Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 A DIVERSIDADE CULTURAL COMO PRÁTICA NA EDUCAÇÃO AULA 4 Prof. Lucas Pydd Nechi 2 CONVERSA INICIAL Neste curso buscamos trilhar uma formação com sustentação teórica que nos possibilite atuar de forma qualificada, na educação formal e informal, com vistas à defesa e promoção da dignidade humana em todos seus aspectos. Por meio de debates da Antropologia e da Educação Histórica, consegue-se vicejar estratégias didáticas específicas a serem trabalhadas nas aulas das disciplinas de Sociologia e de História, respectivamente. Porém, as disciplinas escolares no Brasil possuem, historicamente, frequentes intervenções políticas que modificam sua obrigatoriedade, seus conteúdos e formas de execução. Debate-se nesta aula uma opção transversal, que pode ser utilizada como base por professores de todas as disciplinas: a Educação em Direitos Humanos. Nesta aula apontaremos alguns de seus fundamentos, estratégias e aproximações com a aprendizagem histórica. CONTEXTUALIZANDO Ao fim da Segunda Guerra Mundial, a humanidade olhou com perplexidade para os escombros, não só da devastação de boa parte de muitos países, mas também, subjetivamente, às feridas da alma: lançava-se sombras e dúvidas sobre o potencial humano para a dor e para a violência. A guerra não tinha sido novidade. Porém, as proporções e, principalmente, a construção de um aparato industrial de genocídio, pelos nazistas, destoaram enormemente de outros conflitos da História mundial. Como tentativa de reconstrução não só de estruturas físicas, mas na crença na humanidade, foi lançado em 10 de dezembro de 1948 pela Organização das Nações Unidas. Este documento sintético de trinta artigos, aproximadamente sete páginas, tornou-se um marco da história mundial. Contudo, desde sua publicação até os dias atuais, questiona-se: a humanidade avançou na defesa e garantia dos direitos humanos? O papel da educação é fundamental neste sentido. Para isso, a disciplina Educação em Direitos Humanos e sua metodologia tem se tornado cada vez mais recorrente nos 3 países europeus. No contexto brasileiro, os conteúdos e estratégias desta matéria podem nos ser de extrema valia, principalmente no que se relaciona à diversidade cultural. TEMA 1: A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS OU EDUCAÇÃO PARA A PAZ Um dos maiores pesquisadores do que se chama de “Educação para a Paz” é o espanhol José Tuvilla Rayo, cujo trabalho em paralelo com a Organização das Nações Unidas (ONU) e com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, sigla em inglês). Para este autor, educar para a paz é sustentado pela concepção de humanidade como família humana, que compartilha valores universais (RAYO, 2004, p.106). A busca pelo estabelecimento da justiça social por meio da educação para a paz e os direitos humanos diz respeito a como os sujeitos se relacionam com a realidade em três etapas interligadas: a observação da realidade; a compreensão da realidade e a transformação da realidade. (RAYO, 2004, p.107). Nisso compreende-se o quanto a educação formal é de principal relevância ao se objetivar uma educação para a paz. A observação da realidade passa pela obtenção e desenvolvimento de diversos conhecimentos ligados às ciências biológicas e exatas, no caso da realidade material, e as ciências humanas no entendimento da sociedade e das relações humanas. A compreensão, como próximo passo, é estabelecida na interpretação dos dados obtidos com a visualização. Ou seja, não basta somente enumerar ou descrever o que se observa, é preciso entender e relacionar com outros conhecimentos, em uma relação dialógica. Por fim, crianças e jovens com conhecimento crítico sobre o mundo deverão buscar transformar a realidade. Não se trata somente de intervenções de acordo com suas vontades pessoais, mas sobretudo mudanças em estruturas que estejam sustentando relações de opressão. Na prática, o critério da dignidade humana serve como indicador das ações transformadoras. 