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KLEBER FERRAZ MONTEIRO e wright

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KLEBER FERRAZ MONTEIRO 
FRANK LLOYD WRIGHT - Visto pelo Detalhe
2015
INTRODUÇÃO
Auditório de Taliesin – Spring Green
Termina-se uma reflexão intensa sobre a arte de construir de um determinado autor desejando o impossível, sintetizar toda sua imensa obra numa única imagem. Impossível, porém praticável, portanto, eis aí acima a minha aleatória imagem símbolo: o auditório eclético de Wright em sua casa-utopia-escola-estúdio. Ele foi concebido para as conferências ministradas em Taliesin. Não o explicarei porque não é este o caso, existem muitas páginas a seguir que por certo ajudarão ao leitor nesta arriscada empreitada.
Hoje é 6 de dezembro de 2015. Dei início a este ensaio informal há exatos 37 dias. Cambaleei na primeira parte e agora engatinho um pouco melhor; creio eu, sou otimista. Em 15 de novembro anotei em meu diário: “Levei duas semanas para escrever 80 paginas, muito rápido, bem o sei. Não posso fazer nada, meu ritmo por enquanto é este, meio veloz e superficial, apenas recordando o que guardei na memória durante quarenta anos. Releio agora o todo com mais de duzentas páginas e descubro uma certa ausência de coisas animadas que façam o leitor tomar gosto pela escrita. Há pouco ação, o que não é bom. Livros interessantes devem ter boas imagens e muito diálogo com o interlocutor; boas imagens eu garanto, já o diálogo é difícil de assegurar em todas as partes. Mas sustento que as imagens necessárias a ilustração do organicismo wrightiano constituem a ação. É difícil manter o interesse do leitor pela parte escrita do livro desse modo, porém, se ocorrer um fracasso, como espero, a culpa é do estilo muito frio que adotei em nome de uma seriedade que por certo não é inteiramente minha, e não do tema, que presumo, continua bem atual. Alinhei agora, revisando o texto, cinco capítulos de minha segunda parte em que nada acontece de revelador. É a descrição sumária da fase organicista das Usonian Houses, as mais econômicas, logo nos primórdios dos anos trinta. É um retrato continuado da vida em cidadezinhas de médio porte do interior dos Estados Unidos, paradisíacas como só possível em contos de fadas e utopias socialistas. Construções perfeitas para um romance inativo, para o intelectual tímido e profundo, mas infelizmente, sem uma paixão interna desenfreada como as demais arquitetura modernas feitas pelos grandes mestres em igual período. Para mim, confesso, o romance arquitetônico de Wright foi o mais árduo em descrever, quiçá por ser o mais distante de minha realidade. Precisei imaginá-lo com o apoio do cinema e literatura americanas, meios de expressão que sempre me foram íntimos e agradáveis. Vejo à gente provinciana a qual Wright projetou, com um temperamento mais que ameno, imagino-os bons cristão protestantes vivendo numa harmonia quase vegetativa e sentimental. Já na primeira parte do livro eu tinha algo semelhante ao que iria ocorrer no final, com a descrição dos anos 50 e sua arquitetura neo-expressionista. O homem era o mesmo, sessenta anos depois do inicio em Oak Park. Bom cidadão, marido amando suas mulher e filhos, mais ou menos como o amante em potencial da natureza que se desvela à imensidão vertiginosa da paisagem. Wright era um gênio, mas temo que sua clientela era uma mediocridade vivendo no mesmo meio que ele, mas ainda assim eles precisam ser diferenciados – o público sonhador e o agente da criação. Se eu no futuro tiver êxito, depois de várias férias e revisões, será algo maravilhoso porque significa pintar tom sobre tom sem uma cor bem definida”. Tudo, segundo este meu diário, é uma questão de estilo ou, mais exatamente, da forma específica e do aspecto que são dados às coisas. 
ÍNDICE
A FACE
ESTETICISMO WRIGHTIAN 
CASA JAMES CHARNEY 1891
CASAS EM SÉRIE
CASA WARD WILLITS 1902
CASA D. MARTIN 1904
A DANÇA DOS TELHADOS
O LUXO WRIGHTIANO
EDIFÍCIO LARKIN
TEMPLO UNITÁRIO – 1906
SOFÁ DA ROBIE HOUSE
ROBIE HOUSE – 1908
WRIGHT E O COMÉRCIO
MIDWAY GARDENS 1913-1924
HOTEL IMPERIAL DE TÓQUIO
LOBBY
CASA ALINE BARNSDALL
LA MINIATURA – CASA MILLARD 1923
CASA CHARLES ENNIS 1923
LA MINIATURA – CASA MILLARD 1923
TALIESIN
UMA DAS TANTAS SALAS DE TALIESIN
O JARDIM DE WRIGHT 
SALIÊNCIAS
TALIESIN E KATSURA
BAGUNÇA
LANTERNIM
Planta térrea de Taliesin East - ABSTRAÇÃO E MODERNIDADE 
CASA FRANK LLOYD WRIGHT - CHICAGO
ROBIE HOUSE
JANELA DE ESQUINA
COLUNATA
SOFÁ
FRANK LLOYD WRIGHT E A CADEIRA GIRATÓRIA
CIDADE UTÓPICO
CASA DAVID E GLADYS WRIGHT – 1952
ORGANICISMO BARATO
CADEIRA
PRICE TOWER – 1956
A LIÇÃO DA CASA DA CASCATA - 1936
ROCHA
PÉRGULA
ESCADA
STURGES HOUSE 1939
O DORMITÓRIO DE WRIGHT EM TALIESIN WEST
IGREJA UNITÁRIA E SUA ALEGORIA ÀS PONTAS – 1949
O SÓLIDO PÉTREO VERSUS O DIÁFANO
POSTO DE GASOLINA - 1926
EDIFÍCIO DA S.C. JOHNSON & SON ADMINISTRATION
SALA DE ESTAR DA CASA JOHNSON – 1937
MAU GOSTO, OU ALGO MAIS ALÉM
MEZANINO WRIGHTIANO
Casa Rosenbaum / Florence Alabama 1940
FRAGMENTOS SOBRE A MALUQUICE
ORNAMENTO
TEATRO KALITA HUMPHREYS
ATREVIMENTO
WRIGHT E OS CARROS
IGREJA ORTODOXA GREGA
MORRIS GIFT SHOP
PADRÃO
COBERTURAS
GUGGENHEIM
MONUMENTO
ABSTRAÇÃO RADICAL
POSTO DE GASOLINA
CASA PRICE - Paradise valley - Arizona 1954
CASA V.C. MORRIS – Seacliff – São Francisco
CÚPULA DO MUSEU GUGGENHEIM
WRIGHT, O SUPERSTAR MIDIÁTICO
APARTAMENTO DUPLEX NA PRICE TOWER
MADISON CONVENTION CENTER
RIVERVIEW SPRING GREEN RESTAURANT
MONUMENTO
WRIGHT E A PLANTA EM CRUZ
A FACE
Frank Lloyd Wright
A natureza de Deus permanece sempre ativa nos gênios, e só neles sutilmente manifesta o eterno poder de renovar a obra original, a fim de que a grande mensagem subsista e que nada deteriore sua essência. 
O rosto do homem inteligente tem algo de assombroso; inteligência e semblante unidos concretizam num caráter o desmanche da harmonia. A inteligência elevada ao grau de autonomia é uma sutil manifestação da enfermidade. Afasta o sujeito do objeto, separa o conceito do corpo. Tende a gerar estereótipos. Apartam também do convívio as pessoas bonitas. O excesso físico ou intelectual são as formas manifestas do exagero. O gênio espanta e fascina. 
 
ESTETICISMO WRIGHTIANO
Wright fotografado como um Dandy
Esteticismo, o que é isso? – Em termos simplificados: viver cada dia segundo uma suprema intuição do que poderia ser a arte de viver. Viver com estilo cubista, por exemplo, ou viver segundo a beleza de um quadro expressionista alemão, ou mesmo viver como Wright, em seu dionisíaco idealismo naturalista – chamado pelos críticos de Organicismo. Com as mesmas regras... A casa do arquiteto colecionador de arte oriental é uma temática obra aberta. Picasso e sua mania de adquirir coisas velhas também correspondia a um tipo de esteticismo mais de ordem boêmia; Picasso intuía possibilidades de utilização desse material em futuras obras, o que de fato acabou acontecendo inúmeras vezes. Andy Warhol tinha a mesma mania, viveu numa casa apelidada de Factory. O infinito deleite da compra foi transformado em rotina. Diz a lenda que metade de seus dias úteis foi empregada na caça ao exótico. Quando morreu Warhol, seu acervo somava milhares de objetos estranhos. Deleite muito específico, este de colecionar quinquilharias ou de orientalismos ao modo dos ingleses sofisticados da era de Oscar Wilde, o autor que teria influenciado Wright durante os anos de formação.
Apartamento de Wright no Hotel Plaza, New York
O apartamento remodelado por Wright no Hotel Plaza de Nova York foi desenhado em 1954 e demolido em 1968. Durante a maior parte da construção do Museu Guggenheim, Wright ali morou e instalou seu pequeno escritório. Neste período também acompanhou outros importantes projetos na região de Connecticut. Ele tinha uma suíte com dois ambientes mobiliadas segundo suas especificações. Nestes ambientes imperava um extremo luxo e caríssima sofisticação. Instalou mesas de madeira laqueada em negro, tapete de lã na tonalidade pêssego dourado
e estofados revestidos em veludo púrpura escuro. Para o revestimento das paredes foi aplicado um papel de arroz com incrustações douradas. Ao redor dos ambientes foram colocadas algumas peças de sua coleção de arte oriental. Na época, esta acomodação temporária era conhecida como Taliesin, a Terceira. Wright era um completo esteticista, adepto total daquele dito de Shakespeare segundo o qual “...nenhum minuto de nossa existência devia se passar sem algum prazer.” 
