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SÉRIE Direitos Humanos em Educação SÉRIE CADERNOS PEDAGÓGICOS ERA UMA VEZ UMA CIDADE QUE POSSUÍA UMA COMUNIDADE, QUE POSSUÍA UMA ESCOLA. MAS OS MUROS DESSA ESCOLA ERAM FECHADOS A ESSA COMUNIDADE. DE REPENTE, CAÍRAM-SE OS MUROS E NÃO SE SABIA MAIS ONDE TERMINAVA A ESCOLA, ONDE COMEÇAVA A COMUNIDADE. E A CIDADE PASSOU A SER UMA GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização da Associação Cidade Escola Aprendiz, em parceria com a UNICEF. Direitos Humanos em Educação SÉRIE CADERNOS PEDAGÓGICOS5 ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ 1 2 3 5 4 6 A Série Mais Educação 05 07 08 15 23 30 Apresentação do Caderno Dimensão político-filosófica Dimensão conceitual Dimensão prática Material didático: sugestões de oficinas 7 60Referências 051A Série Mais Educação P ensar na elaboração de uma proposta de Educação Integral como política pública das escolas brasileiras é refletir sobre a transformação do currículo escolar ainda tão impregnado das práticas disciplinares da modernidade. O processo educativo, que se dinamiza na vida social contemporânea, não pode continuar sustentando a certeza de que a educação é uma tarefa restrita ao espaço físico, ao tempo escolar e aos saberes sistematizados do conhecimento universal. Também não é mais possível acreditar que o sucesso da educação está em uma proposta curricular homogênea e descontextualizada da vida do estudante. Romper esses limites político-pedagógicos que enclausuram o processo educacional na perspectiva da escolarização restrita é tarefa fundamental do Programa Mais Educação. Este Programa, ao assumir o compromisso de induzir a agenda de uma jornada escolar ampliada, como proposta de Educação Integral, reafirma a importância que assumem a família e a sociedade no dever de também garantir o direito à educação, conforme determina a Constituição Federal de 1988: Nesse sentido, abraçando a tarefa de contribuir com o processo de requalificar as práticas, tempos e espaços educativos, o Programa Mais Educação convida as escolas, na figura de seus gestores, professores, estudantes, funcionários e toda a comunidade escolar, a refletir sobre o processo educacional como uma prática educativa vinculada com a própria vida. Essa tarefa exige, principalmente, um olhar atento e cuidadoso ao Projeto Político-Pedagógico da escola, pois é a partir dele que será possível promover a ampliação das experiências educadoras sintonizadas com o currículo e com os desafios acadêmicos. Isso significa que a ampliação do tempo do estudante na escola precisa estar acompanhada de outras extensões, como os espaços e as experiências educacionais que acontecem dentro e fora dos limites físicos da escola e a intervenção de novos atores no processo educativo de crianças, adolescentes e jovens. O Programa Mais Educação entende que a escola deve compartilhar sua responsabilidade pela educação, sem perder seu papel de protagonista, porque sua ação é necessária e insubstituível, mas não é suficiente para dar conta da tarefa da formação integral. Para contribuir com o processo de implementação da política de Educação Integral, o Programa Mais Educação, dando continuidade a Série Mais Educação (MEC), lançada no ano de 2009 e composta da trilogia: Texto Referência para o Debate Nacional, Rede de Saberes: pressupostos para projetos pedagógicos de Educação Integral e Gestão Intersetorial no Território, apresenta os Cadernos Pedagógicos do Programa Mais Educação pensados e elaborados para contribuir com o Projeto Político-Pedagógico da escola e a reorganização do seu tempo escolar sob a perspectiva da Educação Integral. Esta série apresenta uma reflexão sobre cada uma das temáticas que compõem as possibilidades educativas oferecidas pelo Programa Mais Educação, quais sejam: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da socie- dade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. (Art. 205, CF) 06 ▪ Acompanhamento Pedagógico; ▪ Alfabetização; ▪ Educação Ambiental; ▪ Esporte e Lazer; ▪ Direitos Humanos em Educação; ▪ Cultura e Artes; ▪ Cultura Digital; ▪ Promoção da Saúde; ▪ Comunicação e Uso de Mídias; ▪ Investigação no Campo das Ciências da Natureza; ▪ Educação Econômica. Em cada um dos cadernos apresentados, sugere-se caminhos para a elaboração de propostas pedagógicas a partir do diálogo entre os saberes acadêmicos e os saberes da comunidade. A ideia de produção deste material surgiu da necessidade de contribuir para o fortalecimento e o desenvolvimento da organização didático-metodológica das atividades voltadas para a jornada escolar integral. Essa ideia ainda é reforçada pela reflexão sobre o modo como o desenvolvimento dessas atividades pode dialogar com as áreas de conhecimento presentes na LDB (Lei 9394/96) e a organização escolar visualizando a cidade e a comunidade como locais potencialmente educadores. Outros três volumes acompanham esta Série, a fim de subsidiar debates acerca dos temas: ▪ Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva; ▪ Territórios Educativos para a Educação Integral: a reinvenção pedagógica dos espaços e tempos da escola e da cidade; ▪ Educação Integral no Campo. Faz-se necessário salientar que as proposições deste conjunto de cadernos temáticos não devem ser entendidas como uma apresentação de modelos prontos para serem colocados em prática, ao contrário, destinam-se a provocar uma reflexão embasada na realidade de cada comunidade educativa, incentivando a atenção para constantes reformulações. Portanto, estes volumes não têm a pretensão de esgotar a discussão sobre cada uma das áreas, mas sim qualificar o debate para a afirmação de uma política de Educação Integral. Desejamos a todos uma boa leitura e que este material contribua para a reinvenção da educação pública brasileira! O Programa Mais Educação tem como propósito ampliar a jornada escolar, oferecendo atividades pedagógicas e educativas diferenciadas, por meio da implementação da Educação Integral, que se refere a propostas pedagógicas que busquem estabelecer laços, vínculos e diálogos entre os saberes escolares e os saberes comunitários e que afirme a educação como um direito de todos. Tem como preocupação central o desenvolvimento do ser humano, em todas as suas diferentes dimensões, a partir de vivências e experiências de aprendizagens em tempos, espaços, ritmos e contextos diferenciados, de maneira que contemple o diálogo e articulações entre os saberes da comunidade e os saberes oportunizados pelo currículo escolar formal. Nessa perspectiva, é necessário que as escolas participantes do Programa repensem seus Projetos Político-Pedagógicos, a fim de ampliar os tempos e espaços escolares, de maneira a garantir a diversidade de vivências articuladoras de saberes aos seus alunos. Os cadernos oferecidos pelo programa visam à construção da Educação Integral pelas instituições de ensino e sugerem possibilidades de atividades para se articularem com o currículo formal e com a realidade nas quais essas instituições estão inseridas. A escolha dos Direitos Humanos como um tema dentro do Programa Mais Educação revela a preocupação com importantes questões a serem enfrentadas por nossa sociedade: a garantia da plena realização do direito à educação, a formação dos alunos em valores fundamentais à vida pública e o conhecimento de sua condição de sujeitos de direitos. Portanto, educar em Direitos Humanos a partir de uma proposta de Educação Integral, requer, segundo a educadora Jaqueline Moll (2009, p. 15), que:Assim, pensar a articulação entre o tema Direitos Humanos e as escolas é, antes de tudo, pensar sobre a Educação em Direitos Humanos: suas características, implicações e modos de fazer. Para tanto, é preciso considerar as duas dimensões em que ela se realiza, ou seja, a educação como um direito humano e para os Direitos Humanos. Apresentação do Caderno 07 [...] pensemos na aproximação das práticas escolares em relação às outras práticas sociais e culturais, aos espaços urbanos tratados como territórios educativos. Pensemos ainda na escola em meio a um processo que imbrica saberes escolares aos saberes que “circulam” nas praças, nos parques, nos museus, nos teatros, nos cinemas, nos clubes, nos espaços de inclusão digital, nos movimentos em favor dos direitos humanos materializados na proteção das mulheres, das crianças e dos jovens. 