Buscar

A relação homem e mulher

Prévia do material em texto

A relação homem e mulher: uma reflexão sobre mulher moçambicana a partir de Aristóteles, Rousseau e Lévinas 
Nito Luis Magesso [1: Estudante do IV ano, no curso de licenciatura em Filosofia, faculdade de Filosofia da Universidade Eduardo Mondlane.]
		
O debate que pretendemos aqui levantar surge na sequência de um colóquio levantado na aula de Filosofia da Complexidade, onde abordamos acerca dos problemas que têm apoquentando a sociedade moçambicana nos últimos tempos. Dentre os vários problemas destacou-se principalmente os de ordem conjugal, e constatou-se que há uma crise na relação homem e mulher. É neste âmbito, que o presente texto pretende analisar a relação homem e mulher e reflectir sobre a mulher moçambicana a partir dos filósofos acima mencionados por forma a propor alguns elementos a serem considerados. No entanto, olhando efectivamente a sociedade moçambicana nos dias que correm, tem se notado uma atitude inadequada na relação homem/mulher. Esta situação é objecto de muita controvérsia levada ao extremo pelos mass mídia e a sociedade civil em geral. 
Partindo do pressuposto da emancipação da mulher, o problema que se coloca é o seguinte: de que maneira deve ser concebida a relação homem e mulher, e qual é o lugar da mulher na sociedade de maneira que não haja conflitos exacerbados ao ponto de se tomarem atitudes violentas? Parece que a principal causa desses conflitos está no âmbito da emancipação da mulher, onde esta reivindica pela igualdade de direitos e/ ou está no incumprimento do pacto que os dois outrora traçaram, ou seja há insuficiência de apreço em uma das partes. As mulheres sentem-se submissas e por consequência parece que vêm lutando contra a exploração, por um lugar na diferença entre os géneros e vêm assim lidando com essa diferença, e não pela sua simples abolição.
Indo numa perspectiva historicista, nota-se que a mulher assumiu diferentes sentidos (na maioria das vezes pejorativo), por via disso durante muito tempo ela foi marginalizada, não foi incluída nas dimensões importantes da vida, reinando o espirito de machismo. Como podemos notar em Aristóteles, no seu livro a política , no livro primeiro, ele coloca a mulher numa posição de dependência natural em relação ao marido, invocando, uma pretensa superioridade intelectual do homem face à mulher. Aristóteles afirma que o lugar da mulher era em casa e o seu papel não excedia a dimensão dos deveres de esposa e mãe. Aristóteles justifica este seu pensamento recorrendo à teoria da lei natural, compreende que cada ser deve a sua especificidade às funções particulares que ocupa no equilíbrio da natureza e usa as virtudes na medida certa em que elas são necessárias à excelência do exercício das funções específicas. 
Portanto, em Aristóteles podemos conceber que a mulher não lhe é digno de fazer uso das mesmas virtudes do homem, uma vez que suas funções não são as mesmas que as funções do homem. Para além de Aristóteles, em plena modernidade, podemos referenciar o pensamento de Rousseau que realça as diferenças entre o homem e a mulher. Pois considera que, de acordo com a lei da natureza, a mulher foi feita para agradar ao homem e que ela deve ser conforme a constituição de sua espécie e de seu sexo, ou seja, deve usufruir os seus direitos e não se apossar dos direitos dos homens. A esse respeito, Rousseau afirma que “A mulher vale mais como mulher e menos como homem; em toda parte onde faz valer seus direitos, leva vantagem, em toda parte onde quer usurpar os nossos, permanece inferior a nós”. (ROUSSEAU; 2004: 525). 
Com isso, compreendemos que a mulher deve cultivar suas qualidades, pois terá mais vantagens do que se apropriar das qualidades dos homens, como também ocupará o seu lugar na ordem física e moral.
Já na contemporaneidade, é digno de realce o pensamento de Lévinas, que faz também uma abordagem sobre a relação homem e mulher. O ponto crucial da sua reflexão é a mulher como alteridade e como a hospitalidade por excelência, o acolhedor em si. Percebemos na leitura levinasiana que a questão do outro está mal colocada na tradição ocidental. Na sequência dessa reflexão, Lévinas enfatiza a questão do outro, para ele o outro é sempre o outro do próprio sujeito e não um outro sujeito a ele irredutível e de dignidade equivalente. 
