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I Iie 'e 5. rd 0- 0- n. m o: lf- IS: n- I I l 7 Maria Montessori: a criança e sua educação Benoit_ Dubuc Resumo "A educação como ajuda para a vida": todo o programardl.\ca~ivo das escolas Montessori está contido nessa expressão. Maria }v1o~t_e~s~;i, i-definiu a criança como a fonte do seu desenvolvimento, como a primeira pessoa empenhada ativamente na construção da sua personíllídade; assim sendo, o adulto e o docente são ajudantes para o seu crescimento. É também partindo de suas observações realizadas com crianç~s e da consideração dos estágios do seu desenvolvimento que Maria Montessori pensou a organização da élasse e o ato educativo: a primeira 9 planejada à IÍ/ medida da criança, no que se refere à sua organização física.5 di_dática;;D segundo responde a uma finalidade de educação intelectual, aíetiv~, social' e universal, integrando o duplo modo das atividades individuais e coletivas. O ato educativo de Maria Montessori visa assim o acompanhamento ao desenvolvimento da individualidade infantil visando uma obra maior, ou seja, a obra da vida e da vida humana no universo. Pedagogias e pedagogos do século XX Introdução Se uma abordagem educativa estimula as crianças sem re<:n-...".. ao seu espírito de competição; se ela permite aprender a escr ler e a contar perfeitamente em tenra idade; se ela abre as para a descoberta das leis que regem o mundo; se ela forma peito pelo trabalho, à reflexão, à disciplina pessoal, mantendo forços de responsabilização; se essa abordagem atinge esses vos num quadro essencialmente respeitoso à criança, não ==- mos nós na presença de uma proposta entusiasta para reo nossa ação educativa, na aurora do século XXI? É o que re:lll..:;.~ Abordagem Montessori_ desde 1907; mas foi apenas há uma ção que se vislumbrou todo o seu potencial e ela começou a senvolver pelo planeta, por toda parte onde reina a demo "- A educação é a ajuda para a vida! Essa é a exclamação de Montessori a respeito desse grande tema. Mas a vida de quen:;.- criança, claro, nas suas diferentes manifestações. E por que ajuda? Porque, como todo mamífero, o filhote do homem niicr ser deixado a si mesmo quando nasce; deve ser acompa longo de todo o seu desenvolvimento. Por extensão, a cri - motor principal desse desenvolvimento e é de apoio que ela para se construir a si mesma. A criança, por quem a vida se expressa, procura ávida e mente desenvolver-se. Deixado ao acaso, esse crescimento um grande risco de logo ser desviado, tanto nos planos físi to psicológico. Os conhecimentos atuais permitem promo quadamente o bem-estar físico, mas ocorre o mesmo quan ta da saúde psicológica? Essa é a questão à qual Maria M,,.....,,. -~consagrou a vida. Procurou a melhor maneira possível de criança a se desenvolver positivamente em todas as suas diIJ=~ Ela o fez de modo científico, isto é, observando a criança rentes situações e em diferentes etapas da sua vida. Fez da 00-"'111 uma ciência, não só porque procedeu por observação, mas - estudou diversos ambientes de desenvolvimento, nos quais riu a criança. Aqueles ambientes que permitiam à criança tar-se segundo o que há de melhor na sua natureza em um Imm:~ preciso do seu desenvolvimento, captavam a atenção e o da pesquisadora. Seus trabalhos resultaram assim em um sistemático de educação, mas principalmente projetaram da própria natureza da criança (STANDING, 1972). ! : ;;.- ~- ic f Maria Montessori: a criança e sua educação Maria Montessori é contemporânea de Freud, que definiu as eta- pas do processo inconsciente do desenvolvimento afetivo da criança. Na Abordagem Montessori, encontramos essa dimensão mais ou me- nos consciente do desenvolvimento. Para Maria Montessori, ela se manifesta no esforço da criança para assumir o seu potencial, verifi- cável a cada etapa do desenvolvimento. Entretanto, não é sob o ân- gulo da libido que ela explica esse esforço vital da criança na realiza- ção da sua verdadeira natureza. Ela chama esse processo de "norma- !ização", conceito que discutiremos depois. Inspirada em Bergson, Maria Montessori (1991a) enfatizará quanto o "impulso vital" pro- pulsa a criança pequena na vida, guiada por aquilo que os psicólogos do seu tempo chamavam mnema, esse vestígio do desenvolvimento das gerações anteriores, deixado no inconsciente da criança. No plano intelectual, Maria -Montessori mostrará como a ação e o pensamento da criança podem organizar-se nas condições que respondem às tendências e às necessidades que a natureza deu à cri- ança. Piaget, que foi presidente da Sociedade Montessori suíça, re- tomou O princípio dos períodos de desenvolvimento. Mas ele redu- ziu esse estudo da criança à observação de um organismo em instân- cia de adaptação. Maria Montessori vê, antes, os esforços da crian- ça corno a manifestação de uma personalidade que está se constru- indo a si mesma. A Abordagem Montessori tem ligações com a psicologia con- 'f-temporânea. Toda a importância que Maria Montessori atribui à preparação do ambiente não deixa de lembrar o behaviorismo para- digmático. Entretanto, ela não modela o ambiente para que a crian- ça faça O que se espera dela, mas para que a própria criança encon- tre as raízes da sua natureza. Os aspectos cultural e moral são tão importantes nessa abordagem que é difícil levar mais longe o para- lelo com o behaviorismo. É muito mais com o desenvolvimento da pessoa que um laço filial pode ser estabelecido, pois o respeito à cri- ança e ao seu potencial, presente na Pedagogia Montessori, é uma dimensão essencial da psicologia que foi qualificada de humanista. Se é possível levar mais longe os paralelos, lembremos que os trabalhos de Montessori se submeteram à prova do tempo e do es- paço. Sua abordagem difundiu-se desde 1907 em todos os países li- vres do mundo e ainda hoje, com o enriquecimento dessa pedago- gia, o número de escolas aumenta constantemente. Mas como fo- ram feitas as primeiras descobertas) pliÍie 11 Pedagogias e pedagogos do século XX 7.1 Histórico: a descoberta da criança Maria Montessori nasce em 1870 em Chiara- valle, perto de Ancona, na Itália. Adquire o espí- rito científico pela sua formação em medicina. Termina os estudos com a qualidade de primeira mulher médica da Itália. Trabalha depois com crianças ditas "idiotas". Inspirando-se nos traba- lhos dos franceses ltard e Séguin, trabalhos que traduz para o italiano, elabora métodos baseados na observação. Terá rapidamente um tal sucesso que bom número dessas crianças "idiotas" pode- rão se comparar COlTI as crianças das escolas co- muns. Esse sucesso chama a atenção; e enquanto todo o interesse vai para as suas crianças defici- entes, ela se pergunta por que as crianças normais não conse- guem fazer muito mais do que as suas. Assim nasce a ide ia de estender os seus métodos a to- das as crianças. O episódio seguinte, que sublinha o seu agudo sentido de observação, desvela a sua confiança na natureza e na in- teligência humanas. Quando vi- sitava um asilo para crianças "idiotas", mostraram-lhe jovens pacientes reunidos em uma sa- Ia despojada de qualquer mate- Em um subúrbio operário de Roma, San Lo- .",renzo, confiam-lhe a direção de uma escola. É ali que ela aplicará as suas reflexões e métodos com crianças desfavorecidas mas não deficientes. Ali continuará os seus trabalhos, paciente e assidua- mente. Os resultados que obtém, extraordinários para a época, chamarão a atenção geral, no mo- mento em que a educação de massa se torna uma realidade social. Ela recebe visitas, mas principal- mente é convidada a expor os resultados dos seus trabalhos por toda a parte. Alexander Graham Bell prepara a visita de Montessori aos Estados Unidos, onde ela fará uma demonstração de clas- se na exposição universal de San Francisco. En- tão, solicitam-lhe que participe da implantação de escolasMon- tessori. Elase mostra interessa- da, mas com a condição de ser responsável pela formação dos professores. De todos os can- tos do planeta, candidatos vi- ráo ouvi-la para aprender o seu método. Em 1929, Maria Montes- sori funda a 1\ssociaçáo Mon- tessori Internacional (AMI), que se dedicará à promoção da in- fância e ao seu desenvolvimen- to. Era preciso que uma entidade pudessedefendera integridadedes- Maria Montessori rial ou mobiliário,brincando com migalhas de pão, deixadas ali depois da refeição. Enquanto lhe diziam que essas crianças se com- portavan1 como animais, ela disse a si mesma que, ao contrário, a brincadeira revelava uma in- teligência transbordante. Não dispondo de outros estímulos, essas crianças inventavam jogos C0111 aquilo que tinham à disposição. sa abordagem, pois ocorria que apenas alguns aspectos eram adotados, em prejuízo do conjunto. Isso equivalia a pensar que tratava-se somente de métodos didáticos sem finalidade glo- bal, ao passo que se tratava tanto de uma necessária filosofia da criança quanto da organização de mei- os para responder