4 As consequências da adoção dos direitos humanos como norte da educação extrapolam a sala de aula, tendo em vista que as relações humanas no ambiente escolar também devem seguir estes princípios. Isso orienta a relação entre os jovens e os adultos de forma igualitária no espaço escolar e também as próprias relações entre os educadores de diversas funções. O próprio pesquisador Tuvilla Rayo reconhece que estes desejos de mudança exigem alterações e reformas estruturais na educação. Isso se intensifica em um contexto no qual a educação é vista como setor estratégico de formação de mão de obra e outros indicadores econômicos, o oposto do que a educação emancipadora de Freire almejava. Dessa forma, as alterações nos sistemas educacionais terão que se posicionar ao que Rayo chama de “modernização”, agrupadas em três saídas: aceitação da modernização, alternativa crítica à modernidade e alternativa integradora (RAYO, 2004, p. 115). A aceitação da modernização significaria a concordância com o modelo econômico imposto, em que se privilegia a “industrialização e a tecnologia de ponta, a plena abertura ao mercado internacional, à livre empresa e às multinacionais” (RAYO, 2004, p. 115). A saída para quaisquer desafios de ordem social, neste ponto, remonta à meritocracia: os sujeitos poderiam se emancipar por meio da ciência e da tecnologia. Neste sentido, a Educação em Direitos Humanos estaria no bojo da luta pela liberdade e pela democracia. A alternativa crítica, pelo contrário, questiona a possibilidade de uma educação humanista em um processo de modernidade que despersonalize os indivíduos e reduza as identidades culturais próprias. As tensões e contradições da Educação em Direitos Humanos nestes termos seriam impeditivos para que ela ocorresse de fato. A terceira alternativa, a integradora, seria uma mediação das duas anteriores, pautada na crença de que existem brechas para a conciliação entre a racionalidade instrumental da modernização e os valores propagados pelos direitos humanos. Seria uma tentativa de humanizar a modernidade, e a maneira pela qual o sistema de produção capitalista vem se desenvolvendo. 5 Não se deseja, neste espaço, tomar e incentivar um posicionamento diretivo entre estas três opções. Contudo, reforça-se que as opções educacionais implicam, via de regra, em contrapartidas políticas que podem ser determinantes para sua execução. De toda forma, a educação sempre esteve relacionada à transmissão dos direitos humanos como forma de transformação da sociedade. Muitas iniciativas e correntes pedagógicas desenvolveram caminhos para que isso se concretizasse. Em 2012, o Council of Europe (Conselho Europeu) publicou um manual para a Educação em Direitos Humanos com jovens. Além de catalogar diversos projetos na área, algumas importantes definições foram demarcadas. Compreende-se, então, a Educação em Direitos Humanos de diversas maneiras, porém todas possuem em comum o trabalho permeado em três dimensões: aprender sobre Direitos Humanos, aprender por meio dos Direitos Humanos e aprender para os Direitos Humanos. Aprender sobre os direitos humanos, o conhecimento a respeito dos direitos humanos, o que eles são, e como eles são salvaguardados ou protegidos; A aprendizagem por meio dos Direitos humanos, reconhecendo que o contexto e a forma como a aprendizagem dos direitos humanos é organizada e transmitida deve ser coerente com os valores dos direitos humanos (por exemplo, participação, liberdade de pensamento e expressão, etc.) e na Educação em Direitos Humanos o processo de aprendizagem é tão importante quanto o seu conteúdo; Aprender para os Direitos Humanos, desenvolvendo habilidades, atitudes e valores para que os alunos possam aplicar os valores dos direitoshumanos em suas vidas e agir, sozinhos ou com outros, para promover e defender os direitos humanos. (BRANDER, 2012, p. 19). TEMA 2: PRINCÍPIOS PEDAGÓGICOS PARA EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS 6 Existem diversas iniciativas educativas que atuam paralelamente objetivando a Educação em Direitos Humanos, mas, infelizmente, não se nota no Brasil uma sistematização que atinja de maneira eficaz todas as regiões do país com profundidade e equidade. Desta