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Relatos de experiência/ Experience Reports http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/index.php/ppgpmus ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST - vol. 4 no 2 – 2011 147 Waldisa Rússio e Tereza Scheiner - dois caminhos, um único objetivo: discutir museu e Museologia Waldisa Rússio and Tereza Scheiner - two ways, one objective: discussing museum and Museology Luciana Menezes de Carvalho* Resumo: O presente artigo de revisão visa justificar a relevância dos trabalhos de Waldisa Rússio e Tereza Scheiner – duas teóricas brasileiras, com importantes contribuições para a Museologia enquanto campo disciplinar e o Museu como seu objeto de estudo. O presente documento iniciou-se no Trabalho de Conclusão do Curso de Museologia, sendo maturado durante as investigações da Dissertação de Mestrado e da graduação em Ciências Sociais. Identificamos, em nossas análises, dois diferentes tipos de estratégias para abordar a mesma temática (reflexões sobre Museologia e seu objeto de estudo): enquanto Rússio dialoga com a Sociologia, apropriando-se do conceito de fato social, de Durkheim, para teorizar sobre o conceito de fato museal, Scheiner perpassa por abordagens filosóficas para explicar o conceito de museu como fenômeno e a Museologia como Filosofia. Assim, reforçamos que ambas contribuem relevantemente para construção do pensamento sobre Museologia como campo do conhecimento. Palavras-chave: Museu. Museologia. Fato museal. Filosofia. Fenômeno. Abstract: This review paper aims to justify the relevance of Waldisa Rússio and Tereza Scheiner's works - two Brazilian scholars that gave important contributions to Museology as a discipline and Museum as the object of their research. This work has started during the final research of the major in Museology and was matured throughout the research for the dissertation of the Master's Program and the Social Sciences’ College. In the analysis, two different kinds of strategies were identified to approach the same theme (reflections upon Museology and its study object): while Rússio dialogues with Sociology taking part of the concept of social fact, from Durkheim, to theorize about the concept of museological fact, Scheiner broaches philosophical perspectives to explain the concept of museum as a phenomenon and Museology as Philosophy. Thus, we emphasize that both scholars give special contributions to Museology as a knowledge field. Keywords: Museum. Museology. Museological fact. Philosophy. Phenomenon. * Museu da Memória e Patrimônio da Universidade Federal de Alfenas. Mestre em Museologia e Patrimônio. Relatos de experiência/ Experience Reports http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/index.php/ppgpmus ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST - vol. 4 no 2 – 2011 148 1 Considerações iniciais: situando a construção e consolidação do campo disciplinar da Museologia no Brasil Ao refletir sobre a produção de conhecimento sobre Museu e Museologia no Brasil, dois nomes ganham destaque no cenário nacional e internacional: Waldisa Rússio Guarnieri e Tereza Scheiner. Nossas investigações tanto nas graduações em Museologia e Ciências Sociais quanto no Mestrado em Museologia e Patrimônio nos levaram a identificar duas abordagens distintas no entendimento de Museu e Museologia destas duas autoras: Rússio Guarnieri dialogando com a Sociologia, apropriando-se do conceito de fato social, de Durkheim, para teorizar sobre o conceito de fato museal; e Scheiner perpassando por abordagens filosóficas para explicar o conceito de museu como fenômeno e a Museologia como Filosofia. O objetivo principal deste trabalho é ressaltar as contribuições destas duas importantes teóricas e a escolha de tais nomes se faz porque ambas compartilham o mesmo ambiente de origem: o Brasil, como apontamos inicialmente. Assim, este trabalho apresentará o ambiente “Brasil”, abordando em seguida cada uma delas e suas