às necessidades de desenvolvi- mento dessa criança. Maria Montessori: a criança e sua educação A fundadora terá de esquivar-se dos ditado- res que desejavam co-optá-la. Na Itália, escapará a Mussolini, indo para a Espanha, de onde fugirá para chegar à Inglaterra. Hitler mandará queimar toda a sua obra. Como cidadã italiana, ficará em prisão domiciliar na Índia, durante a Segunda Guerra Mundial. Ali, formará vários milhares de professores que estabelecerão a sua marca nesse país. A Abordagem Montessori, ou e.scola da li- berdade responsável, nunca se enraizou em luga- res onde reinasse a ditadura, sob qualquer forma. Sob o regime nazista, fecharam-se as escolas Mon- tessori naAlemanha; o mesmo aconteceu na Argen- tina sob o regime dos coronéis. No leste da Euro- pa, novos projetos surgem depois da queda do muro de Berlim. Maria Montessori reagiu ao horror da guerra convidando as sociedades a trabalhar na constru- ção de uma pessoa nova. Fez a apologia da criança como fonte de esperança, especialmente em uma das suas últimas obras, Education and Peace (Edu- cação e paz) (1972). Essa mensagem foi ouvida no mundo inteiro e continua a sê-lo. Por mais de uma vez, foi indicada para o Prêmio Nobel da paz, an- tes de morrer na Holanda, em 1952. Seus princípios continuam sendo aplicados em muitas escolas, em todos os continentes. Se, em fins dos anos de 1950, restavam apenas algu- mas escolas nos Estados Unidos por influência das ideias do filósofo John Dewey e de seus discí- pulos, hoje contam-se mais de 4.500. No Cana- dá, a primeira escola foi fundada nos anos de 1910, por Alexander Graham Bel! em sua residência de verão em Nova Escócia; ela era dirigida por Miss Fletcher. Há cerca de 200 escolas Montessori no Canadá, atualmente. Nem todos esses estabelecimentos respeitam o conjunto das exigências inerentes ao processo de Maria Montessori, e frequentemente existemuita improvisação. Diferentes ()rganizações paralelas à Associação Montessori Internacional (AMI) surgi- ram com o tempo. AAmericanMontessori Society, a St. Nicholas Society ou o London Montessori Center promovem a Abordagem Montessori de modo interessante, mas não respondem a todas as suas exigências e assim não são reconhecidos pela AMI. Vamos descrever os pnncíplOs que provocam uma tal admiração. 7.2 O princípio básico: acompanhar a criança 7.2. 1 A construção da pessoa Essencialmente, Maria Montessori mostra que "o ser humano se constrói a si mesmo. O adulto, pela sua ação educativa, ajuda a criança no seu es- forço de consrrução; visto desse ângulo, o adulto oferece um serviço à criança. Ao contrário dos ou- tros elementos do reino animal, o ser humano não se desenvolve por instinto, mas em virtude do seu potencial. Como ser humano, possuímos assim o privilégio da escolha, mas é pelo esforço e pelo trabalho que podemos nos tornar aquilo a que a nossa natureza nos chama. Mesmo se esse traba- lho de construção da pessoa é interior, é iniciado a partir de estímulos exteriores. Nesse contexto, o papel do adulto educador é importante, pois este retira os obstáculos no caminho do desenvolvi- mento, garantindo ao mesmo tempo à criança a li- berdade de construir-se. O leitmotiv da Aborda- gem Montessori é "Ajude-me a fazer sozinho!" 7.2.2 As tendências humanas Para que o adulto ajude a criança no seu de- senvolvimento, deve conhecer as características Pedagogias e pedagogos do século XX desta. Maria Momessori determinou tanto as tendências próprias a todo o gênero humano quanto particularidades nos períodos do desen- volvimento. É pela maneira pela qual o ser huma- no satisfaz as suas necessidades fundamentais que as tendências podem ser detectadas. Pela ação, o indivíduo manifesta os fatores que lhe permitem adaptar-se a todas as sociedades. Mario Momes- sori (1957), filho e colega de Maria, insiste que se deve conhecer esses fatores para estimular o es- forço do desenvolvimento, sem entravá-lo. As tendências à orientação, à exploração e à ordem estão entre as primeiras. Em The Secret af Childhaad, Maria Montessori (1986) conta o epi- sódio da mulher com o guarda-chuva. Uma crian- ça pequena se aborrece porque uma senhora não deixou seu guarda-chuva no lugar apropriado. Ela quase exige que a senhora deixe o guarda-chu- va no lugar certo, para se acalmar. Nesse caso, não se trata de um capricho, mas, antes, de uma indicação de que a criança pequena precisa en- contrar uma ordem exterior até que tenha esta- belecido por si mesma a sua própria orientação no mundo. Depois de verificar onde se situam as coisas, a criança vai começar a explorar. Se apren- deu a ler, poderá explorar o que os livros lhe re- velam. Finalmente, se não encontrar uma coisa no lugar onde deveria estar, vai tentar colocá-Ia no lugar designado para ela; por exemplo, se a partir de uma pesquisa, recolheram-se diferentes fatos, será preciso redigir um texto para relacio- ná-los de modo adequado para expressar o co- nhecimento. O trabalho, a imaginação, a precisão, assim como a repetição, são outras tendências huma- nas. O trabalho permite satisfazer as necessida- des por meio da ação. Graças à imaginação, à ação do espírito, o que é inexistente pode ser concebido e tomar forma. É pela preocupação dt melhorar as coisas que se pode ver em ação a ten- dência à precisão do ser humano. Para atingir um mais alto grau de precisão, será preciso, evidente- mente, repetir gestos e esforços. Enfim, há a tendência a comunicar, que, na sua forma geral, cor responde ao amor. Sem amor. a vida humana não é possível. Todas essas ten- dências constituem a cultura como modo de \;- ver dos indivíduos. Além disso, é porque a cri- ança quer organizar, explorar, comunicar, que se pode ver o caminho do seu desenvolvimento. Na classe, o professor deve pois estar atento .à manifestação dessas tendências, para depois re- conhecê-Ias imediatamente, pois elas guiam a ação pedagógica. 7.3 Os períodos de desenvolvimento Bastaria discernir uma tendência para saber que ação educativa empreender? A multidão das possibilidades tornaria impossível a intervenção 'i eficaz. Mas o desenvolvimento humano passa por períodos de sensibilidade particulares, sobre os quais a Abordagem Montessori está fundada. Al- guns pensaram e pensam ainda que o desenvoh'i· mento da criança é linear; segundo essa perspecti- va, o sistema educativo tem como papel exercer uma pressão cada vez mais forte sobre o jovem. para que ele se adapte ao seu meio. Aliás, sabe·se que a criança aprende sozinha a falar, simples· mente no contato com pessoas que falam. Assim,a visão linear não resiste à prova da experiência. Maria Montessori observou que a constru- ção de si não se produz de modo linear, mas por etapas sucessivas, como a metamorfose da crisáli- da em borboleta.O desenvolvimento se estende por quatro grandes etapas, do nascimento aos 24 I 1 1 Maria Montessori: a criança e sua educação anos. Essa ideia de períodos foi retomada mais tarde por Piaget, bom conhecedor da contribui- ção de Montessori. A primeira fase vai do nasci- mento aos seis anos. A segunda, que de certo modo consolida a primeira, começa na idade da razão e termina aos 12 anos, no começo da ado- lescência. A terceira fase, que cobre a adolescên- cia, termina aos 18 anos. Finalmente, dos 18 aos 24 anos o jovem adulto termina o seu desenvolvi- mento. Enfatizamos que as tendências humanas se manifestam ao longo do desenvolvimento, mas de modo diferente segundo o período. Quais são as características de cada um dos períodos? Descreveremos nas páginas seguintes as particu- laridades dos dois primeiros períodos. 7.4 O primeiro período do desenvolvimento: o espírito absorvente Durante o primeiro período, a criança pe- quena procura adquirir uma personalidade indi- vidual. Para isso, ela precisa de um meio protetor e reduzido, porque não pode proteger-se a si mesma. Todos os esforços da criança tendem a atingir a independência física e é por isso que o papel do educador é eliminar os obstáculos para atingir esse alvo. É preciso manter O lactente perto de si, para favorecer o apego necessário à aquisição da con- fiança primordial, ajudá-lo na transição do des- mame para uma alimentação mais sólida e esti- mular a aprendizagem da marcha. Será preciso utilizar todos os canais de comunicação para aju- dá-lo nos seus esforços para falar e apoiá-lo em suas tentativas de participação nas atividades prá- ticas da casa. A principal característica desse período é aqui- lo que Maria Montessori chama de ",:sp_írito ab- sorvente", essa capacidade que a criança tem de assimilar todos os elementos do seu meio como se o seu espírito fosse uma esponja. Toda a pes- quisa contemporânea na psiconeurologia eviden- cia essa plasticidade excepcional do sistema ner- voso da criança. Esta absorverá assim toda a cul- tura do ambiente e, por isso meSlTIO, se tornará chinesa, americana, italiana ou canadense. Durante esse primeiro período, a exploração -i é principalmente