O esteticismo que Wright tentou implantar nos Estados Unidos foi uma promessa que não vingou universalmente, durou pouco e em lugares restritos. Filosoficamente, apenas esboçou alguns rudimentos de forma universal de viver segundo os critérios do movimento Arts and Crafts inglês. Não sei bem ao certo se devorou-se a si mesmo, morrendo de congestão, ou se foi vencido pela nova onda arquitetônica calvinista, renascida sobre os escombros da Primeira Guerra, e disseminada culturalmente em todo o mundo pela Bauhaus. O fato é que muito pouco se espalhou do consistente dandysmo esteticista. Sua anti-doutrina foi sufocada por uma era de frias ideologias socializantes, que acabariam por esquecer as demandas particulares do indivíduo e da abrangência de sua grandeza anímica. A estética socialista partiu de encontro para o gosto popular de massa e das burocracias de Estado. Nua e crua, abstrata e pedagógica. O Esteta, como o imaginou Wright, para o Século XX tornou-se um pândego, figura caricatural, servindo a função de quase palhaço nas festas elegantes do grande mundo. Uma advertência: ensaio sobre este tema apenas trabalhando com a memória de minha experiência européia, principalmente sobre o exame de algumas paisagens vitorianas ainda intactas em Londres e transplantadas à cultura americana aos pedaços. 
Depois desta enjoativa tergiversação moral, estabelecida no texto anterior, seria deveras engraçado caminhar um pouco junto às estranhas florescências dos Estetas doutrinários ingleses e franceses ao quais Wright se inspirou durante toda a sua existência. Para falar a verdade, conheci poucos destes heróis da boa forma, ao vivo aqui no Brasil. Estetas mesmo, integrais como Wright, até agora, só conheci via cinema, literatura e história da arte. Mas me contento em descrever fragmentos. O comportamento de alguns amigos afins à doutrina Estética vão me auxiliar nesta difícil tarefa. Uma poética dedicada tão seriamente à gradação do sentido da beleza deverá construir para si uma escala de valores sutil e milimetricamente graduada para o longo processo contemplativo. Gradação é o ritual de elevação do sensível... Em que grau, é a pergunta do Esteta, e de imediato se esboça a sua frente uma ampla escadaria. Cada degrau afirma um ponto na educação daquele que sente. O Esteticismo institui uma nova temporalidade sensorial, muito lenta e silenciosa. Japonesa, como o ritual do chá. O ritual enumera, cria fases, pontua, jamais se adianta, gradua, sentencia, etiqueta, revela na infinidade de véus o próprio valor da sucessão. Durante seus sete anos vivendo no Japão, Wright teria aprimorado o que antes só antevia literariamente.
 Se o Esteta pensa ou escreve, é para satisfazer seus caprichos e seus ideais de beleza. Ele jamais vê a si mesmo como um mestre salvador de grupos humanos. O verdadeiro Esteta é um anarquista e desconfia da autenticidade dos propósitos de quem ensina a redenção aos demais. Alguns termos a se explorar com mais firmeza e determinação na vida de Wright: perfume, exótico, decadência, indiferença, lentidão, desprezo, às avessas, auto-erotismo, masturbação ritual, sexo visual, elegante pornografia pictórica, ecletismo, morbidez, anti-naturalismo, vício, culto à solidão no campo, vida encastelada em sua Taliesin, isolamento premeditado, jóias e pedras preciosas, jardins japoneses, flores raras, diabolismo, satanismo, palidez, culto às entidades da noite, composição floral. Tudo faz o Esteta maníaco, a fim de sentir a tão comentada coisa em si dos filósofos, e não se emocionar com os insinuantes reflexos da emoção vulgar. Ele é todo o contrário da classe-média reinante nesta era midiática, um amontoado de gente insensível que apenas se compraz com a perfeição fabricada da imagem vendida em supermercado. O Esteta tem suas próprias leis, cultiva a pura dimensão estética: O espaço da arte através do prazer e o lado não moral da forma artística. Os críticos agonizam em face à liberdade radical experimentada pelo Dandy e seu irmão Esteta, não suporta a artificialidade e seu jeito de ser. No entanto, é preciso passar à margem das moralistas intoxicações críticas e seu fundamento: o prazer puro e estético é ruim. Sob a lente da classe média, o Esteta puro é uma cômica aberração. Seu absoluto contrário (revés). Os ataques fulminantes do Dandy contra a moral burguesa fazem elevar o vazio não de sua própria vida, mas do burguês e sua noção higiênica de ordem. Pensemos pois em Wright como uma das tantas formas expressivas, cujo lema reitor seria o completo liberar-se; ser livre em sentido superior numa sociedade padronizada, ansiosa por etiquetar todos os comportamentos. E logo vem os desdobramentos, a complexa semântica correndo pelo tempo, formando-se em profusão caleidoscópica. Coloridas cintilações em perpétuo fluxo, matizando, iluminando cada segmento daquilo que compõe o espaço.
CASA JAMES CHARNEY 1891
Com esta casa clássica Wright consagra sua introdução no parnaso dos grandes arquitetos modernos. A autoria da Casa James Charnley, de 1891, durante largo período foi atribuída a outro autor. Hoje já se sabe que Wright a projetou quando trabalhava para Adler e Sullivan. O escritório cuidava mais dos grandes projetos públicos, deixando as pequenas residências a cargo de seus melhores profissionais. Pois temos, desde o início sua carreira, um marco de alto qualidade para o jovem arquiteto que contava ao criá-la apenas 24 anos de idade. A Sociedade de Historiadores da Arquitetura a ocupa e preserva atualmente. Pouco se comentou sobre suas qualidade intrínsecas, por estar no lado oposto a suas mais notáveis casas de pradaria. Ela se parece bem mais a um sólido palacete florentino que ao estilo aberto e campestre derivado das conquistas ensinadas pelos ingleses Ruskin e Morris, teóricos do movimento Arts and Crafts e reto poético do Wright futuro.
Não pode dizer que dominou profundamente a poética de uma casa wrightiana aquele que não se preparou para sondar a lógica sofisticada dos pequenos detalhes funcionais – principalmente de seus embutidos – e da linha contínua que une do térreo ao último pavimento todo o encadeamento dos ornamentos interiores. Qualquer pormenor do espaço interno leva a inconfundível assinatura do mestre que no fim do Século XIX dava início a maturação de sua linguagem organicista. Desta vez, o centro hierárquico da composição foi deslocado da sala de estar para o vestíbulo, que expande verticalmente sua força de unificação dos cômodos compartimentados até atingir a clarabóia de coroamento dos três pisos interligados. No espaço interno a sucessão de escadas impõe o ritmo dos acontecimentos formais. A lareira pontua o centro do eixo transversal da casa, quem vence o primeiro lance de escadas saindo da rua depara-se com o fogo cerimonial. O piso térreo alberga a sala de estar, jantar e cozinha. Encontra-se a meio nível da rua, abaixo dele foram dispostos os depósitos e serviços. 
Vestíbulo com a sala de estar ao fundo
Cada material neste arranjo moderado tem sua luz própria, que pode ou não ser acentuada pelo tratamento na superfície, Wright prevê não alterar a tepidez natural da madeira. A iluminação natural ou artificial foi tratada com arte, foi também banida qualquer superfície insinuantemente brilhante. A fonte de luz para todos os ambientes não deve ceder ao desejo de abrir-se ao exterior em demasia. Desde sempre muito controlada, mínima, melhor dizendo, atende ao propósito de oferecer o conforto doméstico da morna lucidez. Janelas pequenas e clarabóia esmaecida por filtro opaco criam uma
quase sombria atmosfera de discreto silêncio. O aroma amadeirado emitindo a fragrância do desligamento sensorial tem um papel bem próprio na poética wrightiana: aliviar as tensões críticas insufladas no ambiente pela alerta razão. 
Pavimento dos Quartos
A extrema polidez conduz ao brilho, e este por sua vez inaugura um gênero de claridade contrário à verdadeira natureza dos materiais; pelo menos assim pensava Wright. Quente é qualquer material empregado no organicismo, deve-se esquentar todo e qualquer elemento da obra. O lúcido esmaecido pela sombra fica em equilíbrio a cata da cálida aventura. 
A casa de quatro pavimentos se assenta sobre uma base geométrica bem definida, revestida por pedra calcária limestone. Graças a firme imposição vertical do paralelepípedo, construído em tijolos de terracota e de sua simétrica composição clássica, o sobrado urbano não ficou perdido em meio a massacrante envoltória de sólidos arranha-céus. O terreno foi praticamente usado em toda sua totalidade, deixando apenas um pequeno recuo junto a área de serviço. O metálico telhado em cobre esverdeado e os beirais, trabalhados com leve tratamento ornamental, servem de contraponto cromático ao suporte pétreo do andar térreo. Apesar do molde original, Wright soube como atenuar o peso da construção com aplicando arremates ornamentais em algumas peças dispostas estrategicamente nas fachadas; a principal delas é a que dá guarnição a sacada sobre a porta principal de ingresso.
Fachada Principal com a porta de entrada ao centro
Plantas dos três pavimentos
CASAS EM SÉRIE
Casas Robert Roloson, Chicago 1894
Jamais escrevi para um público oposto. Creio que tentar fazê-lo corresponde a gerar um prejuízo irreparável ao humor e à coluna vertebral. Aos arquitetos amantes da miséria humana e sensibilizados pela temática sociológica, bem como àqueles preocupados com os aspectos práticos da largura de um janela e incidência do sol, nada tenho a receber nem a acrescentar. Meu discurso vai aos inocentes de coração primitivo. Homens que se abalam com o poder mágico das formas bem compostas. Espero encontrar como interlocutor apenas o homem que treme diante dos desafios oferecidos pela harmonia, e que atribuem tal sensação ao auxílio de um Deus superior. Só me interessa a arquitetura que produz uma nesga de arco-íris na consciência contemplativa.
