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A COMPAIXÃO COMO SUPRESSÃO DO PRINCIPIUM INDIVIDUATIONIS EM ARTHUR SCHOPENHAUER

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FACULDADE SÃO LUIZ 
 
 
 
FELIPE OLIVEIRA VARELA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A COMPAIXÃO COMO SUPRESSÃO DO PRINCIPIUM 
INDIVIDUATIONIS EM ARTHUR SCHOPENHAUER 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
BRUSQUE 
2015 
 
1 
 
 
FACULDADE SÃO LUIZ 
 
 
 
FELIPE OLIVEIRA VARELA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A COMPAIXÃO COMO SUPRESSÃO DO PRINCIPIUM 
INDIVIDUATIONIS EM ARTHUR SCHOPENHAUER 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso para 
obtenção do grau de Bacharel em Filosofia pela 
Faculdade São Luiz. 
 
Orientador: Prof. Ms. Silvano João da Costa 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
BRUSQUE 
2015 
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Àqueles que imersos numa realidade egoísta, agem 
compassivamente para propiciar o alívio do sofrimento alheio. 
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Agradecimentos 
 
Agradeço a Deus pelo meu existir. 
 
À minha família. Meus pais, Laerte e Terezinha, e à minha irmã 
Maria Talita, por todo incentivo e apoio. 
 
Ao Seminário Filosófico de Santa Catarina. Ao Pe. Wanderlei e 
Pe. Alírio Leandro, pelos ensinamentos a mim conferidos. 
 
À diocese de Lages, na pessoa de Dom Irineu Andreassa, que 
enormemente me possibilitou descobrir a beleza da vocação 
sacerdotal. 
 
Ao professor Ms. Pe. Silvano João da Costa, que com 
paciência tão bem me auxiliou na construção deste trabalho, 
bem como suas palavras otimistas em relação às dificuldades 
desta trajetória. 
 
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Sobre o palco, um desempenha o papel de príncipe, outro, o de 
conselheiro, um terceiro, o de servo, ou de soldado, ou de 
general e assim por diante. Mas tais diferenças existem só na 
exterioridade. Na interioridade, como núcleo de tal fenômeno, o 
mesmo encontra-se igual em todos. 
(Arthur Schopenhauer). 
 
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RESUMO 
 
O presente trabalho buscou, através do método bibliográfico, apresentar a 
articulação entre o egoísmo humano e a ética da compaixão em Arthur 
Schopenhauer (1788-1860). Em meio à vivência egoísta de muitas pessoas, que 
propiciam inúmeras atrocidades, existem ações compassivas, que designam ajuda e 
preocupação àqueles que necessitam. Neste sentido, ambas as ações são 
pertinentes à reflexão, pois evidenciam o campo ético filosófico. Destarte, 
Schopenhauer propõe-se a teorizar o conteúdo destas ações. Para ele, a essência 
do mundo é uma força cega e irracional, a Vontade. Ela objetiva-se em toda a 
realidade, para que esta última afirme-a. O homem, por ser objetidade imediata da 
Vontade, afirma-a com intensidade, tendo em vista que imerso no principium 
individuationis sempre assegurará a sua vida, o seu bem estar; assim evidenciando 
a natureza essencial do egoísmo em sua existência. Porém, Schopenhauer sustenta 
a compaixão como o fundamento da moral. A compaixão é alheia ao principium 
individuationis, e permite a proximidade, bem como a identificação de si no outro. 
Neste sentido, cabe evidenciar no pensamento schopenhaueriano a existência da 
compaixão, em meio à natureza essencial do egoísmo na vida do homem. Para a 
realização de tal intento, foram usadas as principais obras do autor, O mundo como 
vontade e como representação (1819), Dores do mundo (1836) e Sobre o 
fundamento da moral (1840); bem como alguns comentadores. Enfim, não se pode 
evidenciar na teoria schopenhaueriana uma observância absoluta à Vontade, mas a 
possibilidade de seguir outro itinerário. 
 
 
PALAVRAS - CHAVE: 
 
1: SCHOPENHAUER 2: VONTADE 3: PRINCIPIUM INDIVIDUATIONIS 
4:COMPAIXÃO 
 
 
 
 
 
7 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
This work has shown, through the bibliographic method, presents the human 
selfishness and Arthur Schopenhauer (1788 to 1860) ethics of compassion 
articulation. In the throes of selfish experiences from much people, that several 
atrocities, there are compassionates actions, and provides help and worry to 
someone that needs. In this sense, both actions are relevant to reflection because 
they evidence the philosophical ethical field. Thus, Schopenhauer proposes to 
theorize the content of these actions. For him, the essence of the world is a blind and 
irrational force, to Will. It aims in all reality for this last asserts it. The humen, to be 
immediate objecthood of Will, firms it with intensity, and have in view that immersed 
in the principium individuationis they always ensure their life, their welfare; thus 
demonstrating the essential nature of selfishness in its existence. However 
Schopenhauer maintains compassion as the moral foundation. The compassions is 
impartial to principium individuationis, and allows the proximity, and the identification 
of himself in the other. In this sense, it is evident the existence of compassion in 
schopenhaueriano thought, amid the essential nature of selfishness in human life. 
For the realization of such intent, it was used greatest author `s publications, The 
world as will and representation (1819), The world's pain (1836) and On the basis of 
morality (1840); and some commentators. Lastly, we cannot show Schopenhauer's 
theory on absolute compliance with the Will, but the possibility to follow another 
route. 
 
 
KEY WORDS: 
 
1: SCHOPENHAUER 2: WILL 3: PRINCIPIUM INDIVIDUATIONIS 
4:COMPASSION 
 
 
 
 
 
 
 
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SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10 
 
1 O MUNDO COMO VONTADE E REPRESENTAÇÃO NA FILOSOFIA 
SCHOPENHAUERIANA ........................................................................................... 14 
 
1. 1 O mundo como representação .................................................................... 15 
1.1.1 O conhecimento do mundo fenomênico ............................................... 17 
1.1.1.1 O Princípio de Razão Suficiente .......................................................... 18 
1.1.2 A capacidade de abstração e reflexão ................................................... 19 
1.2 O mundo como Vontade ................................................................................ 20 
1.2.1 A Vontade como coisa-em-si .................................................................. 22 
1.2.2 O corpo como objetidade da Vontade ................................................... 23 
1.2.2.1 A conclusão analógica sobre a essência de todos os fenômenos ....... 24 
1.2.3 A irracionalidade da Vontade.................................................................. 25 
1.2.4 Os graus de objetivação da Vontade ..................................................... 26 
 
2 O SOFRIMENTO INERENTE À VIDA E O EGOÍSMO HUMANO ......................... 29 
 
2.1 O conflito entre os graus de objetivação da Vontade ................................. 29 
2.2 O principium individuationis como gerador da pluralidade ....................... 31 
2.3 A afirmação da Vontade de vida ................................................................... 31 
2.3.1 A vida humana enquanto sofrimento .....................................................33 
2.3.2 A ilusão da felicidade .............................................................................. 35 
2.3.2.1 A refutação à visão otimista de mundo ................................................ 36 
2.4 O egoísmo ...................................................................................................... 38 
9 
 
 
2.4.1 A malevolência ......................................................................................... 40 
 
3 A ÉTICA SCHOPENHAUERIANA A PARTIR DA NOÇÃO DE COMPAIXÃO ...... 43 
 
3.1 A imutabilidade do caráter ............................................................................ 44 
3.2 A liberdade humana enquanto contradição fenomênica ............................ 47 
3.3 As principais motivações do agir humano .................................................. 48 
3.4 A compaixão enquanto fundamento da moral ............................................ 49 
3.4.1 A virtude da justiça proveniente da compaixão .................................... 52 
3.4.2 A virtude da caridade proveniente da compaixão ................................ 53 
3.4.3 A ascese enquanto derivação da compaixão ........................................ 54 
3.5 A proximidade entre a ética cristã e a ética schopenhaueriana da 
compaixão ............................................................................................................ 56 
3.6 A proximidade e as influências do Budismo e do Hinduísmo para a ética 
schopenhaueriana da compaixão....................................................................... 57 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 60 
 
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 63 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 
 
 
 
 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
A história dos homens relata inúmeras ações, mas nem sempre consegue 
decifrar o fundamento das mesmas. Neste sentido, cabe à filosofia debruçar-se não 
só nas ações do homem, mas nos seus próprios fundamentos. Tal atitude filosófica, 
porém, acima de tudo, pode também possibilitar a compreensão do próprio 
fundamento do existir. 
Neste sentido, vários foram os homens que se dispuseram à reflexão do 
fundamento das ações do homem, bem como do próprio fundamento do mesmo. 
Entre eles, encontra-se Arthur Schopenhauer, filósofo alemão, que em pleno século 
XIX, estabeleceu uma teoria que sustenta o irracional como mantenedor da 
existência. 
Schopenhauer inicialmente serve-se da teoria kantiana sobre a distinção do 
fenômeno e a coisa-em-si, mas diverge de Immanuel Kant no que se refere à 
incognoscibilidade da coisa-em-si, pois sustenta a possibilidade de conhecê-la e lhe 
atribui um significado, a Vontade. 
Neste sentido, evidencia-se em sua teoria, o mundo que é representação de 
um sujeito. Porém, além desta consideração, Schopenhauer evidencia o mundo 
enquanto Vontade. Para ele, a Vontade é um impulso cego e irracional que objetiva-
se em todo o mundo fenomênico. Esta sendo una apresenta-se através dos graus 
de objetivação que permitem o aparecimento de todas as representações. 
Mas, para que haja a exteriorização dos graus de objetivação, é necessária 
a matéria. Neste sentido, há um contínuo conflito entre os graus na busca pela 
matéria, e este conflito intensifica-se no homem, este que é o grau mais perfeito da 
Vontade. 
Por isso, o homem impelido à permanência de sua exteriorização agirá de tal 
forma que não hesitará se necessitar prejudicar outro homem, na verdade agirá de 
11 
 
