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1007590 Texto 2.1 O pensamento ratzeliano e a questão colonial

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1 
 
 
 
 
 
O pensamento ratzeliano e a questão colonial 
 
Introdução 
A geografia de Friedrich Ratzel aparece como uma tentativa de explicação da 
diversidade humana na superfície da Terra, baseada em uma teoria da organização [...] 
Trata-se de uma visão organicista fundamentada na história do devir do Estado. 
Confrontado às múltiplas adaptações dos homens e das sociedades aos seus ambientes, 
Ratzel elabora um sistema de classificação que repousa sobre alguns postulados maiores 
[...], dos quais o principal parece ser o imperativo de crescimento dos povos e da expressão 
orgânica de seu desenvolvimento, o Estado. 
Com efeito, para Ratzel, uma sociedade que não cresce e que não se estende é uma 
sociedade decadente, fraca e sem futuro, que será empurrada para fora do cenário histórico 
por uma sociedade mais forte. Ele concebe, então, a idéia de uma hierarquia dos povos, em 
função dos respectivos domínios e expansão territorial. [...] Daí o interesse do estudo de sua 
obra, para captar o papel do saber geográfico em relação com as aventuras coloniais e, mais 
essencialmente, para captar a importância das relações que unem as ciências humanas à 
política. Este último elemento se exprime, antes de tudo, [...] pela fidelidade do discurso 
ratzeliano a um projeto expansionista ligado à concepção hegeliana do Estado e, mais 
precisamente, aos laços que Ratzel mantém diretamente com um certo número de 
associações que lutam pela grandeza da Alemanha. 
Vamos demonstrar que o edifício ratzeliano se constrói através de um empréstimo à 
filosofia hegeliana do Estado e às teses do darwinismo social [...] transitando 
principalmente por autores como Herbert Spencer, Ernst Haeckel e Oscar Peschel [...]. Para 
isso, voltar-nos-emos para a filosofia da história ratzeliana, historicista em última instância, 
no sentido dado por Karl Popper a esta noção (Popper, 1988, p. 7, 164 e 200): uma 
abordagem que, de um lado, "faz da predição histórica o principal objetivo" das ciências 
sociais; de outro lado, baseia-se na tese da unidade metodológica de toda ciência, "quer se 
trate das ciências naturais, quer das ciências sociais" e, enfim, se apresenta como o 
sentimento transcendente "de ser levado para o futuro das forças irresistíveis". É um 
pensamento globalizante, visando os princípios unitários da explicação da história e 
aparentando-se fundamentalmente a uma lógica da ação. [...] 
 