Na época em que Wright projetou estes quatro sobrados em série, para o Senhor Robert Rosolon, em 1894, nenhuma alternância organicista existia ainda em sua poética precoce a fim de imiscuir-se no padrão neo-gótico empregado por ele com destreza e economia. O tipo era decorrente de um dominante estilo em moda. No decorrer dos próximos anos o espaço wrightiano tornar-se-ia mais dinâmico e horizontal. A tessitura recorrente dos tijolos obedece ao esquema simples e constante, nenhum significado adicional lhe foi imposto. Os ornamentos estão bem enquadrados e demonstram uma filiação à linguagem de Louis Sullivan. Se tudo é bem comportado e ortodoxo, porquê então mencionar o exemplo? - Simples, pela surpresa que supõe seu rico interior. Já no hall de entrada a visão se depara com uma série de choques provocadas pelo jogo de meios-níveis encontrando suas escadas correspondentes. São amplificações da técnica de interligação e serialização dissonante dos cômodos. Seria ele o prenúncio do organicismo? - A resposta ainda é não. Outra pergunta, não parece um projeto já visto em outras ocasiões? Sim, é de fato uma cópia, mas que cópia!
Vista do Hall de Entrada
Planta do primeiro pavimento de dois sobrados coligados. 
CASA WARD WILLITS 1902
Esta bela perspectiva com ares de gravura japonesa ilustra a Casa Ward Willits, projetada em 1901. Pertence a Highland Park, subúrbio rico de Chicago. Foi encomendada a Wright por um alto executivo do ramo industrial relacionado à fundição de latão. Foi considerada a primeira das grandes Prairies Houses. Motivo pelo qual merece toda a nossa consideração e curiosidade. Sua planta cruciforme é ambígua, está plenamente integrada com a natureza e aos vetores simétricos, simultaneamente. Expande-se a partir de uma escultórica lareira central fundida a outros pequenos rincões utilitários, em cada uma das asas do pavimento térreo foi posicionada uma das áreas fundamentais da habitação: vestíbulo, recepção, estar, jantar serviço, quartos dos empregados. Janelas e demais transparências recebem como ornamento um aplique em vitral ao modo Art Nouveau, resquícios neo-góticos de releituras medievais. Dividem os cômodos painéis de madeira e estuque. Wright também desenhou a maioria dos móveis da casa e suas insinuantes luminárias. Preencher o hiato entre a casa e natureza norteou a filosofia do projeto, como pode ser atestado pela perspectiva em cujo plano pictórico o denso arvoredo funde-se em plena síntese com os materiais construtivos do cinematográfico arranjo de volumes. Tanto a arquitetura japonesa quanto o estilo Art Nouveau holandês, ocorrido em simultâneo, influenciaram diretamente o partido arquitetônico e sua romântica atmosfera, construído em sua maior parte através do estuque e da estrutura em madeira. No andar superior estão os 5 quartos mais uma biblioteca e quarto de costura. 
Fachada Frontal
A propalada quarta dimensão na arquitetura moderna significa mudança permanente nos eixos do olhar, corpo e visão nunca estão parados. Oito fachadas em lugar das quatro tradicionais de uma mansão clássica; oito diferentes fachadas, sem contar a independência formal que separa o primeiro do segundo pavimento. Gira-se ao redor sem jamais concluir uma noção estática do espaço envoltório. O mesmo ocorrerá no interior.
Fundos da Casa com suas pequenas assimetrias
Observo atento aos pormenores do quarto principal da Casa Willits esperando receber uma mensagem impressionante de toda essa inédita eficiência decorativa que Wright superpôs definindo as partições dos planos inertes. Aparentemente carregado é todo esse entrelaçar de frisos e demarcações. 
Haverá sem dúvida alguma implicação misteriosa que acaba se esclarecendo com o arrazoar criterioso. A apreensão imediata do quarto no segundo pavimento nomeia inicialmente a ação inquestionável de dormir. O que vem depois da primeira percepção, qual a conseqüência do mero adormecer numa histórica Prairie House concebida por um artista genial? Não vale responder com termos óbvios. Wright não gastou tanta energia criativa para que o sujeito mecânico caia simplesmente no sono ignorando toda a semântica esteticista do ritual de passagem, da consciência diurna para o domínio noturno do sonho. O tratamento das várias dimensões do ambiente uma vez mais deverá hipnotizar o cliente. Tal sensação é decorrência do domínio cognitivo do detalhar profundo, o que supõe entender o significado de cada símbolo posto na configuração. Como se a forma resultante da reflexão revelasse o segredo tão ansiado do descansar. Qual será o efeito do leito disposto no centro, e dos lambris escuros, acalmarão? A poética do espaço doméstico na escola wrightiana do começo do século era todavia bastante formalizada no sentido da abrangência cerimonial. Com as Usonian Houses trinta anos depois, Wright partiu para um naturalismo mais primitivo, mais terra e menos civilização. Muita gente ingere remédios para dormir, este entorpecer forçado será resultado talvez da dificuldade de desligamento de um ambiente para outro. A beleza do quarto relaciona-se indiretamente ao significado do desfalecer e da morte, mas também da concepção e renascimento.
Quarto da Casa Willits
Em 1902, o arquiteto de uma senhorial casa burguesa americana, moldada com os rigores mais avançados da elegância, desconhecia o primado da moderna integração de ambientes. O decoro no habitar era todo escrito em manuais de etiqueta, cada sujeito desempenhava seu papel doméstico de acordo com um roteiro tradicional fechado. O funcionalismo com sua ideologia da praticidade e do conforto preguiçoso não era todavia nascido.
A família dirigia-se em grupo à sala de refeições como uma bem orquestrada cena operística. Na Casa Willits cada peça de mobiliário incrustada na arquitetura estava ali fixa para não ser deslocada com rompantes de mobilidade comportamental. E as marcações em tiras de madeira serviam de guia e marco definitivo. Nenhuma função deveria confundir-se com sua agregada. Nas paredes este verde tão forte me agrada mais pela surpresa que pela harmonia, não eram comuns. 
Wright exagerou nos efeitos gerais? – Talvez. Mas foi no desenho e distribuição dos vitrais que ele realmente ultrapassou os limites da convenção. Os motivos ornamentais perseveram nas controladas associações geométricas a qual estava acostumado. Cadeiras pesadas de madeira, provavelmente desconfortáveis, mas hieráticas com todo este vertical espaldar de reis comandam a imagem. A perfeita composição levada ao extremo não chega a romper a lei da perspectiva e da centralidade.
Sala de Jantar
CASA FRANK LLOYD WRIGHT - CHICAGO
Há espaços transitáveis - a maioria deles - e também existem aqueles apenas perscrutáveis através dos mais finos sentidos inspirados. Explorá-los é porém para os de visão mais profunda, os que possuem a faculdade de indagar a verdade das coisas belas fazendo despertar os orgãos da intuição, escondidos várias camadas abaixo da mera apreensão epidérmica. O lugar do discernimento instintivo mais antigo, o que explicaria a adoção do pé-direito duplo e seu teto exótico, é o objetivo deste pequeno ensaio. Quanta coisa plausível ao tato ocorre sob um caloroso teto baixo, poder tocá-lo é fato que complementa nossa intimista necessidade de ninho, mas o potencial de um espaço interno que atenda à demanda de qualquer monumentalidade senhorial, ou de um artista cioso pelo mais além, exige mais que isso do criador. Frank Lloyd Wright estava tomado pela febre jovial ao projetar a cobertura de sua casa fabril no Bairro de Oak Park. O domicílio foi localizado num terreno de esquina, num subúrbio de Chicago. Era o lar somado ao escritório de arquitetura, em anexo. Primeiro a casa, 1889, depois a edícula, o ano foi 1895, apogeu do movimento Arts and Crafts nos paises de língua inglesa; não se pressentia ainda mundo afora toda a histérica simplificação purista, odiada por Wright, a ocorrer na Viena de Adolf Loos, vinte anos após. 
Externamente, esta é a fachada onde pela primeira vez Frank Lloyd Wright construiu seu histórico paraíso laboral, antes de mudar-se definitivamente para Taliesin I, 1911, Spring Green, Wisconsin. O estilo deve sua forma confusa às influências ditadas pelos românticos vanguardistas ingleses de fim do século XIX. Pela escala do complexo estúdio, uma quase miniatura, vê-se que Wright era um organicista avesso aos sedutores encantos do modelo mansão. Contruiu seu lar desejável sintetizando a residência de sua família aos diversos ambiente necessários a uma oficina de arquitetura: uma planta quadrada dá lugar a manufatura do desenho, junto à ela vem a usina das idéias geniais, um vestíbulo e, finalmente, a biblioteca. Cada ambiente tem forma própria. Defino o organicismo como a poética que renunciou de bom grado ao sentido histórico da arquitetura monumental, em nome do moderno sentido romântico de proteção, conforto e caloroso amparo. Nestes lugares o símbolo máximo da hierarquia espacial demonstra que o juizo comanda desde o encabeçamento do espaço interno; seu limite é o ponto mais alto do teto escalonado. São barreiras e mais barreiras, detalhadas para que a figura dominante de qualquer elemento imenso não tome conta como protagonista do espaço composto. Terminar cada pequeno rincão significa quebrar o excessivo silêncio dos planos contínuos com frisos, dobras, altos e baixos-relevos; tudo que possa impedir o reverberar do conceito clássico de plano infinito. Quando surgiu foi sem dúvida revolucionário este novo conceito de beleza complexa. A soma dos volumes nunca é superior a importância individual das partes. Avaliar este amontoado harmônico requer preparo e disciplina barroca.
Levo anos investigando um assunto tão verdadeiramente simples: como Wright conseguiu este efeito absolutamente magistral superpondo e encaixando volumes no espaço interno e inclusive no externo sem jamais incorrer em impropriedades? Todos alinhados segundo um único eixo vertical, um poliedro cônico de base octogonal revestido internamente em estuque, apoiado num espaço simétrico moldado segundo também as diretrizes do simétrico octógono, acima dele o telhado foi construido em madeira e ardósia. A imagem abaixo serve de abrigo à sala de desenho; termina a composição um bico agulhado, comum no período neo-gótico. 
