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Apostila - A Afirmação da Vida e o Existencialismo Schopenhauer e Kierkegaard

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1FILOSOFIA
Neste módulo, vamos estudar dois filósofos do final
do século XVIII e início do XIX, Schopenhauer e
Kierkegaard, que desenvolveram suas obras no contexto
de uma Europa devastada pelas guerras napoleônicas.
Desespero e angústia são marcas importantes desses
filósofos; no entanto, ambos se negaram a se entregar
facilmente ao sofrimento. Cada um deles, a seu próprio
modo, buscou apresentar alternativas ao pessimismo e
à percepção da vida como algo sem significado e sem
sentido.
1. Arthur Schopenhauer: uma
filosofia construída por meio
de aforismos
Arthur Schopenhauer (1788-1860), filósofo alemão,
viveu à sombra de vários fantasmas: o do reconhe -
cimento e o da fama, que só aconteceram 32 anos
depois da publicação de sua principal obra, O mundo
como vontade e representação; e o da aceitação, por
parte da comunidade acadêmica, de que ele era superior
a Hegel. Essa disputa com Hegel marcou a vida de
Schopenhauer de forma profunda e intensa (e há dúvidas
a respeito do quanto Hegel estava efetivamente
preocupado com o seu suposto oponente).
Os dois filósofos encontraram-se na Universidade de
Berlim. Ali, Schopenhauer resolveu medir forças com
Hegel, filósofo reconhecido como crítico e admirador de
Kant. O que Schopenhauer desejava, na verdade, era ser
reconhecido como o “verdadeiro intérprete” de Kant. A
inveja e o ressentimento de Schopenhauer foram
tamanhos que ele chegou a marcar suas aulas no
mesmo horário em que Hegel ministrava seu curso de
filosofia, com a intenção de disputar alunos e prestígio,
iniciativa que só fez aumentar a sua raiva: sua sala
continuava vazia, e a de Hegel, repleta de estudantes.
Uma das principais características da obra de
Schopenhauer é que as ideias são apresentadas sob a
forma de aforismos. Determinado a superar os filósofos
do romantismo alemão, Schopenhauer adotou o
aforismo como marca de um pensamento livre de
amarras expositivas e de complexidade conceitual. Esse
estilo, quase artístico, acabou por influenciar gerações
de filósofos, que viram no discurso aforístico uma
maneira simples e atrativa de abordar temas complexos,
até então apresentados segundo a tradição do
pensamento lógico e sistemático de Hegel.
1FILOSOFIA
Módulos
1 – A afirmação da vida e o existencialismo:
Schopenhauer e Kierkegaard 
2 – Nietzsche e a vontade
3 – A Escola de Frankfurt: Horkheimer,
Habermas, Benjamin e Adorno
4 – A filosofia analítica:
a questão da linguagem
O pensador, de Auguste Rodin.
1
A afirmação da vida e o existencialismo:
Schopenhauer e Kierkegaard 
Autora:
Professora Ivy Judensnaider
Aluno_3a_serie_FILOSOFIA_JR_2019.qxp 21/12/2018 15:31 Página 1
2 FILOSOFIA
Schopenhauer é lembrado como o filósofo da
angústia e da desesperança. Essa perspectiva resulta
da constatação de que, em sua obra, a angústia e o
tédio são apresentados como elementos centrais da
existência humana, na qual os momentos de felicidade
são raros. No entanto, essa interpretação do
pensamento de Schopenhauer é simplista demais. Em
primeiro lugar, é importante observar que o mundo
que se coloca diante do filósofo é conturbado e,
efetivamente, repleto de sofrimento; é um mundo
devastado pelas guerras napoleônicas que haviam
deixado rastros de miséria e mutilação por toda a
Europa. Até mesmo a Revolução Francesa resultara
em desespero e terror. No entanto, Schopenhauer
evita sucumbir ao desânimo e ao desalento; ao
contrário, ele alerta para a necessidade de afirmar a
vida e a disposição de vivê-la em plenitude,
especialmente se essa afirmação e essa disposição
forem materializadas sob a forma de uma sabedoria de
vida (BARBOZA, 2002).
Nesse sentido, podemos definir o pensamento de
Schopenhauer como pendular, vale dizer, ele
oscila continuamente entre pessimismo meta -
físico e otimismo prático. Embora o mundo seja
sofrimento no seu íntimo, o homem tem à sua
disposição a possibilidade de uma felicidade, até
onde é possível para seres tão carentes como
nós. [...] Quer dizer, paradoxalmente, estamos
diante de um livro de um metafísico pessimista
que, todavia, não teme falar de uma felicidade
alcançável (BARBOZA, 2002, p. XIII).