Os "povos naturais" e os "povos de cultura" 
Para compreender a geografia de Ratzel, é preciso ter consciência do caráter 
profundamente hegeliano de sua concepção do mundo. Ele reproduz, só citando-as 
excepcionalmente, as categorias do mestre de Iena, que ele parecer ter herdado da leitura da 
Geografia Política de Ernst Kapp (Kapp, 1845), aluno de Hegel e de Ritter, bem mais do 
que da leitura direta de Hegel. Ele pensa, então, o mundo e a história como a realização de 
um plano no qual a grandeza das sociedades só poderia se exprimir pela grandeza do 
Traduzido e adaptado pelo Prof. Oswaldo Bueno Amorim Filho, de: LOPRENO, D.; PASTEUR, Y. et TORRICELLI, 
G.P.: La pensée ratzélienne et la question coloniali. In: Cahiers de géographie du Québec, vol. 38, nº 104, septembre 
1994, p. 151-164. 
 2 
Estado, subentendendo-se aí o Estado germânico nesse fim de século XIX. [...] Se é 
evidente que a natureza, por sua diversidade, age como um poderoso fator de divisão dos 
povos à superfície da Terra, não se deve esquecer que "o homem é um espírito na natureza 
e que a natureza é um espírito nele: a cultura tem a capacidade de modelar fortemente os 
homens e efetuou, ao longo de seu desenvolvimento infinito e mutável, englobando toda a 
Terra, uma grande seleção de povos. Ela elegeu uma série de povos que foram, cada um ao 
seu turno, portadores de uma certa fase da expansão da humanidade, de tal modo que 
aqueles que, racialmente, encontram-se no topo da humanidade atual não são apenas 
portadores de cultura porque sua organização é tão elevada, mas, inversamente também, 
organizados superiormente porque portadores de cultura" (Ratzel, 1882. p. 470-471). A 
questão colonial aparece aqui, em filigrana, como resultado da posição de certas 
civilizações no topo da hierarquia dos povos. Essas civilizações são portadoras de culturas, 
cuja vitalidade se manifesta através de sua difusão à superfície da Terra, entre os outros 
povos e os outros Estados. 
Pode-se, então, afirmar que, na lógica ratzeliana, a experiência colonial seria, em 
fim de contas, um momento de entrada de contato de povos cuja vitalidade é menor, com 
aqueles que representam o topo da civilização. A partir daí, esses povos são "trazidos à 
cena da história. Pela primeira vez, seus nomes são escritos, a localização de seu habitat 
colocada nos mapas e, finalmente, a importância de sua população é estabelecida" (Ratzel, 
1891. p. 347). 
Concepção, ainda uma vez, hegeliana, pois faz lembrar certas passagens da obra 
"Razão na História" [...], na qual Hegel afirma que os povos naturais não fazem parte da 
história universal. Esta idéia, aliás, pode ser reencontrada em sua definição da África, no 
capítulo que trata dos "fundamentos geográficos da história universal" (Hegel, 1965. p. 
269): "O que nós compreendemos, em suma, sob o nome de África é um mundo histórico, 
não desenvolvido, inteiramente prisioneiro do espírito natural e cuja posição se encontra 
ainda no limiar da história universal." 
 
A necessidade de espaço 
Este progresso (ou expansão) é incontornável para o Estado, e é preciso 
compreende-lo como um progresso para liames cada vez mais estreitos entre uma sociedade 
e o solo que lhe dá suporte, o que Ratzel denomina "o apoio no solo" (Halt am-Boden, Halt 
am Lande, Ratzel, 1891. p. 311; 1901, p. 56). O critério da ligação com o solo é 
determinante, na lógica ratzeliana, para o estabelecimento de uma hierarquia dos povos da 
Terra, baseada na função e no funcionamento do Estado. Ernst Kapp escrevia que "o 
homem, precisamente por que ele é, em si mesmo, a totalidade subjetiva da vida planetária, 
possui igualmente uma universalidade ilimitada no que concerne a alimentação" (Kapp, 
vol. 1, p. 91), ajuntando-se que "cada povo de cultura pode fazer toda a terra tributária de 
sua alimentação" (Kapp, vol. 1, p. 92). 
Estendendo esta lógica da alimentação à problemática mais geral de sua produção e 
dos meios de produzi-la, quer dizer ao trabalho, Ratzel afirma que "assim como cada ser 
vivo exige um espaço no qual ele possa morar, cada ser vivo tem necessidade de um espaço 
do qual ele possa tirar sua alimentação, e ele atinge o topo de sua demanda espacial através 
de um processo de redução de velocidade, que se realiza seja atingindo o máximo de 
crescimento espacial, seja apropriando-se do espaço do vizinho. Nesse processo, há sempre 
 3 
uma elevação das necessidades em alimentação e a aspiração à ampliação do espaço de 
nutrição." [...] Para Ratzel, toda luta pelo espaço é igualmente, uma luta fratricida. (Ratzel, 
1901, p. 44). E acrescenta: "as leis fundamentais da diferenciação orgânica são, de resto, 
aplicáveis tanto aos organismos quanto às sociedades e aos Estados. A diferenciação é, em 
todo caos, um fenômeno de crescimento [...] que chega à divisão do trabalho" (Ratzel, 
1897, p. 108). Isto decorre dôo que ele chama uma "verdade primeira", isto é, "que, com 
um nível de desenvolvimento mais elevado da cultura, o homem se apega mais 
estreitamente ao solo, que ele enriquece com seu trabalho" (Ratzel, 1882, p. 448). 
Assim, em sua análise da América do Norte, ele descreve dois tipos de relações 
com o solo: aquela dos índios, caracterizada por uma dispersão de pequenos Estados, que 
são espécies de ilhas em meio a um vazio político e Estados que são "superfícies de 
extensões não conhecidas precisamente e que se perdem em um espaço pouco ou não 
habitado, que eles consideram como suafronteira" (Ratzel, 1906a, p. 282); e aquela dos 
colonos, reproduzindo o modelo europeu, "relação íntima e elevada com a terra, por meio 
da qual se busca ocupar a totalidade do território, inclusive as porções fronteiriças mais 
afastadas, de tal maneira que a extensão do povo e a extensão da terra são precisamente as 
mesmas" (Ratzel, 1906a, p. 282). Se Ratzel reconhece a existência de Estados indígenas 
anteriores à conquista européia, é para constatar imediatamente a inferioridade deles em 
relação ao modelo europeu. Ele apresenta, então, a destruição desses "estados indígenas" 
como um fenômeno certamente dramático, porém inelutável. A América do Norte entra, 
assim, em uma fase do progresso da humanidade para a realização do Estado hegeliano, 
altamente organizado, um movimento de elevação que nada pode parar e que se estenderá, 
no longo prazo, a toda a superfície da Terra. 
 