 Sala de Desenho, pé-direto duplo e coroamento
No caso dos pés-direitos altos, quando possível, é preciso pôr um acento no processo contemplativo desde um vetor que cai de cima para baixo, isto é, desde a luz projetada pelo lanternim até o piso. Ele é mais aceitável em lugares de trabalho. É inadmissível empregar a ofuscante clarabóia, coroando o teto de uma habitação confortável. O detalhe para Wright foi sempre a forma que anulava a inércia do grandioso, do retórico e enfático; ele adorava despedaçar o plano abstrato impondo seus múltiplos frisos e escalonados. Mas se é este o caso, tornar a arquitetura uma colagem de coisas íntimas e protetoras, pergunto-me porque tanta incompreensão, entre o público formado pelos espíritos mais abstratos, relativa a esta tendência quase ornamental mantida por Wright? É concebível que milhares de intelectuais profundos, da crítica oficial, no fundo, desprezem esta noção romântica em detrimento das formas mais puras e racionais, conhecidas como International Stile. É curioso que nossos estetas da arquitetura moderna não tenham sido capazes de colocar o pé-direito alto em nossas vivendas à mais plena luz da razão objetiva. Sim, explico essa coisa tão importante: um espaço alto e compartimentado em várias camadas simbólicas, por faixas e etapas superpostas, é suscetível também de um arrazoado. Estas perguntas, confesso, não são respondidas com facilidade, em todo caso devemos insistir no sentido dessas três instâncias estéticas tão belas e individuais, mas sintetizadas. Duas delas contudo apenas flutuam sobre nossas cabeças, coroando ideais, fazendo-nos sonhar com paraisos sublimes acima do terrestre. Uma resposta satisfatória para o fenômeno da verticalização poderia custar mais complicações do que já temos em tentar explicar os elementos plásticos constitutivos da poética modernista. 
Primeiro e segundo pisos da casa-estúdio de Frank Lloyd Wright
INGLENOOK (CANTO DA LAREIRA)
Casa Frank lloyd Wright – Oak Park
Se pensamos em profundidade o problema da sala de estar, nos daremos conta que a área atual de estar ficou muito devassada e confusa. As partes perderam sua independência simbólica, a hierarquia das funções sumiu pelo ralo. Mas Wright dava muita importância a nomeação estrita dos lugares onde a família se reunia em momentos de sincera confraternização. Vejamos em mais detalhe uma dessas partições da casa organicista. 
O termo em inglês “inglenook” não tem correlato em português. Numa tradução livre poderia referir-se ao canto da lareira. Mas na arquitetura americana, o inglenook é bem mais que isso - um mero canto íntimo colado ao fogo doméstico, refere-se a um recesso no espaço geral da sala de estar, uma espécie de pequeno embutido no qual os convivas se aquecem e dialogam com proximidade. Na arquitetura wrightiana o inglenook merece especial atenção. São espaços super-trabalhados com ornamentos e móveis desenhados com exclusividade para compor um todo. Na primeira casa de Wright em Oak Park existe até uma inscrição poética marcada na pedra dando mais significado ao seu particular inglenook. Na Casa Emill Bach, o inglenook tornou-se mais aberto e próximo ao que seria seu futuro estilo Usoniano. 
Emil Bach House - 1915 – Inglenook
CASA D. MARTIN 1904
“Mais luz”, disse Goethe antes de morrer. Em se tratando de mente tão ampla, supõe-se que as muitas luzes metafóricas estavam embutidas em seu pedido. A luz na arte é fato e símbolo, simultaneamente. Assim, quando penso na luz da arquitetura wrightiana, imagino-a totalizadora e muito aberta às vàrias interpretações. 
Tema: buscar na substância da matéria o caráter que revele um fulgor tal que inclua todas as nuanças de tonalidade. Alinhar o ser da luz ao ser da matéria, até que desta união aconteça um definitivo revelar da específica luminosidade da arquitetura. Esta mesma claridade não está condicionada pela elasticidade luminosa; será a mesma na noite e no dia, e em qualquer clima do ano. A luz final é invariável, posto que é essencial, absoluta; uma luz indiferente à fonte luminosa. 
A luz da matéria arquitetônica não pode ser repetida nem encarcerada num padrão, é única. A fotografia pode insinuá-la apenas aos nossos sentidos críticos. Todos os elementos passeiam pela vista do arquiteto antes da escolha final dos componentes construtivos. O objeto em questão oscila numa linha estreita, parece querer falar das fases do ocre, do areia, do bege, dos componentes terrosos. Cada tópico da linguagem terrosa parece estar presente na Casa Martin. A própria sombra desenrola-se sutilmente do cimo à linha de terra. O assunto da fonte de luz nas casas de pradaria wrightianas fala da ação inteligente em criar na forma artística um plano correspondente à intuição poética da natureza dos materiais. Ao contrário de outros arquitetos modernos brutalistas, Wright não tinha uma ideológica visão fechada sobre o assunto. Seu ponto principal era introduzir cada material construtivo como capítulo de uma poética luminosa maior. Sua autoridade residia em saber dosar os ingredientes matéricos sob a luz da razão e da emoção poética. Para ele todos os materiais eram praticáveis, contanto que fossem captados como essência. Daí advinha sua poética. 
Sua luz não ambicionava transitar pela lucidez do brilho que ofusca e nega a natureza básica. Devia domar a sombra para que ela não incidisse na obscuridade nem no brilhante. Depois de compreendida a matéria, seria preciso descobrir o significado amplo de cada entretom. Ninguém poderá acusar Wright de não haver sondado com sucesso as entrelinhas da nuança. 
Curioso, ninguém se dirige a própria luz da arquitetura valendo-se do termo iluminação. Julgo que o matiz procurado com a iluminação venha do artifício de mudar o caráter inicial da matéria trocando-o por uma qualidade mais cenográfica. Tampouco, quando se emprega o vocábulo coloração, espera-se nomear a cor pigmental agregada como máscara. Embora possamos com firmeza apelar a expressão “colorido da matéria” como uma realidade imanente ao primitivo. A elasticidade do tom condiz bem com a escolha da argila e cozimento necessário a concretude do tijolo de terracota. Matiz e tonalidade auxiliam na descrição da luz da matéria. 
A DANÇA DOS TELHADOS
“Desconfiemos do povo, do sentido comum, do coração, da inspiração, da evidência”. Charles Baudelaire
CASA MARTIN – BUFFALO – 1904
Graças à Casa Martin, de 1904, Wright venceu e se impôs sobre o mercado da cidade de Buffalo, Estado de Nova York. Vejamos qual foi a estratégia usada para agradar ao seu público: atenuar a massa dos sólidos padrões de mansões antigas, substituindo-a pela agregação de vários blocos dispersos simetricamente sobre o terreno, unidos sutilmente por passarelas. Cada componente do edifício tornou-se mais leve e aerodinâmico, mas nenhum componente no rearranjo foi tão sofisticado como o que se referia ao desenho do telhado. Nas Prairies Houses do início do século, todos os gêneros de festivos telhados com mínima inclinação enchem o ar com suas presenças gráceis. Num ensolarado dia normal o céu puro, estando enfeitado com nuvens luminosas, emitirá luz matizada sobre a dança de volumes, dispostos em camadas de sucessivas superfícies manchadas por sombras bem definidas, as quais, as mais densas no fundo ocupam mais a nossa atenção. Wright fez algo bem sutil em uma ou outra orquestração de coberturas. Não há quem não permaneça por horas inebriado com o arranjo cadenciado desses telhados em terracota avermelhada. 
Paradoxo, como pode uma obra de arte ser simultaneamente tão erudita e emocionante ao gosto popular sem perder qualidade? Não há mistério na composição da Casa Martin, sim, apenas o bom emprego de uma honrada técnica compositiva visando conquistar adeptos e comunicação ligeira. Nada difícil mesmo, todos os componentes são muito facilmente identificáveis. Obras assim fizeram de Wright um mundial fenômeno de vendagem estilística. Motivo? Sendo um arquiteto do Novo Mundo, Wright poderia exercer sem censuras externas seu dom pela simplificação do material erudito herdado e preservado nas Academias. 
Vista Aérea da Casa Martin
Em matéria de estilo e aparência, a imagem-tipo do movimento moderno resume-se a duas grandes linhas: realizar projetos cobertos com telhados ou cobrir o espaço por simples laje de concreto impermeabilizado e enfatizar o limite vertical da forma simples platibanda pura e abstrata, sem cornijas ou coisa que o valha. O grande público obviamente não admira nem respeita a elegância dos cubos puristas, tem em seu imaginário uma noção de edifício enfeitado e aberto ao máximo para a paisagem, acrescido a isso, uma planta aberta a constantes crescimentos. O que explica o fenomenal sucesso de Wright em todo o mundo. Intuindo que telhado e malabarismos volumétricos vendem mais, Wright não poupou esforços em dominar a técnica da composição baseada no funcionamento do corpo orgânico. Através da vista aérea da Casa Martin e sua área envoltória com varias residências de mesma categoria e renda, percebemos literalmente que os demais vizinhos desaparecem num confronto direto com as habilidades organicistas de nosso mestre. 
O LUXO WRIGHTIANO
Interior da Casa Martin – Sala de Estar
Esta sala de estar lembra um recanto da antiga mansão de uma tradicional família nobre inglesa. Mas é todo o contrário de uma falsificação, diz respeito ao que Wright considerava como um honesto e sincero luxo erudito moderno. O kitsch luxuoso é o estilo típico do burguês novo rico que Wright combateu. Para cada antigo nobre, deixando uma herança a ser dilapidada pelos antiquários, agora no início do Século XX havia mil novos ricos querendo consumir o controle da arte do passado. Obviamente não havia tanta arte antiga para as casas de tantos novos ricos. Alguma coisa deveria ser feita para saciar o novo manancial de consumidores sedentos por aparentar a mesma imagem da realeza deposta. O que foi feito então? – Criou-se às pressas uma indústria mundial da falsificação. E, desde então, o luxo nunca mais voltou a sobreviver sem tal pedigree. Não bastou contudo criar o artefato parecido com o antigo artesanato que servia à nobreza, seria preciso criar também um cenário convincente à comercialização das novas mercadorias disfarçadas de antigas. Contudo, uns poucos arquitetos participantes do Movimento Art Nouveau não entraram na industrialização do falso antigo. Em seu lugar, reinventaram o passado em vez de copiá-lo artificialmente. O processo chamava-se abstração. Retirava-se do modelo antigo apenas a essência, e não sua figuração, como pode ser averiguado neste interior da Casa Martin. Em certo sentido, pode-se chamar de luxuoso o resultado intelectual da operação. 
