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As brasileiras precisam de um partido feminista JOTA

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18/04/2016 As brasileiras precisam de um partido feminista? ­ JOTA
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Crédito Reprodução do Youtube
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Por Janaína Penalva
Professora de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília/UnB,
membro da Coordenação do Centro de Estudos em Desigualdade e Discriminação/UnB. Ex-
diretora-executiva do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ e do Centro de Estudos
Judiciários do CJF.
Por Francisco Mata Machado Tavares
Doutor em ciência política pela UFMG, professor adjunto e coordenador do programa de pós-
graduação em Ciência Política da UFG.
Por Lira Furtado Moreno
Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Goiás/UFG, mestranda em Ciência
Política pela UFG.
evaram o nome da mulher. O Partido da Mulher Brasileira é um
dos novos partidos políticos criados em 2015. Na esfera federal,
conta apenas com uma deputada federal e, embora marque no nome uma
perspectiva de gênero, o partido não é uma legenda feminista. Ao
contrário, Suêd Haidar, a fundadora do PMB, é conservadora com as
palavras. No site do partido, os homens são lembrados a cada menção às
mulheres: “Nós criamos o partido após veriäcar uma necessidade de
aumentar a participação das mulheres em todos os setores da sociedade,
mas sem excluir a participação masculina”.
As brasileiras precisam de um partido
feminista?
Publicado 10 de Dezembro, 2015
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18/04/2016 As brasileiras precisam de um partido feminista? ­ JOTA
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Em paralelo, setores do movimento feminista, liderados pela älósofa
Márcia Tiburi, discutem a criação do Partido Feminista Democrático ou a
“partidA”. Trata-se de uma iniciativa conduzida, em especial, por
mulheres ativistas ligadas à classe média acadêmica. Não há uma
participação de maior intensidade, ao menos até aqui, de movimentos ou
militantes egressas das inúmeras organizações ou mobilizações
feministas atuantes em periferias urbanas ou entre trabalhadoras rurais
sem terra e minifundiárias. Diferentemente do PMB, todavia, não se trata
de um sequestro. A ideia é que mulheres fundem um partido feminista
como forma de incremento de sua participação política. Esse é um
projeto em discussão, que já incide como espaço de manifestação e
atuação políticas, mas, principalmente, motiva a discussão sobre a
democracia feminista. Alguns setores do feminismo reåetem sobre a
adequação da ideia, há dúvidas se o exercício da cidadania feminista
precisa de um partido político, se essa forma tradicional de exercer o
poder serve à causa feminista, se vale a pena correr o risco de incluir o
feminismo na crise existencial da democracia representativa.
 
É válido lembrar que a teoria política mainstream, vocalizada por autores
como o canônico J. Schumpeter, ao dispor sobre as democracias
representativas pouco intensas quanto aos mecanismos de exercício da
soberania popular, aponta que os partidos não se deänem por suas
ideologias ou bandeiras, mas pelo objetivo de ocuparem espaços de poder
por meio de cálculos estratégicos em favor da obtenção de votos.
Schumpeter chega a comparar a ideologia de um partido com a marca
vendida por uma loja: trata-se apenas de um artifício, em um caso para
ganhar eleições, no outro para aumentar o faturamento. Dessa premissa,
emerge uma inevitável pergunta: o feminismo tem a ganhar ao se
comportar como mercado eleitoral para quem pretende, antes de tudo,
gerir a máquina estatal?
 
O PMB, deänitivamente, não encerra esse debate e não representa o
movimento feminista brasileiro. Aparentemente, o Partido da Mulher
Brasileira expressa mais um arranjo de oportunidade, um subterfúgio
para permitir a migração partidária de políticos, diante de uma
imposição judicial da ädelidade às legendas pelas quais se elegeram.
Como é sabido, essa vedação é excepcionada em circunstâncias como a
da adesão a uma agremiação não existente na ocasião do pleito
disputado. Não se trata, com efeito, de um transbordamento político-
partidário de movimentos como a Marcha das Margaridas, a Marcha das
Vadias, os inúmeros coletivos feministas no Brasil, ou grupos de
mulheres dissidentes de outros partidos, em protesto contra o seu caráter
androcêntrico e excludente.  
 
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No programa do PMB, não há aborto, feminicídio, educação para a
paridade de gênero ou ampliação da presença feminina no Parlamento.
Ao contrário, sua bancada expressa uma proporção de homens ainda
mais concentrada do que a do legislativo brasileiro, um dos mais
excludentes em todo o mundo quanto à presença feminina. Tem-se,
desse modo, apenas uma legenda criada em função de uma oportunidade
institucional forjada pelo descontrole dos efeitos combinados sobre as
instituições, engendrado por uma reforma política conduzida em âmbito
jurisdicional.
 