sensorial, enquanto no período seguinte será imaginativa. A criança será particu- larmente sensível à ordem exterior. Ela precisa de estabilidade física, de rotinas de vida. Vemos que ela repete os mesmos gestos para chegar a controlar as suas ações tão perfeitamente quanto possível. Ela manifestará uma reação particular- mente sensível à linguagem, que conseguirá do- minar completamente e enriquecer progressiva- mente sem restrição. Mostra-se muito hábil na aprendizagem de uma língua estrangeira nesse período. Fortalecerá a sua vontade em função do meio que frequentar; se as pessoas que a cercam se assumem e são responsáveis, ela reagirá do mesmo modo; se elas são descuidadas, ela tam- bém será. Muitas vezes, dizem que a criança des- sa idade é egocêntrica; é preciso ver nisso a mani- festação de todos os seus esforços para construir a sua individualidade própria. Ela gosta da com- panhia de outras crianças, mas suas amizades são superficiais e ela se mistura facilmente a diferen-, tes grupos; entretanto, prefere agir sozinha. i, A partir dos três anos, a criança manifesta uma inteligência mais interiorizada. Interessa-se por múltiplos fatos assim como pelo nome das coisas. Ela aproveitará um ambiente ampliado, mas previsível e protetor. Estas são as qualidades de um ambiente Montessori para as crianças de três a seis anos: Pedagogias e pedagogos do século XX 1) O ambiente é muito organizado. Cada coi- sa tem um lugar e está no seu lugar. 2) O ambiente é bonito, atraente e convidativo. 3) Nesse ambiente, a criança recebe ajuda nos seus esforços de classificação e de aquisição da linguagem, nomeando as coisas que a cercam. 4) O mobiliário é feito à medida da criança, para que ela possa atingir a independência. 5) A criança pode retomar e reperir atividades. 6) É estimulada a refinar os gestos pela ex- pressão da polidez e da cortesia. 7) Tudo no ambiente está impregnado de lin- guagem. 9) Estimula-se a criança a desenvolver a sua vontade e a sua sociabilidade, apresentan- do-lhe um exemplar único de cada atividade, de modo a reforçar o seu controle de si. 7.4.1 A educação da criança pequena: ajudá-Ia a "fazer" sozinha No lactente, Montanaro (1990) evidenciou as particularidades do período pré-natal e os cui- dados ligados a uma gestação benevolente. Ela sublinhou toda a importância do apego e da sim- biose maternais dos dois primeiros meses, o pa- pel do pai no desenvolvimento da independên- cia, assim como O sentido dos cuidados maternos e o alcance da comunicação. A criança coordena- rá seus movimentos e aprenderá a falar. Três mo- mentos de crise surgirão: o nascimento, o desma- me e a oposição. Todos os três serão ocasião de superação, se o lactente for ajudado a assumi-los. Para a criança de três a seis anos, a interven- ção educativa já é mais organizada, para respon- der melhor às necessidades vitais desse período. Segundo a Abordagem Montessori, reúne-se em um mesmo grupo umas trinta crianças de três, quatro e cinco anos, repartidas igualmente. As mais jovens, curiosas, se inspiram nas mais velhas e se impregnam do ambiente criado. Inserem-se em uma minissociedade que tem suas regras, usos e costumes. Assimilam essas regras e se adaptam ~+perfeitamente. Ao docente, que tem essencial- mente um papel de guia, cabe a responsabilidade de preparar o meio e criar o ambiente inicial, que as crianças reproduzirão por imitação. As crian- ças devem poder mover-se porque têm uma ne- cessidade urgente de fazê-lo nessa etapa da vida. Então, o docente mostra-lhes como mover-se, como deixar uma cadeira ao sair da mesa de tra- balho, como respeitar o trabalho que outra crian- ça arrumou sobre um tapete no chão, como dizer "bom dia" ao chegar e "até amanhã" ao sair à tar- de. Todas essas maneiras de fazer formam as re- gras básicas. Elas são a manifestação concreta de regras de vida e do saber-viver. As longas e minuciosas observações que Ma- ria Montessori fez com crianças pequenas diante do material que lhes era apresentado lhe mostra- ram que as crianças preferiam o trabalho à brin-. cadeira. Efetivamente, elas tendiam a se desinte- ressar dos lindos brinquedos, mas sem interesse para o espírito, e a se concentrar no material que apresentasse um enigma qualquer a resolver, ou que exigisse uma habilidade especial para ser uti- lizado. Para guiar-se, Maria interessou-se pelas possibilidades do material de Itard e de Séguin. Ela abstraiu os princípios inerentes a esse mate- rial, aliás fascinante para as crianças, com o obje- tivo de conceber como sistema todo um leque de '; objetos didáticos. As atividades disponíveis a par- tir desse material foram agrupadas em quatro campos, cada um deles impregnado de elementos culturais: a vida prática, a educação sensorial, a linguagem e a numeração. Maria Montessori: a criança e sua educação Como a criança age de modo mais individual, o docente lhe apresentará as atividades uma a uma, julgando a pertinência destas em função do estado de desenvolvimento da criança. Assim, a classe se transforma numa verdadeira colmeia. Cada criança está empenhada em uma atividade diferente, em geral, da do vizinho. Essa persona- lização não impede as trocas, as atividades de gru- po como o canto, a leitura ou as atividades psico- motoras. Mas haverá um tempo para cada coisa na rotina do dia. Essa rotina dá um caráter previsí- vel ao ambiente no qual está a criança e é isso que lhe permite assumir a sua independência. 7.4.2 A vida prática Quando a criança chega ao mundo, sua pri- meira tarefa é adaptar-se ao seu ambiente, para tornar-se membro do grupo humano ao qual per- tence. Os primeiros elementospercebidos e ab- sorvidos pela criança são os muitos níveis de or- dem estabelecidos na casa. As atividades diárias dos adultos para manter e embelezar a vida da casa, o cuidado com os outros e consigo mesmo, os rituais de acolhimento e de hospitalidade para com os convidados são todos mais fascinantes uns que os outros para a criança pequena, porque eles são belos, lógicos e compreensíveis. Eles dão à criança a segurança necessária para O seu desen- volvimento. Nas sociedades mais primitivas, as crianças pequenas participam ativamente das ati- vidades cotidianas da família. Em nossas coletivi- dades mais complexas e fragmentadas, a riqueza da experiência humana acessível em uma peque- na comunidade coerente lhes faz falta. Evidente- mente, os mecanismos de adaptação estão sem- pre presentes, e os exercícios da "vida prática"" na base do ambiente Montessori, oferecem à cri- ança um leque de possibilidades para adquirir o controle e a coordenação dos movimentos, a sen- sibilidade ao meio, processos de pensamento or- ganizados, hábitos para um trabalho indepen- dente e várias outras características humanas atin- gíveis apenas através de uma atividade espontâ- nea e determinada. Os exercícios da "vida prática" se classificam sob as seguintes rubricas: exercícios prelimina- res, cuidado com o .ambiente, cuidado com a pró- pria pessoa, cortesia e boas maneiras, movimen- to. Para cada um desses campos, o material didá- tico é adaptado às capacidades e às dimensões da criança. Essencialmente, esses exercícios são os mesmos em toda parte do mundo, mas na prática eles diferem segundo as sociedades, pois refletem a cultura da região em que está estabelecida cada escola Montessori. 7.4.3 A educação sensorial Vários nomes foram dados ao material de -,educação sensorial: "Abstrações materializadas", "Chaves do universo", "Caminhos para a cultura" etc. Esse material é de aparência muito simples e completamente satisfatória para a criança. A ra- zão da sua popularidade está no fato de que a criança, se tiver a possibilidade, com ou sem ma- terial especializado, classificará os elementos se- gundo o tamanho, a cor, a forma, a sonoridade, a temperatura, o peso etc. Esse !:'laterial sensorial _Montessori permitirá à criança classificar as suas impressões sensoriais de modo organizado e cien- tífico. Ele é apresentado de modo que permite isolar um aspecto ou uma qualidade enquanto os outros aspectos ou qualidades permanecem cons- tantes. Além disso, cada componente desse mate- rial didático tem um controle de erro intrínseco, Pedagogias e pedagogos do século XX o que ajuda a criança a adquirir o hábito de um trabalho independente, sabendo que o erro faz parte do processo de aprendizagem. Paralela- mente, uma atitude de honestidade intelectual poderá assim enraizar-se. O trabalho com esse material dará à criança uma melhor percepção do mundo que a cerca. Graças à clareza de cada um dos conceitos ilustrados por esse material di- dático, a criança terá uma base sólida para o estu- do eventual da matemática, da geometria, da geo- grafia, da botânica, das artes e da música. 