EDIFÍCIO LARKIN
Fachada com o volume menor, de ingresso, coligado no flanco esquerdo
Pergunto: porquê ninguém mais consegue realizar uma arquitetura com esta qualidade tão superior e assim mesmo chamada de moderna? Resposta: para se quebrar a tradição faz falta antes saber o que e por que motivo se está quebrando, ou seja, só é verdadeiramente moderno aquele que, depois de uma experiência profunda na tradição, descobriu fissuras por meio das quais fincou a raiz do novo. O tristemente demolido Edifício Larkin veio à luz entre
1903 e 1905. Foi construído na cidade de Buffalo, Estado de Nova York. Projetado para abrigar os escritórios administrativos de uma empresa fabricante de sabonetes e outros produtos para uso doméstico. A demolição, pese o repúdio da comunidade arquitetônica, ocorreu em decorrência da crise da década de trinta nos Estados Unidos, após o pedido de falência corporativa e venda subseqüente do edifício a outra companhia. Contrariamente ao que se esperava deste gênero de espaço laboral, as parede de tijolos de terracota vermelha, com rejuntes rosa, não ficava rente à rua. O monólito de tijolo simples resplandecia do meio do lote, aliviado no alto por uma imponente clarabóia que joga luz em todo o átrio central. Nossa visão o aprecia em camadas correspondentes aos seis andares internos. Enfeita a nave central com os seis andares abertos à comunicação interna uma superfície de vidro ornamentada por vitrais. A estrutura do complexo é em aço, os detalhes externos de arenito vermelho contracenam em tonalidade com as paredes nuas de terracota. Como mestre ornamentador foi encomendado ao escultor Richard Bock os motivos externos principais. O arenito avermelhado, desprendido da parede mãe, arremata as linhas de contorno que dividem os andares, tornando-os mais leves e definidos. 
 Os andares dos escritórios foram desenhados como galerias abertas para um central pátio cheio de luz. Assim se obteve um melhor senso familiar no relacionamento dos funcionários. A planta livre, sem separação, como imaginou Wright, foi uma revolução no mundo do trabalho.
Vista do Átrio Central desde o Térreo 
Normalmente, o núcleo de escadas e elevadores seria posicionado no centro do edifício, Wright inovou dispondo quatro torres de circulação nos ângulos extremos. Isto permitia uma maior mobilidade na circulação entre os funcionários. A planta destaca-se pela solução econômica e racional e todavia segue sendo repetida como tipo por arquitetos contemporâneos. O ritmo das concavidades e nichos é bem típico daquele Wright avesso a monotonia e peso imperial nos edifícios públicos monumentais. Entre as muitas inovações técnicas e formais colocadas no Larkin, vale a pena mencionar o desenho funcional e funcional do mobiliário. Tem caráter e ergonomia. Wright criou todos os componentes móveis do interior pensando numa integração formal com o restante da arquitetura.
Escrivaninha dos Escriturários 
 
Planta do pavimento térreo 
Corte Longitudinal
Esculturas do artista Richard Bock
TEMPLO UNITÁRIO - 1906
“Nos meus pensamentos a filosofia do edifício precede qualquer outra consideração...”, disse Wright, filho de pastor protestante e músico apaixonado. Desde a infância passada numa fazenda sabia com propriedade do que se tratava a qualidade arquitetônica numa típica casa do Senhor. Ao criar seu primeiro modelo moderno de igreja cristã, deu o melhor de seu gênio aos membros residentes de uma afluente comunidade urbana locada no Bairro de Oak Park. Estes homens progressistas, ansiosos por disciplina e esclarecimento religioso, esperavam de seu arquiteto uma arquitetura tão sólida quanto o esclarecimento atingido via razão. “Façamos desaparecer da arte qualquer forma simbólica de literatura”.
Ascese, evidentemente, não era a solução para os crentes que buscavam salvação num típico templo writhiano. A renúncia do anacoreta inspirou grandes templos na Idade Média, mas ela seria considerada em 1906 uma espécie de sensualidade com sinal negativo, uma repressão absurda impetrada pelo sofredor contra si mesmo. Ao santo sobrevivente, ela pode ser útil como andaime, mas não ao homem imbuído de espírito moderno. Não há entre os homens protestantes americanos a menor ânsia por santidade. Logo, o arquiteto deveria buscar na arquitetura religiosa uma outra atmosfera litúrgica que todavia não era aparente. Wright observou atento o que simbolizava a interseção das renúncias numa igreja católica, e resolveu adotar o caminho contrário. Escolheu como partido um jogo de cubos monumentais, construídos em concreto aparente, tão claros no interior quanto a idéia grega de razão. Retirou do recinto qualquer forma de iconografia capaz de excitar o crente que avista o Deus da oposição, o Deus do invisível, que ainda não foi criado.
Planta Baixa do Templo Unitário
Unity Temple foi dedicado aos que esperam ver Deus revelado na simples beleza. Quem, no entanto, está comprometido com os sentidos, livre para considerar puro o fenômeno da beleza, e verdadeira a forma artística que a revela? Como tal indivíduo poderia começar com a recusa dos velhos modelos, adotando outrossim um outro, radicalmente novo e moderno? – A resposta estava no bom burguês progressista habitante da rica Chicago. Para o imigrante emancipado, Wright criaria seus templos fulgurantes. Afugentada a poética sombria do asceta e, mesmo que ela inicialmente provasse ser de auxílio e proveito para ele, para o arquiteto contava mais transfigurar formas que iriam bater de frente com o que considerava embuste, ardil; intriga remanescente da religiosidade de outra era. Na igreja wrightiana, o crente não encontra qualquer sítio para a evasão e transcendência. O importante seria adaptar a monumentalidade do tempo cristão a de um auditório universitário, só que mais solene e magnífico. A forma atenuada do Templo Unitário, como manifestação de religiosidade humanizada, vinga-se dos temas como dureza, aridez, esterilidade. Impera a liturgia da palavra, sem o apoio acessório de ícones que promovam concessões mistificadoras. O jogo de clarabóias é bem salutar na luta para inibir a tradicional estética de faquir e de eremitas, normais no catolicismo. 
Plantas quadrada contendo articulações surpreendentes, desdobrar de volumes cúbicos entre a nave, o vestíbulo e as salas de reunião coligadas, a geometria disposta de acordo com a simetria representa a integridade na intuição do arquiteto. A cobertura da sala de culto é um tabuleiro enorme oferecido ao jogo de clarabóias. O espaço é feito para a ascensão da consciência, que encontra no teto luminoso a figura principal do interior para depois retornar circulando por todo o dinâmico recinto. 
INTROCUÇÃO À ROBIE HOUSE
Minha relação com o atrativo teto desta sala de estar incorre quase sempre em paradoxos. Há momentos que o considero de outro mundo, noutros vem-me a mente a idéia de que há uma facilidade ornamental que jamais poderia ser superada por uma ágil inteligência. Temo dizer isto e ferir a sensibilidade dos que o amam, mas, se não o faço, ser-me-ia impraticável salvar a mente de alguém. O que vou afirmar agora tem a ver com a imensa fama do abrasador Frank Lloyd Wright no Século XX. Qual é seu combustível neste projeto senão a paixão dos ingênuos pelas formas muito insinuantes. Curioso estudá-lo pela herança legada aos discípulos: a cálida maioria não soube amplificá-lo, inclusive, muitos deles enveredaram pelo sentimental kitsch. 
Inegável, Wright foi como poucos, um criador super-dotado, em suma, possuía dons insondáveis, via muito mais além que os contemporâneos, exercia seu ofício possuído de uma facilidade só ofertada pelos deuses aos filhos prediletos. Se queremos no entanto desenvolver um plano minucioso de estudo de sua obra, será necessário afastar-se da sofisticação intelectual dos congêneres arquitetos do Arts and Crafts europeu, e recair na ardente linguagem dos poetas populares. Wright é o herói inconteste da arquitetura de nossa era porque a domina a cultura de massas. Assim como Le Corbusier simplificou seu mestre Adolf Loos, Wright também foi um simplificador do Esteticismo inglês. Sobre as duas fontes pesava uma erudita evoluída desde a Renascença. Um jovem nascido e criado no campo, protegido por uma família protestante de classe média não seria capaz de oferecer uma educação adequada ao desenvolvimento universal de um grande gênio. A severidade fria da moralista sociedade americana, quando muito, logrou apenas aquecer ainda mais os dotes do rapaz, até torná-la
queimante nas últimas obras de nonagenário. A quente severidade do camponês Wright cresceu e espalhou-se pelo mundo sob a forma de um romantismo urbano industrializado. 
O belo teto em estuque e arremates em carvalho da Robie House (1908) em Chicago abriu caminho para o decorativismo água com açúcar de nosso tempo. Como não se sabe muito bem o que fazer com o teto sem graça de um apartamento fabricado em série, rebaixa-se artificialmente com gesso acartonado o teto e embuti-se lâmpadas indiretas. Fica sempre interessante e não fere ninguém. O segredo é repetir bem os motivos da série infinita. Vistos de perto, os frisos de madeira parecem bem simplórios. 