Lévinas nos convida a aprofundar a relação homem-mulher como relação que manifesta no humano a si próprio; é simultaneamente a relação mais constitutiva e fundamental do ser humano. Para Lévinas o outro (neste caso o feminino) deve ser entendido como parceiro do amor que surge misteriosamente como algo que escapa e, ao mesmo tempo, como aquele que dá ao sujeito masculino uma possibilidade de transcendência. O filósofo afirma ainda que o homem precisa de habitar num lugar preciso, seguro para repousar, e não é qualquer lugar ou qualquer casa; é preciso o convite para que o eu se sinta acolhido. E essa morada não é um edifício frio, uma coisa entre outras coisas no mundo, mas possui o calor da intimidade, condição de recolhimento. A morada é já intimidade com alguém, e esse alguém é a mulher, que não invade a morada de forma violenta, mas é doçura, familiaridade. 
A partir da analise dos três filósofos, a nossa hipótese na presente análise, está voltada sobre a mulher moçambicana, conforme referenciamos acima. A mulher moçambicana sendo igual a qualquer mulher no mundo, também luta pela sua emancipação, ela precisa perceber a real significação dessa emancipação, uma vez que os Homens são destinadas à uma relação a dois, e em particular à relação com o outro, existem por isso alguns elementos a serem considerados nessa relação para que haja uma boa convivência. Hoje já não se pode falar de uma submissão na relação homem e mulher, como pretendera Aristóteles e Rousseau, mas uma relação encarada harmoniosamente. É irónico a mulher moçambicana pensar que com essa pretensão emancipadora pode ter o poder sobre o homem, mas enfatizar que o importante não é ter poder sobre o outro, mas é crucial que ambos saibam seus papéis dentro dessa relação e desempenhar correctamente sem por em causa o outro. 
Penso que o pensamento de Lévinas é mais plausível para esta problemática, porque de certo modo ele procura uma saída da filosofia neutra, que põe o homem num lugar hegemónico, e a mulher como um elemento entre outros elementos. Lévinas vê assim um grande perigo, a necessidade de separar homens e mulheres, uma vez que são seres biologicamente e filosoficamente iguais e tem as mesmas capacidades às dos homens. E o fulcro é que homem e a mulher tornem-se semelhantes. Em tal semelhança não deve haver relação hierárquica e porque ambos têm como tarefa preservar a espécie humana devem desenvolver a cultura no respeito de suas diferenças. Isso significa libertar o dois do um, o dois do múltiplo, o outro do mesmo, e de fazê-lo horizontalmente, colocando em suspenso a autoridade do um: do homem, do pai, do chefe, do deus único, da verdade única: é saída da objectividade para a subjectividade. Esta construção da horizontalidade, implica em uma partilha de vida que respeita absolutamente o outro como outro, além de todas as intuições, sensações, experiências, conhecimentos que pode ter. 
A relação deve ser mais aberta, assente no diálogo intersubjectivo (agir comunicativo de Habermas), de maneira que os problemas sejam colocados à mesa para serem resolvidos. Portanto, as mulheres, particularmente as moçambicanas devem ser mais abertas, no que concerne a sua opinião, o seu modo de perceber as coisas, abrindo espaço para o diálogo com seu parceiro, para que não se caia em situações desumanas e atitudes barbáries, conforme se tem assistido. A liberdade que as mulheres hoje gozam devem fazer retroagir com outros elementos sociais, de maneira que não haja uma mutilação na maneira de concebermos o real que é complexo. Para tal precisamos de ser vigilantes, e, é preciso que a mulher faça um retorno reflexivo da sua dimensão existencial, fazendo comunicar todas suas inquietaçõese problemas para que estes possam ser inseridas num exame complexo, para a sua revolução constante, primando pelo reconhecimento, igualdade e respeito mútuo rumo a construção da nossa cidadania.
Referências Bibliográficas 
ARISTÓTELES. Política. M. García Valdés (trad)., Madrid, Editorial Gredos, 1995. 
LEVINAS, Emmanuel. De Deus que vem à Idéia. Petrópolis, Vozes, 2002.
_____. Entre nós: Ensaios sobre a alteridade. Petrópolis: Vozes, 1996.
ROUSSEAU, Jean-Jaques. Emílio ou da educação. São Paulo, Vozes, 2004.

Continue navegando