0608 Dimensão político-filosófica1 O objetivo estabelecido para esta parte do texto é o de interpretar os aspectos relativos à dimensão política da educação em e para os Direitos Humanos. O foco do trabalho, portanto, é fornecer elementos que contribuam para fundamentar a noção de Direitos Humanos e as práticas que ela enseja, a fim de ressaltar sua importância e significado na educação de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. Deseja-se construir referenciais que tenham significado e/ou sentido para o professor em suas práticas, considerando o contexto com o qual ele atua, ou seja, a escola. Será necessário proporcionar acesso a aspectos históricos, filosóficos e políticos que estão implicados no uso da noção e das práticas em Direitos Humanos. Essa abordagem se justifica, uma vez que é necessário o fortalecimento da educação escolar entendida como educação integral – subjacente ao Programa Mais Educação. Ela se propõe a oferecer condições de aprendizagem e formação de pessoas para a vida em sociedade e em comunidade, de forma a valorizar o convívio, a solidariedade e a afirmação dos indivíduos e grupos sociais em suas identidades e em condição de dignidade humana. No que tange à Educação Integral é fundamental afirmar que esta exige mais que meros compromissos, exige condições objetivas, como infraestrutura adequada, formação dos diferentes sujeitos na concretização da permanência e de aprendizagens, nos espaços da educação pública. Esta perspectiva se coloca na contraposição às desigualdades e diferentes formas de exclusão Tenta perceber a tua identidade Procura no teu íntimo a verdade Não és apenas mais uma pessoa Que aparece neste mundo à toa Tenta encontrar as tuas raízes Senão pode ser que algum dia as pises Só assim perceberás quem tu és No sangue que te corre da cabeça aos pés Talvez daí tires uma lição Sobre o que se passa neste mundo cão Muitas vezes é preciso saber ouvir Ir em frente quando apetece desistir É mais forte o homem que sabe criar um filho Do que aquele que apenas prime um gatilho É mais fácil matar que ler um livro, verdade? Mas a bala é a prisão, educação é liberdade (Da Weasel / Educação é Liberdade) 1 Profª Maria Elly Herz Genro – Faculdade de Educação – UFRGS Le i tu r a 09social, política e cultural. Ela contribui para o pensar e agir educativo, valorizando a formação humana numa perspectiva global. A Educação Integral compreende o processo educacional como condição para o desenvolvimento humano, num contexto de educação pública e democrática. Para concretizar a qualidade deste processo deve-se levar em conta os múltiplos saberes existentes nos diferentes tempos e lugares em que as pessoas estão inseridas. Esses saberes são constituídos pelos conhecimentos sistematizados, práticas, crenças e valores dessas pessoas. Assim, a Educação Integral é fruto de debates entre os diferentes atores sociais (poder público, comunidade escolar e sociedade civil) numa construção permanente de um projeto educativo que respeite e promova os direitos humanos e o exercício da democracia. Outro aspecto referente a este projeto educativo integral diz respeito à ampliação da jornada escolar, numa articulação de territórios educativos que possam potencializar aprendizagens no e para além do currículo formal, instituindo experiências socializadoras. Estas experiências são produzidas pela singularidade humana e compreendem a educação como um bem público, que possa promover o desenvolvimento social, político e cultural. A concretização efetiva da educação integral responsabiliza a escola pública, na inserção de projetos socioculturais e ações educativas cidadãs nos diferentes segmentos, diante da vulnerabilidade social vivenciada pelas comunidades, para fazer frente às políticas assistencialistas e fragmentadas. A partir do Projeto Político-Pedagógico, construído coletivamente, é que a escola pode orientar e articular ações e atividades voltadas para consecução da Educação Integral, baseada em princípios legais e valores sociais, referenciados nos desafios concretos da comunidade onde a escola está inserida. Enfim, trabalhar com a noção de Educação Integral supõe valorizar e atuar com base em direitos. Os direitos humanos possuem uma relação fundamental com o acesso à educação, com sua qualidade e com a dignidade dos sujeitos da educação. Dessa forma, focalizar o tema dos Direitos Humanos permite que se avance no sentido da educação integral se tornar efetiva, para além de conceitos meramente teóricos. Aspectos teórico-históricos da noção de Direitos Humanos vinculados à educação escolar A noção de Direitos Humanos2 traz consigo a expressão de aprimoramentos produzidos nas relações sociais, políticas e humanas entre pessoas e em sociedade. O Relatório Anual da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos (2007) afirma que: 2 Para assistir vídeos sobre direitos humanos, acessar: http://www.youtube.com/watch?v=yioq9-WSaA8&feature=fvw http://www.youtube.com/watch?v=vKB9G5Y8Kdo http://www.youtube.com/watch?v=Qb89fQiZ6wc&feature=related A consciência de que os “direitos humanos” precisam ser respeitados cresce em todos os continentes e constitui um dos pilares da construção de um “outro mundo possível”. Para que essa construção chegue a termo, é indispensável definir “direito humano” como aquele direito inerente à pessoa em si, independentemente da sua nacionalidade, da sua classe social, da sua religião, da sua condição pessoal. Até um criminoso é sujeito de direitos humanos, sem prejuízo da punição que deva receber pelo delito praticado. (2007, p 13) 10 Portanto, a noção de Direitos Humanos é ampla e complexa e a sua história e o seu conceito não estão isentos de polêmicas, dificuldades de delimitação e de contradições. Trata-se de uma noção relativamente recente na história dos tratados produzidos pela comunidade internacional, à qual remete as próprias contradições que a vida social proporciona. Três grandes tratados dão base para a formação da noção de Direitos Humanos. O primeiro é datado do período histórico da Revolução Francesa (1789), com o título Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. O segundo tratado se localiza na constituição da Independência Norte- Americana (1787). O mais recente acordo internacional é o documento intitulado Declaração Universal dos Direitos Humanos, elaborado no período posterior à Segunda Guerra (1948). A expressão Direitos Humanos remete, muita vezes, a posições de cunho apaixonado, seja em sentido favorável, seja em sentido crítico a esses direitos. Entre aqueles que se dizem seus críticos, é corriqueiro ouvir-se argumentos de que tais direitos defendem apenas os que cometem delitos. Essa visão adota o pressuposto de que certos indivíduos não merecem defesa e, quem sabe, nem merecem atenção por parte dos outros e da sociedade. Nesse caso, falar em direitos humanos de pessoas que transgrediram a lei ou a norma social significa desrespeitaressas regras e leis. A partir dessa visão, seria preciso punir severamente, até mesmo sem acatar direitos básicos da pessoa que desrespeitou a lei ou regra. A visão exposta acima é preconceituosa e isso pode ser constatado a partir da ideia de que todas as pessoas têm direito à dignidade humana independente de quem seja, de que característica possua ou de que delitos ela possa ter cometido. Dignidade é algo difícil de definir em poucas palavras, mas pode ser compreendido por aqueles que compartilham de valores de sensibilidade humana ou de identificação subjetiva com o outro, simplesmente por ser humano. Esse fato permite que sejam respeitadas condições básicas como não oprimir, não causar medo, não expor a outra pessoa a situações que a desqualifiquem ou que sejam humilhantes. Os seres humanos, embora sejam bastante diferentes entre si, nos seus modos de viver e de ser, bem como quanto às condições materiais e de sobrevivência que possuem, estão em condição de igualdade em relação ao fato de que partilham a fragilidade humana. Somos todos sujeitos a limites físicos, psíquicos e de outras naturezas, limites esses que, quando ultrapassados, causam algum tipo de dor e/ou sofrimento. Portanto, ter dignidade ou exercer a dignidade está diretamente ligado a ter e exercer direitos que são humanos e que se vinculam à tolerância e ao respeito humano. Maria Vitoria Benevides define dignidade como sendo: Benevides, além de ser pesquisadora, é educadora em e para os Direitos Humanos e está preocupada e comprometida com os processos democráticos que fortaleçam o exercício da cidadania, que para ela, ocorre por meio de práticas sociais na vida política e cultural. Essas práticas precisam enfrentar as desigualdades sociais, os preconceitos, as discriminações e, ao mesmo tempo, afirmar a ética da participação política e da dignidade humana. [...] aquele valor – sem preço! – que está encarnado em todo o ser humano. Direito que lhe confere o direito ao respeito e à segurança – contra a opressão, o medo e a necessidade – com todas as exigências que, atual etapa da humanidade, são cruciais para sua constante humanização. (BENEVIDES, 2005, p. 12) 11 Assim, a ideia de dignidade humana tem origem em um posicionamento ético e vemos que: Esse valor ético é universal, ou seja, independe de nações ou comunidades que estabeleçam regras próprias, muitas vezes capazes de conviver ou até promover condições de sofrimento humano. Assim é que se entende que os Direitos Humanos são universais e não nacionais ou locais. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, que foi adotada pela Organização das Nações unidas – ONU, em 1948, deu início à compreensão contemporânea de Direitos Humanos. Podem- se distinguir os direitos em Direitos Humanos, mas também em Direitos Fundamentais e em Direitos Sociais. Como entender e diferenciar essas formas de adjetivar o direito a ter direitos? Como garantir e lidar com direitos que são universais, individuais ou, ainda, coletivos no contexto de sociedades culturalmente diversificadas? Os Direitos Fundamentais que foram instituídos pelas revoluções burguesas, quase dois séculos antes da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), embora sejam direitos conceitualmente distintos, possuem relações entre si. Aqueles foram fruto da modernidade iluminista, como ficou expresso por meio da Revolução Francesa, e puderam afirmar liberdades e direitos registrados nos textos constitucionais, ou seja, são direitos positivados, transformados em leis. A relação entre os dois tipos de direitos está basicamente na compreensão de que ambos supõem a existência de bens que são universais para a humanidade: o direito de expressão, pensamento, credo, desde a Revolução Francesa de 1789; e o direito à dignidade humana, independentemente de que pessoa se trate ou que possível delito tenha cometido, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. O processo histórico das sociedades ocidentais criou também a noção de direitos sociais, para além dos direitos civis e políticos e mesmo dos direitos