SOFÁ DA ROBIE HOUSE
Inventar um modelo marcante de sofá para uma única residência implica conhecer a fundo todo o significado de sua poética. O sofá nunca melhora a qualidade de um espaço interno, mas pode piorar bem sua integridade geral. Wright sabia bem de o quão competitivo pode se tornar este móvel feito de massa, volume e arrogância desagregadora num espaço interno em equilíbrio. Sem nenhuma leveza ou sutiliza, o sofá se impõe e tende a quebrar a harmonia dos componentes construtivos, além da importância relativa dos demais móveis. Na maioria dos exemplos de salas de estar, Wright preferiu embutir a função do sofá num móvel fixo agregado à parede. No caso da Robie House de 1908 arriscou-se, desenhou esta magnífica peça de marcenaria arquitetônica. O sofá foi criado para ser visto de todos os lados no meio da sala. Vejamos o que o arquiteto fez para aplacar a figuração impositiva do bloco de madeira compartimentado em planos bem definidos, o que vale também para outros exemplos congêneres. Soltar o bloco do chão, mantendo-o apoiado em quatro patas curvas ajudou a mitigar o efeito da fusão da madeira móvel versus a madeira do piso. O uso indiscriminado da madeira somado a perfeita proporção do objeto, aproximou-o da arquitetura de interiores. Como este sofá tem um caráter majestoso, graças ao domínio de sua simetria, qualquer outro móvel lateral prejudicaria sua integridade, assim Wright inventou o melhor toque original: suas finas abas laterais. Estas flutuam em balanço, servindo como mesas laterais e aparador na parte do encosto. Com esta expansão do móvel englobando a totalidade do espaço ficou abrandado seu perfil protagonista. Como apagar a tensão das grandes superfícies planas do carvalho? – Frisos de arremate e frisos ornamentais dão a volta sem chamar muito a atenção nas quatro faces do móvel, eles ajudam a atenuar o impacto do peso e da estaticidade do objeto. Em tudo que fez, Wright trabalhou por tornar a parte separada numa continuação orgânica do todo sintetizado. Afinal, na criação da qualidade pura importa mais o aperfeiçoamento lento e contínuo que as boas idéias. Um recado final, não se deve exigir dos móveis de Wright um conforto compatível com os modelos atuais de ergonomia. Em sua época vivia-se com decoro e elegância, importava mais a formalidade que a entrega total do corpo à preguiça sonolenta. Mesmo jovem, quando projetava as casas de Oak Park, havia em sua consciência a propensão em criar um estilo com suas equivalentes leis de perfeição, universalmente válidas, para obras de sensibilidade e da fantasia.
Sala de Estar - Robie House – 1908
ROBIE HOUSE – 1908
Ode à horizontalidade e à leveza, predomina a linha alongada e a integridade dos materiais construtivos, superposição de baixos volumes reafirmados por frisos bem demarcados. As poucas linhas verticais da fachada não chegam a impressionar no equilíbrio geral. Nada aqui desestabiliza o potente vetor do horizonte. Até o tijolo de terracota é mais fino que o convencional. Das tantas habitações particulares projetadas por Wright durante setenta anos, a Robie House está em destaque pela harmonia, perfeição e sutil monumentalidade classuda. Uma mansão sombreada por beirais oscilantes, escondendo a ostentação num confortável ritmo de claros e sombras muito bem orquestradas. 
Se me perguntassem o que há de inédito na famosa Robie House, diria: tudo! Nascida em 1908, era uma data demasiado precoce para ser encarada como autenticamente moderna. Como todo primórdio, estava no meio do caminho entre dois extremos, guardava todavia vínculos com o esgotado passado acadêmico recente, mas já dera um passo a frente do movimento Arts and Crafts inglês, não era todavia madura o suficiente para atender os exigentes desafios que viriam à luz uma década depois no seio da vanguarda européia. A Robie House é dinâmica de um lado, e do outro todavia recessiva. Correspondia a mansão de um bom burguês com hábitos moderadamente aristocráticos. Três dependências para empregados, um senhorial salão de jantar separado, sala de jogos e bilhar como numa casa abastada do Século XIX. 
As quatro fachadas diferentes entre si querem dizer algo que merece exame aprofundado, quiçá sejam o início de uma reflexão anti-simetria congelada. O que por certo não é simples. Supõe o princípio do relativismo. O edifício deixou de ser mera criação do espírito, passando a estabelecer um contato de toma lá da cá com a paisagem envoltória e a cultura do lugar; o que por si, só tende a ser bastante moderno. A liberdade de o sujeito interpretar individualmente o que acontece ao seu redor (fenomenologia) e em seguida tirar partido dos resultados, colocando partes deste raciocínio arquitetônico no projeto. O resultado da colagem oferecida ao que contempla a forma girando ao redor dos planos frontais será bastante instigante e rico. Nunca se enjoa nem se cansa de investigar seus ricos efeitos espaciais. Isto sem contar a sofisticação dos detalhes e do mobiliário inteiramente desenhado por Wright.
Um curioso plano em balanço impõe o contrapeso ao tranqüilo equilíbrio organicista, ousado e proeminente para os padrões da época. Ele recobre o terraço junto à sala de estar, telhados leves e pouco inclinados funcionam sem clamar por protagonismo. Era o prenúncio da desmaterialização em arquitetura, que na Farnsworth House de Mies van der Rohe chegaria a seu máximo limite, apenas esqueleto e pele transparente. Wright amava as sutis saliências adornadas por marcadores, porém não apreciava tanto as transparências envidraçadas como seus pares de profissão. 
Fachada dos Fundos da Robie House
É dada a partida para a nova era, a legislação estilística ordenou impositivamente a todos os arquitetos - não mais criar o ambiente construído de fora para dentro. Depois de terminado todos os ajustes formais no projeto, não importava muito o quão estranho se parecera o edifício visto desde a rua. À partir desta moderna formulação interiorista, foi estabelecida a nova lei de que doravante deveria comandar todo o conjunto arquitetônico a lógica dinâmica do espaço interno interligado num fluir sem fim. Note-se que existem três escadas unindo os pavimentos. Exteriormente a Casa Robie corresponde a embalagem de uma idéia de estrutura marcada pelo pensar funcionalista, ou mesmo de uma composição de volumes interiores justapostos de acordo com a filosofia da linha de montagem concebida por engenheiro industrial. O proprietário desta casa era fabricante de automóveis. 
A fachada áspera dos fundos da Robie House é a que mais conseguiu influenciar a arquitetura holandesa da época de Berlage e depois dos Neo-plasticistas, para enfim concluir a pesquisa da nova plástica com Mies van der Rohe e suas casas de tijolos aparentes dos anos vinte na Alemanha. Pelo visto não houve da parte do arquiteto vontade de atenuar o impacto do resultado tenso e desigual. Um século depois, o mundo continua realizando casas com esta radical noção de liberdade formal. Cada pavimento tem sua forma própria, e os cômodos revelam-se com suas aberturas particulares. Os vãos das janelas corresponde ao uso que ocorrerá em cada área. A forma externa segue a risca a funcionalidade interior. Se Le Corbusier foi o mestre da planta livre, Wright entrará para a história como o mestre da livre associação de volumes.
WRIGHT E O COMÉRCIO
A. D. German Warehouse - Richland Center - Wisconsin 1917 - 1921
A. D. German Warehouse é o único edifício projetado por Wright localizado na cidade onde nasceu. O imponente exterior, feito a base de terracota exposta, sobreviveu a inclemência do tempo, a mesma sorte não agraciou contudo o espaço interno que acabou se desfigurando como loja de departamentos gerais. Projetado em 1917 e concluído quatro anos depois, a loja resiste à crítica. Durante todo este tempo, a sorte do edifício mudou radicalmente graças aos vários proprietários e funções discordantes. Recentemente até se cogitou transformá-lo em teatro ou museu. Um grande edifício público dotado de planta-livre, sólida estrutura de concreto armado e amplos espaços internos adapta-se de fato a qualquer função. Isto porque existe impresso em seu caráter imagético uma idéia eterna de monumentalidade e adaptabilidade cívica. De fato, até poderia ser um templo, ele tem algo do Unity Temple de Chicago, também projetado por Wright uma década antes. O edifício é circundado por minúsculos detalhes contrastantes ao impositivo prisma de tijolos. Wright empregou sua arte para torná-lo menos pesado através de sutis escalonamentos e assimetrias. Não ficou bem claro porque Wright escondeu o interior, vitrines desde sempre vendem mais, e neste caso a vitrine é pequena e bem discreta. Um tema como este deve ser estudado por camadas. Como um polígono de significados superpostos. Nichos crivados por raciocínios de diversas naturezas. O volume é fechado como uma fortaleza que está atravessada apenas por finas incisões de luz na fachada plana. Ao arquiteto, ainda dividindo seu tempo entre o Japão e uns poucos trabalhos americanos, deslizou nos seus sonhos de projetista as várias formas de resistência que impediriam o esplendor degradado da abarrotada loja de departamentos. Por fim, na plataforma mais alta, onde repousa o largo entablamento decorado, que representava para Wright como que o coroamento de uma colina verdejante, vamos encontrar a grande lição figurativa de todo o conjunto. 
 
Motivo Ornamental Dominante na Coluna e Platibanda
Espaço Interno da Loja visto de fora através da Vitrine
MIDWAY GARDENS 1913-1924
Fachada Frontal dos Midways Gardens
A rica e triunfante cidade em que Wright formou-se, e escolheu como ponto focal de sua atividade profissional, soube inovar a arquitetura moderna em mais de uma vez desde o surgimento da Escola de Chicago. Não imagino em nenhuma cidade européia um empreendimento com tanta ousadia formal e cuidado na composição do detalhes. E pensar que só duraria cinco anos. Wright comenta o projeto: “Tentava remontar aos princípios essenciais, à forma pura de cada coisa; alvenaria tecida com belíssimos desenhos, materiais genuínos, técnica eficazes. Introduzi a pintura e a escultura para elevar o conjunto até ao reino do Espírito. Uma síntese de todas as artes que englobam também os jardins e que não deviam ser simples cenários. Wright estava com seu filho em Chicago acompanhando as obras de Midway Gardens quando um empregado de Taliesin sofreu um surto psicótico, matou sete pessoas e ateou fogo à casa. Desde a fuga para a Europa em 1909, ocasião em que Wright abandona a primeira esposa com seis filhos e segue seu surpreendente destino, carregando a amante também casada, esposa de um cliente, será alvo de uma aterrorizante série de fatalidades que poria um homem comum em paralisia e depressão. Wright inquietou-se como era de se esperar com os revezes da sorte, mas o sofrimento do gênio é diferente dos sensíveis homens comuns extremamente ligados às ocorrências familiares. A tensão do gênio advém do encontro com o objeto do poder, o sonho máximo materializado, o vazio do encontro, uma verdade que se desloca sem jamais estancar. ”Só há no mundo um heroísmo: ver o mundo tal como é e, ainda assim, amá-lo”, Romain Rolland. A negatividade do particular jamais abalou a felicidade cósmica e a convicção de Wright quanto a seu papel de líder e criador universal. Sua resignação às pequenas tragédias recordam-se à do general em campanha. Midway Gardens tinham um programa original quando de sua criação. Foram projetadas como grande restaurante e casa de shows para serem usados no período de verão. O espaço principal era o grandioso átrio central ao ar livre abrigando o restaurante em frente ao pavilhão semi-circular da orquestra. Faceados pela orquestra e terraços cobertos laterais. Seria demolido quando da proibição da venda de bebidas em 1929. Junto ao Hotel Imperial de Tóquio correspondem a um dos grandes prejuízos culturais impostos a arquitetura moderna. 