forma, não se apresenta normativamente currículos, livros didáticos e atividades de sala de aula com este propósito. Em consonância com o caráter democrático e culturalmente adaptável, propõe-se princípios básicos que podem ser usados como base do planejamento pedagógico de escolas e de disciplinas. Na Inglaterra, a Educação em Direitos Humanos é investigada e referenciada pelo trabalho de dois professores e pesquisadores: Audrey Osler e Hugh Starkey. Pautados na “Convenção Sobre os Direitos das Crianças”, estes pesquisadores desenvolveram seis princípios pedagógicos para a Educação em Direitos Humanos, a serem aplicados nos processos de ensino e aprendizagem em geral (OSLER; STARKEY, 2010, p.134): Dignidade e Segurança: liberdade do medo A relação entre os estudantes e todos os adultos envolvidos no processo educativo deve evitar o abuso de poder e propiciar um espaço educativo livre do medo. Os educadores devem ser especialmente cautelosos com a maneira que se expressam, tratando de preservar a autoestima e a dignidade dos alunos com comentários positivos e incentivadores. Deve-se terminantemente evitar o uso do sarcasmo, que fere profundamente a identidade dos sujeitos em formação. Os professores também deverão se posicionar em casos nos quais estudantes mais vulneráveis forem agredidos ou sofrerem ameaças de outros, como no bullying. A aprendizagem, portanto, deve ocorrer em ambiente física e psicologicamente seguro. As sanções disciplinares devem ser construídas de livre acordo com a comunidade de alunos, em sentido de justiça democraticamente negociado, resguardando o caráter educativo das punições que não podem ser sem sentido ou ferir a dignidade dos estudantes. Participação 7 Relembra-se que a aprendizagem é predominantemente uma atividade social: não é uma atividade de via de mão única em que o professor, detentor do saber, descarrega seus conhecimentos nas crianças que os recebem de braços abertos. Didaticamente, deve-se evitar cópias longas de texto que não façam sentido para a atividade em si. A leitura dos livros didáticos deve ser de forma crítica e ativa. Estratégias como debates e questionamentos, exercitam a habilidade de tomar decisões e arcar com as consequências. Estimula-se as aulas de artes, teatro e simulações e todas as atividades artísticas que toquem na criatividade e sensibilidades dos sujeitos. O protagonismo juvenil deve ser estimulado em atividades conduzidas diretamente pelos alunos, como exposições e feiras de conhecimento. Entende-se por participação, também, a participação política, na qual crianças e jovens devem ter oportunidade e se expressar em aspectos relevantes que resultem na mudança do próprio cenário escolar, como o grêmio estudantil e representantes de turma. Identidade e Inclusão A questão identitária aponta diretamente para o cuidado e valorização das múltiplas identidades que se fazem presente em uma sala de aula. O respeito às crianças e aos jovens deve transcorrer individualmente, valorizando suas identidades, suas famílias e suas culturas. A própria turma, em sua diversidade, deve ser valorizada e destacada, para que as características de diferenciação não sejam estigmatizadas e sim sustentadas com orgulho. O reconhecimento da diversidade e do hibridismo como características essenciais para todas as comunidades humanas. Enfim, as crianças devem ter motivos para se sentirem orgulhosas de si mesmas e não se sentirem intimidadas por qualquer uma de suas características identitárias. Liberdade O princípio do direito à liberdade é amplo, incluindo a liberdade de expressão, pensamento e crença. As crianças e jovens devem se sentir seguros a opinar, sabendo que serão ouvidos e respeitados. O diálogo deve permanecer 8 aberto, tanto entre os estudantes como entre professores e alunos. Recorda-se que a liberdade nunca é absoluta em si: sua abrangência é relativa à liberdade e aos demais direitos dos outros. A liberdade de expressão não pode ser usada como desculpa para opressão, discriminação e discurso de ódio. Acesso à informação O princípio do acesso à informação remete, imediatamente, às