O PMB não é uma legenda que represente legitimamente a pauta
feminista. Quem então poderia fazê-lo? Se regatássemos a palavra
mulher desse sequestro, quem teria legitimidade para fundar um partido
que incorporasse as demandas da cidadania feminista? Antes inclusive da
indagação sobre a legitimidade política: o feminismo precisa de um
partido político?
 
O movimento feminista brasileiro é essencialmente plural. Não há o
feminismo, a palavra deve vir no plural. Há demandas; estratégias de
ação; posicionamento frente ao Estado; estrutura organizacional e
aspectos geracionais muito diversos entre os diversos feminismos. Desde
a sua primeira geração, no início do século XX, marcada pela luta a favor
do sufrágio feminino, liderado por Bertha Luz, o feminismo brasileiro já
era determinado pelas diferenças entre as suas ramiäcações. Um
exemplo, à época, era a existência de um movimento de operárias
anarquistas, cuja pauta excedia a centralidade do tema do sufrágio.  Um
movimento que não manteve o mesmo vigor durante os anos
subsequentes, e que só voltou a se manifestar com certa intensidade na
década de 1970, em um período de luta pela redemocratização.
 
Com a consolidação de um regime democrático no Brasil, ainda na
década de 1980, o movimento feminista sofre transformações
consideráveis, passando por um processo de institucionalização, por
meio de uma interação direta com o Estado e utilizando-se da forma das
organizações não governamentais. Emergem, nesse momento, demandas
por políticas públicas que promovem a igualdade de gênero e os direitos
das mulheres. Um processo não linear, todavia, que não excluiu a
coexistência de outras estratégias de atuação. Movimentos feministas
fortaleceram as mobilizações de rua a partir de ações como a Marcha
Mundial de Mulheres, ou mais recentemente, a Marcha das Vadias. E
seguem marcados por uma diversidade de composição, coexistindo e
interagindo entre si.
 
Exemplo recente desse caráter dinâmico e plural são as mobilizações
vistas nas redes sociais. #PrimeiroAssédio e #AgoraÉQueSãoElas, por
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exemplo, não foram campanhas conjuntamente construídas e
estrategicamente organizadas. Ao contrário, surgiram de forma
espontânea e autônoma, em um caso liderada por um coletivo, no outro,
por feministas independentes.  Iniciativas como essas garantem sua
legitimidade pelo conteúdo que enunciam. A “onda feminista” vista nos
últimos meses se organizou sem forma, o conteúdo criou o movimento. O
rechaço contra o PL 5069/2013, uma proposta violenta em si mesma,
organizou politicamente a resistência das brasileiras ao retrocesso.
 
A “onda feminista” pode ser útil à reåexão sobre a criação de um partido
da mulher brasileira. A descentralização das
ações, a ausência de uma
liderança única ou de um movimento encadeado demonstra que não é
preciso aval para defender às mulheres, mas que tampouco pode uma
legenda se sustentar se não passar do sequestro de um nome. A
legitimidade não está apenas em quem enuncia o discurso e sim no
próprio conteúdo do posicionamento político. Um partido político
fundado em nome das mulheres, mas que é composto por homens
carrega um profundo déäcit de legitimidade não pela presença de
homens, mas pela ausência de mulheres. A legenda é nova, mas o
conteúdo é a velha farsa da representação político-partidária da mulher
no Brasil.  
 
Um legítimo partido feminista certamente não seria capaz de sintetizar
em um só espaço toda a diversidade da luta das mulheres pela igualdade,
mesmo porque o pluralismo guarda em si uma exigência de formas
organizativas e estratégias de lutas distintas. Mas, exatamente por esse
caráter múltiplo do feminismo, um partido feminista agregaria mais uma
forma organizativa, somando-se às estratégias de ação capazes de se
opor à estrutura social patriarcal e sendo um dos nortes da luta pela
paridade de gênero. E isso não invalidaria ou substituiria outras
coletividades feministas organizadas.
 
O PMB não é esse partido. Como não tem os direitos das mulheres como
pauta central de sua atuação e não é composto por mulheres, não é um
partido feminista, não é um genuíno partido da mulher brasileira.
Infelizmente, a ediäcação de um instrumento partidário dedicado à
vocalização das diversas lutas sociais feministas ainda terá de esperar a
sua vez em nosso país. Enquanto isso, as mulheres seguem a luta
inteiras, sem partido.

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