contribuições principais para o campo museológico, reforçando suas influências. Como contribuição final destacaremos a importância destas duas teóricas para a consolidação do campo Museologia, não só em nível nacional como internacional. É importante, portanto, situar e apresentar o “ambiente” destas autoras. Faz- se necessário para tal tarefa, como aponta Scheiner, entender e analisar o que vem a ser Museologia no Brasil, quem cria os museus aqui, e quem os dirige, os mantém e como e qual é a relação da Museologia com o Brasil (SCHEINER, 1988, p. 179). Iniciaremos esta etapa remontando à década de 1920, onde se intensificou um movimento de intelectuais em favor da valorização de uma denominada “cultura nacional”. Em decorrência deste fenômeno, na década de 1930, a “cultura nacional” passou a ser entendida como a valorização dos “traços autênticos do país”, porém as manifestações culturais eram as determinadas pela elite (SCHEINER, 1988, p. 181). Ainda, na década de 1930, foi criado o curso de museus no Museu Histórico Nacional - MHN (1932), cuja idéia inicial de museu estava associada a um “estabelecimento criado pelo Poder Público” e o profissional de museu seria “um conservador de objetos e idéias” (SCHEINER, 1988, p. 182). Assim, a Museologia era vista como uma disciplina prática. Relatos de experiência/ Experience Reports http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/index.php/ppgpmus ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST - vol. 4 no 2 – 2011 149 Na década de 1950 foi apresentada, por Regina Real, uma definição diferenciada de Museologia, como uma “ciência nova”, desenvolvida “nos últimos trinta anos” (REAL, 1958, p. 5). A autora declara que sua significação não é comumente encontrada em enciclopédias e dicionários, exceto na última edição do Larousse que diz: ‘MUSEOLOGIA – CIÊNCIA DA ORGANIZAÇÃO DOS MUSEUS’ – definição perfeita e concisa resumindo tudo aquilo, que poderíamos sugerir: CIÊNCIA, - porque conjunto de conhecimentos coordenados relativamente e determinados objetos e ORGANIZAÇÃO, porque resultante de um critério seletivo obedecendo a princípios técnicos. (REAL, 1958, p. 5) [Grifo da autora]. No Seminário Regional da UNESCO sobre a função educativa dos museus ocorrido no Rio de Janeiro, em 1958, a Museologia foi definida como o ramo do conhecimento ligado ao estudo dos objetivos e organização de museus, sendo adotada, em 1974, na 11ª Assembléia Geral do Conselho Internacional de Museus – ICOM, em Copenhague. Na década seguinte, ainda segundo Scheiner (1988), os museus de arte contemporânea e o Museu da Imagem e do Som apresentaram inovações estéticas e comportamentais, enriquecendo o universo museológico brasileiro. Em 1963 foi criada a Associação Brasileira de Museologia. A década de 1970 foi um período de grande investimento na cultura pelo governo brasileiro, onde vários museus e centros culturais são instituídos pelo Brasil (SCHEINER, 1988). Neste períodotambém foram criados cursos de graduação no Rio de Janeiro e na Bahia e de pós-graduação em São Paulo. Ocorreram duas mudanças no curso do MHN: este foi transferido para a FEFIEG1 (em seguida denominada FEFIERJ2 e atualmente UNIRIO3) e sofreu uma mudança relevante em seu currículo, tendo recebido disciplinas teóricas relativas à Museologia (SCHEINER, 1988). Tal ocorrência levou ao fortalecimento de uma geração de museólogos interessados na produção de textos teóricos relacionados ao campo museológico4. Na década de 1980 ocorreu uma “dinamização da ação cultural dos museus”, onde foram introduzidas “atividades educativas e de programas de ação comunitária” (SCHEINER, 1988, p. 187-188). Foi criado neste período um Programa Nacional de Museus e o Sistema 1 Sigla de Federação das Escolas Federais Isoladas do Estado da Guanabara. 2 Sigla de Federação das Escolas Federais Isoladas do Estado do Rio de Janeiro. 3 Primeiramente Universidade do Rio de Janeiro atual Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. 