políticas públicas que garantem a estrutura física básica da educação. As escolas deverão prover condições materiais de estudo, com salas de aula confortáveis e com acesso à internet e outros meios de comunicação. Lamentavelmente, em muitas regiões brasileiras, nem mesmo o saneamento básico das escolas está assegurado. O acesso à informação diz respeito ao esforço didático de oportunizar aos estudantes o contato com fontes diversas, tanto locais como internacionais. O pensamento crítico deve ser trabalhado no sentido de analisar fontes midiáticas e desenvolver suas próprias conclusões. Privacidade O acesso à internet e a popularização de mídias sociais trouxeram, ao mesmo tempo, o aumento da exposição de crianças e jovens, tendo em vista a facilidade de geração e compartilhamento de conteúdo pessoal. A educação, no sentido de preservação da própria imagem e identidade, necessariamente também inclui o respeito por parte dos educadores quanto a informações pessoais que as crianças e jovens são convidadas a partilhar em sala de aula. As atividades docentes devem levar em consideração que muitas perguntas ou estratégias didáticas equivocadas podem expor os sujeitos perante seus demais colegas, contra seu consentimento. Esses princípios podem servir como base de uma autoavaliação, de preferência realizada democraticamente com integrantes de toda a comunidade escolar, que mensure o quanto a escola está comprometida com os direitos das crianças e jovens. 9 TEMA 3: EDUCAÇÃO PARA A PAZ E EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS O conceito de Educação para a paz é amplo. De acordo com Reardon (2007), ela assume vários nomes na contemporaneidade: “resolução de conflitos, educação multicultural, educação para o desenvolvimento, estudos sobre a situação mundial e, recentemente, educação ambiental.” (REARDON, 2007, p. 61). Contudo, essa autora advoga que a maneira pela qual estes nomes são escolhidos, indica uma estratégia reativa. Ou seja, parte-se de problemas específicos, muitas vezes não situados em relação aos demais desafios estruturais que os causam ou intensificam. Ela também identifica este tipo de Educação para a Paz como negativa, com vistas à eliminação de guerras e desavenças, mas não à promoção da Paz positivamente. Reardon sugere uma abordagem de Educação para a Paz de forma holística e integrada, passando positivamente pela Educação em Direitos Humanos como estratégia ativa para sua execução. Como muitas abordagens de Educação para a Paz focam nos problemas, os estudantes acabam desestimulando com relação a estes estudos, tendo em vista a carga pesada e negativa dos conteúdos. A Educação em Direitos Humanos estaria se configurando como uma maneira objetiva de cativar crianças e jovens a defender causas específicas, com clareza e criticidade. Reardon (2007) diferencia as duas abordagens: O núcleo conceitual da educação para a paz é a violência – seu controle, sua redução e sua eliminação. O núcleo conceitual da educação para os direitos humanos é a dignidade humana – seu reconhecimento, sua realização e sua universalização. Esta pesquisadora não nega, entretanto, o valor que diferentes estratégias de educação para a paz podemagregar à formação das novas gerações. Principalmente por reconhecermos a ambivalência e contradição dos sistemas educativos e políticas públicas voltadas à infância e à juventude, não apenas nos Estados Unidos, local de pesquisa de Reardon, mas no Brasil e 10 outros países. Muitas vezes a mesma escola que promove ações esporádicas para a paz, possui rígido sistema disciplinar com rara participação dos estudantes, e são vedadas quaisquer formas de diálogo. Entre os estudos de Reardon, ela enumera algumas disciplinas e/ou estratégias de educação para a paz: resolução de conflitos, estudos multiculturais, educação para o desenvolvimento e educação ambiental. A resolução de conflitos foi amplamente utilizada nos Estados Unidos como dinâmica para lidar com pequenos e grandes desentendimentos, comumente de cunho disciplinar. Focando em habilidades interpessoais de comunicação, apesar de tangenciar