7.4.4 A linguagem Visitantes do mundo inteiro vieram ver as "crianças-milagres" de Maria Montessori. Essas crianças provinham de famílias iletradas e tinham começado a escrever e a ler "espontaneamente", depois de trabalhar com um material muito sim- ples: os encaixes metálicos servindo para contro- lar o movimento da escrita, as letras rugosas usa- das na aprendizagem do som e da forma das letras e o alfabeto móvel que permite dispor as letras na ordem necessária para formar palavras. Quando as crianças de três anos chegam ao ambiente Montessori, sabem falar corretamente. Seu vocabulário é bastante rico e sua gramática é bem estruturada. Seu interesse pela aprendiza- gem da língua escrita é absolutamente natural. Todo educador sabe que a linguagem é algo que a criança constrói ela própria, guiada por um meio de aprendizagem rico e variado. O material de linguagem Montessori foi planejado para isolar certos elementos universais de toda linguagem. Por exemplo, toda palavra é feita de sons torna- dos visíveis por sinais escritos. Em cada língua, as palavras têm diferentes funções e as frases têm uma estrutura centrada na ação. A aprendizagem dessas chaves permite à criança tomar uma cons- ciência melhor da sua língua materna. Aliás, é preciso acrescentar que todo ambien- te foi preparado para enriquecer não só a lingua- gem corrente, mas principalmente a linguagem precisa e variada. As atividades nesse setor são graduadas a partir de uma fase de preparação in- direta à língua escrita, antes que a criança aborde os diferentes elementos da sua mecânica. Parale- lamente, ela aprenderá o alfabeto cursivo e em le- tras de forma, sem encontrar dificuldades parti- culares. Escreverá em cursivo e lerá em letras de forma, pois a escrita precede a leitura na Aborda-. gem Montessori. Dos sons, o aluno passará para as palavras de duas letras (aí), depois para as pa- lavras fonéticas (dominó) e para palavras mais complexas, até aquilo que Maria Montessori cha- ma de "~eituratotal", isto é, a leitura pelo sentido do que está escrito. Geralmente, a criança apren- derá a ler muito bem e muito cedo, sem treina- mento, através da descoberta, do interesse e da superação. Maria Montessori foi muitas vezes criticada pelo seu processo, que parece preconizar a deci- fração, em prejuízo do sentido. Para a educado- ra, não se trata aqui de questão de método, mas, antes, de observação da criança: é ela que dita a sua intervenção, aos três anos ou aos seis. É pre- ciso lembrar que ela oferece à criança de três anos a forma escrita dos sons, o que tem muito sentido para uma criança dessa idade. Por volta dos cinco anos, a inteligência é mais viva, o sentido da palavra ou da frase se torna mais interessante para a criança, que será então apresentada à eta- pa da leitura total. A educadora não preconiza uma tal série de etapas para uma criança que apren- de a ler aos seis anos, porque ela já atingiu uma outra etapa do seu desenvolvimento. Então, as Maria Montessori: a criança e sua educação abordagens mistas poderão responder melhor às suas necessidades. Maria Montessori observou que, antes dos seis anos, a criança tem uma sensi- bilidade particular para a linguagem, não só oral, mas também escrita. 7.4.5 A matemática Talvez o material de matemática seja O mais atraente. Sua simplicidade agrada tanto quanto sua elegância e seu caráter demonstrativo. Antes que a criança trabalhe com esse material, seu es- pírito matemático terá sido preparado de modo indireto por todos os exercícios da vida prática que exigem a aquisição das sequências de com- portamentos lógicos. Do mesmo modo, os exer- cícios de educação sensorial terão servido de complemento de preparação, em virtude da or- dem inerente ao material. Na Abordagem Mon- tessori, a preparação indireta, que age de manei- ra inconsciente na criança e corresponde à sua maneira natural de aprender, é importante. Com , o material de matemática, cada elemento atrai a atenção para um conceito único. Esses conceitos são depois integrados em exercícios que permitem uma compreensão matemática mais avançada. Como para a linguagem, a criança aprenderá por uma série de atividades graduadas: a forma dos algarismos, a quantidade e a ordem nos alga- rismos, os números pares e ímpares, O sistema de- cimal de 10 a 20, depois de 20 a 100, a sequência dos números até 1.000. Do mesmo modo, a cri- ança aprenderá cada uma das operações, com ajuda de objetos que poderá manipular. Assim, quando executar uma operação, a criança pedirá emprestado, reterá, ou transformará literalmente as quantidades. Agrupando as quantidades ou se- parando-as, a criança percebe inconscientemente o jogo dos números. Ela fará assim aquisições fundamentais para o conhecimentomatemático, aquisições que poderá continuar mais abstrata- mente depois. Uma criança conseguirá muito bem fazer as quatro operações aos cinco anos e até mesmo antes, nesse ambiente. Pela numera- ção matemática, é o sentido do rigor que é semea- do em um espírito que o procura. 7.4.6 A cultura Quando entra em uma classe pré-escolar, a criança se interessa pela linguagem tanto quanto explora sensorialmente. Mas mostra-se também muito curiosa em relação ao universo que a cer- ca. Com o material de geografia, a criança toma conhecimento dos elementos do seu mundo físi- co: a Terra é uma esfera constituída de territórios e de extensões de água; os primeiros têm formas características que têm nomes precisos; a reunião dos territórios representa os continentes, enquan- to as extensões de água se chamam oceanos; fi- nalmente, os continentes têm nomes que a crian- ça aprenderá para conseguir distingui-los. Pode- rá assim aprender o nome dos países e de sua ca- pital, e também reconhecer as bandeiras. Entre a multidão das experiências sensoriais que a criança fará antes dos três anos, várias a te- rão posto em contato com as plantas, as flores e -t-0s animais. No ambiente preparado de uma clas- se Montessori, a criança terá a ocasião de explo- rar sensorialmente esseSelementos e aprender os seus nomes. Poderá, por exemplo, dispor de um material que lhe permita distinguir a forma das folhas, as partes da flor e da planta. Adquirirá as- sim a base de uma educação científica posterior. Através de quadros, cartazes e objetos, dife- rentes aspectos da cultura humana são apresenta- dos à criança, para inspirá-la. Ela ouvirá música, o professor lhe contará a vida dos compositores. Pedagogias e pedagogos do século XX Ocorrerá o mesmo quanto à arte e aos artistas. A classe Montessori deve ser um ambiente cultural completo em miniatura. 7.4.7 A arte de educar e sua finalidade: uma "criança normal" Segundo Maria Montessori, o adulto que . guia a criança deve conservar uma posição apa- gada nas suas intervenções. Esse adulto sabe ob- servar a criança e compreender as suas necessida- des básicas, que distinguirá dos seus caprichos. Ele se distancia logo que a criança participa do seu desenvolvimento e, inversamente, não de- monstra nenhuma tolerância para as condutas de descaso. Uma grande parte de julgamento entra aqui em consideração, e é por isso que a ação educativa é uma arte. Maria Montessori (1958b: 41) ressalta: Quando as professoras se cansaram das minhas observações [sobre a liberdade a conceder] elas deixaram que as crianças fizessem tudo o que quisessem: vi algu- mas com os pés sobre a mesa e 0$ dedos no nariz, sem que elas interviessem para corrigi-las; vi outras baterem nos cole- gas e manifestarem expressões de vio- lência sem que elas lhes fizessem a me- _, nor observação. Então, tive de intervir pacientemente, e mostrar com que rigor absoluto devia-se impedir e, pouco a pouco, eliminar todos os gestos indese- jáveis, a fim de que a criança tivesse um claro discernimento do bem e do mal. Algumas linhas depois, ela acrescenta, para tornar as suas palavras mais claras: [...] O dever da educadora [será] de im~ pedir a criança de confundir o bem C0111 a imobilidade, e o mal com a atividade. O que se deveria observar na criança que re- cebe uma educação normal? Para Maria Montes- ~!sori, a normalidade é o que se deveria observar numa criança que encontra um ambiente apro- priado para os seus esforços de desenvolvimento. É em função da sua busca de individualização que pode ser estabelecida a normalidade da criança de três a seis anos. Uma criança normal será capaz de trabalhar de modo independente, respeitando' a ocupação dos outros, de concentrar-se na sua tarefa, de demonstrar o seu domínio das boas ma- neiras; saberá mostrar-se atenta às apresentações que lhe são feitas. Controlará os movimentos do corpo e demonstrará uma certa dexteridade; po- derá agir assim com determinação e controle. Mas, e quanto aos desvios? Uma criança abando- nada a si mesma ou vivendo em um ambiente de- sorganizado e imprevisível correrá o risco de ser caprichosa, confusa e insegura. 