Schopenhauer propõe fazer o balanço da vida por
meio de uma curiosa comparação: de um lado, os
prazeres usufruídos; do outro, os males evitados. A vida
boa e sábia, dessa forma, é o que permite ao ser
humano viver em um mundo que é quase um inferno. E,
para uma vida boa e sábia, nada melhor do que a reflexão
filosófica.
Figura 1. Para Barboza (2002, p. XIV), "o que Schopenhauer entende
por sabedoria está muito próximo da visão estoica do mundo, isto é,
encarar as adversidades com serenidade. Eis a razão da crítica ao
pessimismo exacerbado".
Outro eixo importante do seu trabalho é a questão
da representação. De forma curiosa (especial mente se
considerarmos sua obsessão por Hegel),
Schopenhauer defendeu que não se deve dar tanta
importância ao que "representamos" na opinião do
outro. Em outros termos, o ser humano deve evitar
conduzir suas ações em função do que o olhar alheio
determina.
Como exemplo de atos tolos, e gerados pela
insuportável necessidade de agradar a opinião de
outros, Schopenhauer cita a prática do duelo: que
coisa estúpida essa de, apenas por conta de uma
ofensa externalizada, colocar a sua vida em risco ou
tirar a vida alheia? Por qual motivo aquilo que parece
aos outros deve valer mais do que o que pensamos a
nosso próprio respeito?
O mundo que vemos consiste em
representação, meros fenômenos, como Kant
muito bem o definiu. O que apoia essa
representação, porém, não é, como em Kant, a
realidade final do númeno, mas a Vontade
universal. Essa Vontade é cega, perpassa todas
as coisas e é sempre destituída de objetivo.
Como o númeno de Kant, está além do espaço
e do tempo e não possui causa. É isso que
provoca toda a miséria e sofrimento do mundo,
que só podem terminar com a morte. Nossa
única esperança é nos libertarmos do poder
dessa Vontade e da carga de individualidade e
egoísmo atada a ela. Isso só pode ser obtido
pela renúncia expressa na compaixão por
nossos irmãos sofredores, pela abnegação da
vontade tal como praticada pelos santos e
eremitas de todas as raças e credos, e pela
apreciação estética das obras de arte (que inclui
a contemplação sem vontade) (STRATHERN,
1998, p. 10).
Observação:
A metafísica busca a compreensão daquilo que
está além da experiência sensível. Assim, suas
principais preocupações são a totalidade cósmica, a
alma humana e o conhecimento da essência das
coisas.
Observação:
O aforismo é uma espécie de ditado, ou sentença
sintética, que apresenta uma regra ou princípio
moral. Trata-se de um texto curto e breve, cujo
conteúdo encerra uma reflexão filosófica.
2 FILOSOFIA
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Aluno_3a_serie_FILOSOFIA_JR_2019.qxp 21/12/2018 15:31 Página 2
A vontade, assim, é a nossa experiência direta, uma
força impessoal que funciona como motor de nossas
vidas. O mundo, esse lugar inóspito e cruel, merece
nosso repúdio; as artes, em particular, podem nos aliviar
de uma existência de suplícios e de sofrimento. E, como
estamos separados uns dos outros apenas na aparência,
os sentimentos de compaixão e de amor podem
construir uma realidade em que os seres humanos
sejam solidários uns com os outros.
Dessa forma, Schopenhauer
realizou uma mudança radical com relação à
tradição filosófica antecedente, pois ela
colocou em segundo plano a primazia da razão
como sendo a legisladora e o princípio
ordenador do mundo. Desde os gregos antigos,
a filosofia expressou grande confiança no poder
da razão, depositando na racionalidade cósmica
uma ordem inteligente que rege e conduz as
leis naturais do universo. No entanto,
contrariando este posicionamento, a filosofia
schopenhaueriana se desenvolveu na reflexão
acerca do irracional, isto é, ela parte da ideia de
que o princípio de onde todas as coisas emanam,
a Vontade, a coisa-em-si do mundo, não possui
nenhum fundamento ou razão. Para
Schopenhauer, a Vontade é uma força cega e
dinâmica. [...]. Noutras palavras, a Vontade é
entendida como um princípiometafísico, sem
finalidade ou objetivo, uma força volitiva e
insaciável, que se firma nas diversas camadas
da natureza e da existência em geral
(NASCIMENTO, 2015, p. 2).