humanos. Os chamados Direitos Sociais são eminentemente coletivos e respondem a necessidades materiais dos indivíduos em sociedade, como é o caso do acesso à saúde, moradia, educação, entre outros. [...] a ética dos direitos humanos é a ética que vê no outro um ser merecedor de igual consideração e profundo respeito, dotado do direito de desenvolver as potencialidades humanas, de forma livre, autônoma e plena. É a ética orientada pela afirmação da dignidade e pela prevenção ao sofrimento humano. (FACHIN, 2009, Prefácio) [...] o termo ‘direitos fundamentais’ se aplica para aqueles direitos do ser humanos reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir- se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional). (SARLET, 2006, p. 35 e 36) 12 Se os direitos fundamentais são direitos positivos, que garantem segurança jurídica por meio de pactos legais, constitucionais existentes nos contextos de estados democráticos, por sua vez, os direitos humanos são conquistados para além do ordenamento jurídico existente. Os Direitos Humanos possuem uma dinâmica intensa, ou seja, são reconhecidos como tais à medida que a sociedade e os segmentos sociais transformam um conflito, em regra de respeito à dignidade humana. Além do caráter universal, os Direitos Humanos, constituem-se como unidade indivisível, porque não dispensam os direitos de outra natureza que o precederam historicamente, como por exemplo, os direitos civis, políticos e sociais. Recentemente passamos a valorizar a diversidade cultural, constituindo novos direitos. Aspectos culturais contemporâneos sobre a ideia de Direitos Humanos A sociedade, fundamentada na desigualdade, no desperdício e na destruição do meio ambiente, permite também a afirmação de novos valores, produzidos por diversos movimentos sociais e instituições. Com esses valores ocorre a revitalização das energias de autorrealização de pessoas vinculadas a projetos coletivos que buscam a satisfação das necessidades humanas. Pensar a produção e o consumo na ótica do humano significa reconhecer que o mercado não é a única instituição organizadora da sociedade e das políticas. Outras instituições e movimentos têm o compromisso de desenvolver conhecimento e experiências que valorizam práticas solidárias, as quais atendem diferentes necessidades humanas, em diferentes contextos culturais. Para pensarmos alternativas de transformação, frente às novas questões colocadas pelo contexto contemporâneo, necessitamos desenvolver um processo de interrogação em relação aos nossos modos de pensar e de atuar na relação com os outros. Nessa perspectiva, o nosso tempo aponta para a atenção às demandas educacionais, ecológicas, étnicas, de gênero, de sexualidade, entre outras questões culturais. Esses são aspectos culturais contemporâneos que têm colaborado para o aprimoramento da ideia e das práticas de Direitos Humanos. Diante disso, sentimos a necessidade de pensar a atuação das diferentes instituições educativas, suas contribuições para desenvolver experiências voltadas para a promoção da dignidade humana, que reconheça a dimensão cultural dos Direitos Humanos. Boaventura de Souza Santos nos inspira a pensar a ideia de “reconstrução intercultural dos direitos humanos”, uma vez que esses podem ser concebidos de várias formas e não com base em um universalismo único. Ostratados e convenções, segundo o autor, traduzem as aspirações dos agentes dominantes na cultura ocidental, impedindo que seja expressão universal dos direitos humanos (SANTOS, 2006). Os Direitos Humanos precisam ser reconceitualizados como interculturais. Essa seria uma perspectiva emancipatória de transformação conceitual e de práticas, a qual pressupõe “relação equilibrada e mutuamente potenciadora entre a competência global e a legitimidade local” (SANTOS, 2006, p. 442). Nesta perspectiva o Programa Mais Educação visa formar sujeitos na sua integralidade, envolvendo a diversidade cultural que compõe a escola e desconstruindo muros que separam comunidade/escola, na visualização de novos conhecimentos e valores. Esse modo de interpretar supõe a relatividade de todas as culturas, pois todas as culturas tendem a constituir como universais, os valores que lhes parecem ou são tomados como fundamentais. O que se anuncia como viável é a busca de convergências entre óticas culturais, “na melhor das hipóteses será possível obter uma mestiçagem ou interpenetração de preocupações e concepções” (sobre direitos humanos). “Quanto mais igualitárias forem as relações de poder entre culturas, mais provável será a ocorrência dessa mestiçagem”. (SANTOS, 2006, p. 443) 13Três gerações de Direitos em Educação Como se vê, a história dos direitos humanos não só está em constituição como também precisa estar sujeita a transformações. Se nas sociedades ocidentais é possível afirmar a existência de vários tipos de Direitos em Educação – civis, políticos, sociais e humanos. Do ponto de vista da educação, há uma interpretação que afirma pelo menos três ênfases para esse tema e a questão dos direitos culturais está presente, desafiando as novas elaborações teóricas, bem como o trabalho escolar. Schilling (2005) distingue três tipos de direitos vinculados à educação formal. A primeira ênfase dos direitos vinculados à educação diz respeito “aos direitos de primeira geração, situam-se no postulado do ensino universal para todos; o direito de todas as crianças e todos os jovens irem a mesma escola, até mesmo com uniforme que disfarça as diferenças”(SCHILLING, 2005, p. 118). Seria o direito político de acesso à educação que, uma vez consolidado precisaria garantir a “qualidade da aprendizagem”. A segunda ênfase dos direitos na educação trata da qualidade a ser garantida. De fato, aproxima-se da ideia de direito social, já que daria acesso intelectual e material à aprendizagem a todos os indivíduos. A autora chama atenção para o fato de que a educação e a cultura escolar pouco considera essa qualidade, porque tratam, a princípio, todos igualmente. Tratar igualmente indivíduos com culturas e modos de vida distintos contribui para limitar o acesso a conhecimentos e consolida as desigualdades existentes. Assim, a primeira e a segunda geração de direitos no que tange à educação seriam excludentes. Nesse sentido, agrediriam os Direitos Humanos das pessoas a terem dignidade proporcionada por meio da educação formal e da sociedade letrada. A terceira ênfase está inspirada em estudos sobre a cultura escolar (Pierre Bourdieu e Claude Forquin). A autora refere-se a uma terceira geração de direitos vinculados à educação formal, no que diz respeito à diversidade cultural. Esses direitos seriam urgentes e se constituiriam em direitos capazes de reconhecer a dignidade de diferentes culturas e pessoas na escola3, limite ainda não superado pela visão predominante que nivela todos a partir de um mesmo parâmetro de história de vida e de cultura. Esse limite da educação escolar deixa de reconhecer que a própria educação é um direito humano, que não pode dispensar o reconhecimento à diversidade. É indispensável destacar que, falar em direitos vinculados à educação escolar ou formal, também está relacionado com noções de direitos mais amplos do ponto de vista social. Em outras palavras, o direito à aprendizagem na diversidade deve ser proporcionado pelo meio escolar, sob pena de se agredir/infringir um direito humano e sob pena de se diminuir a dignidade da pessoa que não aprende, porque sua cultura não é objeto de atenção pela escola. Incorporar gradativamente direitos às práticas sociais e ao ordenamento jurídico é condição para obter conquistas sociais e políticas. 3 Sobre esse assunto, recomenda-se assistir ao documentário “Pro dia nascer feliz” dirigido por João Jardim. A terceira geração dos direitos educacionais pauta-se pelo signo da tolerância, mediante a qual o encontro de culturas se faça e se refaça constantemente em uma sempre renovada convivência e partilha entre diferentes nações, diferentes povos, diferentes comunidades, diferentes grupos sociais, diferentes pessoas. (SCHILLING, 2005, p. 125) 14 O surgimento dos direitos sociais foi dinâmico e está aberto porque está sujeito a novas ampliações e reinvenções. O mesmo ocorre com os direitos humanos: obter dignidade é obter empoderamento nas relações sociais, portanto é indispensável equilibrar poderes para garantir dignidade, como também são lutas e movimentos sociais os principais meios e agentes para a produção e/ou reconhecimento de direitos e de dignidade. A escola precisa agir no sentido dos direitos humanos na educação e na diversidade cultural e social4. Isso, entretanto, só pode se consolidar na medida em que houver disputas e lutas que procurem afirmar aquilo que ainda não foi reconhecido como direito, em especial como direito humano: a diversidade cultural.5 A promoção de educação integral junto às crianças e adolescentes, em situação de vulnerabilidade social, é um dos objetivos estabelecidos pelas políticas governamentais e, sem dúvida, é um dos caminhos para que a educação trabalhe em e para os Direitos Humanos, considerando o respeito à diversidade cultural. Esse objetivo é também um grande desafio, uma vez que exige a combinação de elementos de natureza variada, para que possa ser efetivado. A escola precisa transformar-se, proporcionando não apenas conhecimentos e metodologias tradicionais, mas questionando sua própria cultura – escolar – a fim de romper com seus preconceitos sobre possibilidades de aprendizagens e sobre valores e comportamentos das referidas crianças e adolescentes. Praticar educação em e para os Direitos em Educação na escola significa que esta deve ter capacidade de trabalhar com segmentos