 
forma egoísta, isto porque devido o principium individuationis, que confere a 
individuação do mundo, sempre verá que o outro é absolutamente diferente de si, 
além disso, o outro sempre se apresenta de forma mediata em sua consciência. 
Assim, o homem naturalmente é egoísta porque naturalmente deve agir de tal 
maneira que assegure a sua existência. 
No entanto, Schopenhauer evidencia um conteúdo ético que sustenta a 
compaixão como fundamento da moral. A compaixão apresenta-se como 
pressuposto da moralidade, esta é composta pela justiça e pela caridade, e 
desdobra-se até chegar à ascese. 
Sendo assim, esta pesquisa questiona: Se para Arthur Schopenhauer, o 
egoísmo por natureza não tem limites, e o homem quer conservar a sua existência, 
sendo um ser essencialmente egoísta, de que forma ele pensa uma ética baseada 
na compaixão? 
Desta forma, o objetivo geral desta pesquisa é apresentar a articulação entre 
o egoísmo humano e a ética da compaixão em Arthur Schopenhauer. Isto porque, 
devido a existência natural do egoísmo na vida humana, parece impossível pensar 
uma ação compassiva. 
Ademais, utilizando o método bibliográfico, esta pesquisa está dividida em 
três capítulos. No primeiro se propõe apresentar a teoria geral sobre o mundo 
enquanto Vontade e representação na filosofia schopenhaueriana. A obra base é O 
mundo como vontade e como representação (1819). É de suma importância este 
capítulo tendo em vista que é base de todo o pensamento schopenhaueriano. 
Verifica-se o mundo enquanto representação, que refere-se à epistemologia 
schopenhaueriana, à construção da representação e sua dependência do princípio 
de razão suficiente. 
Depois, evidencia-se o lado metafísico do mundo, entendido como Vontade, 
e o homem enquanto objetidade imediata da mesma. Além disso, se percebe a 
irracionalidade da Vontade e sua implicação na realidade através dos graus de 
objetivações, semelhantes às Ideias platônicas, protótipos inalterados, dos quais as 
representações derivam. 
Posteriormente, no segundo capítulo será exposto o sofrimento inerente à 
vida e o egoísmo humano. A base deste capítulo, além da obra já mencionada para 
o primeiro, será Dores do mundo (1836). Há um contínuo conflito ente os graus de 
12 
 
 
objetivação da Vontade para conseguirem a matéria. Este conflito permitirá perceber 
todo o sofrimento e discórdia, sobretudo no homem. 
Percebe-se que devido o principium individuationis, o homem é impelido a 
afirmar severamente a sua vida, pois não encontra qualquer semelhança em relação 
aos demais homens, assim vive tendo em mente uma barreira absoluta em relação a 
qualquer outro ser. Todas essas implicações corroboram para uma discórdia e um 
sofrimento intenso na vida do homem, onde o otimismo pode ser logo refutado. 
Por fim, no último capítulo será compreendida a partir da noção de 
compaixão, a ética schopenhaueriana. É necessário entender as implicações do 
caráter bem como das motivações do homem. Uma destas motivações é a 
compaixão, e faz-se também importante verificar sua composição, assim como suas 
desmembrações, além de algumas doutrinas consideradas por Schopenhauer 
próximas à sua ética. Tem-se como base teórica para este capítulo a obra Sobre o 
fundamento da moral (1840). 
Além destas obras, são mencionadas outras obras de Schopenhauer que 
auxiliaram para uma maior compreensão dos assuntos. Usa-se também 
posicionamentos de alguns comentadores que, às vezes, divergem ou convergem 
entre si, tais como Jair Barboza, Christopher Janaway e Thomas Mann, além de 
outros. 
Ademais, esta pesquisa não tem o intuito de esgotar a teoria 
schopenhaueriana, quer tão só se propor à problemática já evidenciada, com a 
finalidade de instigar ainda mais o estudo na filosofia de Schopenhauer, tendo em 
vista que seu pensamento é amplo e mantenedor de muitas riquezas filosóficas. 
Diantede um mundo contemporâneo egoísta, que apresenta atrocidades em 
demasia referentes à falta de respeito à vida do homem, bem como à destruição da 
mesma; pode-se evidenciar, à luz da teoria schopenhaueriana, não só uma 
explicação do egoísmo, mas um desenrolar teórico que versa sobre a supressão do 
fundamento de todas as atrocidades. 
Desta forma, o pensamento schopenhaueriano não se restringe ao século 
XIX, mas pode ser um apoio à reflexão deste atual período, onde parece ser 
necessário o reconhecimento do outro como semelhante a si. A compaixão da ética 
schopenhaueriana evidencia a bondade do homem, o amor enquanto doação total, 
enfim, a possibilidade de uma profunda proximidade com os demais homens. 
13 
 
 
Portanto, em dissonância com a comumente ideia de que a filosofia 
schopenhaueriana está fadada ao pessimismo, se quer evidenciar um pensamento 
às vezes velado de uma teoria ética que garante e propõe uma profunda reflexão 
sobre o amor enquanto compaixão. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
14 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1 O MUNDO COMO VONTADE E REPRESENTAÇÃO NA FILOSOFIA 
SCHOPENHAUERIANA 
 
No decorrer da filosofia, vários filósofos a partir de suas teorias se 
propuseram responder distintas problemáticas. No período moderno, intensificou-se 
o problema do conhecimento em relação às teorias do empirismo e racionalismo, 
sendo que estas se opunham. Neste mesmo período este problema foi tratado pelo 
filósofo alemão Immanuel Kant1. 
Kant procurou sustentar um harmônico entendimento entre o empirismo e o 
racionalismo, tendo em vista que para ele, ambas as teorias seriam fontes do 
conhecimento. Porém, ele afirmou que só é possível conhecer o objeto, ou seja, 
aquilo que através da experiência se mostra ao sujeito, e, a coisa-em-si 
permanecerá sempre incognoscível. 
A partir desta solução kantiana do conhecimento, há aproximadamente 
quatro décadas posteriores, o filósofo também alemão Arthur Schopenhauer, 2 
 
1
 Immanuel Kant nasceu em Königsberg, na Alemanha, em 1724. Era um filósofo cuja vida foi 
marcada pela sistematicidade. Destacou-se em várias áreas da filosofia, sobretudo na teoria do 
conhecimento, ao propor uma epistemologia sintetizando o empirismo e o racionalismo. Sua doutrina 
recebeu influência principalmente de Hume, Leibniz, Wolff e Rousseau. Suas principais obras são 
Crítica da razão pura (CRP) (1781), Metafísica dos costumes (1785), Crítica da razão prática (1788) e 
Crítica da faculdade de julgar (1790). Morreu em 1804. [Cf. PASCAL, Georges. Compreender Kant. 
2. ed. Tradução de Raimundo Vier. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 13-20]. 
2
 Arthur Schopenhauer nasceu na Alemanha, na cidade de Dantzing, em 1788. Veio de uma 
família rica de comerciantes. Quando jovem, Schopenhauer foi motivado por seu pai a seguir a 
carreira de comerciante, por isso, viajou para alguns países o que lhe possibilitou o domínio de 
línguas como o espanhol, inglês, latim e grego. Posteriormente, pode ler os clássicos gregos e 
latinos, escolásticos, a filosofia oriental e Shakespeare. Sua mãe agia de forma incorreta, devido ter 
uma vida desregrada e sem compromisso. Logo mais, vivencia o suicídio de seu pai, possibilitando 
deixar a vida de comerciante e ingressar na filosofia. Doutorou-se, em 1813, em Berlim com a tese 
Sobre a quádrupla raiz do princípio de razão suficiente, mas foi sua mãe a primeira a criticá-lo e logo 
cortam todas as relações. Sua teoria foi influenciada por Platão e Kant. Escreveu O mundo como 
vontade e representação (MVR), em 1819, que foi um fracasso. Lecionou na Universidade de Berlim 
a partir de 1820, e teve como principal rival Hegel. Porém, as aulas de Schopenhauer foram quase 
irrepletas de alunos e seu pensamento foi ignorado. Em 1833 vai para Frankfurt, onde morou até a 
morte, tendo como amigo apenas seu cachorro chamado Atma (alma do mundo). Mas, foi no ano de 
 
15 
 
 
encontrará o centro de sua problemática teórica, na sustentação kantiana da 
incognoscibilidade da coisa-em-si. Para Schopenhauer, em contiguidade à teoria 
kantiana, o conhecimento também acontece através da experiência, porém, ele 
introduz uma nova perspectiva, uma força cega e irracional que está acima da 
própria razão. 
Desta forma, Schopenhauer inicialmente segue a distinção kantiana entre 
fenômeno e coisa-em-si, mas, refere-se ao fenômeno enquanto representação, e a 
coisa-em-si receberá uma nova consideração, será chamada de Vontade. Neste 
sentido, faz-se necessário apresentar a base da teoria schopenhaueriana para uma 
melhor compreensão de todo o seu pensamento. 
 