7.5 O segundo período de desenvolvimento: as características psicológícas Na Abordagem Montessori, a criança renas~ ce quando do segundo período de desenvolvi- mento. Se a individualidade tomava forma du- rante o primeiro período, é a personalidade so- cial que se constrói dos 6 aos 12 anos. Do nasci- mento aos 6 anos, a criança se adapta ao mundo que a cerca; dos 6 aos 12 anos, adapta-se à socie~ dade e às suas regras. Como se manifesta esse nascimento social? A criança se separa da família, em certo senti- do. Adota os usos e costumes dos seus iguais. Fi~ sicamente, está muito mais forte; fica menos ve- zes doente, pois O seu sistema imunitário se de- senvolveu. Gosta de estar com O seu grupo de amigos e diz-se que a partir dessa idade ela tem o /l!fifftffill'W,,' 'iMiJIJIIJJW[1f{;•. '-' . . _Maria Montessori: a criança e sua educação '#,fMJ ll~ . .. ·#'M'ó,/,'{1, .t!lf!4. ~ . espírito gregário. Mas, de modo mais importan- te, seu sentido moral se refina. Como outros psi- cólogos confirmaram, entre os quais Piaget, a cri- ança começa a viver em função de regras objeti- vas. Em uma primeira fase, terá tendência a criti- car a todos; depois dos nove anos, essa tendência desaparecerá. Durante o primeiro período, a criança explo- rava com os seus sentidos e a partir de dados con- cretos; depois dos seis anos, é pela imaginação que essa tendência à exploração se manifestará. Se a imaginação era simplesmente uma faculdade do espírito, torna-se agora uma ferramenta utili- zada consciente e diligentemente pela criança do primário. Por que ela tem tanta admiração pelo seu professor ou por outros personagens? Ela - tem o culto do herói e segundo ela, seu professor sabe tudo; ele a inspira. Ela gosta de tudo o que é extraordinário. Intelectualmente, é o período durante o qual a criança se torna consciente das aprendizagens que faz. É a idade da razão, e ela gosta de fazer os esforços que o raciocínio exige. Em virtude dessa necessidade, o trabalho deve ser sempre apresen- tado como um desafio; a criança quer aceitar es- ses desafios e dedicar-se a eles com aplicação. É graças a essa aplicação que a sua concentração se desenvolverá. Nas condições adequadas, dará pro- vas de uma capacidade de trabalho constante e prolongado. É nessa idade que o seu sentido de responsabilidade se aperfeiçoará. A criança procura inserir-se na sociedade, adotando as suas maneiras de fazer; mas será ne- cessário proporcionar-lhe o ambiente e as condi- ções favoráveis aos seus esforços de construção. Essencialmente, ela terá necessidade de sentir que alguém se preocupa com ela. Ela precisa de um espaço que ela mesma pode dominar, de uma forma de educação na qual a sua imaginação e responsabilidades relativas ao seu ambiente de vida podem intervir. Porém, mais amplamente, essas crianças precisam de uma ligação com o mundo) com o universo e com o cosmo. Esse é fundamentalmente, segundo Maria Montessori, o centro do seu interesse. Elas apreciam então os passeios ditos educativos, durante os quais terão a experiência direta dos fenômenos do mundo. Qual é principalmente o conteúdo de um programa escolar adaptado às necessidades da criança dessa idade e com essas características psicológicas? A compreensão do cosmo. Maria Montessori dará o nome de "educação cósmica" ao empreendimento de ajuda à vida da criança. Ela diz: o segredo do sucesso reside em interven- ções oportunas e imaginativas, servindo para despertar a curiosidade e estimular o interesse já suscitado pelos textos e pelas figuras acessíveis à criança; mas tudo isso em estreita relação com uma ideia central de inspiração enobrecedora: o plano cós- mico, pelo qual cada um, consciente ou inconscientemente,participa da finali- dade da vida (MONTESSORI, 1991b: 1-2- Tradução livre). No essencial, trara-se de difundir um máxi- mo de ideias interessantes, que serão recebidas superficialmente primeiro, mas que poderão en- raizar-se posteriormente. Que conteúdo satisfará as necessidades da criança ávida de raciocínios, fará apelo à sua imaginação e lhe apresentará muitos fatos extraordinários e inspiradores, pro- porá um desafio intelectual entusiasmante e exi- girá a superação pessoal e a integridade moral? Nada menos que o universo. Muitas vezes, a Abordagem Montessori é confundida com a pedagogia aberta ou com a pe- Pedagogias e pedagogos do século XX dagogia ativa. Se, na Pedagogia Montessori, a 'criança é ativa e o ensino é aberto, existe entre- tanto um programa de atividades graduadas que responderá sistematicamente às necessidades da criança. O universo é ordenado e é essa ordem que é apresentada à criança. Com Maria Montes- sori, vamos tentar mostrar as inter-relações que existem entre as coisas e quanto essas inter-re- lações são previsíveis. A criança que realiza o que quer saber e que aceita uma responsabilidade pessoal como membro de uma sociedade possui os meios necessários para tornar-se um membro ativo da coletividade. Essa é a questão da educa- ção cósmica. Mas como vamos abrir a porta para o univer- so? A criança executará diferentes atividades em função de diferentes matérias, mas estas serão introduzidas no início do ano, por aquilo que Montessori chama de "l;Irandes lições:'. Há cinco grandes lições. A primeira se refere à origem do universo. A segunda à história do aparecimento da vida. A terceira ao aparecimento dos seres hu- manos. Essas três primeiras lições têm por fim centrar a criança na sua condição de ser humano na ordem do universo. Essa questão é particular- mente importante para a criança nessa época da sua vida. As quarta e quinta grandes lições se referem a duas grandes invenções dos seres humanos: a es- crita e os números. Elas têm por função suscitar a gratidão para com os nossos ancestrais, que tra- balharam antes de nós. Todas juntas, elas servem para suscitar a motivação da criança e a lhe for- necer um quadro de trabalho e de descoberta. Mesmo quando não estão expressamente li- gadas a uma lição específica, as atividades perma- necem ligadas de um modo qualquer a essas cin- co grandes lições. Na perspectiva Montessori, o programa não deve predominar sobre a conside- ração das características psicológicas da criança. -! A criança deve permanecer no campo de obser- vação do docente e o programa deve responder às necessidades do seu desenvolvimento. Um en- sino centrado na simples transmissão dos conhe- cimentos perderá eventualmente de vista a sensi- bilidade do aluno e todo o empreendimento edu- cativo se tornará então caduco. Fundamentalmente, a criança se faz pergun- -'. . tas relativas ao espaço, ao tempo e à vida. As três primeiras grandes lições respondem a esses jo- vens "filósofos", transmitindo um sentimento de gratidão em relação às leis, à ordem e à harmonia de tudo o que existe. Cada atividade posterior será centrada sobre uma preocupação mais defi- nida. Entretanto, mais uma vez, em uma discipli- na dada, existe Uln certo número de etapas a se- guir para tornar a aprendizagem inteligível. Por exemplo, se o conceito de fração é ensinado, será preciso primeiro apresentar a dimensão sensorial e concreta de uma fração, em seguida o símbolo que serve para representar a fração etc. As difi- culdades são pois escalonadas e partem do con- creto para o abstrato. 7.6 A perspectiva do programa no primário: a educação para o cosmo Qualificada de cÓs,,!!.cª,a abordagem de Mon- tessori para a escola primária faria referência a alguma forma de esoterismo contemporâneo? Pelo contrário! Se Maria Montessori escolheu esse adjetivo para designar a sua pedagogia, foi antes de tudo porque a criança dessa idade pro- cura compreender o mundo em todas as suas ma- nifestações. Também, foi para transmitir à crian- ça, que se constrói com um sentido moral em emergência, a noção de finalidade profunda que Maria Montessori: a criança e sua educação Capítulo 7 217 amma o universo que a cerca. O mundo físico tem leis, mesmo evoluindo de modo constante; o mundo vivo também tem suas leis, das quais parti- cipa o ser humano. Este está empenhado em uma aventura de civilização desde a noite dos tempos. Durante esse longo percurso, ele soube, pela sua inteligência e pela sua humanidade, fazer progre- dir a sociedade das pessoas. A educação primária Montessori visa assim ajudar a criança a inscre- ver-se no avanço da civilização por essa tele 010- gia. Maria Montessori (1991b: 9) escreve: Já que se sabe que é preciso dar muito à criança, vamos dar-lhe uma visão do uni- verso na sua integralidade. O universo é uma realidade evidente e uma resposta a todas as perguntas. Todos devemos avan- çar no caminho da vida, pois todas as coi- sas fazem parte do universo e estão ligadas umas às outras, para formar uma só uni- dade. Essa ideia ajuda o espírito da criança a deter-se, a deixar de perder-se em uma busca de conhecimentos sem finalidade. Ela encontra satisfação porque encontrou o centro universal de si mesma em ligação com todas as coisas (Traduçáo livre). Na escola tradicional, o programa é estabele- cido em função do regime pedagógico e de um horário severo. A orientação é disciplinar. A Abor- dagem Montessori se distingue dessa perspectiva partindo do fato de que a criança, no começo do primário, não conhece as disciplinas, mas se inte- ressa pela natureza fundamental das coisas. Por suas perguntas, pelas pesquisas que fará, as ativi- dades e exercícios que praticará, aprenderá pro- gressivamente a estruturar o seu pensamento em função dos conjuntos de conhecimentos que os seus predecessores puderam delinear, matérias como a geografia, a história, a biologia, as lín- guas, a matemática e as artes. Na prática, ela pas- sará tanto tempo estudando cada uma das maté- rias quanto passaria no regime pedagógico; so- mente, ao invés de trabalhar obedecendo a um ho- rário estrito, ela aprenderá em função de um pla- no de trabalho pelo qual ela será responsável e a partir do qual ela deverá tomar e assumir as suas decisões. Evidentemente, seu trabalho não se efe- tua em circuito fechado; o docente tem a respon- sabilidade de observar as crianças e determinar os momentos propícios ao estímulo, às novas apre- sentações, assim como à passagem em revista do trabalho já executado. Todas essas intervenções são realizadas diariamente. 