4 Para defender nossas idéias, utilizamos o conceito de campo,desenvolvido por Bourdieu, entendendo por campo uma configuração de relações socialmente distribuídas, aceitas e justificadas, através da distribuição das diversas formas de “capital”, sendo que, no caso da cultura, o capital é simbólico. É fundamental, portanto, que a configuração de um campo se teça a partir de pontos em comum – os quais, no caso da Museologia, seriam as representações simbólicas geradas e articuladas em torno do fenômeno Museu. Ver CARVALHO, 2008. Luciana Menezes de. Em direção à Museologia latino-americana: o papel do ICOFOM LAM no fortalecimento da Museologia como campo disciplinar. 2008. Dissertação (Mestrado em Museologia e Patrimônio) - Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – Relatos de experiência/ Experience Reports http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/index.php/ppgpmus ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST - vol. 4 no 2 – 2011 150 Nacional de Museus. Outro fato importante ocorreu no ano de 1984: a regulamentação da profissão de museólogo. Como parte do desenvolvimento da Museologia em nosso país, muitos brasileiros passaram e deixaram suas contribuições nas publicações do Comitê Internacional para a Museologia - ICOFOM e do Subcomitê Regional do ICOFOM para América Latina e Caribe - ICOFOM LAM. Alguns com artigos pontuais, outros uma produção consistente, com uma média de um artigo a cada encontro. Este grupo é integrado por museólogos, profissionais de museus, professores e até estudantes de cursos de graduação em Museologia, contribuindo com suas experiências e saberes para a consolidação deste campo disciplinar. Dentre os que escreveram no decorrer deste período, que poderia ser considerado pequeno para algumas áreas de conhecimento, mas de grande importância para a construção do conhecimento museológico, daremos enfoque especial a duas profissionais de extrema importância, não apenas em nível nacional, como também em nível internacional: Waldisa Rússio Guarnieri e Tereza Cristina Scheiner. 2 O fato social museu e por uma Sociologia da Museologia: Waldisa Rússio Guarnieri Waldisa Rússio Guarnieri nasceu em São Paulo, sendo graduada em Direito pela Universidade de São Paulo. Suas atividades no serviço público estadual levaram- na a entrar em contato com a área cultural e posteriormente com os museus, pois organizou as estruturas jurídicas e administrativas do Conselho Estadual de Cultura (1968), do Museu de Arte Sacra de São Paulo (1969) e do Museu da Casa Brasileira (1970). Fez mestrado na Escola Pós-Graduada de Ciências Sociais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, com o tema “Museu: um aspecto das organizações culturais de país em via de desenvolvimento”, e doutorado no mesmo programa, cujo foco central da tese foi o projeto do Museu da Indústria5. Foi diretora do Instituto de Museologia de São Paulo/FESP, sendo responsável por sua criação, em 1978. Foi membro do “Board” (Diretoria) do ICOFOM, entre os anos de 1980 e 1986, e consultora do Projeto Regional da América Latina - PRLA, da UNESCO. Ainda, foi a autora do projeto Museu da Indústria (mencionado anteriormente) e do PPG-PMUS, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro / Museu de Astronomia e Ciências Afins, Rio de Janeiro, 2008. 108p. Orientadores: Tereza Cristina Moletta Scheiner e Marcos Luiz Cavalcanti de Miranda. 