1. 1 O mundo como representação 
 
A teoria do conhecimento de Schopenhauer sustenta-se inicialmente no 
pensamento kantiano; neste sistema só é possível conhecer o fenômeno3, ou seja, 
os objetos que aparecem ao sujeito do conhecimento. Os fenômenos são 
condicionados pela faculdade do conhecimento do homem4 , que corresponde à 
faculdade da sensibilidade (as intuições puras de espaço e tempo), e à faculdade do 
entendimento (as doze categorias a priori).5 
Segundo Salloum, no sistema kantiano o conhecimento inicia-se por meio da 
intuição. Ao se receber sensações, a sensibilidade transforma-as em percepções 
que posteriormente são organizadas em conceitos pelo entendimento. Desta forma, 
a estrutura da sensibilidade e do entendimento é a priori, e determinante para tornar 
possível o conhecimento.6 
 
1851 que Schopenhauer adquire fama através de sua obra Parerga e Paralipomena (P&P) (1851) 
[Ornatos e suplementos], junto com a decadência de Hegel. Faleceu em 1860, vítima de pneumonia. 
[Cf. MONTEIRO, Fernando. 10 lições sobre Schopenhauer. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 19-24]. 
3
 Como já exposto, Schopenhauer usará a expressão “representação” para designar o 
fenômeno kantiano, porém, algumas vezes ele usa a expressão “fenômeno”. Portanto, todas as vezes 
que nesta pesquisa forem usadas ambas as palavras no sistema schopenhaueriano do 
conhecimento, designarão o mesmo sentido. [NOTA DO PESQUISADOR] 
4
 Schopenhauer não usa a designação “ser humano”, mas homem. Por isso, para que exista 
maior harmonia com as citações de Schopenhauer, procurou-se usar a palavra homem, 
subentendendo ser humano. [NOTA DO PESQUISADOR] 
5
 Cf. MORAIS, Alexander Almeida; OLIVEIRA, Luizir de. Kant e Schopenhauer: uma análise 
das noções de Espaço e Tempo kantianos na epistemologia schopenhaueriana. Cadernos do PET 
Filosofia. Teresina: Universidade Federal do Piauí, v. 1, n. 1, p. 01-19, 2010, p. 2. 
6
 Cf. SALLOUM, Jamil. A ética ascética de Arthur Schopenhauer e o Hinduísmo: Um estudo 
bibliográfico-comparativo: assonâncias e dissonâncias. 2007. 117 p. Dissertação [Mestrado em 
Filosofia] Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2007, p. 12. 
16 
 
 
Porém, no sistema schopenhaueriano do conhecimento ocorre modificações 
em relação ao sistema kantiano. Enquanto para Kant as formas de espaço e tempo 
pertencem à sensibilidade, e a causalidade é uma das doze categorias do 
entendimento; para Schopenhauer o tempo e o espaço são também formas do 
entendimento. Mas, quanto às categorias do entendimento, estas são reduzidas à 
causalidade, logo, o entendimento passa a ser composto pelas categorias de tempo, 
espaço e causalidade. Schopenhauer dessa forma une a sensibilidade eo 
entendimento, separadas por Kant.7 
A partir desta mudança há também a rejeição de Schopenhauer em relação 
à hipótese do realismo empírico, onde os objetos independem da capacidade 
cognitiva. Para ele, a própria efetividade empírica é produto de atividades 
fisiológicas e transcendentais operadas pelos órgãos sensíveis e pelo intelecto.8 
Os objetos dependem necessariamente daqueles que os percebem. Por 
isso, os objetos não são oferecidos à percepção do homem, mas são criados por 
ele. Toda a realidade empírica é antes criada e não percebida.9 
Por isso as palavras de Schopenhauer ao iniciar sua obra magna: 
 
“O mundo é minha representação.” Esta é uma verdade que vale em 
relação a cada ser que vive e conhece, embora apenas o homem 
possa trazê-la à consciência refletida e abstrata. [...] Torna-se-lhe 
claro e certo que não conhece sol algum e terra alguma, mas apenas 
um olho que vê um sol e uma mão que toca a terra. 
(SCHOPENHAUER, MRV, I, § 1) 10 
 
Segundo Monteiro, a representação é entendida enquanto união dos dados 
sensíveis e a capacidade cognitiva. A existência da realidade empírica depende do 
sujeito, por isso não é possível separar o objeto e o sujeito, pois sem o sujeito 
cognoscente o mundo desapareceria.11 
O mundo enquanto representação é composto por duas metades 
necessárias, sujeito e objeto. Nesta posição, verifica-se a refutação à consideração 
 
7
 Cf. SALLOUM, 2007, p. 12. 
8
 Cf. GARCIA, André Luiz Muniz. “(...) O mundo como representação (...) é antes de tudo 
apenas um fenômeno fisiológico”: Intuição intelectual e percepção empírica em Arthur Schopenhauer. 
Revista Voluntas: estudos sobre Schopenhauer. Curitiba: Sociedade Schopenhauer do Brasil: 
USP; UFRJ; PUCPR, v. 2, n. 2, p. 93-112, 2011, p. 99. 
9
 Cf. SALLOUM, op. cit., p. 11. 
10
 SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Tradução de 
Jair Barboza. São Paulo: UNESP, 2005, p. 43. 
11
 Cf. MONTEIRO, 2011, p. 25. 
17 
 
 
dos dogmáticos idealistas de que o sujeito é que cria o objeto, e à consideração dos 
realistas que consideram o objeto anterior ao sujeito.12 
Schopenhauer, neste sentido, afirma que o sustentador de toda a realidade 
empírica é o sujeito, este que é aquele que conhece, mas que não pode ser 
conhecido. Tudo o que existe, existe para o sujeito e se este deixa de existir toda a 
realidade empírica também desaparece. (Cf. SCHOPENHAUER, MRV, I, § 2) 13 
 
1.1.1 O conhecimento do mundo fenomênico 
 
Ademais, quanto à construção da representação, o espaço, tempo e 
causalidade não são aplicados à representação de um objeto percebido de fora, 
como propôs Kant, mas são aplicados de forma imediata a estados da matéria. Só 
há determinação de uma causa no espaço e no tempo se houver matéria, pois o 
entendimento só determina estados que possuam materialidade sensível capaz de 
fazer-efeito.14 
A matéria é para Schopenhauer apenas causalidade: 
 
[...] a matéria [...] é por completo apenas causalidade. [...] O ser da 
matéria é o seu fazer-efeito. [...] Tempo e espaço, entretanto, cada 
um por si, são também representáveis intuitivamente sem a matéria. 
Esta, contudo, não o é sem eles: a forma, que lhe é inseparável, 
pressupõe o ESPAÇO. O fazer-efeito da matéria, no qual consiste 
toda a sua existência, concerne sempre a uma mudança, portanto a 
uma determinação do TEMPO. Contudo, tempo e espaço não são 
apenas, cada um por si, pressupostos por ela, mas a essência dela é 
construída pela união de ambos [...] (SCHOPENHAUER, MRV, 4, § 
1)15 
 
Neste sentido, a partir dos estímulos dos estados da matéria que fazem 
efeito sobre os sentidos é que o entendimento aplica uma causa no tempo e no 
espaço, proporcionando então que toda a realidade empírica torne-se 
representação.16 
Mas a representação é também construída pelos animais, pois todos 
possuem entendimento, mesmo aqueles que são mais imperfeitos, haja vista que 
 
12
 Cf. MOREIRA, Jacqueline de Oliveira. O problema do conhecimento em Schopenhauer. 
Revista de Ciências Humanas. Florianópolis: EDUFSC, v. 1, n. 36, p. 263-287, 2004, p. 265. 
13
 Cf. SCHOPENHAUER, 2005, p. 45. 
14
 Cf. GARCIA, 2011, p. 104. 
15
 SCHOPENHAUER, op. cit., p. 49-50. [GRIFO DO AUTOR] 
16
 Cf. GARCIA, op. cit., p. 104. 
18 
 
 
todos conhecem objetos. O entendimento é o mesmo em todos os animais e 
homens, e possui sempre a mesma tarefa, o conhecimento da causalidade. Além 
disso, o entendimento não necessita da razão, esta é secundária. Por isso, o 
entendimento é irracional. (Cf. SCHOPENHAUER, MRV, I, § 6) 17 
Entretanto, segundo Rodrigues, mesmo havendo tais distinções da teoria 
schopenhaueriana do conhecimento em relação à teoria kantiana, Schopenhauer 
considera-se continuador do idealismo transcendental de Kant, e ainda atribui 
grande mérito a este, por sua brilhante teoria sobre a separação entre fenômeno e a 
coisa-em-si.18 
Porém, Schopenhauer deixa claro que a afirmação do mundo enquanto 
representação, já foi tratada por Berkeley19. E, já há muito tempo foi reconhecida 
pelos sábios da Índia, pois para a escola védica 20 , o dogma fundamental não 
consiste em negar a matéria, mas sustentar que esta não possui essência alguma 
senão contígua à percepção mental. (Cf. SCHOPENHAUER, MRV, I, § 1) 21 
 
1.1.1.1 O Princípio de Razão Suficiente 
 
Todas as representações que necessariamente são criadas pelo 
entendimento estão submetidas ao princípio de razão suficiente. Este é composto 
por quatro raízes que possibilitam as quatro classes de objetos possíveis ao 
conhecimento.22 Barboza apresenta as quatro raízes deste princípio: 
 
[...] 1) “princípio de razão de devir”: a ele estão submetidos as 
representações da realidade, isto é, da experiência possível; 2) 
“princípio de razão de conhecer”: a ele estão submetidas as 
representações de representações, isto é, os conceitos; 3) “princípio 
de razão de ser” [...] a ele estão submetidos a parte formal das 
representações, isto é, as intuições das formas do sentido externo e 
 
17
 Cf. SCHOPENHUAER, op. cit., p. 64-69. 
18
 Cf. RODRIGUES, Ruy de Carvalho. Matéria e representação na obra de A. Schopenhauer. 
Kairós. Revista Acadêmica da Prainha. v. 1, p. 92-125, janeiro-junho, 2008, p. 95. 
19
 Berkeley é quem fundará o idealismo propriamente dito, expresso na frase: o mundo é minha 
representação. Mas, seu idealismo ainda encontra-se incompleto e ligado ao teísmo. [Cf. LEFRANC, 
Jean. Compreender Schopenhauer. 5. ed. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 
2011, p. 69]. [GRIFO DO AUTOR] 
20
 “Arthur Schopenhauer [...] foi um dos primeiros filósofos ocidentais a perceber a 
profundidade do pensamento oriental e a propor uma leitura de seus principais aspectos, realizando 
assim uma contínua ligação entre filosofia oriental e filosofia ocidental. [REDYSON, Deyve. 
Schopenhauer e o pensamento oriental entre o hinduísmo e o budismo”. Religare. Universidade 
Federal da Paraíba. v. 7, n. 1, p. 3-16, março, 2010, p. 3.] 
21
 Cf. SCHOPENHAUER, 2005, p. 44. 
22
 Cf. RODRIGUES, 2008, p. 98. 
19 
 
 
interno dadas a priori, o espaço e o tempo; 4) “princípio de razão de 
agir”23: a ele está submetido o sujeito do querer, isto é, o seu agir 
conforme a lei de motivação.24 
 
Segundo Rodrigues, a intenção de Schopenhauer ao sustentar tal princípio é 
estabelecer o fundamento de todas as ciências, tendo em vista que este princípio 
sustenta que nada existe sem haveruma razão para existir. Porém, tal princípio não 
pode ser concebido como causa do mundo, mas apenas como a forma em que o 
objeto está condicionado pelo sujeito.25 
 
