do Estádio — Variante A (“a metade é igual ao 
dobro”): 
 
3A. Se cada corpo tem um comprimento igual a L unidades de comprimento 
(suponhamos metros), e se B e C se movem com velocidade igual (em módulo) a 
S unidades (suponhamos metros por segundo), então pareceria que temos: 
4A-i. O movimento de B para a direita leva um tempo = (distância percorrida / 
velocidade) = L/S segundos. 
4A-ii. E o movimento de C para a esquerda leva um tempo = 2L/S segundos. 
5A. Portanto, a “metade” do tempo (i.e. L/S segundos) seria igual ao “dobro” do 
tempo (2L/S segundos), e o mesmo movimento levaria dois tempos diferentes. 
6A. Mas seria absurdo admitir que um mesmo movimento pode levar dois tempos 
diferentes. 
7A. Portanto, o movimento é impossível. 
 
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Objeção: Esta conclusão é inválida na medida em que ignora a noção de velocidade 
relativa. 
 
Se B está se movendo em relação a A com velocidade S metros/segundo para a direita, e C 
está se movendo em relação a A com velocidade S metros/segundo para a esquerda, então C 
está se movendo em relação a B com velocidade (em módulo) igual a 2S metros/segundo. 
 
Logo, o tempo necessário para C realizar seu movimento é (distância percorrida / velocidade) = 
2L/2S = L/S segundos, como se esperava. 
 
Portanto, não há o problema de um mesmo movimento levar dois tempos diferentes. 
 
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Hipótese subjacente ao argumento do Estádio: 
H5 = o tempo é composto de instantes indivisíveis, isto é, existe uma 
unidade “atômica” de tempo que é a menor possível. 
 
 
Uma variante mais interessante do argumento é a seguinte: 
 
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Conclusão do argumento do Estádio — Variante B: 
 
3B. No caso dos passos (1) e (2), o conjunto C terá passado, em um instante de 
tempo, suposto indivisível, por dois elementos do conjunto B. 
4B-i. Mas então poderíamos perguntar quando é que o conjunto C se desloca ao 
longo de um único elemento de B — por exemplo, quando C1 está emparelhado 
com B2. 
4B-ii. Podemos tomar como novo intervalo mínimo aquele que seja suficiente 
para o conjunto C se deslocar ao longo de um único elemento de B. 
5B. Logo, o instante postulado inicialmente não será o menor intervalo possível, 
visto que há um menor que ele. 
6B. Mas este processo pode ser repetido para qualquer intervalo que seja 
proposto como mínimo. 
7B. Portanto, não existe uma unidade de tempo que seja a menor possível, isto é, 
indivisível. 
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Pergunta: Mas algumas teorias da física moderna supõem que o próprio espaço-tempo seja 
quantizado. Como fica esta variante do argumento diante desta hipótese física? Nas palavras 
do filósofo da ciência Nick Huggett, isso também não : 
 
 
«The problem is that one naturally imagines quantized space as being like 
a chess board, on which the chess pieces are frozen during each quantum 
of time. Then one wonders when the red queen, say, gets from one 
square to the next, or how she gets past the white queen without being 
level with her. But the analogy is misleading. It is better to think of 
quantized space as a giant matrix of lights that holds some pattern of 
illuminated lights for each quantum of time. In this analogy a lit bulb 
represents the presence of an object: for instance a series of bulbs in a 
line lighting up in sequence represent a body moving in a straight line. In 
this case there is no temptation to ask when the light ‘gets’ from one bulb 
to the next — or in analogy how the body moves from one location to the 
next.» 
N. Huggett, “Zeno’s paradoxes”, in: Stanford Encyclopedia of Philosophy, 
http://plato.stanford.edu, acessado em 10/05/2010. 
 
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Agora, a pergunta que não quer calar: 
 
Por que tentar demonstrar a impossibilidade do movimento se todos 
podemos observar que ele ocorre na prática? 
 
Estratégia filosófica — Questionar /problematizar certos pressupostos 
mostrando que eles levam a consequências contrárias à razão ou às expectativas 
do senso comum 
 
O verdadeiro alvo dos paradoxos de Zenão são as nossas concepções 
usuais de espaço, tempo e infinito. 
 
Os temas filosóficos que os paradoxos colocam em pauta são as noções de 
espaço, tempo e infinito. 
 
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Outro alvo dos paradoxos é a idéia de que as abstrações formais da 
matemática podem ser aplicadas sem reservas à realidade 
 
— por exemplo, a idéia de que podemos representar o início e o final de um 
movimento por pontos geométricos, as posições sucessivas por pontos, e a 
distância percorrida por um segmento de linha geométrica. 
 
Também se pode questionar se é realista utilizar as propriedades dos 
números reais e dos limites para desarmar os paradoxos. 
 
 
O debate continua... 
 
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Referências: 
 
• B. Russell - Nosso conhecimento do mundo exterior, Cap. 6. Trad. por R. Haddock Lobo. 
SP: Companhia Editora Nacional, 1966. 
• A. Grünbaum - Zeno's paradoxes and modern science 
• Nick Huggett - Space from Zeno to Einstein: Classic readings with a contemporary 
commentary. MIT Press, 1999. 
• Jorge Luis Borges – “A perpétua corrida de Aquiles e a tartaruga” e “Avatares da 
tartaruga”, em: Discussão. Trad. C. Fornari. SP: Difel, 1985. 
• Jonathan Barnes – Os filósofos pré-socráticos. Trad. J. Fischer. SP: Martins Fontes, 
2003.

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