5 BIOGRAFIA de Waldisa Rússio Guarnieri. Disponível em: <http://www.ieb.usp.br/topico.asp?categ=1&subcateg=1&topico=55 >. Acesso em: 25 jan, 2012 Relatos de experiência/ Experience Reports http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/index.php/ppgpmus ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST - vol. 4 no 2 – 2011 151 projeto museológico e museográfico da Estação Ciência, do CNPq6 (instalada na cidade de São Paulo). Foi a redatora, em português, do dicionário internacional de Museologia – Dictionarium Museologicum (ICOM/Academia de Ciências da Hungria), tendo vários artigos publicados ao longo de sua carreira profissional. Waldisa Rússio, como ficou conhecida, foi a primeira brasileira a publicar no ICOFOM, no segundo número do MuWoP (Museological Working Papers). Neste volume, no âmbito da discussão acerca da “Interdisciplinaridade na Museologia”7, apresentou um resumo do conteúdo de um seminário realizado durante um curso oferecido na Fundação Escola de Sociologia e Política em São Paulo, para jovens de quatro cursos de Museologia já existentes no país. A autora declara que, apesar da importância dessa publicação no primeiro número do MuWoP, é no segundo que a questão sobre Museologia “se fertiliza, proporcionando a emergência de posições e delineamentos teóricos” (RÚSSIO GUARNIERI, 1989, p. 8). Afirma que no “verdadeiro fórum para a discussão a nível teórico e metodológico” que se constitui o MuWoP, ficou bastante claro que a maior parte dos estudos que então tratavam da Museologia davam-lhe a configuração de ciência, ou ao menos, de disciplina científica independente (RÚSSIO GUARNIERI, 1989, p. 8). Nesse artigo, Rússio Guarnieri apresenta a Museologia como sendo uma ciência nova, que está em processo, apresentando um objeto de estudo diferente: “o fato museal”, nome dado à relação entre Homem e Objeto (RÚSSIO GUARNIERI, 1981). Para entendimento do fato museal, recorreremos a Durkheim. Este delineia, na primeira parte das Regras do Método Sociológico, o fato social (objeto de estudo da Sociologia) e um método para estudo de tal objeto. Assim, dedica parte de seu trabalho a elaborar um método que “julgou mais definido” para a natureza particular dos fenômenos sociais (DURKHEIM, 2007, p. XXXIV). O primeiro passo escolhido por este autor foi o de definir o que considera como fato social: saindo da generalidade de que tudo que se forma na sociedade é fato social (considerando fatos e ações que são oriundas da esfera individual), ressalta que há fenômenos que distinguem entre todos formados neste seio e que não poderiam serobjetos de estudo de outros campos - “maneiras de agir, de pensar e de sentir” fora das consciências individuais, além de serem dotadas de “uma força imperativa e coercitiva” em todos os indivíduos (DURKHEIM, 2007, p. 2). 6Sigla de Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. 7 Segundo Rússio, a questão da interdisciplinaridade desperta uma reflexão crítica e contínua sobre Museologia. (RÚSSIO GUARNIERI, 1989). Relatos de experiência/ Experience Reports http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/index.php/ppgpmus ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST - vol. 4 no 2 – 2011 152 Tais fenômenos são essencialmente sociais, pois ocorrem unicamente na sociedade e são de domínio exclusivo da Sociologia, mas levando em conta a “instável” fronteira entre o que é construído no âmbito individual e no âmbito coletivo. No entanto, como ressaltado anteriormente, nem todo fenômeno existente no social pode ser considerado fato social – este último é reconhecido por seu “poder de coerção” e por uma sanção determinada, “[...] seja pela resistência que o fato opõe a toda tentativa individual de fazer-lhe violência” (DURKHEIM, 2007, p. 10). O fato social, portanto, pode ser definido como possuidor de “existência própria”, independente das manifestações individuais e se encontra em toda a extensão de uma dada sociedade (DURKHEIM, 2007, p. 13). Durkheim então elabora regras para a observação dos fatos sociais, apresentando a primeira e principal regra: considerar os fatos sociais como coisas (DURKHEIM, 2007, p. 15). Para Durkheim, os fenômenos sociais devem ser estudados não pelas definições arbitrárias, subjetivas; ou por conceitos (como, por exemplo, moral ou valor econômico), mas por seu conjunto e tal como ocorre no âmbito dos diferentes contextos sociais. Outro passo a ser utilizado, de acordo com o método sociológico, é separar os fatos sociais do sujeito que o estuda – com um olhar “de fora”, observando como tais fatos se