1.1.2 A capacidade de abstração e reflexão 
 
Schopenhauer considera a razão como faculdade dependente da intuição. 
“[...] o mundo inteiro da reflexão repousa e se enraíza no mundo intuitivo. Toda a 
evidência última, isto é, originária, é INTUITIVA [...]” (SCHOPENHAUER, MRV, I, § 
14) 26 por isso, “A intuição se basta a si mesma. [...] pois lá não há opinião alguma, 
mas a coisa mesma. No entanto, junto com o conhecimento abstrato, com a razão, 
dúvida e erro entram em cena [...]”. (SCHOPENHAUER, MRV, I, § 8) 27 
Conforme Mann, Schopenhauer evidencia a primazia do entendimento sobre 
qualquer objeto antes que este possa chegar pela razão, à consciência refletida. 
Cabe à razão apenas fixar e organizar o que o entendimento já apanhou.28 
“Da mesma maneira que o entendimento possui apenas UMA função, o 
conhecimento imediato da relação de causa e efeito; [...] também a razão possui 
apenas UMA função, a formação de conceitos”. (SCHOPENHAUER, MRV, I, § 8) 29 
Para Silva, o conceito sempre necessita de dados da intuição, pois ele se desvincula 
do mundo real, ao se afastar da intuitividade.30 
 
23
 É necessário perceber que aquilo que está submetido a este princípio não é o sujeito 
enquanto tal, pois se assim fosse este poderia ser conhecido e se tornaria objeto, o que propiciaria a 
refutação imediata à teoria schopenhaueriana de que o mundo enquanto representação é composto 
por sujeito e o objeto. Portanto, que fique claro que aquilo que está submetido a este princípio são 
apenas os motivos que levam o sujeito a agir. [NOTA DO PESQUISADOR] 
24
 BARBOZA, Jair apud SCHOPENHAUER, 2005, p. 48 [COMENTÁRIO DO TRADUTOR] 
25
 Cf. RODRIGUES, 2008, p. 98. 
26
 SCHOPENHAUER, op. cit., p. 117. [GRIFO DO AUTOR] 
27
 Ibid., p. 81. 
28
 Cf. MANN, Thomas. O pensamento vivo de Schopenhauer. Tradução de Pedro Ferraz do 
Amaral. São Paulo: Martins Editora, 1951, p. 65. 
29
 SCHOPENHAUER, op. cit., p. 85. [GRIFO DO AUTOR] 
30
 Cf. SILVA, Paulo Marcos da. O princípio de razão suficiente (1813) e a questão da 
verdade em Schopenhauer. 2010. 158 p. Dissertação [Mestrado em Filosofia]. Universidade de São 
Paulo, São Paulo, 2010, p. 53. 
20 
 
 
 
Os conceitos formam uma classe particular de representações, 
encontradas apenas no espírito do homem [...] Os conceitos 
permitem apenas pensar, não intuir [...] Os conceitos podem ser 
denominados de maneira bastante apropriada representações de 
representações. (SCHOPENHAUER, MVR, I, § 9) 31 
 
 Desta forma, a razão enquanto faculdade cognitiva do homem, é que cria 
conceitos e permite existir a reflexão. Só assim é possível existir ciência, que por 
meio dos conceitos abstratos pode sistematizar e transmitir os conhecimentos que 
são obtidos a partir da experiência.32 
Em relação à reflexão, Schopenhauer afirma: 
 
[a reflexão] Essa nova consciência, extremamente poderosa, [...] é a 
única coisa que confere ao homem aquela clareza de consciência 
que tão decisivamente diferencia a sua da consciência do animal e 
faz o seu modo de vida tão diferente do de seus irmãos irracionais. 
(SCHOPENHAUER, MVR, I, § 8) 33 
 
Segundo Barboza, Schopenhauer apresenta a razão como um simples 
mecanismo de sobrevivência humana, semelhante às garras de um leão. Portanto, a 
razão e a própria reflexão encontram-se secundárias em relação a algo mais 
essencial que habita em todos os animais.34 
 
1.2 O mundo como Vontade 
 
Conforme Barboza, para Schopenhauer a humanidade sempre foi movida 
por uma necessidade metafísica, por isso, há sempre uma busca pelo conteúdo 
primeiro do mundo e da vida.35 
Porém, antes de apresentar a consideração acerca da Vontade, faz-se 
necessário perceber que Schopenhauer evidencia duas formas de metafísicas. 
Inicialmente a metafísica transcendente que é entendida como um dogmatismo 
errado, pois formula um sistema de pensamentos que explica o mundo a partir de 
elementos externos ao próprio mundo. Este dogmatismo é entendido como uma 
 
31
 SCHOPENHAUER. op. cit., p. 86-87. [GRIFO NOSSO] 
32
 Cf. MORAIS; OLIVEIRA, 2010, p. 16. 
33
 SCHOPENHAUER. op. cit., p. 83. 
34
 Cf. BARBOZA, Jair. Schopenhauer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, p. 28. 
35
 Cf. BARBOZA, 2003, p. 28. 
21 
 
 
tentativa acrítica e inválida de fundamentar o mundo acima dos limites da própria 
experiência.36 
A outra metafísica é chamada imanente e estabelece um dogmatismo 
positivo. Tal metafísica é crítica, e justifica dentro dos limites e possibilidades da 
experiência suas formulações acerca do conhecimento do mundo. Tal dogmatismo 
não se opõe à filosofia crítica, e tem como intuito afirmar aquilo que é cognoscível.37 
Barboza entende a metafísica schopenhaueriana não enquanto 
transcendente, mas imanente. Porém, sustenta que é necessário evidenciar um 
dogmatismo em seu sistema, tendo em vista que o próprio pressuposto do 
conhecimento é a pura intuição. Por isso, o “meta” de sua metafísica, antes de 
evidenciar algo exterior ao mundo, sustenta aquilo que é sentido intuitivamente, e 
que vai além daquilo que se pode ver.38 
A partir disso, Schopenhauer dentro dos limites da experiência procurará 
formular sua metafísica. Mas, o caminho para identificar a essência do mundo não 
encontra-se nas leis dos objetos, pois a causalidade aplica-se apenas ao fenômeno. 
Por isso, a força que se exterioriza nos fenômenos ainda se apresenta como 
desconhecida. (Cf. SCHOPENHAUER, MVR, II, § 17) 39 
Esta força desconhecida pode ser procurada no simples repelir entre dois 
corpos, ou naquilo que possibilita os movimentos e o próprio crescimento de um 
animal. Porém, a mais perfeita explanação da etiologia de toda a natureza nada 
mais propiciaria que um catálogo de forças inexplicáveis, pois suas leis restringem-
se às representações. (Cf. SCHOPENHAUER, MVR, II, § 17) 40 
 Segundo Barboza, as ciências se limitam à finitude, à representação. A 
coisa-em-si permanece-lhe estranha. Verifica-se a própria efemeridade da razão, 
pois não cabe a ela ou aos seus conceitos serem a via de acesso à coisa-em-si.41 
Por isso, não é a partir do exterior que se chega à essência das coisas. Por 
mais que se investigue, obtêm-se apenas imagens e nomes. Schopenhauer 
metaforicamente diz que todos os filósofos que o antecederam, são como homens 
 
36
 Cf. MOREIRA, Fernando de Sá. Ethos e Pathos em Schopenhauer e Nietzsche: vida, 
vontade e ascetismo. 2011. 169 p. Dissertação [Mestrado em Filosofia] Universidade do Oeste do 
Paraná, Toledo, 2011. p. 74. 
37
 Cf. MOREIRA, 2011. p. 74. 
38
 Cf. BARBOZA, Jair. A metafísica do belo de Arthur Schopenhauer. São Paulo: 
Humanitas, 2001, p. 44. 
39
 Cf. SCHOPENHAUER, 2005, p. 154-155. 
40
 Cf. SCHOPENHAUER, loc. cit. 
41
 Cf. BARBOZA, 2003, p. 29-30. 
22 
 
 
que procurando entrar num castelo, apenas desenharam fachadas, mas nunca 
puderam entrar. E segundo ele, o único que descobriu a devida porta do castelo e 
pode entrar, ao decifrar o enigma da coisa-em-si foi ele, ao evidenciá-la como 
Vontade. (Cf. SCHOPENHAUER, MVR, II, § 18) 42 
 
1.2.1 A Vontade como coisa-em-si 
 
Para Barboza, quando Schopenhauer evidencia o fracasso das ciências na 
busca da essência do mundo, ele propõe que tal busca inicie não pelo exterior, mas 
pelo próprio interiordo homem. Ele apresenta o corpo como via de acesso à coisa-
em-si.43 
Mas, afirma Schopenhauer que o corpo do sujeito é objeto, ou seja, 
representação. Dessa forma, haverá certa dificuldade caso o sujeito nomeie sua 
essência, pois devido às exteriorizações de seu corpo poderia simplesmente afirmá-
la como uma força. (Cf. SCHOPENHAUER, MVR, II, § 18).44 
Por isso, Lefranc sustenta a necessidade de perceber que não é a partir da 
esfera da representação que é possível conhecê-la, pois o homem não só é ser 
cognoscente, mas também um querer constante.45 
É nesta perspectiva que Schopenhauer considera a essência do mundo como 
“[...] Vontade46. Esta, e tão somente esta, fornece-lhe a chave para seu próprio 
fenômeno, manifesta-lhe a significação, mostra-lhe a engrenagem interior de seu 
ser, de seu agir, de seus movimentos”. (SCHOPENHAUER, MVR, II, § 18) 47 
Schopenhauer afirma que comumente substituiu-se o conceito de Vontade pelo 
conceito de força. Ele afirma que se deve pensar de forma contrária, cada força na 
natureza enquanto Vontade, isto porque o conceito de Vontade é o único que 
provém da interioridade, da consciência imediata do próprio indivíduo, destituído de 
 