Em vez de fazer a apologia do desespero,
Schopenhauer propõe que os jovens busquem evitar a
dor; a felicidade e o prazer completo são impossíveis de
serem alcançados, e uma vida sábia resulta do
reconhecimento de que não há muito o que se esperar do
mundo. A inútil busca pela felicidade é substituída pela
alegria que pode ser encontrada nas pequenas coisas.
A distinção entre opinião alheia e valor próprio é o eixo
de uma das obras de Schopenhauer, Aforismos para a
sabedoria da vida. Assim, o ser humano detém três
diferentes tipos de bens: tudo o que possui em termos de
valores e características pessoais; tudo o que possui em
termos materiais; e tudo o que representa para os outros.
Aristóteles (Ética a Nicômaco, I. 8) dividiu os bens
da vida humana em três classes: aqueles que vêm
de fora, aqueles da alma e aqueles do corpo.
Preservando dessa divisão somente o número
três, observo que as diferenças fundamentais na
sina dos homens podem ser reduzidas a três
classes distintas:
(1) O que um homem é, ou seja, sua persona -
lidade no sentido mais amplo. Isso inclui saúde,
força, beleza, temperamento, caráter moral,
inteligência e educação.
(2) O que um homem tem, ou seja, propriedades
e posses em todos os sentidos.
(3) O que um homem representa; sabemos que
por meio dessa expressão entende-se o que um
homem é aos olhos dos demais e, portanto, como
é representado por esses. Consiste, assim, na
opinião desses ao seu respeito, e pode ser dividida
em honra, posição e glória.
Observação:
Para Kant, a experiência é fundamental para a
construção do conhecimento; no entanto, é a
mente humana que torna a experiência possível.
Nosso conhecimento sobre a realidade é limitado,
já que a mente humana não é capaz de conhecer a
coisa em si, na sua totalidade (o númeno). Somos
apenas capazes de conhecer o que nossa mente
consegue apreender da realidade, o fenômeno, que
nada mais é do que uma representação da
realidade.
3FILOSOFIA
Sugerimos que você assista dois filmes que, de certa
forma, tangenciam as ideias de Schopenhauer.
O primeiro é Os Duelistas (1977), filme dirigido por
Ridley Scott e protagonizado por Keith Carradine e
Harvey Keitel. Por causa de uma troca de ofensas,
dois soldados franceses tornam-se inimigos,
ameaçando-se e enfrentando-se em duelos ao longo
de quinze anos. O filme trata dos exageros e
absurdos que são cometidos em nome da honra.
O segundo filme é Blade Runner (1982), também
dirigido por Ridley Scott e protagonizado por Harrison
Ford e Rutger Hauer. Uma das obras cinemato -
gráficas mais icônicas da década de 1980, o filme
narra as aventuras de um caçador de androides
fugitivos que lutam pelos direitos de uma existência
humana (ou pelo reconhecimento de que suas
existências são tão especiais quanto as dos seres
humanos). Afinal, se eles são percebidos pelos
outros como humanos, por que então eles devem ser
considerados escravos ou inferiores? Uma das
questões que o filme deixa em aberto diz respeito ao
caçador que, melancolicamente, coloca em dúvida a
sua própria condição: ele é humano ou é apenas um
androide que se imagina humano?
?? Saiba mais
Aluno_3a_serie_FILOSOFIA_JR_2019.qxp 21/12/2018 15:31 Página 3
As diferenças a serem consideradas em relação à
primeira classe são aquelas que a própria natureza
estabeleceu entre os homens. Disso pode-se
inferir que sua influência sobre a felicidade ou
infelicidade da humanidade será muito mais
fundamental e radical que aquela abarcada pelas
outras duas classes, que são apenas o efeito de
decisões e resoluções humanas. Comparados
com vantagens pessoais genuínas, como uma
grande mente ou um grande coração, todos os
privilégios de posição, nascimento, mesmo um
nascimento nobre, riqueza e assim por diante, não
passam de reis de teatro em comparação com reis
na vida real.
[...]
E é óbvio que o elemento principal no bem-estar
de um indivíduo — de fato, de todo o seu modo de
existir — é aquilo que o constitui, que ocorre
dentro dele próprio. Pois isso constitui a fonte
imediata de sua satisfação ou insatisfação íntima,
que resulta de todo o seu sentir, desejar e pensar.