As duas combinações fundamentais de Ratzel 
A vontade e a capacidade de expansão territorial de um Estado são, para Ratzel, 
outras características importantes, que permitem definir a superioridade de certos Estados, 
no caso aquela do modelo de Estado Ocidental [...] sobre outros sistemas de relacionamento 
com o solo. Esta vontade e esta capacidade estão, portanto, diretamente ligadas à 
intensidade da ligação com o solo e ao domínio do solo. Assim, no caso dos Estados 
indígenas, onde esta ligação só é intensa no centro político do território e cada vez mais 
fraca em sua periferia, haveria perda de toda idéia de expansão territorial e vulnerabilidade 
em relação ao Estado colonial que se instala em terras tradicionais dos indígenas (Ratzel, 
1906a, p. 276). Ratzel estabelece,então, de fato, uma hierarquia das sociedades, no topo da 
qual ele coloca o Estado em expansão, o conquistador, e embaixo, o Estado voltado sobre si 
mesmo, o que significa recuo e atrofia em sua existência. Esta hierarquia repousa sobre dois 
fatores essenciais: as duas combinações, que ele opera, de um lado, entre o estado como 
organismo e o estado como espírito da história e, de outro lado, entre a idéia de vitalidade 
de um povo e aquela de expansão. 
A primeira combinação parte da contradição maior de sua obra [...]: de um lado, ele 
parece se filiar ao campo dos organicistas, escrevendo que, no processo de 
desenvolvimento do Estado, a história da diferenciação entre o centro e a periferia nos 
oferece todo o mecanismo da vida celular (Ratzel, 1897, p. 121-122). Mas, de outro lado, 
ele escreve que "a relação espiritual une o que é corporalmente separado, o que nenhuma 
comparação biológica pode restituir" (Ratzel, 1897, p. 11), remetendo-nos, assim, à visão 
 4 
hegeliana do mundo de Kapp, que define "os objetos tratados pela geografia física como 
aqueles que formam as qualidades naturais do espírito" (Kapp, 1845, vol. 1, p. 90; Hegel, 
1965, p. 180). O fato de que Ratzel se refere, de maneira acrítica, tanto ao modelo de 
hegelianismo geográfico, estabelecido por Kapp, quanto ao sociólogo determinista Albert 
Schaffle − ao qual Ratzel dedicou seu livro sobre o Estado considerado como espaço vital, 
intitulado "O espaço vital - um estudo biogeográfico", ilustra claramente esta contradição 
(Der Lebensraum - Eine biogeographische Studie). 
A segunda combinação repousa sobre uma verdadeira fascinação pela idéia de 
expansão territorial, expressão de um dos elementos fundadores da geografia ratzeliana e, 
mais geralmente, de uma grande parte do discurso da segunda metade do século XIX e do 
começo do século XX, isto é, a idéia de movimento. É impossível, com efeito, para o 
geógrafo alemão, compreender e explicar a diversidade humana na superfície da Terra, sem 
fazer referência ao movimento e ao deslocamento dos povos ao longo do tempo: é o projeto 
da obra de Ratzel intitulada Volkerkunde (1855-1888), que tem seu prolongamento na 
Anthropogeographie, mais precisamente em sua parte 2, que tem o subtítulo evocador de 
"A propagação geográfica do homem". Mas, é igualmente impossível para ele compreender 
o desenvolvimento da humanidade, sem pressupor que se trata da colocação em contato 
com povos da Terra, sob a impulsão dos Estados que possuem o melhor domínio do espaço, 
isto é, possuindo a vitalidade espacial mais forte e mais bem planejada. Assim, escreve 
Ratzel, mesmo "se são os povos de origem germânica, hoje como antes, que mostram o 
maior prazer com as viagens, todos os outros povos que atingiram um nível de civilização 
dos mais elevados, ligado a um crescimento rápido da população e ao uso obrigatório de 
meios modernos de transporte apresentam uma tendência mais ou menos importante ao 
movimento" (Ratzel, 1882, p. 453-454). 
Tocamos aí, bem de perto, na questão colonial, na medida em que Ratzel − que 
dedicou sua obra mestra, Anthropogeographie, ao biólogo e teórico das migrações animais 
e vegetais, Moritz Wagner − define a colonização européia na América, Austrália, Ásia ou 
África como um puro fenômeno de migração dos povos (eine Volkerwanderung). As 
colônias são, assim, simplesmente lugares onde são colocados em contato dois tipos de 
sociedade: de um lado, as sociedades primitivas imóveis, chamadas Bleibende, de outro 
lado, as sociedades do progresso e migrantes, ditas Auswandernde (Ratzel, 1882, p. 454). 
Ora, o resultado desse contato é irremediável: as sociedades menos organizadas 
territorialmente serão assimiladas pelas sociedades dinâmicas e poderosas, em um grande 
movimento da humanidade no sentido de uma homogeneização de cima para baixo e para 
uma realização do Estado em suas formas superiores. 
 