42
 Cf. SCHOPENHAUER. op. cit., p. 156. [GRIFO DO AUTOR]. 
43
 Cf. BARBOZA. op. cit., p. 30. 
44
 Cf. SCHOPENHAUER. op. cit., p. 156. 
45
 Cf. LEFRANC, 2002, p. 89. 
46
 Há certa dificuldade entre os comentadores para referir-se ao termo “Vontade”, tendo em 
vista que às vezes usa-se esta palavra com letra maiúscula e às vezes com letra minúscula. O próprio 
Schopenhauer nem sempre é claro ao usá-la. Por isso, a sustentação mais pertinente entre os 
comentadores é a de Jair Barboza, tradutor de o Mundo como Vontade e como representação (1819), 
para o português. Para ele, a palavra “Vontade” com letra maiúscula quer designar a coisa-em-si, já a 
palavra “vontade”, com letra minúscula refere-se à vontade individual. Portanto, faz-se pertinente que 
esta mesma diferenciação de Barboza seja seguida nesta pesquisa. [NOTA DO PESQUISADOR] 
47
 SCHOPENHAUER, 2005, p, 156-157. 
23 
 
 
todas as formas, pois neste momento o sujeito que conhece coincide com o que é 
conhecido, a Vontade. (Cf. SCHOPENHAUER, MVR, II, § 22) 48 
 
1.2.2 O corpo como objetidade da Vontade 
 
Na consideração sobre o mundo enquanto representação, o corpo é 
chamado objeto imediato; agora, enquanto Vontade, ele é chamado de objetidade 
da Vontade.49 (Cf. SCHOPENHAUER, MVR, II, § 18) 50 
A essência do homem é um querer infinito, em meio a sua finitude 
corporificada. Sua essência volitiva proporciona-lhe querer infinitamente. Todo ato 
da Vontade é ação do corpo, ambos são uma única coisa, apenas dados de 
maneiras distintas, uma enquanto intuição do entendimento, e outra enquanto 
Vontade.51 
Segundo Damasceno, Schopenhauer afirma a possibilidade de conhecer a 
essência do próprio corpo; tal conhecimento, porém, não significa a cognoscibilidade 
absoluta da mesma, apenas um conhecimento aproximado, livre da maior parte das 
formas da representação.52 
Acerca do conhecimento da vontade, diz Schopenhauer: 
 
[...] o conhecimento que tenho da minha vontade, embora imediato, 
não se separa do conhecimento do meu corpo. Conheço minha 
vontade não no todo, como unidade, não perfeitamente conforme sua 
essência, mas só em seus atos isolados, portanto no tempo, que é a 
forma do fenômeno de meu corpo e de qualquer objeto. 
(SCHOPENHAUER, MVR, II, § 18) 53 
 
Neste sentido, a Vontade não afeta o homem de fora. Ela afeta-o pelo seu 
interior. Porém, a Vontade não deve ser entendida como um misterioso sopro divino 
 
48
 Cf. Ibid., p. 170-171. 
49
 O termo objektitat, neologismo de Schopenhauer, costuma provocar confusão entre os 
tradutores, que às vezes traduzem por “objetividade”, termo inadequado, pois faz perder o caráter 
inconsciente de imediatez do ato da Vontade, anterior ao seu tornar-se fenômeno consciente na 
intuição do entendimento. [Cf. BARBOZA, Jair apud SCHOPENHAUER, 2005, p. 157] 
[COMENTÁRIO DO TRADUTOR] 
50
 Cf. SCHOPENHAUER, loc. cit. 
51
 Cf. BARBOZA, 2003, p. 31. 
52
 Cf. DAMASCENO, Francisco William Mendes. Ética e metafísica em Schopenhauer: a 
coexistência da vontade livre com a necessidade das ações. 2012. 116 p. Dissertação [Mestrado em 
Filosofia] Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2012. p. 31. 
53
 SCHOPENHAUER. 2005, p. 159. 
24 
 
 
que habita o mais profundo interior humano, mas a partir da consideração física do 
homem, pois este é um objeto da mesma.54 
Todos os atos da Vontade implicam no movimento do corpo, todo o querer 
para se tornar efetivo necessita do corpo. É a partir deste que se manifesta o anseio 
de viver, ou seja, o impulso à conservação; é ainda por ele que se sente a dor e o 
prazer. Desta forma, o corpo é a via pela qual se sente não só o mundo enquanto 
representação, mas o que propicia perceber sentimentos que não se enquadram em 
representações, mas surgem do mais profundo interior humano, momento em que é 
possível identificar a Vontade.55 
 Portanto, acima da própria percepção da realidade fenomênica, é possível 
evidenciar uma propulsão que não é identificada enquanto representação, mas que 
brota da imediatez da consciência, onde encontra-se a própria Vontade. 
 
1.2.2.1 A conclusão analógica sobre a essência de todos os fenômenos 
 
A partir do que foi acima citado que a Vontade é a essência íntima do corpo, 
e que o próprio corpo e o querer são unos, cabe perceber de que forma 
Schopenhauer atribui aos demais fenômenos a Vontade como sua respectiva 
essência. 
 
[...] todos os objetos que não são nosso corpo, portanto não são 
dados de modo duplo, mas apenas como representações na 
consciência, serão julgados exatamente conforme analogia com 
aquele corpo. [...] serão tomados, precisamente como ele, de um 
lado como representação e, portanto, nesse aspecto, iguais a ele; 
mas de outro, caso se ponha de lado a sua existência como 
representação do sujeito, o que resta, conforme sua essência íntima 
tem de ser o mesmo que aquilo a denominarmos em nós a 
VONTADE. (SCHOPENHAUER, MVR, II, § 19) 56 
 
Segundo Barboza, Schopenhauer quer dizer que, enquanto representação o 
corpo está sujeito ao princípio de razão e sua lei de causalidade. A causalidade 
encontra-se em sentido estrito no reino inorgânico, por excitação no reino vegetal e 
 
54
 Cf. TEODORO, Jefferson Silveira. A origem da santidade segundo a metafísica de 
Schopenhauer. 2009. 122 p. Dissertação [Mestrado em Ciência da Religião] Universidade Federal 
de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2009. p. 42-43. 
 
55
 Cf. SANTANA, Bruno Wagner. Akrasia e errância da vontade em Schopenhauer. Revista 
Voluntas: estudos sobre Schopenhauer. Curitiba: Sociedade Schopenhauer do Brasil: USP; UFRJ; 
PUCPR, v. 4. n. 2. p. 92-102, 2013, p. 97-98. 
56
 SCHOPENHAUER, 2005, p. 163. [GRIFO DO AUTOR] 
25 
 
 
no homem assume a forma de motivação. Mas, mesmo de formas diferentes a 
causalidade é a mesma. Por isso, se esta é a mesma em todos os corpos e, se o 
íntimo da causalidade humana é a própria Vontade, deve-se considerá-la como a 
essência dos demais corpos.57 
Logo, se nada existe além da representação e da Vontade, aqui se esgota 
toda a realidade. Ademais, se tais afirmações tornaram-se evidentes, então será 
possível reconhecer que a mesma Vontade que está no corpo dos homens e dos 
animais, também,através da reflexão levará a conhecê-la na força que vegeta na 
planta, na força que forma o cristal e que gira a agulha magnética para o pólo norte. 
(Cf. SCHOPENHAUER, MVR, II, § 21) 58 
 
1.2.3 A irracionalidade da Vontade 
 
Uma representação que de forma consciente faz o corpo agir é denominada 
motivo. Quando o homem vê-se prestes a ser atacado, age através de um motivo. 
Mas, não só age instintivamente como também racionalmente, por isso, quando for 
alimentar-se, racionalmente perceberá que o melhor a fazer é suprir sua fome.59 
 Porém, a Vontade não se restringe aos motivos, pois age também sem 
necessitar de representações. A Vontade enquanto princípio do mundo é entendida 
como sem-fundamento, exterior ao tempo e ao espaço. Ela não está submetida ao 
princípio de razão, é livre das formas fenomênicas, possui liberdade. É ainda 
entendida como um ímpeto cego e irracional, um esforço que é constante, porém 
destituído de alvo.60 
A Vontade encontra-se no instinto e nos impulsos dos animais61, onde não 
há qualquer conhecimento. 
 
57
 Cf. BARBOZA, 2003, p. 32-33. 
58
 Cf. SCHOPENHAUER, op. cit., p. 168. 
59
 Cf. JANAWAY, Christopher. Schopenhauer. Tradução de Adail Ubirajara Sobral. São Paulo: 
LOYOLA, 2003, p. 59. 
60
 Cf. BARBOZA, Jair. Metafísica do irracional-mal radical em Schelling e Schopenhauer. 
Veritas. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUCRS, Porto Alegre, v. 54, n. 2, 
maio/agosto, p. 187-196, 2009, p. 192-193. 
61
 Para Schopenhauer a própria voz dos animais expressa a Vontade: “A voz dos animais serve 
unicamente para expressar a vontade, em suas excitações e movimentos, mas a voz humana 
também serve para expressar o conhecimento. É por isso que os sons feitos pelos animais quase 
sempre nos causam uma impressão desagradável, com exceção de algumas vozes de pássaros. Na 
origem da linguagem humana se encontram certamente, em primeiro lugar, as interjeições, com as 
quais não se expressam conceitos, mas sentimentos, movimentos da vontade, assim como nos sons 
dos animais. Logo depois apareceram diversas espécies de interjeições e, a partir dessa diversidade, 
ocorreu a passagem para os substantivos, verbos, pronomes pessoais, e assim por diante”. 
26 
 
 
 
O pássaro de um ano não tem representação alguma dos ovos para 
o qual constrói um ninho; nem a jovem aranha tem da presa para a 
qual tece uma teia; nem a formiga-leão da formiga para a qual cava 
um buraco pela primeira vez. A larva do escaravelho abre na madeira 
o buraco onde sofrerá sua metamorfose e de tal modo que o buraco 
será duas vezes maior no caso de ele se tornar um besouro macho, 
em vez de fêmea, pois no primeiro caso deve haver lugar suficiente 
para as suas antenas, da qual ainda não possui representação 
alguma. (SCHOPENHAUER, MVR, II, § 23) 62 
 