Por outro lado, tudo que o cerca exerce somente
uma influência indireta; por esse motivo, os
mesmos eventos ou circunstâncias afetam
diferentemente cada um de nós; e até com
ambientes exatamente iguais, cada qual vive em
seu próprio mundo. Pois um homem apenas
preocupa-se diretamente com suas próprias
ideias, sentimentos e volições; o mundo exterior
somente pode influenciá-lo na medida em que traz
vida a esses. O mundo em que cada qual vive
depende principalmente de sua própria inter -
pretação desse e, assim, mostra-se diferente -
mente a homens diferentes; para um é pobre,
insípido e monótono, para outro é rico,
interessante e importante. Por exemplo, apesar de
muitos invejarem os acontecimentos interes -
santes que ocorreram ao longo da vida de um
homem, deveriam, em vez disso, invejar seu dom
de interpretação que imbuiu tais eventos com a
significância que exibem enquanto os descreve. O
mesmo evento que parece interessante ao
homem de gênio seria somente uma cena
monótona e fugidia do mundo corriqueiro quando
concebida pela mente superficial de um homem
comum (SCHOPENHAUER, 2002, p. 3-9).
2. Søren Kierkegaard 
Representante do existencialismo, o dinamarquês
Søren Kierkegaard (1813-1855) refletiu sobre o indivíduo
e sua existência. Diante de uma Europa destroçada pela
guerra, o desespero precisava de um discurso que o
explicasse e o justificasse: a filosofia existencialista
cumpriu com esse papel no século XIX e Kierkegaard
tinha o perfil ideal para a sua elaboração: criado de forma
intransigente e autoritária pelo seu pai, atormentado pela
ideia de pecado e pelos conflitos religiosos daquele
período, frustrado com o fato de não conseguir
concretizar uma relação amorosa com Regine Olsen, a
quem conhecera quando ela era ainda uma criança, e
mergulhado em dúvidas e incertezas, ninguém melhor do
que ele para tentar responder a questões que outros
filósofos haviam desistido de solucionar.
Na verdade, Kierkegaard retomou uma questão que
havia sido deixada de lado: o que era a existência, afinal?
A filosofia há muito desistira de tentar responder a essa
pergunta, já que entendia ser impossível alcançar uma
explicação. Qual era a utilidade de questionar-se a
respeito do significado da vida e do sentido da
existência?
No século XVII, Descartes propusera uma solução no
seu cogito. Cogito ergo sum, quer dizer, penso logo
existo. Pode-se duvidar de tudo, menos de que estamos
pensando. Se eu penso em algo, eu existo. Todo o
restante pode ser apenas fruto de ilusões ou erros,
exceto o fato de eu pensar. Hegel, no início do século
XIX, havia retomado a questão da existência: era real tudo
o que era racional e tudo que era racional era real.
Realidade e razão justificavam-se e explicavam-se. No
entanto, a pergunta sobre o significado da existência
ainda continuava sem resposta.
Profundamente impactado pela dialética hegeliana,
Kierkegaard procurou oferecer uma explicação para o
sentido da existência. Sua relação com as ideias de Hegel
era, aliás, marcada pela dialética: Kierkegaard amava
Hegel e, ao mesmo tempo, odiava Hegel. Como outros
filósofos que haviam sido influenciados pelas ideias de
Hegel, o que Kierkegaard mais queria era conseguir
superar o mestre tão admirado.
A dialética também alcançaria a relação de
Kierkegaard com sua própria obra. Vários dos seus textos
foram publicados sob pseudônimos que Kierkegaard fazia
questão de sinalizar que eram falsos. Escondendo-se,
mas revelando-se, o filósofo entrou em contato com
Observação:
A dialética hegeliana parte de uma tese que, por
sua vez, gera o seu contrário, a antítese. A síntese
é o resultado do encontro entre tese e antítese e,
na sequência, ela se transforma em tese. Um
exemplo pode ser a seguinte ideia. O Ser (a
existência) é a tese. O Nada é aantítese da tese. A
síntese, encontro entre tese e antítese, é o devir, o
vir-a-ser, o que ainda não é, mas que poderá ser,
quando a mudança e a transformação agirem sobre
as coisas provisórias e transitórias.
4 FILOSOFIA
Aluno_3a_serie_FILOSOFIA_JR_2019.qxp 21/12/2018 15:31 Página 4
outros pensadores alemães que, como ele, tentavam
libertar-se da sombra de Hegel. Kierkegaard, no entanto,
acreditava ter condições de se sair bem dessa tarefa. O
que os outros não haviam ainda compreendido era que 
O sistema filosófico de Hegel e, de fato, todos os
sistemas filosóficos eram agora coisa do
passado. Um sistema construído sobre princípios
racionais (como qualquer sistema devia ser) só
descrevia os aspectos racionais do mundo.