Perspectiva Aérea mostrando todo o conjunto dos Midway Gardens
Corte Transversal
ESCULTURAS
Escultura Criada por Wright
Estes são os últimos exemplos relevantes na arte de fundir artes num mesmo local público. A escultura posicionada na estreita linha final de um tempo findo, porém esboçando sinais imprecisos do próximo segmento, exige uma teoria especifica. Perguntas novas começam a insinuar-se, as antigas cessam de ecoar. A transição estrutural mais complexa entre a arquitetura total, incluindo a junção na construção da escultura pensada exclusivamente para ela, a pintura mural fortalecendo os átrios, o ornamento ampliando o caráter cívico do monumento, a decoração com toda sua graça fácil, todas estas áreas em direção a uma outra, de estilo abstrato e purista, só começaria a ocorrer em larga escala na década de vinte. A junção de Wright e o Iannelli se deu acidentalmente. O escultor, nascido na Itália, e vindo como imigrante à America com dez anos de idade, viveu em Chicago a maior parte de sua vida. John, o filho de Wright, conheceu Iannelli na Califórnia e o pôs em contato com o pai que estava projetado em 1913 Midway Gardens. A parceria dos dois, embora efêmera, rendeu bons resultados. Wright desenhou, e o escultor Alfonzo Iannelli (1888-1965) esculpiu um conjunto de relevos e esculturas especificamente para completar o conceito ornamental do mestre. Terminada a obra, os dois jamais voltaram a trabalhar em parceria. Wright tomou a si todo o mérito do empreendimento, considerando Iannelli um mero artesão a serviço do patrão. O que não é totalmente inverdade. Em casos como este, a escultura perde muito de seu caráter de obra de arte em pleno gozo de sua autonomia. O exemplo de escultura criada independente do lugar no qual será colocada é bem recente. Desde sempre, escultores trabalhavam em harmonia como o edifício. Culminando com o início da Renascença, e o florescimento na noção de artista individual no Romantismo, as artes plásticas partem para uma plena carreira solo já no Século XIX. Daí em diante o encontro entre as diversas modalidades de arte comandado pelo arquiteto será sempre tenso. Pelo conjunto de imagens mostrados aqui, é bastante óbvio que o mérito maior é de Wright. A forma, a idéia, a proporção, a matéria eleita, os motivos figurativos, ou seja, quase tudo na realidade destas esculturas, é fruto do gênio do arquiteto que pensou a escultura como um componente ornamental da arquitetura; não pensada para ser contemplada separadamente.
Conjunto de Esculturas implantadas em Midway Gardens
Passemos em revista alguns dos personagens ambíguos de Wright: uma escultura que poderia ser ornamento, ou um ornamento não muito claro que às vezes se vê como decorativo. As esculturas de Wright aproveitam-se dos meandros estruturais da transição entre um espaço e outro para mostrar-se por inteiro. São figuras devotas ao arquétipo de coluna, praticamente predomina a dimensão vertical; largura e profundidade contam pouco. A tradicional sinuosidade dos volumes escultóricos foi trocada pela superfície trabalhada em contido baixo-relevo. Como se o arquiteto não quisesse deixar-se levar pela liberdade que o novo meio expressivo lhe proporcionasse. Na há rodeios nos motivos figurativos, tudo é muito direto. A figura mistura-se ao plinto formando um todo integrado. No trajeto a coluna torna-se muda.
A passagem da base ao corpo figurativo é discreta.
Wright foi um arquiteto completo, porém existiu nele um forte sentido de hierarquia. Em primeiro lugar vinha o espaço, logo em seguida os volumes, a estrutura, os detalhes, ornamentos, etc. Nesta ordem, nenhum componente menor deveria rivalizar com sua orgânica noção de harmônica totalidade. Devemos sentir sua obra tão perfeita como uma intocada floresta. Nenhum ruído incomoda sua fusão pacifica. 
HOTEL IMPERIAL DE TÓQUIO
“O médico enterra seus erros, mas o arquiteto apenas pode aconselhar 
seus clientes a plantar trepadeiras” Frank Lloyd Wright.
Fachada Frontal do Hotel Imperial de Tóquio 
Antes de tudo, cabe avisar que a novidade ficou por conta do contraponto: tipo clássico em contraste que ornamentação abstrata moderna.
Um componente da grande arquitetura pode ser julgado sob duas óticas: de acordo com as leis estéticas que a criaram, forma e artesanato, antes de tudo; ou como correspondência às ideologias de cada época. Se avalio o Hotel Imperial sob a lupa da moralidade revolucionária, apregoada pelas vanguardas dos Anos Vinte do século passado, meu raciocínio será guiado por uma forte reprovação, outrossim, se julgo o mesmo fato apenas pelo critério universal da beleza, direi sem hesitar: admiro o resultado como originalidade, perfeição, arroubo plástico, completa harmonização entre os elementos, em resumo, digo que este edifício é exemplo da mais aperfeiçoada beleza. Na verdade, o resultado de nosso olhar sobre a história da arte depende dos andaimes teóricos que serviram de suporte em nossa escalada crítica. Eu, mais especificamente, como aquele que agora examina a arquitetura de Wright, não tenho a menor simpatia pelos teóricos éticos da arte, principalmente estes de tendência sociológica, cujo interesse maior é atribuir valores ao papel pedagógico do belo sobre os pobres desvalidos; e reafirmo minha visão sempre sobre os critérios estéticos da arte pela arte, livre e acessível a quem por ventura se desprenda dos preconceitos e se disponha a contemplar seus atributos físicos transfigurados com inteligência suprema. Assim sendo, admiro os documentos sobreviventes da existência de uma obra de altíssimo nível, mas que, desgraçadamente, foi demolida porque não atendia mais aos parâmetros funcionais dos proprietários; fato ocorrido no final dos Anos Sessenta. Grande perda para o patrimônio da arquitetura.
Durante seis anos (1915-21) Wright lá permaneceu no Japão, muito próximo da enxurrada desafiadora, desenhando e acompanhando no canteiro a execução de seus intricados pormenores construtivos. O famoso letrado biógrafo italiano de Wright, Bruno Zevi, o maior dos propagandistas do organicismo na Europa, pelo que li agora, não soube bem como descrever sua experiência ao estudar o Hotel Imperial de Tóquio. Zevi era um militante, para que seus ajuizados não terminassem em trágicos desapontamentos, preferiu repetir as justificativas do próprio autor, diz Wright a propósito do estilo: “Perguntei-me porque não tornei a obra mais moderna. A resposta é que no Japão existia uma tradição digna de respeito; senti o dever e o privilégio de obrar de tal modo que este edifício pertencesse o mais possível aos japoneses”. Depois de amplas aberturas para o novo, no começo do século nos Estados Unidos, Wright surpreende, reaparecendo com uma simétrica e engessada planta neo-clássica. De forma mais ou menos óbvia, foi feito o que o cliente esperava, de maneira pouco convincente, o arquiteto dilapida todos os seus dotes criando cada quarto de um modo original, fazendo inclusive ecoar no Japão fragmentos do expressionismo germânico. 
Planta do Hotel Imperial de Tóquio 
No que diz respeito a idéia de estrutura e a ordenação dos grandes volumes, o projeto do Hotel imperial correspondia aos padrões clássicos estudados em manuais de ensino de arquitetura. Wright não os ignorou, em contrapartida investiu no que mais sabia fazer – criar espaços internos espetaculares e cheios de liberdade compositiva. 
Suíte Frank Lloyd Wright
Reconstrução de um dos Quartos do Hotel Imperial
LOBBY
Hotel Imperial de Tóquio
Gostaria de introduzir o conceito de Lobby neste ensaio como aquele estudioso que se recusa a aceitar a preponderância da funcionalidade no lugar onde se exige antes de tudo a exuberância cênica. Ninguém vai a um hotel imperial em Tóquio para ser tratado com amabilidade e conforto. A funcionalidade, cujo papel é apenas servir aos requisitos práticos, é a inimiga número 1 da beleza majestosa. Portanto, não poderá jamais guiar a mão do arquiteto de um grande hotel. 
O lobby possui em simultâneo as qualidades de um início e fim cerimoniais, é também o coração, enfim, é tudo. Encarna o lobby os máximos valores do viajante de luxo. É a sala de visita da celebração de uma coletividade, o estar de todos e de ninguém em particular. Toda arquitetura monumental acontecida no coração do espaço é um engodo, se vista pelo cego arquiteto funcionalista. A vocação a verticalidade precisa ser tratada com respeito e técnica ornamental. Pé-direito triplo, panóptico, luz cortante descendendo de enormes janelas altas, mezaninos, ornamentação total, pontuações graciosas, mobiliário artístico, ponto de fuga localizado no fim do eixo longitudinal, como um altar ao viajante cheio de expectativas. Ver e ser visto, encarnar o congraçamento, eis o que deve promover o espaço religioso do lobby. 