socioculturais que ela ainda não foi capaz de reconhecer ou lidar. Necessitamos de atenção e de produção de conhecimentos no conjunto da escola, a partir do conjunto de saberes dos sujeitos. Fomentar atividades educativas que ampliem tempos, espaços e oportunidades educativas, com vistas à inclusão de temas como direito de ir e vir, acesso à moradia, renda mínima, segurança alimentar, enfrentamento a preconceitos, relações desiguais de gênero, etnia, sexualidade, dentre outros, são elementos básicos para se educar e promover Direitos Humanos. O Campo dos Direitos Humanos deve estar articulado com os conhecimentos socialmente construídos e validados na escola. Ainda assim, consideramos crucial tratar de fatores culturais que tornam complexa a ideia de direito humano como algo universal. Os Direitos em Educação (concepção de dignidade humana correlata) precisam ser tensionados pela diversidade cultural, considerando que a ideia de dignidade humana pode ser permanentemente ampliada, ressignificada por novas demandas oriundas de formas diferenciadas e sofisticadas de preconceitos e discriminações. No fortalecimento de uma concepção não hegemônica dos Direitos Humanos (padrão ocidental/razão iluminista) constatamos que os diferentes movimentos que buscam uma democracia de alta intensidade, mais participativa e substantiva direcionam-se pela noção de igualdade e diversidade. Valores como igualdade, liberdade e diversidade humana, conceitos emdisputa, são referências incompletas que podem servir de eixos articuladores na qualificação das práticas educativas em direitos humanos, como formação política, ética e estética. Rejeitamos visceralmente o direito à ‘in-diferença’. É necessário ligar a diferença e a igualdade, pois consideramos que esta articulação está no âmago da própria democracia. A nossa evolução consiste em considerar pessoas iguais como diferentes. “Deve prevalecer um sentido de dignidade na busca da qualidade de vida, mesmo que as condições econômicas e sociais sejam adversas. O tratamento digno da pessoa, como pessoa, é o fundamental.”6 4 Ao trabalhar com crianças e adolescentes sobre a noção de Direitos Humanos, sugere-se a consulta do livro “Os Direitos Humanos” escrito por Ziraldo. A obra, que é uma parceria do Minis- tério da Educação com a Unesco, traz todos os artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e um personagem bem conhecido nas ilustrações: o Menino Maluquinho. As páginas coloridas da publicação foram desenvolvidas pelo próprio criador do personagem, o cartunista Ziraldo. O Menino Maluquinho participa de situações que retratam os diversos temas dos Direitos Humanos como cidadania, igualdade, saúde, meio ambiente, educação e moradia. 5 Sobre a diversidade cultural no Brasil ver: www.diversidadeculturalbrasileira.com/ e portal.unesco.org/en/ev.php-URL_ID=10238&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html 6 Entrevista de Maria de Lourdes Pintasil: http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/entrevista_31081994.shtml 15 7 Roseli Inês Hickmann - Faculdade de Educação - UFRGS 8 Para um aprofundamento da temática direitos humanos vale a pena consultar os seguintes sites: www.dhnet.org.br / www.direitoshumanos.usp.br / www.direitoshumanos.gov.br / www.mndh.org.br / www.dominiopublico.gov.br / www.plenarinho.org.br Dimensão Conceitual7 A intenção nesta parte é sensibilizá-lo/a e conduzi-lo/a a uma reflexão no âmbito da compreensão dos direitos humanos8. Para isso, tomamos emprestadas as ideias da socióloga Maria Vitória Benevides (2000, p. 03), que nos lembra de que os direitos humanos [...] são aqueles direitos considerados fundamentais a todos os seres humanos, sem quaisquer distinções de sexo, nacionalidade, etnia, cor da pele, faixa etária, classe social, profissão, condição de saúde física e mental, opinião política, religião, nível de instrução e julgamento moral. A partir, então, deste entendimento de direitos humanos, necessitamos estabelecer alguns vínculos com a educação que realizamos em nossas escolas. Ou seja, desejamos inspirá-lo e ao mesmo tempo instigá-lo para a promoção e a afirmação dos direitos humanos no cotidiano do contexto escolar, como uma possibilidade de encurtar e minimizar as distâncias e desigualdades culturais, sociais, políticas e econômicas existentes em nossa sociedade, bem como oportunizar a apropriação de saberes sobre a noção de direitos que viabilizem e fortaleçam laços de convivência de nossos educandos, tendo presente o respeito à diversidade e à pluralidade com relação aos jeitos diferentes de ser e de conviver. Trata-se de (re)construir relações em que se possa conviver ao mesmo tempo com a participação, o diálogo, a solidariedade, a diversidade, a igualdade e o direito de expressar-se livremente e, para que isso aconteça, é necessário pensar nas distintas pessoas com as quais convivemos diariamente em nossas vidas, e de forma mais próxima, no contexto escolar. Estas pessoas são diferentes e necessitam ser olhadas a partir deste ângulo para que possamos reconhecê-las como iguais em dignidade e humanidade, porém diferentes em suas múltiplas identidades, no sentido da raça, da etnia, da sexualidade, do gênero, da religião, da idade, das capacidades físicas e intelectuais, dos ritmos de aprendizagem, das crenças políticas, das regiões geográficas, etc. Cabe lembrar que, dentre os vários princípios de convivência, a participação é um dos princípios que nos possibilita vivenciar os direitos humanos de maneira mais argumentativa, dialógica, democrática e cooperativa nos tornando protagonistas de nossas trajetórias de vida. E qual seria o significado de participação? [...] significa, em primeiro lugar, ter acesso à informação para poder decidir. Implica igualmente desenvolver as habilidades e competências necessárias para participar, como pensar nas diversas opções, transmitir opiniões, ouvir o outro, tomar decisões em grupo, etc. Só participa quem aprende a fazê-lo, o que evidencia a importância da mediação educativa na constituição de seres humanos mais autônomos e solidários. A participação exige um tempo de preparação, de reflexão e de diálogo, sob pena de ser inconsequente ou objeto de manipulação. Sem locais, estruturas ou espaços adequados, na família, na escola, na vizinhança, na região ou mesmo a nível nacional, a participação não passa de uma fachada que legitima ‘simpaticamente’ a decisão dos adultos. (Delgado, 2006, p.43) 16 Para que tal intenção se realize queremos convidá-lo/a a refletir sobre algumas ideias que poderão germinar possibilidades de ação e de intervenção e que poderão auxiliar na construção permanente de sujeitos de direitos no âmbito escolar e, desta forma, contribuirão para a formação de sujeitos mais humanos e sensíveis em nossa sociedade. Ou seja, é necessário olhar e perceber esta criança, adolescente e jovem não como um adulto em miniatura, mas como uma pessoa distinta do adulto e digna de respeito, escuta, diálogo, e, principalmente, como um sujeito com direito à proteção integral, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente. Portanto, o Programa Mais Educação caminha no sentido de compreender as crianças, adolescentes e jovens como sujeitos de direitos, na medida em que respeita a cultura dos alunos, busca integrar escola e comunidade, conhecimentos do saber comum com os escolares e oferecer temas, que cabe a comunidade escolar escolher de acordo com a sua própria realidade. Também é importante lembrar sobre a necessidade de sermos tratados de forma igualitária pelo âmbito da lei e da justiça e de transformarmos este direito à igualdade em vivências compartilhadas, onde o ser igual implica reconhecer que temos necessidades comuns como seres humanos e como sujeitos de direitos, mas que lei e a justiça não podem anular o direito a ser diferente, em suas distintas expressões. Por exemplo, no que se refere à igualdade, temos que ter presente em nossas vidas, que todos temos direito à educação, a uma escola de qualidade na qual se possa aprender com respeito e dignidade. Por outro lado, é necessário pensar que cada um de nós tem um ritmo próprio para aprender e que necessita ser respeitado, aceito e desafiado dentro deste tempo e ritmo de aprendizagem, de acordo com as suas necessidades e capacidades, respeitando as suas diferenças. Portanto, igualdade e diferença são princípios que necessitam estar articulados e em diálogo constante, para que possamos tornar os direitos humanos um exercício de alteridade de convivência justa, respeitosa e democrática. Mas o que quer dizer exercitar a alteridade nos nossos modos de ser e conviver? Significa compreender a alteridade como o exercício da capacidade de respeitar e reconhecer a cultura e os direitos do outro, colocando-se no lugar deste outro, a fim de melhor compreendê-lo, considerando que cada pessoa afeta e é afetada pelo contexto sociocultural, econômico, político e histórico, em que se encontra inserida. Como nos lembra a escritora Ana Maria Machado (1996, p.58): Para tanto, é necessário compreender as crianças, adolescentes e jovens que frequentam a escola como alunos e estes como sujeitos de direitos, isto é, percebê-los a partir do seu ponto de vista, com seus interesses, necessidades, concepções do contexto sociocultural em que se encontram imersos, com distintos modos deolhar e dar sentido ao mundo em que vivem por meio de suas ações, pensamentos e palavras e não apenas do ponto de vista dos adultos. Quer dizer, não dá para querer igualdade sem tolerar a diferença, para não virar opressão. Todo mundo deve ter direitos iguais, as pessoas devem ser iguais perante a lei. Mas isso em momento algum deve significar que elas tenham que ser iguais. Porque, simplesmente, não são e não serão nunca. A igualdade tem que se dar na esfera do convívio social, no mundo do direito, na legislação que garanta justiça em todos os níveis. Porque – e eu acho isso tão bonito que me comovo só de pensar – igualdade tem a ver com justiça e isso é invenção da humanidade em seu processo de civilização. 