O darwinismo social 
Esta referência constante à migração dos povos ilustra, igualmente um dos 
princípios maiores do funcionamento do pensamento ratzeliano, ou seja, aquele da 
transferência, sem crítica, de teorias ou conceitos elaborados pelas ciências da natureza − a 
Biologia, de maneira particular − para a esfera das ciências do homem. (...) Ratzel vai, 
assim, ampliar as leis darwinianas sobre a evolução das espécies, acrescentando a elas a 
idéia wagneriana de uma fase de isolamento, seguida de uma fusão ao mundo do homem 
vivendo em sociedade. Ele qualifica esta teoria de Wagner de "teoria fundamental da 
história mundial" (Ratzel, 1882, p. 466). Em primeiro tempo, a espécie humana ter-se-ia 
 5 
dispersado sobre toda a Terra. Posteriormente, em um segundo tempo, ela ter-se-ia 
reunificado, movimento cuja "realização se acelera fortemente sob o impulso do vapor e da 
eletricidade" (Ratzel, 1882, p. 467). 
Partindo da "naturalização" dos fenômenos sociais, Ratzel vai extrair uma série de 
leis tendenciais relacionadas à vida das sociedades e dos Estados e tocando, de perto, a 
questão colonial. Para enunciar essas leis, ele se refere diretamente a autores darwinistas 
sociais, tais como Ernst Haeckel, Herbert Spencer e Oscar Peschel. Estes se apropriam 
livremente da obra de Darwin sobre a origem das espécies, para estender seu campo de 
aplicação aos fenômenos históricos relativos ao homem organizado em sociedade, 
sustentando e difundindo a idéia de uma continuidade entre os fenômenos naturais e os 
fenômenos sócio-históricos. 
[...] Transpondo "A origem das espécies" diretamente ao campo social [...], Spencer, 
Haeckel e Peschel vão elaborar o darwinismo social. Trata-se de uma filosofia da história 
que reserva um grande espaço ao organicismo, repousando então em um princípio 
explicativo de essência biológica, que vai se encontrar na base de toda a obra de Ratzel, 
malgrado ou em função de seu hegelianismo. 
Assim, temos a lei da evolução, fundamentada nos princípios da força e do 
movimento, de Spencer, para quem "a sociedade é um organismo" (Spencer, 1882, p. 4). 
Assimilando esta filosofia evolucionista, Ratzel vai postular que "o movimento é uma 
propriedade altamente decisiva para a expansão geográfica de um povo [...], um fator de 
progresso e de elevação"(Ratzel, 1891, p. 292). Temos, igualmente, a filosofia monista de 
Ernst Haeckel, que influenciou fortemente o geógrafo (Ratzel), durante toda a sua vida. 
Para Haeckel, "da doutrina antropológica renovada, sairá uma filosofia nova, que não será 
mais, desta vez, um sistema vazio, uma vã especulação metafísica, mas apoiar-se-á no 
sólido terreno da Zoologia [...]. Ela abrir-nos-á uma via nova de progresso moral [...]. É 
preciso retornar completamente, sinceramente, à natureza e às suas leis" (Haeckel, 1884, p. 
560). Daí, Ratzel retira a interrogação central de toda a sua obra e que já aparece em seu 
primeiro livro: como construir a política, a moral, os fundamentos do Direito, em 
correspondência com as leis da natureza (Ratzel, 1877, p. 478-479)? É sobre este 
questionamento que repousa seu postulado da necessidade unitária de expansão para toda 
forma de vida, orgânica ou histórica. Temos, enfim, o historiador da Geografia, Oscar 
Peschel − que Ratzel conhece bem e a quem ele consagrará uma necrologia − para quem 
são os sólidos e os líquidos que "determinam freqüentemente, e muito claramente, o avanço 
da história dos costumes" (Peschel, 1877, p. 364). Peschel escreveu um artigo, que cita 
Ratzel, no qual ele explicita o procedimento de comparação direta entre o Estado e um 
grupo de animais; no caso, trata-se da comparação das sucessões de príncipes no Estado 
otomano e no "Estado das abelhas", quer dizer, os enxames das abelhas (Peschel, 1877, p. 
488). Nesse mesmo texto, Peschel enuncia a noção de Lebensraum, acrescentando que ela 
equivale ao meio ambiente. [...] A partir daí, Ratzel constrói sua idéia do Estado como 
entidade biogeográfica. 
 