Kierkegaard compreendera — e experimentara
plenamente — o fato de que a subjetividade não
era racional (STRATHERN, 1999, p. 23).
Kierkegaard trouxe à tona um dilema extremamente
simples e que, de certa forma, explicava a existência e
dava sentido à vida. Para ele, havia duas maneiras de viver
a vida: a estética e a ética. Cabia a cada ser humano fazer
sua escolha, escolha essa que resultava em
consequências sobre as quais cabiam responsabilidades.
Os que preferiam a estética, viviam para o seu próprio
prazer. Kierkegaard, no entanto, fazia uma ressalva.
Num nível básico, o indivíduo que vive a vida
estética não tem o controle da sua existência. Ele
vive o momento, levado pelo prazer. Sua vida pode
ser contraditória, carente de estabilidade e certeza.
Mesmo num nível mais calculado, a vida estética
continua sendo “experimental”. Sentimos certo
prazer apenas enquanto ela exerce apelo sobre nós.
A inadequação do ponto de vista estético é
fundamental. Porque ele se apoia no mundo
externo. Ele “espera tudo de fora”. Dessa forma, é
passivo e carente de liberdade. Apoia-se em coisas
que estão, em última instância, além do controle da
sua vontade — como o poder, as posses ou mesmo
a amizade. É contingente, dependente do
“acidental”. Não há nada “necessário” nele. Se
compreendermos essas coisas, veremos a
inadequação última da existência estética. Quando
um indivíduo que vive a vida estética reflete sobre
sua existência, logo percebe que lhe faltam certeza
e significado (STRATHERN, 1999, p. 25).
Esta renúncia à liberdade, este colocar-se como um
mero joguete do destino, este é o caminho que leva
certamente ao desespero. Assim, o que Kierkegaard
pretende é oferecer uma alternativa ao desespero. "A
solução que lhe deu foi igualmente radical. A única
resposta é assumir a posse integral da própria existência
e aceitar responsabilidade por ela" (STRATHERN, 1999,
p. 27). Não à toa, essa perspectiva existencialista
influenciaria enormemente os filósofos de uma Europa
que, no século XX, viveria em constante estado de
guerra. Ao contrário de uma vida estética, Kierkegaard
oferece a chance de o indivíduo fazer uma opção, uma
opção ética.
Ali onde o indivíduo estético meramente aceita-se
tal como é, o indivíduo ético procurar conhecer e
mudar a si mesmo por escolha própria. Será
guiado nisso pelo seu autoconhe cimento e sua
vontade — não de aceitar o que descobre, mas de
tentar melhorar isso (STRATHERN, 1999, p. 28).
Enquanto o indivíduo estético está preocupado com
o mundo exterior, o indivíduo ético busca tornar-se
melhor e alcançar uma vida mais elevada em termos de
padrões éticos. E a transição do mundo estético para o
ético ocorre de forma natural, já que, automaticamente,
o ser humano é capaz de reconhecer o que é superior.
De acordo com a lógica dialética, estética e ética
fazem gerar uma síntese que, para Kierkegaard é a
religião. A religião transcende o ético; na verdade, para
que o ser humano alcance o estágio mais elevado de
superioridade moral, ele deve transcender seus
princípios éticos em favor de um propósito maior. Como
exemplo dessa transição, Kierkegaard relembra o
sacrifício de Isaac imposto por Deus a Abrão.
Para testar sua fé, Deus ordena a Abraão que
mate o filho Isaac. Esse ato só pode ser visto
como eticamente errado — mas a verdadeira fé
(exigência do estágio religioso) envolve o
propósito divino, que rejeita e suplanta toda
demanda meramente ética. Abraão se dispõe a
seguir a ordem de Deus, independente da
repugnância que possa sentir por semelhante
ato. Nisso está levando uma vida no nível
religioso, que é superior à vida ética porque tem
fé na divindade da qual o ético se origina
(STRATHERN, 1999, p. 30).
Figura 2. Para Kierkegaard, “cada indivíduo é, em certa medida, o
criador do seu próprio mundo. E cria seu mundo em função dos valores
que tem” (STRATHERN, 1999, p. 34).
Observação:
A filosofia de Kierkegaard exerceu uma profunda
influência no desenvolvimento da psicologia, em
particular a freudiana. A liberdade, antes de ser uma
questão filosófica, está associada à atitude mental
que determina nossos padrões psicológicos.