a origem estrutural dos desentendimentos, fornece boas habilidades para os estudantes lidarem com seus sentimentos e com a necessidade de acordos de não violência com seus colegas. Assim como a resolução de conflitos teve início como forma reativa aos desafios disciplinares encontrados em escolas, os estudos multiculturais surgem como resposta a embates sociais que até então estavam silenciados ou então se agravaram por diversos motivos. O crescimento da imigração e a necessidade de entender culturas diferentes, além da norte americana, impulsionou o trabalho com o multiculturalismo. Os conflitos étnicos evidenciam que o foco na dignidade humana e nos direitos humanos é uma boa saída para a comunicação e entendimento entre culturas diferentes. A autora aponta que o objetivo dos estudos multiculturais é “o desenvolvimento da capacidade de compreender, esclarecer e apreciar as semelhanças e as diferenças entre as culturas” (REARDON, 2007, p. 70). A educação para o desenvolvimento, como o nome sugere, atenta-se principalmente às desigualdades socioeconômicas entre nações. A pobreza e miséria dos países – em sua maioria ao sul do globo – está estruturalmente ligada à forma pela qual os países atualmente prósperos alcançaram sua riqueza. O questionamento desta desigualdade e sua estrutura intenciona fomentar ações que possibilitem o direito ao desenvolvimento das nações empobrecidas, sobretudo assegurando direitos econômicos, sociais e culturais. 11 A educação ambiental se fortalece na medida em que sua temática é interdisciplinar e politicamente abrangente. O meio ambiente compreendido como uma unidade orgânica global, implica ações e debates amplos sobre a responsabilidade das pessoas e nações para com ele. Complementarmente, Rayo (2004, p. 121-144) enumera outros componentes de educação para a paz, além das já citadas: a educação cognitivo-afetiva, a educação em valores, a educação sociopolítica, a educação mundialista, a educação intercultural e a educação para o desarmamento. De toda forma, a educação para a paz orientada pelos padrões e princípios dos direitos humanos deve, enfim, dirigir-se a um destino “humanamente viável e eticamente tolerável” (REARDON, 2007, p. 79). No âmbito da Diversidade Cultural como prática educativa, nos importa termos a consciência de que esta abordagem se insere, entre muitas outras que objetivam a educação para a paz e que, ainda, a educação em direitos humanos tem se consolidado como caminho positivo e viável para sua realização. TEMA 4: MUDANÇA: COMBINANDO EDUCAÇÃO HISTÓRICA E EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Um ponto de intersecção entre os esforços inseridos nas disciplinas e as abordagens interdisciplinares, como a Educação em Direitos Humanos, é o conceito de Mudança, escolhido pelo historiador Martin Lücke, como fundamento principal na combinação de ensino de história e direitos humanos. Lücke e sua equipe publicaram em 2016 o livro “Mudança – Manual para Aprendizagem Histórica e Educação em Direitos Humanos” (CHANGE – Handbook for History Learning and Human Rights Education), cuja proposta base é possibilitar que os estudantes realizem transformações sociais a partir da maneira engajada pela qual aprendem história. A mudança é o ponto comum entre o trabalho de Rüsen (2012) e Lücke (2015 e 2016) no trabalho com a Educação em Direitos Humanos. Enquanto que para Rüsen é parte da essência da História, Lücke ressalta mais a mudança 12 como interferência dos sujeitos na realidade, relacionada à ação. Rüsen (2012) debate a mudança sobre a perspectiva do desenvolvimento humano, em crítica ao progresso tomado puramente pelo seu aspecto técnico-científico. Inclusive, aponta a infância e juventude como etapas estratégicas de compreensão da necessidade de outro tipo de progresso: São justamente as crianças e os jovens, com sua sensibilidade determinada pela idade com relação a contradições estruturais entre a experiência de seu próprio mundo e as interpretações esperadas deles pelos mais velhos, que percebem a demência do progresso que a sua História real trouxe: a destruição