O espaço vital 
[...] Daí que, com um tal projeto científico naturalizante, ele só pode considerar o 
colonialismo como uma simples expansão de uma certa forma de Estado evoluído, cujo 
dinamismo necessita, para conservar sua plena vitalidade, da ampliação de suas fronteiras 
 6 
para outras terras [...]. Precisemos aqui que a noção ratzeliana de Lebensraum ("espaço 
vital"), já mencionada em Politische Geographie (Ratzel, 1897, capítulo 1, parágrafo 1), e à 
qual o geógrafo consagra uma obra (Der Lebensraum, 1901), pode ser considerada como a 
manifestação espacial do Estado, princípio histórico imanente, e de sua propagação na 
superfície da Terra. Não é significativo que o livro de Ratzel sobre o espaço vital apareça 
em pleno período colonial africano, quando a Alemanha acabara de entrar − tardiamente e 
com pouca sorte − nessa competição? 
Em seu estudo sobre o espaço vital, Ratzel começa por constatar a finitude do 
espaço terrestre à disposição das diversas espécies vegetais ou animais que o povoa, 
constatação que lhe permite definir a vida como "um vai e vem infinito de espécies 
tomando sempre os mesmos caminhos" (Ratzel, 1901, p. 3). 
[...] Mas, neste estágio de sua reflexão, Ratzel constata uma contradição entre o que 
ele definiu como o caráter essencial da vida − o movimento − e uma característica imutável 
do espaço terrestre − sua finitude. Esta contradição desemboca em uma confrontação entre 
as espécies pela sobrevivência: "Entre o movimento da vida, que jamais cessa, e o espaço 
da terra (cuja extensão total) jamais muda, existe uma contradição. Dessa contradição nasce 
a luta pelo espaço (Ratzel, 1901, p. 51)." 
Eis aí definido o quadro teórico no qual vem inserir-se a análise de toda a questão 
ligada à colonização: a conquista da América pelos europeus, por exemplo, deve ser 
considerada como um fenômeno natural, através do qual uma espécie nova, forçada por 
uma densidade muito elevada que põe em risco sua própria sobrevivência, estende-se além 
de seu território de origem, à procura daquele excedente de espaço vital, no contexto da 
finitude do espaço disponível. Encontra-se, então, uma situação na qual a espécie mais 
forte, em função de sua melhor ligação com o solo, expulsa ou domina a espécie mais frágil 
que, então, se dispersa e inicia uma decadência lenta. Este processo é a expressão de uma 
tendência da história universal: "o progresso de novas espécies se acompanha do recuo das 
mais antigas. É claro que o caráter limitado do espaço vital da Terra torna necessária a 
evacuação da espécie velha, que ocupa um espaço do qual uma nova espécie tem 
necessidade para seu desenvolvimento. Nessa medida, criações novas e progresso, de um 
lado, implicam em retrocesso e decadência, de outro" (Ratzel, 1901, p. 59). 
Dois elementos importantes da lógica naturalizante de Ratzel decorrem dessas 
linhas. Em primeiro lugar, sua maneira de apresentar a conquista e a destruição de uma 
espécie por uma outra como um momento necessário do progresso e da evolução, fazendo 
dos mecanismos da seleção natural o motor de história. [...] Isto conduz, em segundo lugar, 
o autor a dar um fundamento filosófico ao amálgama dos fenômenos vegetais, animais e 
sociais em uma mesma categoria de fenômenos: [...] "cada colonização nos oferece a 
mesma imagem de expansão, quer ela seja de natureza vegetal, animal ou humana; os 
começos são de dispersão, depois vem a unificação com o tempo" (Ratzel, 1901, p. 65-66). 
Na sua visão do mundo, todo organismo conhece um movimento interno, um 
crescimento de sua massa, que se transforma invariavelmente em movimento dirigido para 
o exterior, implicando em dominação do espaço: [...] quando todas as partes do espaço vital 
de um organismo vegetal, animal ou humano são ocupadas, não resta outra alternativa 
senão a ampliação em detrimento dos vizinhos, que vêem seu espaço de vida amputado 
(Ratzel, 1877; 1897; 1901 e 1914). Assim, uma espécie dinâmica terá tanto maior 
 7 
inclinação a realizar-se e a realizar seu Estado, quanto mais ela disponha de espaços vastos. 
Ele utiliza a este respeito uma analogia organicista: do mesmo modo que uma árvore tem 
necessidade de luz e de ar para crescer, os povos arianos tinham necessidade de vastos 
espaços, para que cada um deles alcançasse a autonomia necessária para garantir a 
originalidade de seus diversos ramos (Ratzel, 1901, p. 70). 
 