7.6.1 A geografia Se considerarmos as diferentes disciplinas, -Ivemos, por exemplo, que a geografia não é ensi- nada como matéria com seus diferentes setores de conhecimento. O interesse das crianças se di- rige para o universo; é por isso que O docente co- meçará por contar a origem do universo (primei- ra grande lição). Esse domínio será depois apre- sentado como uma caixinha de surpresas; todos os elementos que forem mostrados terão uma li- gação com a Terra e seus fenômenos. Temas como a astronomia e a física serão abordados, porque estão em relação com a Terra. Na pré- escola, os rudimentos da geografia foram ensina- dos com grande atenção na precisão da lingua- gem. No primário, o programa evoluirá, para le- var a criança à compreensão da dinâmica dos fe-.,' nômenos. Quando a questão das culturas e seus costumes é abordada no primário, é preciso vi- sar, essencialmente, que a criança possa compre- ender que as pessoas vivem e se veStem em fun- ção do clima, da flora e da riqueza do país. Pela geografia, a criança aprenderá que o mundo físi- co obedece a leis. Poderá facilmente alimentar o seu fascínio pelo extraordinário, pela grandeza e pela ordem das coisas. Pedagogias e pedagogos do século XX 7.6.2 A história Através do estudo dos primeiros homens,das primeiras civilizações e daquelas que se seguiram até hoje, é possível compreender que a humani- dade se teceu por meio dos intercâmbios e da sa- tisfação das necessidades vitais. As crianças po- dem muito bem ver e compreender que nenhum país e nenhuma cultura é verdadeiramente me- lhor que outro; nenhum deles possui tudo e, con- sequentemente o intercâmbio se torna necessá- rio. Maria Montessori (1991a: 77), diz: Não cultivamos na criança a admiração pelos aventureiros e exploradores do pas- sado para que ela lhes expresse a nossa gratidão; eles não estão aqui para rece- bê-la. Mas procuramos ajudar a criança a compreender como a humanidade é responsável pelo estado das coisas e co- mo ela continua a ter esse papel a desem- penhar. É essa realidade que inspira a alma e a consciência (Tradução livre). Com a história, tentamos transmitir à criança o balanço dos progressos da humanidade. É pre- ciso transmitir o heroísmo de uma multidão de pessoas que ajudaram a construir o presente. Não são apenas as construções dos homens que nos interessam, mas também a transmissão do conhecimento. Esta se faz em um gesto essencial- mente de amor. Pela história, responde-se a uma característica psicológica fundamental da crian- ça, o seu culto aos heróis. Mas também se sensibi- liza a criança à contribuição das pessoas comuns, como o trabalho dos operários das vias romanas ou das fábricas manufatureiras do século XIX. Todos esses relatos alimentam a necessidade de grandeza e de superação das crianças. 7.6.3 A biologia Para a criança, a biologia é primeiramente a experiência das formas vivas. Se ela faz a expe- riência da vida em sua existência cotidiana, é im- portante que ela encontre no seu ambiente de classe as manifestações da vida vegetal e animal. éNo plano "cósmico" que a Abordagem Montes- sori propõe à criança do primário, em "O univer- so e suas leis", é a manifestação da vida que retém a sua atenção e suscita o seu interesse. A lição so- bre o aparecimento da vida expressará essa gran- de visão total. Entretanto, é importante situar os detalhes em função do' todo, indicando quanto cada detalhe contribui para o desenho do con- junto. Todas as atividades ou apresentações são situadas em relação ao conjunto. Os detalhes não são apresentados para compartimentar o saber, mas para dar diferentes aspectos do conjunto. Maria Montessori nos dá vários exemplos desse ensino no seu livro intitulado Da criança ao ado- lescente (1958). Mas como proceder? Recorreremos à imagi- nação das crianças através de histórias, e à sua tendência para a exploração através de passeios. Essencialmente, as necessidades dos animais e das plantas constituirão o centro das atividades. Elas farão a experiência de diferentes formas de vida e, já que as crianças do primário têm pro- pensão a organizar conceitualizando, serão leva- das a classificar. Sendo a classificação um fa- tor-chave no estudo da biologia, essas cnanças estabelecerão assim as bases dos seus conheci- mentos nessa área. 7.6.4 A língua A criança que chega ao primário já domina a sua língua; se vem da pré-escola Montessori, até sabe ler e escrever. Então, não se trata de lhe mostrar a linguagem, mas de ajudá-la a se desen- volver na vida e, com uma linguagem mais varia- da, ela poderá se tornar um melhor ser humano. A linguagem serve para a comunicação com os Maria Montessori: a criança e sua educação ' outros. Com ela, é possível pensar em mais coi- sas: a linguagem é o suporte dos conceitos. Nessa perspectivade comunicação,Maria Mon- tessori nos lembra que não se ensina para que o aluno passe nos exames. Por exemplo, o ensino da pontuação não tem como função obter um maior sucesso nas avaliações, mas ajudar a criança a ex- pressar-se bem. Também é a ocasião, e Maria Montessori insiste nesse ponto, de fazer a criança compreender que a língua é uma área cuja pro- gressão depende da sua responsabilidade própria. Na pré-escola, a criança aprendeu a escrever e a ler não para provar ao resto do mundo que ela domina essas habilidades, mas, antes, para: 1) descobrir que existem muito mais palavras do que aquelas que ela já conhece; 2) comunicar-se com os outros sem falar; 3) aprender coisas com os outros, sem que estes falem; 4) descobrir que as palavras têm uma função, e 5) aprender que pala- vras dispostas juntas em uma certa ordem veicu- lam um significado. O adulto ajuda a criança, não ensinado, mas levando-a a tomar consciência des- ses aspectos da linguagem. No projeto de "educação cósmica", como a criança será posta em relação com o universo? Essencialmente pela língua. Já que o universo não é acessível diretamente na maior parte dos casos, é o momento de apelar para a imaginação .c.através do veículo, que será a língua. Ela apren- derá a história da linguagem, especialmente a da língua escrita, incluindo a gramática. A gramática terá um papel importante, pois responde à neces- sidade da criança de raciocinar. Não se trata ape- nas de suscitar um interesse pela linguagem, mas de transmitir toda a vida que acompanha a língua oral assim como a língua escrita. A criança poderá adquirir uma linguagem va- riada, principalmente através da conversação, mas também através de canções que visem esse objeti- vo. E o que dizer da literatura, senão que ela libe- ra e abre o espírito, que transmite de modo ex- cepcional todas as questões morais? Mais precisamente, a criança construirá gra- mática, morfologia, sintaxe, fonologia, compre- ,ensão de textos e etimologia. Maria Montessori planejou um material que serve para o estudo das palavras, da sua função e para a análise das frases. Reuniu as suas reflexões em uma obra intitulada Psycho-Grammar (s.d.). Esse estudo se dedica mais particularmente à criança de cinco a oito anos. Depois dessa idade, a necessidade de mate- rial concreto é menos essencial, pois a criança atingiu um nível de abstração mais elevado. Na sequência do primeiro ciclo, o trabalho se fará no plano da generalização, na redação de textos e na leitura ou na expressão oral. Nesse estágio, as se- mentes plantadas terão germinado e a criança procurará aperfeiçoar as suas habilidades. A es- trutura e os gêneros dos textos constituem novas avenidas de aprofundamento. 