ecológica pela exploração industrial da natureza, o aumento gigantesco de potenciais de domínio político em estados modernos, a profunda rejeição social entre o primeiro e o terceiro mundos e, finalmente, o esgotamento de potenciais sensoriais estimulantes dentro do racionalismo institucionalizado das ciências. Atualmente, o progresso está como o rei com sua nova roupa na fábula de Andersen. Aliada à ideia de ação, a mudança adquire o caráter de transformação da realidade atual, deslocando-se de compreensão do passado para potencial de ação no presente e no futuro. Para Lücke, alguns elementos são o núcleo comum destas abordagens. Quanto aos critérios da aprendizagem histórica, sugere que o método: permita que os estudantes construam e desconstruam narrativas históricas; incluam concepções históricas e fontes como fundamento de suas narrativas; incluam a oportunidade de refletirem sobre seus próprios pontos de vista nas múltiplas perspectivas das narrativas apresentadas; e, também, produzam um produto como resultado do processo de aprendizagem. (LÜCKE et al, 2016, p.71). Em se tratando dos critérios da Educação em Direitos Humanos, o método deve: ser participativo e aberto às escolhas de experiência educacional dos estudantes; ser não discriminatório e inclusivo; fortalecer conhecimento, atitudes e habilidades; habilitar e empoderar o engajamento para a implementação dos direitos humanos; e ser transparente e compreensível para os estudantes. (LÜCKE et al., 2016, p.71). 13 A combinação dos dois métodos é sugerida ao “encorajar os estudantes a, por um lado refletir como a perspectiva de direitos humanos afeta a compreensão do passado e da construção das narrativas, e, por outro lado, como a consciência histórica afeta a visão individual dos sujeitos dos aspectos dos direitos humanos. Algumas estratégias e sugestões podem ser desenvolvidas nesta perspectiva combinada. Por exemplo: Evite trabalhar direitos humanos e aprendizagem histórica somente como conteúdos; História e direitos humanos possuem relação com o presente e com o passado; Equilibre o trabalho de violações de direitos humanos com o de casos de sucesso de proteção e garantia dos direitos; Seja preciso para evitar anacronismos; Esteja preparado para moderar discussões calorosas sobre assuntos controversos; Ofereça múltiplas perspectivas. Garanta a dignidade e a segurança de todos envolvidos. TEMA 5: TÉCNICAS DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Neste tópico serão apresentadas técnicas e estratégias didáticas que podem ser utilizadas na Educação em Direitos Humanos. Rayo afirma que as técnicas mais utilizadas neste sentido são: “o esclarecimento de valores, o estudo de casos, os jogos cooperativos e os jogos de simulação” (RAYO, 2004, p. 188).O esclarecimento de valores parte da ideia, amplamente democrática, de que não há valores que devam ser impostos pela doutrinação ou coerção, possibilitando aos sujeitos no decorrer das atividades fazer suas próprias escolhas e compreender melhor as consequências de suas ações. As dinâmicas deste tipo de atividade incluem a decisão entre diferentes alternativas (como 14 dilemas morais, por exemplo), escolha de valores após estudar as consequências de cada um deles, a apreciação e julgamento individual dos valores, partilha pública das decisões e argumentação, ações coerentes com os valores escolhidos. Definir valores seria trazer à consciência o conjunto de critérios que sustentam as decisões no transcorrer da vida, mesmo que os valores mudem, o que permanece como relevante é a clareza da estrutura do pensamento e do comportamento. O estudo de casos permitiria o debate de situações problema, reais ou fictícias, que trazem à tona temáticas de conflitos presentes na vida dos sujeitos. Pode-se dividir a turma em pequenos grupos nos quais haja variedade de opiniões de diferentes soluções aos problemas apresentados. Esta estratégia privilegia a expressão das ideias de cada estudante, que devem organizar seus argumentos a fim de ser compreendido e colaborar com os demais. A capacidade de ceder, e a negociação para acordos