No homem, a Vontade encontra em determinados lugares do corpo a 
manifestação visível de sua expressão; os dentes, o esôfago, o canal intestinal onde 
se objetiva a fome, os órgãos genitais onde se objetiva o instinto sexual.63 
Neste sentido, a Vontade atua em todos os lugares. Por isso, a construção da casa 
de um caracol não deve ser atribuída a uma vontade, e a construção da casa de um 
homem atribuída a outra vontade, mas à mesma Vontade que objetiva-se nos dois 
fenômenos, contudo, de formas diferentes, no homem conforme motivos, e no 
caracol atuando cegamente como um impulso. (Cf. SCHOPENHAUER, MVR, II, § 
23) 64 
 
1.2.4 Os graus de objetivação da Vontade 
 
Como já exposto, a Vontade é alheia à pluralidade, ou seja, ao principium 
individuationis65, logo é una. Mas, pode-se questionar que esta, por estar em todos 
os fenômenos deve então estar dividida entre eles, tornando duvidosa sua unidade. 
Contudo, a relação entre parte e todo cabe apenas ao espaço, logo não pode haver 
a sustentação da divisão da Vontade entre todos os fenômenos. Por isso 
Schopenhauer sustenta que a Vontade sendo una, objetiva-se nos fenômenos 
através de graus, e sua maior objetivação ocorre no homem. (Cf. 
SCHOPENHAUER, MVR, II, § 25) 66 
Segundo Janaway, Schopenhauer acredita que as espécies e coisas 
animadas e inanimadas do mundo são eternas. Não há a identificação de uma 
 
[SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de escrever. Tradução de Pedro Süssekind. Porto Alegre: L & 
PM, 2009, p. 145.] 
62
 SCHOPENHAUER, 2005, p. 173-174. 
63
 Cf. MANN, 1951, p. 98. 
64
 Cf. SCHOPENHAUER, op. cit., p. 174. 
65
 Princípio de individuação. [TRADUÇÃO NOSSA] 
66
 Cf. SCHOPENHAUER, op. cit., p. 189. 
27 
 
 
formiga por ela vir a existir como indivíduo, e sim porque esta, mesmo perecendo no 
tempo corresponde a uma espécie permanente na realidade empírica.67 
Schopenhauer assim fundamenta os graus de objetivação da Vontade: 
 
[...] os diferentes graus de objetivação da Vontade expressos em 
inumeráveis indivíduos e que existem como seus protótipos 
inalcançáveis, ou formas eternas das coisas, que nunca aparecem 
no tempo e no espaço, médium do indivíduo, mas existem fixamente, 
não submetidos a mudança alguma, são e nunca vindo-a-ser, 
enquanto as coisas nascem e perecem, sempre vêm-a-ser e nunca 
são; os GRAUS DE OBJETIVAÇÃO DA VONTADE, [...] não são 
outra coisa senão as IDEÍAS [sic] DE PLATÃO. (SCHOPENHAUER, 
MVR, II, § 25) 68 
 
Tais Ideias 69 diferentes de seus fenômenos são representações, porém 
anteriores ao princípio de razão; são semelhantes à Vontade, atemporais, alheias à 
causalidade. A intermediação entre a Vontade como coisa-em-si e seus fenômenos 
acontece através dessas Ideias.70 
O que diferencia as Ideias da Vontade, é que elas, mesmo anteriores às 
formas do princípio de razão, são objetivações perfeitas71 da Vontade. Portanto, 
mesmo sendo os pressupostos das objetivações fenomênicas, ainda assim devem 
ser consideradas objetos em relação ao sujeito.72 
Ademais, as forças mais universais da natureza são os menores graus de 
objetivação, tais como a gravidade, eletricidade, magnetismo, propriedades 
químicas. Já, os maiores graus de objetidade da Vontade, referem-se ao homem, 
este é acentuado por uma considerável individualidade, uma personalidade 
completa. (Cf. SCHOPENHAUER, MVR, II, § 26) 73 
 
67
 Cf. JANAWAY, 2003, p. 62-63. 
68
 SCHOPENHAUER, op. cit., p. 191. [GRIFO DO AUTOR] 
69
 Todas as vezes que for citada a palavra Ideia com a letra maiúscula, subentendam-se as 
Ideias platônicas, como anteriormente exposto. [NOTA DO PESQUISADOR] 
70
 Cf. BARBOZA, 2003, p. 35. 
71
 O que Schopenhauer quer evidenciar, é que, se as Ideias não forem consideradas objetos, 
então equivaleriam à Vontade. Por isso ele as considera enquanto objetivações perfeitas. Portanto, 
são também objetos, porém diferentes dos fenomênicos. Mas, cabe saber que o homem é também 
considerado objetivação perfeita da Vontade, mas o que o distingue da Ideia é que ele encontra-se 
enquanto fenômeno, e derivou de uma Ideia, por isso, no mundo fenomênico o homem é a 
objetivação mais perfeita, tendo em vista que as Ideias enquanto tais não estão no mundo 
fenomênico, mas tão só suas representações. [NOTA DO PESQUISADOR] 
72
 Cf. GERMER, Guilherme Marconi. O conhecimento do belo em Schopenhauer. Revista 
Voluntas: estudos sobre Schopenhauer. Curitiba: Sociedade Schopenhauer do Brasil: USP; UFRJ; 
PUCPR, v. 1. n. 2. p. 89-97, 2010,p. 92. 
73
 Cf. SCHOPENHAUER, 2005, p. 192. 
28 
 
 
Nenhum animal possui essa individualidade no mesmo grau; os animais 
identificados como superiores ainda assim possuem considerável semelhança do 
caráter de sua espécie, bem como de sua fisionomia. E, quanto mais se desce na 
escala, mais os traços individuais desaparecem no caráter geral da espécie. Por 
isso, devido a generalidade do caráter é possível em determinadas espécies 
conhecer seu caráter psicológico, ou seja, saber o que esperar do indivíduo.74 
Mas, em relação à espécie humana, dificulta-se o estudo do homem, pois 
devido sua individualidade, ele pode ser entendido enquanto uma Ideia própria, e 
devido sua racionalidade, pode facilmente ser um ser enganoso. (Cf. 
SCHOPENHAUER, MVR, II, § 26) 75 
Deve-se, portanto, ter em mente que acima de todos esses fenômenos e das 
Ideias, há a Vontade que sedenta por existência, sai gradativamente de sua 
cegueira, tornado-se natureza visível. Por isso, surge o reino inorgânico, vegetal e 
animal, isso porque o querer tende à vida, e tal querer sendo irracional fará qualquer 
coisa para afirmar-se.76 
Portanto, o mundo é entendido enquanto representação e Vontade. No que 
se refere ao mundo enquanto representação evidencia-se os inumeráveis 
fenômenos que existem em decorrência dos graus de objetivação da Vontade. 
Entretanto, todas as representações imersas na lei causal, tão só existem 
para afirmar a própria Vontade, que é a essência comum a todas. Mas, para que 
haja tal afirmação é necessária a matéria, por isso, encontra-se um contínuo conflito 
entre as Ideias, e este conflito, sobretudo no homem, possibilitará o sofrimento e 
todas as manifestações de egoísmo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
74
 Cf. MANN, 1951, p. 114. 
75
 Cf. SCHOPENHAUER, op. cit., p, 193. 
76
 Cf. BARBOZA, 2003, p. 34. 
29 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2 O SOFRIMENTO INERENTE À VIDA E O EGOÍSMO HUMANO 
 
A Vontade por ser irracional é ateleológica, não possui finalidade, mas suas 
objetivações fenomênicas possuem um fim, afirmá-la. Neste sentido, todas as Ideias 
se esforçam para conseguir matéria, que é pressuposto para qualquer afirmação, e 
nesta busca por matéria, entram em conflito. Contudo, toda afirmação, sobretudo a 
do homem, resultam do principium individuationis que confere a individualidade dos 
seres. 
Neste sentido, o homem por ser o grau mais perfeito, estará continuamente 
em conflito e por isso vivenciará um contínuo sofrimento. Além do mais, para a sua 
afirmação não hesitará em prejudicar o outro, pois devido o principium 
individuationis, sempre se perceberá absolutamente diferente de qualquer outro 
homem. 
 
2.1 O conflito entre os graus de objetivação da Vontade 
 
Segundo Mann, verifica-se em toda a natureza um contínuo conflito, pois 
todos os graus de objetivação disputam a matéria. Devido à causalidade, a matéria 
necessariamente deve mudar de forma, possibilitando que determinados fenômenos 
apareçam.77 
Schopenhauer afirma que no conflito entre as Ideias o que ocorre é a 
dominação de alguns fenômenos mais baixos por outro fenômeno que se torna mais 
elevado. (Cf. SCHOPENHAUER, MVR, II, § 27) 78 
Ademais, esses conflitos veem-se de forma mais nítida no reino vegetal e 
animal, mas, sobretudo, quando este se alimenta do reino vegetal, ou quando 
 
77
 Cf. MANN, 1951, p. 117-118. 
78
 Cf. SCHOPENHAUER, 2005, p. 208-209. 
30 
 
 
determinado animal é presa ou predador de outro; neste sentido, sempre um deve 
ceder matéria para que o outro possa manifestar sua determinada Ideia.79 
A Vontade renuncia os graus mais baixos para objetivar-se nos mais 
elevados. Porém, quando algumas Ideias são dominadas por uma mais elevada, 
ocorre a resistência das mais baixas, pois mesmo em debilidade, sempre se 
esforçam para serem independentes e poderem exteriorizar sua essência. (Cf. 
SCHOPENHAUER, MVR, II, § 27) 80 
Segundo Mann, na filosofia schopenhaueriana vários são os exemplos para 
expressar tal conflito. Entre eles, insetos que põem seus ovos na casca ou no corpo 
de larvas ou insetos, cuja lenta destruição será a primeira tarefa da ninhada que 
viverá.81 
Schopenhauer evidencia que a matéria é o pressuposto para qualquer 
objetivação da Vontade. 
 