17 Tais princípios também se encontram vinculados a determinadas práticas socioculturais e de convivência, que necessitam ser contextualizados e interpretados segundo padrões e valores culturais que são construídos a partir da maneira como cada grupo/comunidade/sociedade simboliza e dá significado aos seus rituais e modos de viver. Desta forma, a dimensão cultural dos direitos humanos também passa a se constituir como necessária e fundamental para a desconstrução de preconceitos e discriminações em nossas escolas, pois oportuniza que se passe a olhar as crianças, adolescentes e jovens, com as suas distintas trajetórias de vida e inserções em famílias com uma multiplicidade de configurações e relações de parentesco. Tais arranjos familiares, em muitos casos, se distanciam dos modelos determinados pelos padrões de uma determinada sociedade, quanto às práticas convencionais e tradicionais assumidas por homens e mulheres, que passam a ocupar posições diferenciadas, tanto na educação dos filhos quanto na divisão das tarefas domésticas. Sobre a temática gênero e direitos, vale a pena assistir e dialogar sobre o vídeo “Em frente da lei tem um guarda”, dirigido por Ana Luiza Azevedo (2000). Também é pertinente ter como uma referência e um recurso em situações de vulnerabilidade a lei Nº 11.340, de 07/08/2006, que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, intitulada de Lei Maria da Penha. Outra ideia a ser compartilhada é a de que educar para a vivência dos direitos humanos a partir do ambiente escolar, por meio da Educação Integral, é envolver-se com experiências que oportunizem às crianças, aos adolescentes e jovens, tanto na escola quanto em outros espaços de convivência, o exercício da ética como o aprendizado do cuidado de si, desenvolvendo experiências que possibilitem aprendizagens com relação à preservação da integridade física, psíquica e emocional, à liberdade, à autonomia, à participação, à proteção, à solidariedade, ao respeito à diversidade, etc., dando o contorno da dimensão ética que deve estar presente no ideário e vivência dos direitos humanos. Ensinar o cuidado de si mesmo às crianças, aos adolescentes e jovens indica que eles já não podem ficar mais exclusivamente sujeitos aos cuidados do adulto, pois o adulto nem sempre, tampouco inerentemente, envolve-se com o respeito e as exigências dos direitos das crianças, dos adolescentes e dos jovens, no sentido de acolhê-los, ampará-los e respeitá-los em suas identidades etárias e em seus modos de ser e pensar próprios. Ensinar, interpelando- os com os discursos sobre as crianças, adolescentes e jovens como sujeitos de direitos, implica dizer-lhes que se protejam daqueles adultos que os põem em perigo, os desrespeitam, os levam ao desamparo, ao abandono, a situações de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Trata-se da preservação da vida dos sujeitos infanto-juvenis, produzida pela articulação dos direitos-proteção (à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à convivência familiar, etc.) com os direitos-liberdade (liberdade Mas o que se quer dizer com ensinar às crianças, aos adolescentes e aos jovens o aprendizado do cuidado de si? Neste caso, o cuidado de si deve ser compreendido como uma atividade política, uma prática cotidiana do cuidado da alma e do corpo, um preceito de vida em que vamos realizando transformações em nossa forma de ser, agir e sentir, nos tornando soberanos de nós mesmos e independentes. Quanto mais formos capazes de aprender a cuidar de nós mesmos, mais seremos capazes de cuidar dos outros e de nos tornarmos responsáveis pelos demais em nossa sociedade. Isto é, sermos cidadãos comprometidos com o bem-estar de todos que estão à nossa volta, buscando viver e nos guiar, então, pelo princípio do cuidado de si e pela ética. 18 de expressão, de opinião, de reunião, de ter escolhas, de ser ouvido, de participar, de ser aceito na sua diferença/alteridade de ser criança e/ou adolescente, de crença e culto religioso, de brincar, de praticar esportes, de divertir-se, etc.). Embora tenso e paradoxal, para muitas crianças, adolescentes e jovens, os discursos e práticas que os assujeitam são os mesmos que propõem que resistam e se insurjam contra todas as práticas que atentam contra suas vidas. Ou seja, observa-se uma mirada tensionada por contraposições e (com)posições na qual os direitos- proteção ao promoverem um discurso protecionista da infância e da adolescência – seja no âmbito pedagógico ou familiar – se aproximam das práticas culturais oportunizadas pelo currículo escolar, marcadamente atravessadas pelas tecnologias do poder disciplinar, enquanto os direitos- liberdade ao promoverem um discurso emancipador estabelecem sintonias e aproximações com as técnicas de si, naquilo que possibilita às crianças e adolescentes escolarizadas assumirem-se como sujeitos de direitos com autonomia, capacidade e competência para aprenderem a cuidar de si (Hickmann, 2008). É nesse movimento, de trânsito e tensão entre as tecnologias de poder e as técnicas de si que se (re)produz a vida deste sujeito criança, adolescente ou jovem como um sujeito de direitos menos submetido e subjugado ao discurso do outro-adulto, na posição de submissão ao poder do adulto, pois somente os direitos que se conhecem é que se podem exigir que se cumpram. Ou seja, quanto mais conhecermos e nos apropriarmos sobre o que temos direito, em nossa sociedade, mais poderemos encontrar os caminhos para que eles se tornem acessíveis e reais em nossas vidas. Ao se observar a trajetória das legislações que contemplaram os direitos da infância, adolescência e juventude no Brasil, constata-se uma intencionalidade em desconstruir a imagem da criança, do adolescente e do jovem visto como pobre, indigente, infrator e abandonado, bem como estando em situação irregular e sendo considerado menos humano em seus direitos. A intenção era, por meio da lei, tornar pública a ideia de que as crianças, adolescentes e jovens deveriam ter direitos iguais e serem considerados sujeitos de direitos. Isto é, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA veio para tentar legitimar um direito à infância e à adolescência para todos, sem distinções de classe social, de raça/etnia, de gênero, ou outra forma de discriminação cultural e/ou social. O ECA pode, então, ser interpretado como um documento legal que visa normatizar e normalizar a vida das crianças e adolescentes para que possam vivenciar a experiência da infância e da juventude, buscando incluir, tanto crianças e adolescentes que se encontram em situação de vulnerabilidade e risco, quanto crianças, adolescentes e jovens que querem apenas viver o seu tempo com os direitos que são peculiares a sua faixa etária. Trata-se, portanto, de considerar o ECA como um discurso, com poder e força de lei, que visa à prevenção Cabe, então, considerar que a escola é um espaço privilegiado para oportunizar situações de vivências e de aprendizagens, tanto pelo currículo formal em articulação com as atividades da jornada ampliada, por meio de oficinas, debates,palestras, sessões de cinema, exposição de cartazes e fotos, apresentação de peças teatrais, festivais de dança e grupos musicais, quanto por meio de visitas a diferentes espaços como feiras, museus, memorial da justiça, câmara de vereadores, assembleia legislativa, etc. Espaços que possibilitem pensar como os direitos humanos e, de forma singular, os direitos promulgados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – Lei 8069/1990, possam se tornar presentes na realidade de cada indivíduo, problematizando temas do nosso dia a dia como educação, saúde, alimentação, moradia, não violência, lazer, trabalho, cultura, esporte, transporte, etc., que possam tornar a vida a ser vivida mais digna e menos injusta. 19e proteção, principalmente ao tentar deslocar as crianças, adolescentes e jovens das classes mais vulneráveis da posição de risco, ou como um gerador de risco à sociedade, tornando-se imprescindível para proteger a infância e a juventude das adversidades e intempéries do viver. Neste sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente ao se tornar visível, vivenciado e apropriado por toda comunidade escolar, (alunos, pais, professores, educadores sociais, funcionários etc.) no contexto do currículo escolar pode promover mudanças na forma das pessoas se relacionarem e se respeitarem como sujeitos portadores de direitos, bem como de construir possibilidades. Possibilidades de se realizar escolhas pessoais, a partir da maneira como estas crianças, adolescentes e jovens se relacionam consigo mesmos e com os outros. Possibilidades de permanecerem vivos, mais informados e esclarecidos sobre o que os atravessa, sobre suas histórias, direitos, violências, liberdades e proteções, constituindo, desta forma, um saber sobre si mesmos que os empodera e que os protege nas relações com os adultos. Possibilidades de ocuparem um lugar de sujeito reconhecido, a quem já há consensos sobre direitos básicos, deveres das instituições. Possibilidades que não se orientam em termos de sujeição e obediência, com o intuito de submeter ou exaurir suas forças, mas, sobretudo, para investir produtivamente e positivamente em práticas de cuidado de si, que potencializem estas crianças, adolescentes e jovens, posicionados no lugar de sujeitos de