CASA ALINE BARNSDALL
“O turco cava um poço para salvar sua alma”, citado por Anton Tchekhov
Quando chegou à Los Angeles, já pertencente ao melhor da elite de arquitetos mundiais, Wright teve plena condição de mais uma vez improvisar sua intuição criativa sobre a arte pré-colombiana. Houve quem falasse do cruzamento de motivos característicos da região californiana com reminiscências de formas Maias. Sua imensa predisposição para o trânsito em solo arriscado impregnou a maioria de suas casas neste estado cinematográfico. Enquanto esteve no estrangeiro, o arquiteto Rudolph Schindler e seu filho Lloyd Wright acompanharam de perto a execução meticulosa dos projetos mais complexos. A casa só foi concluída em 1921.
O que dizer de uma cliente amante tanto das Romanças californianas como do teatro? Pois esta senhora devota de quimeras românticas esperava do arquiteto algo parecido a uma livre transfiguração de cenários dramáticos, traduzidos a seu caloroso e rico mundo doméstico. Aline acabou por apelidar sua casa com o lírico nome de Hollyhock (rosa malva) e pediu que essa flor fosse a animadora das decorações luxuriantes em toda parte. Aline Barnsdall era uma rica herdeira do ramo petroleiro. Encomendou seu projeto de casa em 1917, quando Wright se encontrava no Japão realizando o Hotel Imperial. De passo temporário pelos Estados Unidos traçou em rápidas linhas o que viria a ser uma de suas principais obras. A partir de então, não teve mais oportunidade de acompanhar as minúcias da construção. Referia-se a ela de modo peculiar comparando-a com metáforas musicais: “A sinfonia é um edifício de sons. Sentia que a arquitetura não só podia, mas devia adquirir um caráter sinfônico. Porque não fazer de modo a que resultasse como uma romança californiana? Para além da linha reta e do plano horizontal, utilizei um terceiro elemento bem definido: o ornamento integral”. 
Pelo exterior introvertido, arranjado ao redor de um pátio gramado central, é difícil decodificar o que ocorre no interior da Casa Barnsdall. Trata-se de mais um modelo complicado para os fotógrafos. As paredes externas estão levemente inclinadas verticalmente em 85 graus, perfil que a faz aproximar-se da intuição popular da arquitetura Maia. O esquema geral de distribuição dos cômodos obedece a forma de um “Y”. A presença da água circulante é vital para sua aparência, está presente em várias figuras arquitetônicas dentro e fora – canais que penetram o interior, espelhos d’água espalhados em vários pontos estratégicos
e uma piscina centralizando uma espécie de anfiteatro no jardim. A água atenua o peso senhorial dos volumes sólidos em diversas alturas, a tonalidade do edifício segue fiel ao areia, a massa edificada implantada em solo árido dialoga com a atmosfera do ambiente.
Impressiona a percepção a quantidade de galerias internas e externas convidando os moradores a uma permanente interação com a paisagem. Para o espaço interno o arquiteto desenhou todos os móveis e pormenores funcionais, não poupou aplicar seus ornamentos exóticos em abundância. O ponto alto da composição encontra-se na sala de estar de pé-direito alto, é a prismática lareira contendo na face uma impressão ornamental em baixo relevo, lembrando motivos de arte abstrata. No caso deste espaço também vale a pena mencionar os vitrais sob a clarabóia no centro da sala. Uma vez mais a coloração natural do talento de Wright o dirigiu a buscar no próprio lugar referências que o inspirassem a uma solução original. Conquanto fizesse constantes alusões à história universal da arquitetura, predomina sempre uma flexibilização organicista no conjunto. 
Vista do Pátio interno, ao fundo a Sala de Estar
Através da planta e de uma vista aérea já dá para perceber o enorme desafio enfrentado por Wright. O terreno era imenso e a casa precisava abarcar uma parcela dessa imensidão, do contrario ficaria perdida. Resultado, ampliar o núcleo habitável com pérgulas, pátios fechados laterais, plataformas que permitissem como braços que se ocupasse o máximo possível a extensa topografia sinuosa sem contudo se parecer a uma mansão; o que de fato era. Indico o estudo dessa casa aos que precisam criar um casarão ambíguo, driblar o mau-gosto disfarçado de luxo. 
 
Planta-baixa – Casa Barnsdall
LA MINIATURA – CASA MILLARD 1923
O projeto da Casa Millard merece especial atenção do estudioso por se tratar de um modelo bem próximo dos vanguardistas europeus. A relação entre o volume compacto e pequeno somado à verticalidade, uso dos blocos de concreto modulares resultando numa imponência canônica faz com que seu conceito possa ser empregado em acordo com a produção em série. 
Dos 4 grandes mestres da arquitetura moderna, Wright é por certo o mais adequado a ser examinado quando o tema exigir a compreensão da essência do funcionalismo no Novo Mundo. Diferente de seus três colegas europeus, nascidos em ambientes de longa tradição acadêmica e farta cultura clássica envoltória, Wright era um homem de origem rural, base humilde, autodidata, mas com descomunal ânsia de liberdade e vontade de crescer como erudito, e construir a sua volta um território perfeito de beleza e ordem racional. Sua biografia atesta o indômito desejo de reviver em plano burguês médio o que sua ingênua intuição romântica pensava do grande mundo da arte, que poucos anos antes havia desaparecido em detrimento da industrialização. Seu país fora formado por imigrantes em fuga, disso não podemos esquecer. Para este estrangeiro miserável, vítima de seculares humilhações, a simples menção de uma classe nobiliárquica por perto voltaria a despertar ódios e desconfianças. Contudo, o problema da raiz cultivado no velho mundo não poderia ser esquecido facilmente, eram muitos milênios de tutela aristocrática sobre a recente sociedade democrática em geral para ser desprezado de um momento a outro. 
Maquete mostrando a parte dos fundos da casa
A cultura ao qual fez parte Wright transplantou urgentemente traços marcantes daquele bravio super-homem europeu, culto e erudito, que nunca se deixou abater pelo mito da praticidade e do utilitarismo industrialista. O europeu moderno seguia fiel a suas base renascentistas e humanistas. Estes indomados, e agora cultos norte-americanos, patrocinaram um florescimento da beleza em termos práticos e adaptados a nova circunstância. 
O fim da esgotada aristocracia européia prova uma vez mais a incapacidade de um forte grupo social de manter-se para sempre em contínuo e firme progresso. Atingido seu apogeu estético, o homem superior despencou como uma imponente águia morta em pleno vôo; estatelou-se para uma longa e sem graça vida aprisionada pelos valores existenciais e informais da classe vitoriosa. Os valores esnobes na nova classe rivalizavam com os velhos padrões artísticos apoiados no artesanato. Hoje, com o predomínio dos governos democráticos, perdemos aquele sentido global de ordem, amadurecido durante milênios pelos europeus – conhecido como a cosmologia da nobreza. Daqui em diante seriamos todos uns danados habitantes da precária incultura, educação massificada e, para piorar, da desagregadora miséria simbólica. Um transeunte da indiferença a flanar sem direção certa esperando um dia conquistar o tão ansiado paraíso da mediocridade. Com o fim do Antigo Regime, efetivou-se finalmente o projeto dos Iluministas. 
Wright contudo foi um arquiteto extremamente positivo diante da pressão promovida pela realidade adversa, nunca se deixou convencer pelo terrível discurso empobrecedor de seus pares modernistas europeus. Quando projetava um edifício, pensava logo como se este fosse uma encarnação dos melhores tempos da arquitetura antiga, jamais eliminou o ornamento. Vejamos um bom exemplo deste fenômeno. A casa da viúva Senhora George Madison Millard, 1923, Pasadena, Califórnia. Ela foi criada como um pequeno palácio privativo voltado a representar o gosto sofisticado da cliente culta, uma colecionadora e comerciante de livros raros e móveis antigos. Wright já havia projetado anteriormente uma residência em Chicago para o casal.
“La Miniatura”, como ficou conhecida depois, encontra-se numa insólita localização, incrustada no fundo de um íngreme barranco, completamente imersa em denso arvoredo. Foi a primeira casa desenhada na Califórnia com blocos de concreto estrutural adornados com textura em motivos geométricos. A entrada situa-se a meio nível de um compacto bloco com três andares. O último piso contém a suíte principal e o mezanino, é lugar da casa que mais se parece às experiências de Le Corbusier realizadas no mesmo período. Deste piso se tem acesso ao terraço jardim um pavimento acima, e ao terraço lateral sobre a edícula contendo a garage. Como era de se esperar, Wright gerou uma composição com dois volumes (o principal e uma edícula), um espaço intermediário e uma ponte conectivo. Para os seus padrões normais, a casa em um só volume corresponderia ao modelo clássico que sempre quis evitar. O arranjo dinâmico nos blocos de concreto criando todo o gênero possível de ricos efeitos superficiais põe em destaque o forte caráter decorativo da superfície. 
Planta do nível superior com a suíte e o mezanino
Piso intermediário, a sala de estar contem pé-direito duplo e mezanino. Ficou patente a determinação do arquiteto em explorar os limites do plano e do ângulo reto neste recinto. Pelo visto não gostou do resultado, não voltaria a trabalhar futuramente com a área de estar tão pura e vertical. 
CASA CHARLES ELLIS 1923
 Palácio do Rei babilônico Sargão II com um Zigurate na parte mais alta
Argumento: descomunal energia social empregada na arte primitiva pelos reis conquistadores. Tudo nela é grandioso e aflora de uma cava e pura sinceridade mítica. Com os deuses é prudente guardar solenidade. Em contraposição, na arte do clero e dos nobres pós renascentistas aparece algo novo: a técnica insistente e progressiva, oriunda de uma nova riqueza (mercantilismo). Esta arte se humaniza e começa a conhecer a si mesma como incipiente ciência. Cresce o conhecimento objetivo, diminui a espiritualidade sintética. Já não veremos o reflexo de intensos sentimentos religiosos coletivos, nem da magia triunfante. A arquitetura moderna tentou restaurar no homem positivo a dimensão abstrata do primitivo sem muito sucesso. Expressão consciente no lugar de uma congelada técnica representativa. No Século XX a arquitetura que relê o monumento antigo tornou-se o alvo difícil para especialistas.
O tema que me instiga a escrever este

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