Uma dupla leitura em Ratzel 
[...] De um lado, temos uma geografia nacionalista, teórica. É o produto de um 
intelectual de academia, fabricando armas ideológicas para a burguesia modernista do fim 
do século XIX, adaptando o discurso hegeliano dominante às novas circunstâncias 
históricas, naturalizando-o mais ainda. De outro lado, temos uma geografia nacionalista, 
também teórica, mas mais diretamente orientada para a nação alemã. É o discurso de um 
intelectual ligado ao partido nacional-liberal, fundador do Comitê Colonial Alemão, 
partidário de um colonialismo científico, que toma parte na criação da Liga pan-germanista 
(Korinman, 1987, p. 11-12), interrogando-se sobre a posição internacional de uma 
Alemanha que, como nos explica ele em seu livro Deutschland (Ratzel, 1898), explora 
doravante a totalidade de seu território. 
Acrescentemos que, desde suas primeiras obras, notadamente em Sein und Werden 
der Organischen Welt (1869), Ratzel revela uma postura racista, tanto em relação aos 
indivíduos que povoam o mundo colonial, quanto aos Estados que aí se encontram. [...] 
Nessa perspectiva, ele situa os negros, os hotentotes e os aborígenes australianos no 
patamar mais baixo da humanidade contemporânea (Ratzel, 1877, p. 499). Nessa mesma 
perspectiva, ele tem uma abordagem elitista da evolução da sociedade humana [...], 
estabelecendo uma continuidade que vai do Estado-organismo dos povos primitivos [...] ao 
Estado-entidade espiritual dos povos evoluídos (Ratzel, 1897, p. 12), isto é, neste último 
caso, as potências político-militares ou países prósperos do mundo ocidental. 
[...] Mas, não se deve perder de vista o fato de que Ratzel não é exatamente um 
sonhador reacionário, que gostaria de substituir um "paraíso perdido" qualquer pelo 
restabelecimento da grandeza territorial germânica,através do colonialismo ou de qualquer 
tipo de expansão militar. É, como vimos, um intelectual nacionalista politizado, modernista 
e consciente do fato de que o imperialismo econômico vai tomar o lugar do imperialismo 
territorial, com um sólido conhecimento da realidade e das relações de forças econômicas, 
políticas e militares que marcavam sua época. Assim, em sua obra cartas de um homem de 
retorno (1905, p. 471), Ratzel admite que a Alemanha se encontrava impossibilitada de 
construir um império colonial, no fim do século XIX. Ele resolve essa contradição 
deslocando o fundo de seu discurso para três pólos fundamentais de seu nacionalismo: [...] 
de um lado, para a questão da grandeza da função política e militar da Alemanha, derivada 
de sua posição de separador dos mundos eslavo e romano; de outro lado, para a posição da 
Alemanha, ao mesmo tempo distribuidora de recursos em direção ao leste e ao centro 
europeus, e um traço de união "entre o Mar do Norte e o Mediterrâneo" (Ratzel, 1898, p. 
330-331); e, por fim, para a força econômica ascendente da Alemanha, "segunda potência 
comercial do mundo" (Ratzel, 1898, capítulo 31). 
[...] É em função dessa contradição, que a geografia ratzeliana privilegia uma teoria 
da expansão do Estado − do espaço vital − à qual é totalmente subordinada a problemática 
colonial. É por isso, enfim, que esta geografia reflete diretamente o embaraço de uma 
 8 
intelligentsia nacionalista burguesa e alemã, que pena para encontrar seu caminho entre a 
"grandeza ocidental", na qual a classe dominante alemã não chega a tomar parte 
inteiramente, e a "grandeza alemã", que a mesma classe dominante não consegue promover 
em um contexto, no qual cada imperialismo guarda, com ciúme, suas posições, tentando 
consolidá-las a qualquer preço. 
 