direitos, para que sejam capazes de participar e contribuir no que lhes diz respeito, experimentando as múltiplas infâncias, adolescências e juventudes a que têm direito. Cabe lembrar, que os direitos humanos estão vinculados a normas, leis e estatutos, isto é, a uma dimensão jurídica, que regulamentam os princípios de convivência e que foram construídos historicamente e, portanto, necessitam estar constantemente sendo repensados e (re)elaborados para garantir e proteger os seres humanos contra qualquer abuso de poder que possa afetar a dignidade humana e, de forma especial, das crianças, adolescentes e jovens, pois necessitam ser tratados, ao mesmo tempo, com respeito e liberdade sem descuidar da proteção e do amparo. Para tanto, é necessário compreender, inicialmente, quem são os sujeitos envolvidos com os lugares de ser criança e adolescente e de ser aluno. É importante educar o nosso olhar para percebê-los e torná-los visíveis e construi-los na posição de sujeitos de direitos. Se observarmos diferentes salas de aula, nas diversas regiões de nosso país, é possível perceber uma multiplicidade de infâncias e adolescências em circulação, em seu interior9. Pode- se observar que são crianças e adolescentes atravessados por muitas histórias, enredadas por tramas mais tensas, intensas, alegres, dolorosas, fantasiosas, solitárias: crianças e adolescentes com tênis rasgado e costurado à mão em casa, cabelos com cortes da moda que foram cortados no salão de beleza unissex da esquina, que não destoam tanto dos cortes do shopping, e que Quem são as crianças e adolescentes que vão à escola e que terão de construir-se e identificar-se com o lugar de ser aluno na sala de aula e de ser sujeito de direitos? São crianças e adolescentes marcados por diferentes trajetórias e histórias de vida, que vão dando o contorno para que sejam múltiplas as identidades que teremos que dar conta na escola e sociedade contemporânea. 9 Segundo dados do relatório do UNICEF – Situação mundial da infância 2006: excluídas e invisíveis, as crianças estão sofrendo um processo de apagamento e de invisibilidade devido às situações de negligência, maus tratos e desamparo a que são submetidas. Conforme o relatório, as crianças têm se tornado “[...] invisíveis, efetivamente desaparecendo dentro de suas famílias, de suas comunidades e de suas sociedades, assim como desaparecem para governos, doadores, sociedade civil, meios de comunicação e até mesmo para outras crianças. Para milhões de crianças, a principal causa de sua invisibilidade são as violações de seu direito à proteção. É difícil obter evidências consistentes da amplitude des- sas violações, porém há diversos fatores que parecem básicos para aumentar os riscos que ameaçam tornar as crianças invisíveis: ausência ou perda de uma identificação formal; proteção inadequada do Estado para crianças que não contam com cuidados por parte dos pais; exploração de crianças por meio do tráfico e de trabalho forçado; e o envolvimento prematuro da criança com papéis que cabem aos adultos, como casamento, trabalho perigoso e conflitos armados. Entre as crianças afetadas por esses fatores estão aquelas que não foram registradas ao nascer, crianças refugiadas e deslocadas, órfãos, crianças de rua, crianças em prisões, crianças em casamentos precoces, em trabalho perigoso ou em conflitos armados, crianças vítimas do tráfico e crianças presas a contratos.” (Situação mundial da infância 2006, p.35, UNICEF). 20 aparecem como algo bastante desejado por muitos(as) meninos(as); crianças e adolescentes com maus tratos físicos e com histórias nebulosas sobre os motivos de tal acidente; crianças e adolescentes cuja mãe é chamada constantemente porque seu(sua) filho(a) é considerado pela escola como “hiperativo” e necessita “ser tratado”, “medicalizado” em sua subjetividade; crianças e adolescentes que colecionam figurinhas de bandas e grupos musicais e que fariam de tudo para poderem ir ao show de suas bandas preferidas; crianças e adolescentes que realizam tarefas domésticas para ajudar em casa, que nem sempre se distinguem do trabalho infanto- juvenil realizado informalmente por outras tantas destas crianças e adolescentes, como auxiliar na coleta e reciclagem do lixo; crianças e adolescentes que se misturam aos jovens de seu bairro e que utilizam o grafite como uma arte, expressão e lazer, que também remete aos processos de “juvenilização” da cultura10, em busca de convivências mais identitárias com a sua “turma”; crianças, adolescentes e jovens que têm gostos musicais de diferentes gêneros, como Rap, Funk e Hip-Hop, e que encontram na música e na dança formas de manifestarem seus estilos de vida, amores, sonhos e dissabores; crianças, adolescentes e jovens que vão e voltam da escola sozinhos e/ou acompanhados, por irmãs e irmãos, muitas vezes tendo que cuidá-los e protegê-los dos possíveis perigos e riscos que o espaço da rua impõe. Sucintamente, é sobre essas crianças e adolescentes, com suas múltiplas experiências de infâncias e adolescências, que necessitamos nos interrogar e nos inquietar, buscando compreendê-las e posicioná-las no lugar de sujeitos de direitos e portadores de dignidade. Se você quiser explorar a temática das múltiplas infâncias e adolescências, com as quais convivemos e compartilhamos inúmeros momentos em nossas práticas didático-pedagógicas, recomenda-se assistir ao vídeo-documentário “Ciranda, cirandinha: histórias de circulação de crianças em grupos populares”, de autoria da antropóloga Cláudia Fonseca (1994), assim como o vídeo-documentário “A invenção da infância”, dirigido por LilianaSulzbach (2000), tendo como fio condutor a instigante afirmação: “ser criança não significa ter infância”. Também merece atenção o documentário denominado “Criança, a alma do negócio”11 , bem interessante para problematizarmos as relações entre infâncias, direitos, consumo e publicidade, tão presentes na sociedade de mercado atual. Nos documentários sugeridos acima se percebe, então, que o lugar da infância e da adolescência tem aparecido de forma híbrida, nômade e heterogênea, migrando em seus significados, de acordo com as características dos contextos históricos, geográficos, econômicos, políticos, sociais e culturais. Neste sentido, diversos filmes têm buscado captar os distintos cenários infanto- juvenis como uma forma de nos sensibilizar para que passemos a viver experiências em direitos humanos de forma mais cotidiana, incluindo e priorizando as nossas crianças e adolescentes como protagonistas. Com o intuito de aprofundar e ampliar o leque de perspectivas analíticas, envolvendo a relação entre infância, adolescência e cinema, sugiro consultar a obra: “A infância vai ao cinema” (2006), organizada por Inês Teixeira, Jorge Larrosa e José Lopes. Dentre uma gama de filmes, destacaria “Crianças Invisíveis” (2005), com suas sete histórias curtas sobre o universo das múltiplas infâncias e adolescências que estão em circulação pela sociedade contemporânea. É um convite para que miremos a infância e a adolescência de maneira caleidoscópica, transitando dentre muitos e distintos sentimentos como a delicadeza, a ternura e a generosidade, ou como o desamparo, o medo e a solidão. A cada história, somos interpelados por cenas que nos capturam pela densidade do humano e que nos sensibilizam, nos 10 Sobre o sentido de juvenilização da cultura, cabe esclarecer que neste contexto está se referindo a todo um movimento que tem ocorrido na sociedade contemporânea, no qual as múltiplas formas de se experimentar a juventude passam a ser o modelo cultural a ser desejado e adotado pelas diferentes gerações. Também se sugere consultar o Caderno do tema Cultura e Artes do Programa Mais Educação, com o intuito de realizar atividades didático-metodológicas mais articuladas e sintonizadas com o presente caderno. 11 Disponível em: www.youtube.com/watch?v=dX-ND0G8PRU&feature=related 21instigam, nos causam desconforto, nos desassossegam, ou ainda nos convocam a penetrarmos pelos labirintos de nossos corações e de nossas memórias infanto-juvenis e de vivências escolares para interrogarmos sobre o que temos feito para e com as nossas infâncias e adolescências. Os limites entre a insensibilidade e a humanização são tênues e delicados e estão a cada instante nos fazendo penetrar em nós mesmos para resgatarmos horizontes de possibilidades para as crianças e adolescentes expostos em suas sensibilidades, tanto nas tramas narradas nos filmes, nos documentários, na literatura, quanto na vida que tem urgência em ser vivida, de maneira que elas possam experimentar as suas infâncias e adolescências de forma mais digna e humana, sem descuidar dos seus direitos. Com o intúito de contribuir didaticamente para a construção deste lugar de sujeito de direitos junto às crianças, adolescentes e jovens que frequentam a escola, você poderá desenvolver algumas oficinas que poderão ser vivenciadas de acordo com as necessidades e interesses dos diferentes grupos, considerando as várias faixas etárias. Abaixo, você encontrará uma sugestão de oficina. Fique bem à vontade para adaptá-la ao seu grupo de estudantes. ▪ Temática: infância, adolescência, juventude e o trabalho infanto-juvenil. ▪ Sugestão de título da oficina: “Saiba: todo mundo tem direito à infância e à juventude” - Objetivo: problematizar as relações entre infância, adolescência, juventude e mundo do trabalho, de maneira que os sujeitos da aprendizagem, participantes da oficina, compreendam que o trabalho precoce e em condições adversas pode contribuir para que a vida de muitas crianças, adolescentes e jovens seja vivida sem terem o direito a experimentarem o seu tempo de infância e de juventude, bem