7.6.5 A matemática Maria Montessori (1971) escreveu muito pa- ra mostrar que a matemática e a geometria não representam estritamente disciplinas para a cri- ança, mas respondem às suas necessidades psico- lógicas. A matemática é, primeiramente, uma ati- vidade do espírito humano que serve para a gene- ralização. Por exemplo, de três maçãs sobre a mesa, pode-se abstrair a noção "três", que não se encontra em parte alguma, mas podemos encon- trar três objetos por toda a parte; essencialmente, a matemática nos remete à abstração. Montessori descreve o espírito matemático como uma ten- dência humana a fazer inferências, a generalizar, a abstrair, a conceitualizar e a querer chegar a te- oremas. Os seres humanos cumprem essas opera- ções desde a noite dos tempos. .' *'~ ., .~l{I'.Pedagogias e pedagogos do século XX Uma pessoa que abstrai uma noção o faz a partir de imagens mentais. Existe pois uma liga- ção entre o espírito matemático e a imaginação. A partir de abstrações, o raciocínio entra em jogo, para chegar a conclusões lógicas. O pensa- mento matemático põe em movimento toda a ati- vidade intelectual. Fundamentalmente, será desejável apresen- tar a informação relativa à matemática, mais do que ensiná-la. Para que o espírito matemático se desenvolva, é essencial que os processos matemá- ticos sejam abstraídos e que a criança seja ajudada nessa atividade. Se todos os procedimentos são dados, a imaginação não é solicitada e o desen- volvimento se torna impossível. É por isso que é muito útil apresentar um novo conceito matemá- tico começando com algum material que concre- tize o conceito.O material montessoriano de ma- temática estimula o desenvolvimento do espírito matemático da criança. 7.6.6 A geometria A geometria não é propriamente uma maté- fia escolar, n13S representa um aspecto da nature- za. Todos os tipos de formas geométricas fazem parte da natureza: os cristais, os círculos na água, uma bolha de ar, os polígonos nas teias de ara- nha, uma estrela-do-mar. Nas coisas fabricadas pela mão do homem, encontram-se ainda mais formas geométricas. Os seres humanos tendem a matematizar o mundo que, aliás, se apresenta de modo caótico. Com a Abordagem Montessori, a criança fará a experiência da geometria pelos sentidos primeiro, antes de chegar a mais abstra- ção. É em P_sy_cho-Geometrica (s.d.) que Maria Montessori exporá as suas ideias sobre a impor- tância de conservar sempre perto do real a apre- sentação da geometria. Na pré-escola, as sementes da geometria sáo plantadas. A criança aprenderá a ver, a tocar e a nomear formas geométricas. O objetivo principal nesse estágio é refinar os sentidos. Em várias ativi- dades, a criança será sensibilizada à geometria: os cubos de uma torre, os sólidos geométricos etc. No primário, quando a criança tem necessi-...__ dade de raciocinar, será necessário ensinar a no- tnenclatura. Em si, não se trata de atividades par- ticularmente interessantes; mas é preciso obser- var que os nomes utilizados têm geralmente uma história interessante. Por exemplo, o nome "geo- metria" nos vem dos egípcios, que mediam a ter- ra de acordo com as enchentes do Nilo: gaea, "terra" e metra "medida". Isso impressiona a imaginação da criança. É pelo raciocínio, estimu- lado por tais atividades, que a criança se abrirá para a exploração. Também é pertinente iniciar a criança às origens históricas da geometria; para isso, Maria Montessori apresentará uma história intitulada "Como a geometria ganhou o seu no- me". Nela, o aluno aprende que os harpel1odap- ta, os agrimensores egípcios, a inventaram para refazer os limites das terras, apagados depois das enchentes do Nilo, e que Tales, Pitágoras, Platão, Euclides, todos eles gregos da Antiguidade, for- mularam a geometria teórica. Não são teoremas que se apresenram à crian- ça do primário; é a exploração sensorial deles que lhe é proposta. Esse é mais um princípio maior da Pedagogia Montessori: plantar as se- mentes daquilo que será depois objeto de estudo aprofundado posteriormente. No primário, se- meia-se a parte sensorial dos teoremas, para pre- parar o seu estudo propriamente dito na adoles- cência. Evidentemente, as atividades serão apre- sentadas segundo uma sequência adaptada ao grau de dificuldade dos conceitos a aprender: a forma pode dificilmente ser estudada sem o co- ro tO 7. Cf re d. LI rr LI p r. ç p q c ( r Maria Montessori: a criança e sua educação ,*%iÔ,I8i~~}7 221 '.',,:..' '.';-..'f/~:l:",jJ/J)}jJIj,W~ h o nhecimento da linha, a linha sem o conhecimen- to do ponto etc. Isso ocorre na geometria e em todas as outras matérias. 7.6.7 A liberdade e a disciplina: uma criança que se assume Segundo Maria Montessori, o trabalho é uma tendência essencial da espécie humana. Depois de suas observações, ela descreveu a atividade das crianças no ambiente falando do trabalho destas, mesmo que elas apenas manipulassem blocos, fi- chas de cor ou quadros diversos. Essas atividades podem parecer apenas lúdicas aos olhos do adul- to, se este pensa anrropomorficamente; mas a crian- ça demonstra, através da seriedade do seu com- portamento, que ela não está apenas brincando, que também está trabalhando. Essa maneira de observar a conduta da criança foi objeto de críti- cas (POLAKOW SURANSKY, 1981, 1982) às quais respondeu Jean MilIer (1982). Renilde Mon- tessori (1987:7) dirá sobre essas críticas à brinca- deira: Uma característica humana das mais no- táveis é a nossa tendência a brincar. Re- conhecemos que ~~ crianças pequenas "~pr~l!~~mb~incando". Admite-se isso a tal ponto que vários adultos afirmam que as crianças não deveriam ser força- das a trabalhar antes de uma certa idade, pois estaríamos impondo-lhes algopara o qual elas não estão preparadas, por na- tureza. As crianças são então condena- das a funcionar no vazio em ambientes mobiliados com objetos que se tornaram tediososaté que cheguemà idade de po- der trabalhar.Tudo issosupõeumadico- tomia totalmente ir realista entre o traba- lho e a brincadeira, pois essas duas ativi- dades estão de fato intimamente ligadas, - - -------- não só na criança, mas em toda pessoa ao longo de sua vida (Tradução livre). Mais ainda, seria preciso definir o trabalho, para melhor apreender essa visão das coisas. To- do docente que aplica hoje a Abordagem Montes- sori pode mostrar concretamente como o trabalho proporciona a maior felicidade. É no trabalho que há realização e superação de si. Nessa perspecti- _J va, em que o trabalho fornece alegria,Maria Mon- tessori demonstra que ele constitui um encami- nhamento "normalizante", no sentido em que cor- responde ao lado positivo da natureza humana. Como não pensar assim, quando 30 crianças pe- quenas de diferentes idades se dedicam às suas ta- refas, cada uma do seu lado, enquanto o profes- sor circula pela classe, apresentando aqui alguma coisa, escutando ali outra coisa, fazendo assim, de- finitivamente, parte integrante dessa colmeia de crianças? Essa é a experiência de todos os dias numa classe Montessori. Mas esse trabalho não é escravizame?Não; ex- ceto se for forçado. O trabalho com liberdade tor- na o homem capaz da maior autodisciplina. São es- tes dois valores caros a Maria Montessori: a liber- dade e a disciplina. A construção de si não pode efetuar-se sem liberdade; então, é preciso dá-la à criança.Não se deve temer que ela abuse disso,a não ser que se confunda liberdade com anarquia. Vamos enfatizar que a liberdade de atividade não é sinônimo de grosseria, de agressividade e de mau comportamento em geral. Na verdade, trata-se, para o docente, de preparar um ambien- te propício ao exercício da liberdade. Especial- "to mente no primário, será preciso inculcar nas cri- anças a ideia de que a liberdade de trabalhar não quer dizer fazer o que bem lhes parece. Nessa etapa das suas vidas, elas têm um forte espírito gregário; assim, será necessário dar-lhes a liber- dade de trabalhar em equipe, com a condição de Pedagogiase pedagogosdo séculoXX c.; que elas se mostrem dignas disso. Em uma classe primária Montessori, as crianças têm uma certa responsabilidade quanto à organização do seu trabalho. Mas essa liberdade não é absoluta. O que elas dominam, podem assumir por si mes- mas; mas novos exercícios ou trabalhos mais im- portantes necessitam de um enquadramento cla- ro. É preciso ter em mente, segundo Maria Mon- tessori, que a liberdade representa uma conquista progressiva da criança, e não um valor inato - como queria Rousseau - que se dissolve pouco a pouco com a chegada da idade adulta. A criança, no limiar da adolescência, terá o sentimento de que completou alguma coisa. Cons- truiu a sua personalidade social. O "plano cósmi- co" que a Abordagem Montessori lhe propôs a levará, pelo menos inconscientemente, a tomar conhecimento do seu pertencimento a uma longa tradição de civilização humana, da sua capacidade de compreender os fenômenos do universo e do mundo que a cercam, da sua responsabilidade em prosseguir a obra de construção humana. Ela es- tará pronta para a vida da adolescência. Margaret E. Stephenson (1993: 17) observa, quanto à "educação cósmica"; . i O adulto que trabalha com a criança do primário tem a grave responsabilidade de ryão ensinar maréri<:tsescolares, mas de preparar a criança para reconhecer a sua responsabilidade de ser humano