coletivos são habilidades interpessoais desenvolvidas. Jogos cooperativos são tipos específicos de dinâmica de grupo que não incluem competição, mas sim colaboração, favorecendo a empatia e a solidariedade. Esta técnica é recomendada para entrosamento dos integrantes do grupo, tendo como principal objetivo o aumento e qualificação da confiança e da comunicação entre os participantes. Jogos de simulação ou jogos de tomada de papéis são técnicas grupais advindas do Psicodrama, no qual os participantes simulam determinada situação problema, real ou fictícia, que funciona como metáfora das questões reais. A diferença para os estudos de caso, principalmente, se dá na estratégia de cada integrante se colocar no papel de algum personagem da dinâmica. Os efeitos de empatia e tolerância são marcantes quando buscamos compreender o mundo através dos olhos dos outros. Estas estratégias possuem vastas seções em bibliotecas e livrarias, além de muitos portais da internet que realizam compilações de atividades similares. Mais uma vez, cabe ao educador e às instituições educacionais públicas ou 15 privadas a formação apropriada para realizar mediações com grupos de crianças e adolescentes, pois sabe-se que este tipo de atividade demanda dos educadores competências não apreendidas na formação das licenciaturas atuais. SÍNTESE Os caminhos para a defesa e promoção da dignidade humana são inúmeros. Numa abordagem disciplinar, a História e a Sociologia são fundamentais – também não devemos excluir outras disciplinas que muito podem colaborar com estas questões, como a Filosofia e a Geografia, e também a Arte em suas diversas expressões. Em abordagens interdisciplinares, elencou-se aqui alguns movimentos internacionais que buscam trazer à escola a possibilidade de formar crianças e jovens para mudanças mais concretas na sociedade, como a Educação para a Paz e suas diversas vertentes, e a Educação em Direitos Humanos, que vem se consolidando como estratégia positiva, holística e passível de desenvolvimento também nas disciplinas específicas. Este encontro breve apenas apresenta os caminhos de forma superficial. Perante as demandas da modernidade, os cenários políticos e econômicos da educação em cada nação e globalmente, cabe aos educadores trilharem seus próprios percursos formativos pessoais e engajarem-se para que as escolas sejam espaços realmente formadores de sujeitos críticos. O que não mais podemos tolerar é a conformidade com a desumanização, a violência, a desigualdade e o papel de reprodução ou dessensibilização que a educação pode assumir. REFERÊNCIAS BRANDER, P. et al. Compass – Manual for human rights education with Young people. Hungary: Council of Europe Publishing, 2012. 16 LÜCKE, M. et al. (orgs.) CHANGE – Handbook for History Learning and Human Rights Education. Berlin: Wochenschau-Verlag, 2016. OSLER, A.; STARKEY, H. Teachers and Human Rights Education. London: IoE Press, 2010. REARDON, B. Direitos Humanos como Educação para a Paz. In.: Educação em Direitos Humanos para o Século XXI. CLAUDE, R.; ANDREOPOULOS, G. São Paulo: EDUSP, 2007. RÜSEN, J. Aprendizagem Histórica: Fundamentos e Paradigmas. Curitiba: W.A. editores, 2012. RAYO, J. T. Educação em Direitos Humanos: rumo a uma perspectiva global. Porto Alegre: Artmed, 2004. UNICEF. Convenção Sobre os Direitos da Criança. 1989. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10120.htm>. Texto obrigatório Abordagem teórica A Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf>. Abordagem Prática Dinâmicas de grupo/Jogos cooperativos. Disponível em: <http://www.abennacional.org.br/revista/cap6.6.html>. Saiba Mais Convenção dos Direitos da Criança Disponível em: http://www.unicef.pt/docs/pdf_publicacoes/convencao_direitos_crianca2004.pdf >. Plano Nacional da Educação em Direitos Humanos (Ministério da Educação e Cultura) disponível em: 17 <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alia s=2191-plano-nacional-pdf&category_slug=dezembro-2009- pdf&Itemid=30192>. A História dos Direitos Humanos Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=uCnIKEOtbfc&t=122s>.
Compartilhar