como de usufruírem dos direitos que lhe são próprios na condição de sujeitos de direitos, como o direito ao lazer, ao esporte, à brincadeira, à educação, à cultura, à saúde, e etc., conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.060/1990. - Recursos/material a ser explorado: uma mochila ou sacola contendo pequenos objetos que remetam a diferentes momentos e experiências da vida das crianças, adolescentes e jovens, como por exemplo, trabalho, afazeres domésticos, brincadeiras, jogos, diversão, estudo, esportes, música, dança, etc.; música: Criança não trabalha - Composição: Arnaldo Antunes e Paulo Tatit – CD Canções Curiosas (1998); música: Saiba – Composição: Arnaldo Antunes – CD Saiba (2004); música: Eu despedi o meu patrão – Composição: Zeca Baleiro – CD PetShop Mundo Cão (2002); livros paradidáticos: “Serafina e a criança que trabalha” (Ed. Ática), “Trabalho Infantil: o difícil sonho de ser criança” (Ed. Ática), “Antes que o mundo acabe” (Ed. Projeto), “A outra face: história de uma garota afegã” (Ed. Ática), Gibi “A turma da Mônica em: o Estatuto da Criança e do Adolescente” (versão em pdf, 2006, disponível no site www. promenino.org.br); tiras/charges da declaração dos direitos da criança comentada por Mafalda e seus amigos para o UNICEF (ver livro: Toda Mafalda – da primeira a última tira, Quino, Ed. Martins Fontes); Crônica: “Alunos”– Eduardo Galeano; aparelho de som portátil; papel pardo; folhas coloridas; lápis/ caneta; pincel atômico; barbante/cordão e prendedores. - Tempo previsto: no mínimo, dois encontros. - Inspiração/situação desencadeadora/encaminhamentos: 22 Na próxima seção você terá oportunidade de relacionar as ideias apresentadas no decorrer deste caderno com algumas possibilidades de encaminhamentos práticos, com o intuito de oferecer inspirações para aprendizagens e vivências em suas oficinas de Direitos Humanos. 1º momento: solicitar que cada participante retire da sacola ou mochila um objeto e pense sobre o seu significado comparando, interrogando e relacionando os direitos das crianças, adolescentes e jovens com o mundo do trabalho, expondo suas ideias ao grande grupo, enquanto coloca o objeto sobre uma mesa, no centro da sala. 2º momento: audição acompanhada da letra da música “Criança não trabalha” – Composição: Arnaldo Antunes e Paulo Tatit – CD Canções Curiosas (1998). Após a escuta da música cada participante é convidado a pronunciar em voz alta uma palavra que tenha julgado significativa, que poderá ser registrada no quadro ou num painel feito com papel pardo, abrindo-se o debate com todo o grande grupo. 3º momento: narrar algumas histórias, bem como interpretar algumas imagens dos livros paradidáticos: “Serafina e a criança que trabalha” (Ed. Ática); “Trabalho Infantil: o difícil sonho de ser criança” (Ed. Ática). Estes livros são mais recomendados para crianças e pré-adolescentes. Caso você queira desenvolver esta atividade com jovens e adolescentes sugere-se os seguintes livros: “Antes que o mundo acabe” (Ed. Projeto); “A outra face: história de uma garota afegã” (Ed. Ática). 4º momento: varal de ideias - converse com o seu parceiro/colega ao lado e depois escreva junto com ele uma história inventada que aborde algum dos assuntos debatidos em nossas oficinas, para que possa ser lido, comentado, compartilhado e pendurado no varal de ideias. 5º momento: audição da música Saiba - Composição: Arnaldo Antunes – CD Saiba (2004), acompanhada da versão escrita e de comentários pelos participantes, relacionando-a com o título da oficina. Caso o grupo seja composto de adolescentes e jovens, sugere-se substituir esta música por outra denominada: “Eu despedi o meu patrão” – Composição: Zeca Baleiro – CD PetShop Mundo Cão (2002), que também poderáser acompanhada de versão escrita e comentários. 6º momento: leitura e reflexão coletiva da crônica “Alunos” de Eduardo Galeano, contida na obra “De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso” (1999). 23 12 Diana Mendes Machado da Silva – FFLCH-USP / Luciana Bilhó Gatamorta – FE-USP Dimensão Prática12 E sta dimensão propõe-se a oferecer subsídios para articular o tema Direitos Humanos à prática cotidiana escolar. Ele está dividido em duas partes nas quais descrevemos: ▪ a especificidade da ligação entre o tema Direitos Humanos e o trabalho escolar; ▪ uma plataforma de diálogo entre escola e o tema Direitos Humanos. Acreditamos que considerar a educação como um direito humano realizado pelas instituições de ensino traz implicações de caráter político-pedagógico para o trabalho escolar. Sendo um direito, é preciso garantir que todos tenham acesso à educação e aos bens culturais nela difundidos. Assim, é preciso que a escola tenha um olhar investigativo para a comunidade na qual está inserida, diagnosticando quais os entraves para a plena realização desse direito. O levantamento das características da comunidade escolar (seus modos de ser e viver), seus índices de evasão e reprovação, são alguns dos aspectos a serem observados na elaboração dos diagnósticos. Feito o diagnóstico, é fundamental pensar em ações coletivas e dialogadas que possibilitem a superação desses entraves, promovendo a realização plena do direito. Ações coletivas e dialogadas, pois devem ser objeto de reflexão de todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem: educadores, gestores, alunos e pais. Os fóruns coletivos, tais como: conselho de escola, APM, comissões de classe, entre outros, são instâncias privilegiadas para a discussão dessas questões e para a elaboração de ações educativas neste sentido. A segunda dimensão a ser considerada na Educação em Direitos Humanos é a formação para os Direitos Humanos, ou seja, para a participação ativa na sociedade democrática, na vida pública de nossa sociedade com a consideração da condição de sujeitos de direitos que todos somos. Dentro desta dimensão é importante ressaltar que os Direitos Humanos além de ser um campo de saberes a ser aprendido e debatido, são também um conjunto de valores que orientam nossas práticas e condutas. Isso quer dizer que uma Educação para os Direitos Humanos não se faz apenas com a discussão do conteúdo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas também e, sobretudo através da conduta dos educadores em sala de aula, na maneira como a escola dialoga com a comunidade, nas escolhas dos conteúdos e metodologias que serão utilizados. Assim, a formação para os Direitos Humanos não deve ser preocupação apenas do educador responsável pelas oficinas do caderno Direitos Humanos, mas também de toda a comunidade escolar. As oficinas aqui sugeridas oferecem situações para que os alunos se reconheçam como sujeitos de direitos e nesse sentido sejam capazes de lutar pela sua realização e ampliação. A partir do diálogo com a cultura, em diversas linguagens como a canção ou as artes plásticas, elas procuram discutir o lugar dos Direitos Humanos na cultura brasileira. Ou seja, é a partir de elementos vivenciados pelos educandos que se colocam as reflexões sobre o assunto. Para que a escola alcance o sentido de uma educação para os Direitos Humanos, ela deve considerar, como nos diz o Prof. José Sérgio Carvalho: 24 É, portanto, por meio da discussão dos temas, das práticas cotidianas e também de exemplos de conduta que se dá o ensino dos valores ligados aos Direitos Humanos. Dentro das diversas áreas de conhecimento, é possível discutir os princípios que orientam os Direitos Humanos, a saber, o respeito, a tolerância, a diversidade cultural, sem realizar uma falsa operação de ligação com a temática: Por último, defendemos que, ao realizar o seu papel de instituição cultural – distribuindo os bens culturais para todos, vencendo velhos mecanismos de exclusão e autoritarismo, ao dialogar com seus alunos e comunidade – as escolas já estão realizando uma Educação em Direitos Humanos. O aprendizado de princípios e valores éticos, como os que animam os Direitos Humanos, não se dá, portanto, pela sua simples veiculação verbal. Ao contrário, sua transmissão e preservação dependem das práticas sociais cotidianas dos profissionais da educação, da consciência que tem dos princípios que as animam e do significado de seus esforços no sentido de os traduzirem, aplicá-los e mantê-los vivos. A melhor forma de cultivá-los e transmiti-los como um dos mais importantes legados culturais da humanidade é torná-los presentes não só em suas palavras, mas em suas ações como professores e profissionais da educação [...] Ao que acrescentaríamos que é sendo um professor justo que ensinamos o valor e o princípio da justiça aos nossos alunos; sendo respeitosos e exigindo que eles também o sejam é que ensinamos o respeito, não como um conceito, mas como um princípio de conduta. Mas é preciso ainda ressaltar que o contrário também é verdadeiro, pois se as virtudes, como o respeito, a tolerância e a justiça são ensináveis, também o são os vícios, como o desrespeito, a intolerância e a injustiça. E pelas mesmas formas (CARVALHO, 2007, pp. 484) Um professor de literatura, por exemplo, encontrará na tradição literária brasileira personagens, eventos e configurações sociais que lhe permitirão análises críticas e reflexões éticas vinculadas a esses ideais. Analogamente, um professor de história encontrará no âmbito de sua disciplina outras inúmeras oportunidades de abordar o tema, vinculando seu ensino não só à transmissão de um conhecimento específico, mas ao cultivo de um conjunto de valores que, por seu caráter público, devem nortear a ação conjunta de toda a instituição. Isso porque os conteúdos escolares não são meras informações, eticamente neutras, mas representam uma herança simbólica pública à qual atribuímos