[...] cada fenômeno da Vontade, inclusive os que se expõem no 
organismo humano, travam uma luta duradoura contra as diversas 
forças físicas e químicas que, como Idéias [sic] mais elementares, 
têm direito prévio à matéria. Por isso o braço levantado após um 
instante de dominação da gravidade, volta a cair. [...] Daí em geral o 
fardo da vida física, a necessidade do sono e, por fim, a morte; pois, 
finalmente, por circunstâncias favoráveis, as forças naturais 
subjugadas reconquistam a matéria que lhes foi arrebatada pelo 
organismo, agora cansado até mesmo pelas constantes vitórias, e 
alcançam sem obstáculos a exposição da natureza. 
(SCHOPENHAUER, MVR, II, § 27) 82 
 
Todos esses conflitos resultam da manifestação visível da discórdia da 
Vontade consigo mesma. Esta crava os dentes na própria carne, ela é seu próprio 
alimento. Porém, no homem esta autodiscórdia intensifica-se, e torna-se terrível 
quando este se transforma no lobo do homem. (Cf. SCHOPENHAUER, MVR, II, § 
27) 83 
 
 
 
 
 
79
 Cf. MANN, op. cit., p. 118. 
80
 Cf. SCHOPENHAUER, op. cit., p. 210. 
81
 Cf. MANN, op. cit., p. 119. 
82
 SCHOPENHAUER, op. cit., p. 210. 
83
 Cf. Ibid., p. 211-212. 
31 
 
 
2.2 O principium individuationis como gerador da pluralidade 
 
A Vontade como coisa-em-si é completamente diferente de seus fenômenos, 
ela é livre e alheia ao princípio de razão suficiente, por isso, desconhece também o 
tempo e espaço que são geradores da pluralidade. Esta pluralidade que é também 
representada pela expressão principium individuationis. (Cf. SCHOPENHAUER, 
MVR, II, § 23) 84 
Neste sentido, este principium será o propulsor de todo conflito entre os 
homens, pois fará com que todos se percebam de maneira completamente distinta 
em relação aos outros, logo, nenhum hesitará em agir egoisticamente, pois o outro 
sempre lhe parecerá absolutamente diferente de si.85 
Por isso, Alves afirma: “O egoísmo essencial, que atravessa a existência de 
todos os seres, tem sua origem na vontade que se objetiva na pluralidade dos 
indivíduos. [...] O princípio de individuação é a base de todo egoísmo [...]”.86 
Como comenta Barboza, é o principium individuationis que propicia toda 
injustiça e maldade, pois não permite ao homem perceber sua essência, comum a 
todos os outros homens. Destarte, esta permanência no principium individuationis 
designa uma contínua imersão na ilusão, e garante um contínuo sofrimento para si e 
para os demais.87 
Por isso as palavras de Schopenhauer: “[...] TODA VIDA É SOFRIMENTO.” 
(SCHOPENHAUER, MVR, IV, §56) 88 Portanto, a afirmação da existência que 
propicia o sofrimento é antes gerada pela imersão no principium individuationis. 
 
2.3 A afirmação da Vontade de vida 
 
A manifestação da Vontade não resume-se apenas à conservação do 
instinto pessoal, tendo em vista que a duração natural de um indivíduo é curta. Logo, 
a Vontade deseja a vida de forma absoluta e constante, por isso se manifesta 
através do impulso sexual, permitindo que haja uma série infinita de gerações.8984
 Cf. Ibid., p. 171. 
85
 Cf. MOREIRA, 2011, p. 125. 
86
 ALVES, José Clerison Santos. Schopenhauer e a recusa da fundamentação racional da 
moral. 2011. 85 p. Dissertação [Mestrado em Filosofia], Universidade Federal da Bahia, Salvador, 
2011, p. 76. 
87
 Cf. BARBOZA, 2003, p. 36-37. 
88
 SCHOPENHAUER, 2005, p. 400. [GRIFO DO AUTOR] 
89
 Cf. LIMA; SOUZA, 2013, p. 150. 
32 
 
 
A satisfação do impulso sexual é a mais intensa afirmação da Vontade no 
homem e nos animais. Este impulso vai além do próprio indivíduo, pois resulta na 
existência de outro. O ato da procriação permite à natureza a sua conservação, pois 
ela necessita constantemente dos indivíduos para a contínua afirmação da Vontade. 
(Cf. SCHOPENHAUER, MVR, IV, § 60) 90 
 
Diante do procriador aparece o procriado, o qual é diferente do 
primeiro apenas no fenômeno, mas em si mesmo, conforme a Idéia 
[sic], é idêntico a ele. Por conseguinte, esse é o ato mediante o qual 
as espécies dos viventes se ligam a um todo e, dessa forma, 
perpetuam-se. A procriação em relação ao procriador, é apenas a 
expressão, o sintoma de sua decidida afirmação da Vontade de Vida: 
em relação ao procriado a procriação não é o fundamento da 
Vontade que nele aparece, visto que a Vontade em si não conhece 
fundamento nem conseqüência [sic], mas, como toda causa, é tão-
somente causa ocasional do fenômeno da Vontade neste tempo e 
neste lugar. (SCHOPENHAUER, MVR, IV, § 60) 91 
 
Esta nova vida, produto da Vontade, estará condenada a uma vida 
semelhante a de seu procriador, pois a vida não passa de uma luta incessante 
contra a miséria. Desta forma, o procriador quando consciente de seu procriado se 
sacrificará por ele, pois entenderá que sua criatura está condenada ao sofrimento e 
à dor, e todos os seus sacrifícios terão o intuito de reparar o erro de tê-lo permitido 
vir à luz sombria da existência.92 
Segundo Mann, Schopenhauer serve-se do pecado de Adão93 para designar 
a condenação que todo homem está sujeito ao vivenciar o ato da procriação. Adão 
devido à desobediência propiciou a toda humanidade a condenação. Da mesma 
forma, todo homem devido à procriação estará sujeito à dor e sofrimento.94 
Janaway sustenta que o foco primeiro da Vontade sempre será os órgãos 
genitais, pois neles ela encontra-se de forma veemente, guiando-os irracionalmente. 
Por isso, o que permite a procriação não é um sentimento de carinho ou afeto entre 
dois indivíduos, mas antes tão só a força impulsiva da Vontade que conduz esse 
 
90
 Cf. SCHOPENHAUER, op. cit., p. 421-422. 
91
 Ibid., p. 422. 
92
 Cf. LIMA; SOUZA, 2013, p. 150-151. 
93
 Para Schopenhauer, a doutrina cristã sabiamente entendeu a figura mitológica de Adão 
como uma Ideia, no mesmo sentido das Ideias de Platão. Ou seja, todos os homens são semelhantes 
a Adão, e por isso condenados. Da mesma forma, Schopenhauer em sua teoria entende que todos os 
homens recebem por herança uma vida incerta mergulhada no sofrimento e dor. [NOTA DO 
PESQUISADOR] 
94
 Cf. MANN, 1951, p. 187. 
33 
 
 
encontro. Por isso, nunca haverá uma intenção particular entre indivíduos para a 
procriação, mas antes a motivação irracional da Vontade impelindo-os a tal ato.95 
Neste sentido, a Vontade impulsiona com todas as forças o homem e o 
animal à propagação. Mas, depois que a natureza alcança seu objetivo através dos 
indivíduos, coloca-se por inteira indiferente a eles, pois o que interessa é tão 
somente a conservação da espécie, o indivíduo é nulo. (Cf. SCHOPENHAUER, 
MVR, IV, § 60) 96 
Entretanto, por ser a Vontade a essência do homem, este mesmo sofrendo, 
acredita que sua vida é um bem supremo, pois sempre é impelido a conservar sua 
existência. Mas, Schopenhauer evidencia que a vida do homem termina tão logo que 
jamais se poderá esperar uma vida eterna, tendo em vista que todos estão fadados 
à morte. Esta corresponde ao cessar cerebral, a perda definitiva da consciência, 
deixando a matéria de seu fenômeno a qualquer outra Ideia. O que permanece é 
apenas sua essência, a própria Vontade.97 
Entretanto, esta correspondência à Vontade, ao afirmá-la a partir da 
satisfação dos desejos bem como da procriação, propiciará ao homem uma vida 
repleta de dor e sofrimento, pois estará imerso numa contínua insatisfação. 
 
2.3.1 A vida humana enquanto sofrimento 
 
Para Schopenhauer, a vida do homem é um morrer constante, uma queda 
do presente no passado que não existe mais. Aquilo que garante a existência é o 
presente, pois o passado não mais existe, e o futuro é incerto; mas devido à 
racionalidade, o homem apega-se mais ao passado e ao futuro, do que no próprio 
presente, resultando um maior sofrimento. (Cf. SCHOPENHAUER, MVR, IV, § 57) 98 
Segundo Barboza, a afirmação da Vontade é que propicia todos os 
sofrimentos. Todos os desejos são contínuos, logo, não existem para serem 
satisfeitos apenas uma vez. Além disso, para cada desejo satisfeito existem pelo 
menos dez que ainda não foram, ou seja, a vida é uma contínua carência, sempre 
uma constante necessidade.99 
 
95
 Cf. JANAWAY, 2003, p. 78-79. 
96
 Cf. SCHOPENHUAER, 2005, p. 424. 
97
 Cf. SCHOPENHUAER, Arthur. Metafísica do amor, Metafísica da morte. Tradução de Jair 
Barboza. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 69. 
98
 Cf. Id., 2005, p. 401. 
99
 Cf. BARBOZA, 2003, p. 37. 
34 
 
 
Desta maneira, Santos sustenta que para Schopenhauer, a Vontade é a 
precursora de todo sofrimento da vida, pois corresponde a um desejo cego, 
irresistível, o que ela quer é sempre a vida, isto é, a sua manifestação visível.100 
Mas o homem nesta busca do prazer não pode escapar de seu inevitável 
destino, a morte. E esta já dá sinais à vida através dos mais diversos sofrimentos. A 
vida é frágil, e geralmente é cuidada o mais longamente possível, assemelhando-se 
a alguém que sopra uma bolha de sabão, mesmo tendo a absoluta certeza que ela 
estourará. (Cf. SCHOPENHAUER, MVR, IV, § 57) 101 
Porém, Mann afirma que é possível num determinado momento não haver 
objeto a ser desejado, quando uma satisfação apoderou-se rapidamente de 
determinado homem, desta forma, o homem é imediatamente dominado por um 
grande vazio, sua vida está à mercê do tédio.102 
 