O discurso colonialista escamoteado por uma teoria geral da expansão 
No projeto ratzeliano, a questão colonial está, simultaneamente, subordinada, 
compreendida e implicada pela idéia de expansão. Esta idéia está condicionada, no 
geógrafo alemão, por dois fatores contextuais gerais: de um lado, as especificidades da 
situação alemã à época; de outro lado, a situação geral, com o amadurecimento do processo 
de expansão do capitalismo imperialista, com sua organização cada vez mais planetária, 
centralizada e tendencialmente homogênea, tendo como conceitos chaves o dinamismo, o 
movimento, a velocidade, a expansão, a eficiência, etc. É a partir daí que uma vontade 
"utilitária" se enraíza na geografia de Ratzel e ele se torna um "conselheiro do príncipe". 
[...] Mas, aqui um novo problema se coloca para além da própria questão colonial. Com 
efeito, uma vez o capitalismo alemão e seu imperialismo desestabilizados pelas burguesias 
da Entente (aliança entre a Grã-Bretanha e a França) e dos Estados Unidos, em um mundo 
muito exíguo para atender todas as pretensões das classes dominantes mais poderosas - 
situação sacramentada pelo Tratado de Versailles −, a geografia ratzeliana começa uma 
segunda vida. Ela se torna nolens volens (de mal grado, ou de bom grado) um instrumento 
temível, mas não somente de certos nacionalismos ultra-reacionários, alemão sobretudo, 
mas também italiano e espanhol. Instrumentalizando o conjunto teórico ratzeliano − que se 
presta bem a este gênero de exercício −, (esses novos usuários) vão hipertrofiar o discurso 
sobre a expansão, inclusive colonial, assim como o aspecto prospectivo, utilitário do saber 
geográfico, que se torna, assim, aplicado. Mas, isto é o começo de uma outra questão, 
aquela da Geopolítica.

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