valor. (CARVALHO, 2007, pp. 482-483) 25O Tema Direitos Humanos e a escola De acordo com o documento de referência para esta discussão: O trecho selecionado figura como a síntese das intenções deste item. Nele procuramos explicitar que relações podem ser estabelecidas entre o tema Direitos Humanos e as unidades escolares envolvidas com a proposta, considerando algumas das dimensões supracitadas: Projeto Político-Pedagógico, tempos, espaços e currículo, além de gestão e comunidade escolar. Como descrito anteriormente, no que se refere especificamente à Educação em Direitos Humanos, acreditamos que ela acontecerá na medida em que a escola estiver empenhada em fazer do ensino de valores fundamentais à vida pública os princípios que norteiam toda e qualquer prática educativa, para além de sua mera tematização. O que poderá ocorrer de variadas formas e em diferentes níveis, em acordo com as opções político-pedagógicas que ela assumir. Inicialmente, destacamos alguns dos princípios que sustentam esta perspectiva de trabalho, pois como já descrevemos na dimensão política e conceitual, os direitos humanos não são aqui entendidos apenas como conteúdo didático-pedagógico, mas principalmente como um conjunto de ideais, valores e condutas. Desse modo, em nossa visão, assumir a defesa dos Direitos Humanos na educação escolar exige: ▪ o reconhecimento da diversidade cultural (expressas pela diferença etária, étnica, de gênero, entre outras) presente na comunidade escolar; ▪ o reconhecimento do contexto sociocultural no qual a escola está inserida, de forma a gerar situações significativas de ensino-aprendizagem; ▪ o envolvimento na luta pela garantia de acesso aos bens culturais e aos saberes das áreas de conhecimento para a comunidade escolar (aqui entendida como comunidade de aprendizagem13). Da observação desses princípios decorreuma consequência programática para a unidade escolar: Uma educação voltada para os Direitos Humanos deverá estar assegurada no Projeto Político- Pedagógico da escola. A defesa dos Direitos Humanos pode integrar o conjunto de princípios e metas que orientam o documento, servindo como subsídio para as práticas escolares e, ao 13 “Uma comunidade de aprendizagem é uma comunidade humana organizada que constrói um projeto educativo e cultural próprio para educar a si própria, suas crianças, seus jovens e adultos, graças a um esforço endógeno, cooperativo e solidário, baseado em um diagnóstico não apenas de suas carências, mas, sobretudo, de suas forças para superar essas carências” (Torres, 2003, apud Série Mais Educação – Educação Integral - Texto referência para o debate nacional, p. 31). A construção da proposta de Educação Integral [...] carrega, em sua dinâmica, as tensões candentes vividas para reorganizar espaços, tempos e saberes. Por isso, é preciso convergir, para o seio dessa proposta, o diálogo numa rede de coletivos de ação para reeducar a gestão política dos sistemas escolares e de seus quadros, criando, inclusive, um sistema de comunicação com estudantes, profissionais da área de educação, professores, gestores de áreas afins e outros parceiros, para troca de informações, acompanhamento, dentre outras demandas. Isso tudo implica assumir uma disposição para o diálogo e para a construção de um projeto político e pedagógico que contemple princípios, ações compartilhadas e intersetoriais na direção de uma Educação Integral. (Arroyo, 2002 apud Série Mais Educação – Educação Integral - Texto referência para o debate nacional, p. 31) 26 mesmo tempo figurar no núcleo de ações pontuais e continuadas previstas pela unidade escolar. Desta forma, garante-se institucionalmente a preocupação com o tema, na forma de respaldo teórico-metodológico. Assim, ela deve ser promovida por toda a comunidade escolar, nas diferentes situações de encontro e convívio, tais como reuniões de conselho de escola, reuniões pedagógicas, comissões de classe, grêmio estudantil, recreios, passeios, entre outros. Contudo, é preciso notar que ter em pauta os Direitos Humanos não significa que eles devam ser debatidos em toda a ocasião, mas que sejam considerados em quaisquer temas e decisões a serem tomadas pela escola. Para tanto, estes atores sociais precisam conhecer o campo de conhecimentos relacionados aos Direitos Humanos. Tempos, espaços e currículo, gestão e comunidade escolar Passemos agora ao cotidiano escolar propriamente dito. Neste item, oferecemos sugestões de articulação entre o tema Direitos Humanos e a escola, considerando algumas de suas principais dimensões: TEMPOS, ESPAÇOS e CURRÍCULO, GESTÃO e COMUNIDADE ESCOLAR. Optamos por apresentá-la a partir das possibilidades oferecidas pelo material que orienta o trabalho deste tema na JORNADA AMPLIADA DE EDUCAÇÃO. Acreditamos que ele, como totalidade e em suas parcelas organizativas (oficinas e atividades) sejam representativos da proposta que desejamos apresentar. Abaixo apresentamos como exemplo a oficina que aborda as questões da desigualdade e direitos humanos, que versa especificamente sobre a desigualdade racial e traz como conteúdo a análise de uma canção, seguida de uma série de atividades que buscam aprofundá-la: DESIGUALDADE E DIREITOS HUMANOS Tema: Desigualdade étnico-racial OBJETIVO refletir sobre as características da desigualdade social brasileira destacando a questão racial. Tempo necessário: 3 encontros Material necessário: cópias da letra da canção para que seja lida em dupla, pelos alunos; papel sulfite; lápis de escrever; lápis de cor; canetinhas e borrachas; Cd player; Cd “Do coccix até o pescoço”, Elza Soares – Gravadora Latin – 2004; imagens; excertos de textos ou outro tipo de suporte de informação sobre desigualdade racial. Atividade: audição da canção. Leitura, interpretação e discussão da letra da canção. Discussão e produção textual sobre desigualdade racial. Primeiro Encontro ▪ Audição da canção “A carne”. ▪ Leitura da letra da canção a ser realizada pela turma. ▪ Discussão sobre a canção a partir das seguintes questões: a. Por que, em sua opinião, o autor afirma que a “carne negra vai de graça pro presídio e para debaixo do plástico, e vai de graça para o subemprego e para os hospitais psiquiátricos”? b. Por que a carne mais barata do mercado é a carne negra? Vocês conseguem estabelecer relação entre esta afirmação e a História do Brasil? De que momentos vocês lembraram? ▪ Pedir para a turma recolher imagens, excertos de textos ou outro tipo de suporte de informação sobre desigualdade racial, para o próximo encontro. 27Segundo Encontro ▪ Retomar as discussões do encontro anterior. ▪ Reunir o material trazido pela turma. Leitura prévia, seleção e classificação do material trazido (separar o que o grupo acha interessante). ▪ Formar pequenos grupos para a elaboração de cartazes com as imagens e textos recolhidos. ▪ Levantar com a turma todas as informações necessárias que devem constar nos cartazes. Sugerir temas e possibilidades de abordagem. ▪ Apresentação dos cartazes para a turma e o educador. Terceiro Encontro ▪ Retomar as discussões do encontro anterior. ▪ Fazer síntese oral desta oficina, estabelecendo relação com a oficina anterior sobre desigualdade racial (oficina 2). ▪ Imaginar a possibilidade de acrescentar novo artigo à Declaração dos Direitos Humanos e redigir, em pequenos grupos, artigo específico sobre racismo e desigualdade racial. ▪ Apresentação dos artigos para a turma e o educador. Como podemos notar, a problemática da desigualdade racial, expressa pelo artista, é discutida, a um só tempo, no campo da arte, da linguagem e comunicação, no campo da história e da política, sem, contudo, tratar-se de conteúdo exclusivo dessas disciplinas, situação que possibilita, nesse contexto, sua exploração por todas elas, se os educadores assim o desejarem. As características desta oficina, em atendimento à proposta do Programa Mais Educação, enunciam possibilidades para o trabalho interdisciplinar, apontando caminhos também para outra forma de olhar a organização do currículo. Podemos analisá-la ainda sob outro aspecto, considerando a perspectiva de aprendizagem do educando. É interessante notar que a oficina organiza-se como sequência de atividades14, o que facilita a troca de conhecimentos entre educadores e educandos, favorece o respeito aos modos e ritmos de aprendizagem, além de fornecer a gradação de dificuldade necessária a toda aquisição e/ou construção de conhecimento, conforme a orientação encontrada no texto de referência. Ainda a partir da quarta oficina, podemos inferir outras possibilidades de compreensão e uso dos TEMPOS escolares. A mediação entre os turnos, prevista por essa oficina (na sugestão de exposição e discussão dos trabalhos, por exemplo), aponta possibilidades de diálogo e planejamento coletivo entre os educadores do turno regular e da jornada ampliada, o que garante a integração e a complementaridade entre as atividades desenvolvidas e, portanto, entre os períodos. Além disso, sua organização interna promove não só a reflexão sobre o problema da desigualdade racial em nosso país como também o desenvolvimento de uma série de conteúdos que podem sustentar projetos maiores, com múltiplos enfoques, temporalidades, métodos e atividades envolvidas. Essa variedade, por sua vez, favorece a sedimentação e o aprofundamento 14 Compreendemos sequência de atividades na perspectiva de Delia Lerner. Para ela, a sequência de atividades é uma modalidade organizativa do conhecimento em que as atividades apresentam diferentes níveis de elaboração do conteúdo para que exista a progressão de desafios necessária à construção de conhecimento pelos educandos. Ver: LERNER, Délia.
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