Sua vida, portanto, oscila como um pêndulo, para aqui e para acolá, 
entre dor e o tédio, os quais em realidade são seus componentes 
básicos. [...] O homem como objetivação perfeita da Vontade, é [...] o 
mais necessitado de todos os seres. Ele é querer concreto e 
necessidade absoluta, é uma concretização de milhares de 
necessidades. [...] A vida da maioria das pessoas é tão-somente uma 
luta constante por essa existência mesma, com a certeza de ao fim 
serem derrotadas. (SCHOPENHAUER, MVR, IV, § 57) 103 
 
Estas palavras de Schopenhauer segundo Dambros apresentam a vida 
enquanto ilusão que acaba em desilusão, um estado de maravilhamento que termina 
em decepção. No início, a vida mostra-se enquanto detentora de toda felicidade, 
mas em seu fim vê-se sua crueldade e a ilusão de qualquer felicidade real ou 
duradoura.104 
 
100
 Cf. SANTOS, Élcio José dos. Algumas considerações sobre a questão do suicídio na 
filosofia de Arthur Schopenhauer. Voluntas: estudos sobre Schopenhauer. Curitiba: Sociedade 
Schopenhauer do Brasil: USP; UFRJ; PUCPR, v. 1, n. 2, p. 23-32, 2010, p. 24. 
101
 Cf. SCHOPENHAUER, 2005, p. 401. 
102
 Cf. MANN, 1951, p. 180-181. 
103
 SCHOPENHUAER, op. cit., p. 402-403. 
104Cf. DAMBROS, Eli Berto. Schopenhauer e a sabedoria “para a vida no mundo”. Revista 
Voluntas: estudos sobre Schopenhauer. Curitiba: Sociedade Schopenhauer do Brasil: USP; UFRJ; 
PUCPR, v. 5, n. 1, p. 143-153, 2014, p. 146. 
35 
 
 
Como comenta Zampieri, a vida é constituída de dor e sofrimento, e se os 
homens tivessem consciência de seu existir, não saudariam os outros com elogios, 
mas apenas os considerariam como infelizes companheiros de miséria.105 
 
Sobre o palco, um desempenha o papel de príncipe, outro, o de 
conselheiro, um terceiro, o de servo, ou de soldado, ou de general e 
assim por diante. Mas tais diferenças existem só na exterioridade. Na 
interioridade, como núcleo de tal fenômeno, o mesmo encontra-se 
igual em todos: um pobre comediante, com seus flagelos e suas 
necessidades. 106 
 
Ademais, Schopenhauer afirma que aquilo que garante a sobrevivência do 
homem não é tanto amor à vida, mas temor à morte. Porém, é em vão crer no 
afastamento da morte, pois a vida é um mar cheio de empecilhos, e mesmo que o 
homem procure vencê-los, ainda assim aproxima-se o inevitável naufrágio, que é a 
morte. (Cf. SCHOPENHAUER, MVR, IV, § 57) 107 
 
2.3.2 A ilusão da felicidade 
 
Schopenhauer entende que a crença na felicidade é ilusão. 
 
Há somente um erro inato: é aquele que consiste em crer que nós 
existimos para sermos felizes. [...] Enquanto persistirmos neste erro 
inato, que ainda nos é confirmado pelos dogmas otimistas, o mundo 
parecerá cheio de contradições. Porque em cada etapa, tanto no 
conjunto como no detalhe, nós devemos sentir pela experiência que 
o mundo e a vida de forma alguma se dispõem a comportar uma 
existência feliz.
108
 
 
Schopenhauer ainda afirma em sua obra Dores do mundo (1836) que “Se a 
nossa existência não tem por fim imediato a dor, poderia dizer-se que não tem razão 
 
105
 Cf. ZAMPIERI, Gilmar. Metafísica e sofrimento, da Morte e do Amor em Schopenhauer. 
Publicações da ESTEF. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana, v. 
1, n. 1, p. 01-15, abr. 2011, p. 9. 
106
 SCHOPENHAUER, Arthur. Aforismos para a sabedoria de vida. Tradução de Jair 
Barboza. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 6. 
107
 Cf. Id., 2005, p. 403. 
108
 LIMA, Felipe Cardoso Martins; SOUZA, Marcelo Prates de. Tradução do capítulo 49 do tomo 
II (Suplementos) de o mundo como vontade e representação. A ordem da salvação. Revista 
Voluntas: estudos sobre Schopenhauer. Curitiba: Sociedade Schopenhauer do Brasil: USP; UFRJ; 
PUCPR, v. 4. n. 1. p. 182-188, 2013, p. 182. 
36 
 
 
alguma de ser no mundo. Porque é absurdo admitir que a dor sem fim que nasce da 
miséria inerente à vida e enche o mundo, seja apenas um puro acidente [...]”.109 
A vida do homem é uma contínua luta, e a própria história não pode 
esconder seus principais acontecimentos, inúmeras guerras, mortes e atrocidades 
geralmente movidas por sentimentos egoístas. Quanto à paz, resume-se em 
pequenas interrupções entre tais atrocidades; de forma geral, todos estão sujeitos à 
guerra e morrerão sem poder defender-se. (Cf. SCHOPENHAUER, P&P, XII, § 
150)110 
Desta forma, Schopenhauer procura evidenciar a situação do homem: 
 
Semelhantes aos carneiros que saltam no prado, enquanto, com o 
olhar, o carneiro faz a sua escolha no meio do rebanho, não 
sabemos, nos nossos dias felizes, que desastre o destino nos 
prepara precisamente a essa hora, - doença, perseguição, ruína, 
mutilação, cegueira, loucura [...] Ao tormento da existência vem ainda 
juntar-se a rapidez do tempo, que nos inquieta, não nos deixa 
respirar, e se conserva atrás de cada um de nós como um vigia dos 
forçados de chicote em punho.111 
 
Portanto, Schopenhauer evidencia que a vida como habitualmente é 
sustentada, não é constituída de alegria, mas por carências, esforços e aflições, e 
sempre coberta pelo sentimento de insegurança. Tal constituição é tão forte que 
parece impensável um mundo cheio de felicidades; e se fosse possível conduzir 
qualquer homem a este mundo utópico, provavelmente o tédio lhe tomaria levando-o 
à morte. (Cf. SCHOPENHAUER, P&P, XII, § 152) 112 
 
2.3.2.1 A refutação à visão otimista de mundo 
 
Segundo Zampieri, quando o homem idealizou o inferno, encheu-o de todas 
as dores e tormentos possíveis, pois devido suas inúmeras experiências facilmente 
poderia imaginar um lugar atemporal fadado ao sofrimento, mas quando idealizou o 
céu não encontrou mais que aborrecimento para lhe proporcionar conteúdo.113 
 
109
 SCHOPENHAUER, Arthur. Dores do mundo. 4. ed. Trad. José Souza de Oliveira. São 
Paulo: S. A, 1960, p. 5. 
110
 Cf. SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação III; Crítica da 
filosofia kantiana; Parerga e Paralipomena, V, VIII, XII, XIV. Tradução de Wolfgang Leo Maar, 
Maria Lúcia Melo Oliveira Cacciola. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os Pensadores), p. 278. 
111
 SCHOPENHAUER, 1960, p. 6-7. 
112
 Cf. SCHOPENHAUER, 1980, p. 279. 
113
 Cf. ZAMPIERI, 2011, p. 8. 
37 
 
 
Schopenhauer entende o mundo semelhante à ideia de inferno, realidade 
imaginária que não passa de uma reprodução deste mundo, e mesmo que não haja 
um criador para tal mundo, mais facilmente se poderia acreditar que este é habitado 
por um demônio. E, para que se entenda mais facilmente a vida, é necessário que 
ela seja entendida como um local de expiação, uma espécie de instituição penal. Por 
isso, na prática vê-se certa dificuldade em afirmar este mundo como o melhor dos 
mundos possíveis.114 
Segundo Lefranc, ao afirmar este mundo como o pior dos mundos possíveis, 
Schopenhauer tem como intenção contrariar a afirmação de Leibniz115 de que o 
mundo é o melhor dos mundos possíveis. Por isso, o filósofo de Dantzig faz um 
convite para aqueles que comungam deste otimismo leibniziano em demasia, 
identificando que a miséria mesmo que por vezes ignorada encontra-se 
continuamente neste mundo.116 
 
[...] se se quisesse conduzir o otimista mais endurecido aos hospitais, 
aos lazaretos e aposentos de torturas cirúrgicas, às prisões, aos 
lugares de suplícios, às pocilgas dos escravos, aos campos de 
batalha e aos tribunais criminais, se se lhe abrissem todos os antros 
sombrios onde a miséria se acolhe para fugir aos olhares de uma 
curiosidade fria, e se por fim o deixassem ver a tôrre [sic] de 
Ugolino117, então, com certeza, também acabaria por reconhecer de 
que espécie é êste [sic] melhor dos mundos possíveis.118 
 
 
114
 Cf. SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de insultar. Organização de Franco Volpi. São Paulo: 
Martins Fontes, 2003, [s. p.] 
115
 Leibniz nasceu na Alemanha, em 1646 e morreu em 1716. Foi um grande filósofo, 
matemático e historiador. Sua filosofia está centrada em Deus, que é a Mônada suprema, origem de 
todas as outras mônadas. Em relação ao mundo, Leibniz afirma que, por ele ter sido criado por Deus, 
é o melhor dos mundos possíveis. [LOGOS Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia. São Paulo: 
Verbo. 1991. 3 v., p. 295-296.] 
116
 Cf. LEFRANC, 2011, p. 38. 
117
 “Conde Ugolino da Gherardesca, originalmente de família gibelina era, junto com o seu neto 
Nino dei Visconti, um dos líderes guelfos que exerciam a sua autoridade sobre a cidade de Pisa. 
Ugolino estava insatisfeito em ter que dividir o poder com Nino, então, traiu seu partido e aliou-se ao 
arcebispo Gibelino Ruggieri dos Ubaldini. Juntos, eles tramaram a expulsão ou prisão de todos os 
seguidores de Visconti e Ugolino

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