para com o ambiente e a sociedade. O docente só poderá fazer isso se ele próprio compre- endeessaresponsabilidade;sepodeapre- ciar a finalidadegrandiosado plano cós- mico; se pode propagar o entusiasmo e o questionamento junto às crianças e esti- mulá-Ias para este ato eloquente que é a criação, em todas as suas manifestações (Tradução livre). Maria Montessori acreditava que a criança exposta às ideias do projeto de educação cósmi- ca acabará por perguntar-se quem ela é, qual é a tarefa de cada indivíduo neste universo (STE- PHENSON, 1993). São justamente essas pergun- tas que a criança saudável enfrentará no limiar da adolescência. AAbordagem Montessori também é aplicada 1 no secundário, mas sem toda a expansão qne co- nhecemos na pré-escola e no primário. Muitos princípios educativos foram enunciados até ago- ra; eles foram tirados principalmente da obra Da criança ao adolescente (1958a). Várias observa- ções são feitas a respeito da vida do adolescente. Maria Montessori não pôde, ela própria, elabo- rar todo o conteúdo das atividades, nem determi- nar todos os princípios de preparação do ambi- ente; entretanto, outros prosseguiram esse traba- lho e encontram-se escolas secundárias Montes- sori na Holanda e nos Estados Unidos, por exem- plo. Basta dizer que ela observava na adolescên- cia um período de grandes transformações, como fora a primeira etapa, a do nascimento aos seis anos, enquanto a do primário constituía uma fase de relativa consolidação. 7.7 A formação dos mestres Montessori: uma formação generalista esclarecida A partir de 1907, de todos os cantos do mun- do futuros docentes acorrem para estudar a cri- ança com Maria Montessori. Assim, ela formou mestres que difundiram essa abordagem em todo . o mundo livre. No fim dos anos de 1920, princi- palmente para fazer a promoção da criança como fonte de evolução da sociedade, enquanto se co- meçava a aplicar aspectos de sua abordagem sem preservar-lhe a integridade, ela fundou aAssocia- ção Montessori Internacional (AMI). Seus objeti- Maria Montessori: a criança e sua educação vos são defender, propagar e desenvolver as idei- as e princípios montessorianos para o pleno de- senvolvimento do ser humano. Ela foi a presi- dente dessa entidade até a sua morte, em 1952. Além de agrupar diferentes sociedades Mon- tessori nacionais, a AMI formou um comitê pe- dagógico, um comitê de acompanhamento, um comitê de material, além de comitês administra- tivos. Cada um desses comitês zela pela aplicação correta e pelo progresso da Abordagem Montes- ~ sori. O comitê pedagógico trata dos programas de formação de professores, ocupando-se do seu conteúdo e da qualidade da formação oferecida. Essa formação está sob a responsabilidade de professores que possuem, no mínimo, cinco anos de prática com as crianças e que têm em seu ativo pelo menos cinco anos de aprendizagem, que lhes conferem o título de formador qualificado. A fórmula é a do aprendiz formador em exercício em um centro de formação. Quanto à pré-escola, esses centros de formação estão disseminados pelo mundo; quanto ao primário, cinco centros existem, na Itália, na Irlanda e nos Estados Uni- dos (onde existem três). O comitê de acompa- nhamento apoia os aprendizes formadores, para garantir a qualidade da sua formação. O comitê de material avalia a precisão do material e asse- gura-se do respeito às normas estabelecidas junto aos fabricantes. Diante do sucesso dessa abordagem no mun- do, desde os primeiros anos, não é surpreendente saber que a mensagem de Maria Montessori le- vanta certas controvérsias. Por exemplo, forma- , ram-se sociedades paralelas, para oferecer pro: " gramas de formação de mestresMontessori: a Ame- rican Montessori Society, o St. Nicolas Montes- sori Center ou ainda o London Montessori Cen- ter. As ideias pertencem a todos e a liberdade de empreendimento é sempre um valor primordial na democracia. Entretanto, é necessano estar bem informado quanto à verdadeira abordagem, e a Associação Montessori Internacional, consa- grada à causa da nova criança, difunde essa infor- mação e o saber-fazer educativo. A excelência acarreta muitas vezes esse risco de imitação, em geral inábil, e de um empréstimo de certos aspec- tos de uma filosofia que, infelizmente, não fazem justiça ao valor do conjunto da obra. , Uma formação Montessori autêntica, a da IAMI, exige 10 meses de estudos intensivos depois de um primeiro diploma universitário. O estudan- te terá uma formação teórica, que se concretizará na redação de álbuns de apresentação de ativida- des. Cada uma dessas apresentações está situada no programa de conjunto, requer um material es- pecial e é planejada para um certo nível de desen- volvimento, segue e precede outras apresentações. Maria Montessori preconizava o trabalho sensori- al mesmo para o adulto, pois o estudante deverá redigir seus próprios álbuns, ilustrando essa teoria e todas essas apresentações. Farão parte dessa for- mação várias semanas de estágios nas classes, sob a supervisão de um mestre reconhecido. Na América, uma escola também pode ser re- conhecida pela AMI. Para obter esse reconheci- mento, a escola deve ser visitada de três em três anos por um consultor. Este avalia a competência de cada docente responsável por uma classe, veri- fica se os processos e a filosofia aplicados em cada classe estão de acordo com a Abordagem Montessori e se o material usado é apropriado. Esse reconhecimento permite distinguir as esco- las verdadeiramente empenhadas na educação Montessori daquelas que improvisam a partir de elementos isolados. Encontram-se em anexo a este capítulo al- guns endereços úteis relativamente à formação dos mestres Montessori. t 224 Parte ILV!/', Pedagogias e pedagogos do século XXI ,,,1' l Conclusão - Seguir a criança o que começou num subúrbio pobre de Roma tornou-se um mo- vimento internacional para o reconhecimento da criança como futu- ro da pessoa. Na hora do questionamento e das reformas na educa- ção, a mensagem montessoriana que nos exorta a "seguir a criança como nosso guia" continua a ser muito atual. A renovação da educa- ção sem a criança como motor principal está destinada ao fracasso. Se as nossas sociedades querem recentrar a educação na sua verdadei- ra natureza, devem redescobrir o segredo da infância e construir a partir da criança. Com certeza, é essa a mensagem que continua a nos transmitir a grande pessoa humana de Maria Montessori. É preciso nos aproximarmos da vida e colher em nossa alma de jardineiros os recursos para cultivá-la através da criança. Não serão os nossos siste- mas, os nossos programas ou as nossas instituições a solução para as questões fundamentais de civilização que se apresentam, mas a vida e a pessoa da criança, aquela que atualmente parece ser o cidadão es- quecido. Maria Montessori nos convida, através de toda a sua obra, a encontrar nos próprios olhos da criança a motivação e a determina- ção necessárias para a tarefa da educação: Uma das mais belas coisas que se encontram nas crianças é a limpidez da sua visão e a honestidade do seu olhar (MON- TESSORI, R., 1987: 1 - Tradução livre). Questões 1) Os objetivos e finalidades da escola Montessori estão em ligação estreita com os postulados da teoria montessoriana. Desenvolva alguns aspectos dessa ligação, ressaltando o seu fio condutor. -\ 2) Como as matérias escolares são apresentadas ao aluno? A quais necessidades psicológicas elas respondem? 3) Desenvolva as dimensões que concorrem para o ato pedagógico das escolas Montessori (relação professor-aluno, relação aluno-material didático, natureza dos conteúdos etc.) ou explique como se organiza a classe Montessori. Maria Montessori: a criança e sua educação Bibliografia MILLER, J. (1982). "La bureaucratisation de Fen- fance par la Méthode Montessori". Revue Canadienne de Psycho-éducation, vol. 11, n. 1, p. 63-65. MONTANARO, S.Q. (1990). Undestanding the Hu- man Being. Mountain View: Nienhuis Montessori.MONTESSORI, M. (1991a). The Fonnation of Man. Madras: Kalakshetra Press. __ (1991b). To Educate the Human Potential. Madras: Kalakshetra Press. __ (1986). The Secret of Childhood. Mumbai: Orient Longman. (1972). Education and Peace.Madras: Kalaks- hetra Press. ___ (1971). Psycho-Arithmetica. 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Anexo - Endereços úteis Association Montessori Internationale Koninginneweg 161, 1075, CN Arnsterdam, Países Baixos Telefone: 020-679-89-32 Benoit Dubuc 1265, Av. du Buisson, Sillery (Quêbec), ClT 2C4 Telefone: (418) 688-7646 Centre de Formation Montessori de Montréal 7400, boul. Saint-Laurent,Montréal (Québec),H2R 2Yl Telefone: (514) 465-4860 Renilde Montessori, Foundation for Montessori Edu- cation 2444 Bloor Street West, Toronto (Ontario), M6S 1R2 Telefone: (416) 769-7457 North AmericanMontessoriTeacherAssociation (Namta) 2859 Scarborough Road, Cleveland Heights, Ohio, 44118, USA
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