5FILOSOFIA
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Cada indivíduo constrói seu próprio mundo, por meio
do exercício da vontade. Vemos o que queremos ver, e
vemos de acordo com valores que escolhemos e que
nos fazem ser o que somos. Essas escolhas são
arriscadas: não há como termos certeza de que são as
melhores. A vida que vivemos, e a consciência que dela
temos, são precárias. Se é verdade que nossa vida pode
terminar a qualquer momento, também é verdade que, a
cada instante, nos é possível modificá-la por meio de
escolhas.
6 FILOSOFIA
� Sentimos que toda satisfação de nossos
desejos advinda do mundo assemelha-se à
esmola que mantém hoje o mendigo vivo,
porém prolonga amanhã a sua fome. A resignação, ao
contrário, assemelha-se à fortuna herdada: livra o herdeiro para
sempre de todas as preocupações.
(A. Schopenhauer. Aforismo para a sabedoria da vida. 
São Paulo: Martins Fontes, 2005.)
O trecho destaca uma ideia remanescente de uma tradição
filosófica ocidental, segundo a qual a felicidade se mostra
indissociavelmente ligada à
a) consagração de relacionamentos afetivos.
b) administração da independência interior.
c) fugacidade do conhecimento empírico.
d) liberdade de expressão religiosa.
e) busca de prazeres efêmeros.
RESOLUÇÃO: 
Para Schopenhauer, a Vontade é materializada no interior do
indivíduo, como força motriz da vida. Aquilo que é externo,
inclusive a opinião alheia, não pode reger a vida ou as decisões de
alguém. Assim, a independência interior é condição para uma vida
que, embora não possa alcançar a felicidade suprema, pode ser
aproveitada e proporcionar prazer ao homem. 
Resposta: B.
� (Concurso de Provas e Títulos, com modificações) – A
angústia é uma experiência cujo manejo é objeto frequente de
intervenção do psicólogo hospitalar. Kierkegaard preocupa-se
em mostrar como a existência está centrada na angústia e
como a partir dela se desdobram outras experiências que
levam o indivíduo ao reconhecimento de si mesmo.
Em relação à angústia, verifique as afirmações a seguir:
I. A possibilidade de fazer escolhas marca o ser humano,
trazendo-lhe angústia e sofrimento. 
II. A angústia dá ao ser humano a percepção de sua própria
finitude e da impossibilidade de alcançar a perfeição e a
completude.
III. A angústia resulta de o ser humano perceber que pode fazer
escolhas que podem ser ou não bem-sucedidas.
Está correto o que se afirma em:
a) I, apenas.
b) II e III, apenas.
c) III, apenas.
d) I e III, apenas.
e) I, II e III.
RESOLUÇÃO:
O ser humano é livre para realizar as escolhas que quiser, mas
deve assumir as consequências resultantes das escolhas feitas. A
escolha requer, necessariamente, a renúncia de uma das
alternativas possíveis, e essa é a principal fonte de angústia do ser
humano. Mais: por se saber imperfeito, e desde que se afastou da
divina perfeição em função do pecado original, o ser humano sabe
que não há como escapar da possibilidade de fracasso. Escolher
envolve risco, e esse é um fato intransponível. 
Resposta: E.
Exercícios Propostos
Referências
Textuais
ABRÃO, B. S. (Org.). História da filosofia. São Paulo:Nova Cultural, 1999.
BARBOZA, J. Prefácio. In SHOPENHAUER, A. Aforismos para a sabedoria da vida. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2002. 
NASCIMENTO, I. S. A metafísica da vontade em Schopenhauer. Revista Lampejo, Fortaleza, v. 1, n.° 8, p. 1-15, 2015. Disponível
em: <http://revistalampejo.org/edicoes/edicao-8/01%20Artigo%20-%20A%20Metafisica%20da%20Vontade.pdf>. Acesso em:
7 set. 2018.
SCHOPENHAUER, A. Aforismos para a sabedoria da vida. Tradução de Jair Barboza. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
STRATHERN, P. Schopenhauer em 90 minutos. Tradução de Maria Helena Geordane. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
_________ . Kierkegaard em 90 minutos. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
Audiovisuais
Blade Runner. Dir. Ridley Scott. Estados Unidos/Hong Kong: The Ladd Company, Shaw Brothers e Blade Runner Partnership, 1982.
117 minutos.
Os Duelistas. Dir. Ridley Scott. Estados Unidos: Paramount, 1977. 100 minutos.
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