apresentam, pois “o caráter convencional de uma prática ou de uma instituição jamais deve ser presumido” (DURKHEIM, 2007, p. 29). Retomando Rússio Guarnieri, num diálogo com Durkheim, poderíamos inferir que o museu, enquanto fato museal, possui existência própria e uma “força coercitiva”, distinguindo-se dos demais fenômenos sociais, construído na interface entre o individual e o coletivo, sendo de estudo específico do campo Museologia. Rússio Guarnieri, com este conceito, inova com uma nova percepção de Museu. Em 1984, no simpósio do ICOFOM “Colecionando hoje para amanhã”, Rússio Guarnieri apresenta o museu como “cenário institucionalizado do fato museológico”, sendo o fato museal (museológico) a relação do homem, sujeito conhecedor, com o objeto, parte da realidade também integrada pelo homem e sobre a qual ele tem poder de agir (RÚSSIO GUARNIERI, 1984, p. 51-59). Em 1989, Rússio Guarnieri declara que a Museologia é uma “disciplina nascente, ciência em formação, conhecimento científico que tende a se transformar em ciência” (RÚSSIO GUARNIERI, 1989, p. 10). Relatos de experiência/ Experience Reports http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/index.php/ppgpmus ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST - vol. 4 no 2 – 2011 153 Rússio Guarnieri foi uma das primeiras profissionais no mundo a discutir o museu e a Museologia a partir de uma perspectiva mais dialética, apresentando o museólogo como um “trabalhador social”, ou seja, as funções de coletar, preservar, pesquisar e divulgar o patrimônio cultural de nada valeriam se não fossem realizadas com o intuito de que a sociedade seja o maior beneficiário. Suely Cerávolo afirma que Rússio Guarnieri preferia apresentar suas conclusões sobre Museologia como conceito, e não como definição, “[...] deixando-a em aberto e, assim, capaz de incorporar futuras modificações [...]” (CERÁVOLO, 2004, p. 1). Afirma também que Rússio Guarnieri influenciou-se no pensamento de George Henri Rivière (CERÁVOLO, 2004). Infelizmente, Waldisa Rússio faleceu em 1990, no auge da sua “atividade museológica”, como declara Manuelina Cândido (CÂNDIDO, 2003, p. 235). Seu pensamento é de grande relevância para a Museologia no Brasil, sendo difundido e servindo como base ainda na atualidade, além de ser reconhecido mundialmente. Muitos profissionais se baseiam na sua definição de Museologia - estudo do fato museal (relação homem e objeto) dentro do “cenário” museu – tais como Mário Chagas, Marília Xavier Cury, Denise Studart, Marcelo Mattos Araújo entre outros. 3 O Indivíduo e o fenômeno museu em uma abordagem filosófica: Tereza Scheiner Nascida no Rio de Janeiro, Tereza Scheiner é formada em Museologia pelo Museu Histórico Nacional (MHN, turma de 1970) e em Geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ/1977 e 1978). Especializou-se em Ensino Superior na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e em Antropologia na George Washington University (G.W.U/Washington). Fez mestrado (1998) e doutorado (2004) em Comunicação na UFRJ, possuindo uma vasta experiência profissional. É membro atuante do ICOFOM e do ICOM desde meados da década de 1980, no qual já ocupou diversos cargos eletivos, inclusive a presidência do ICOFOM (SCHEINER, 2005). Foi membro do Conselho Consultivo do ICOM e atualmente é vice-presidente do ICOM. É criadora e coordenadora, com Nelly Decarolis, do ICOFOM LAM – participando do planejamento e coordenação de todos os eventos teóricos da Região entre 1992 e 2006 e sendo responsável (a partir de 1996) pela editoração e edição dos livros do ICOFOM LAM. Na Unirio, atua, desde 1973, como professora da Escola de Museologia, tendo dirigido a Escola de 1994 a 2000. Atualmente também atua como Relatos de experiência/ Experience Reports http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/index.php/ppgpmus ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST - vol. 4 no 2 – 2011 154 coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio, realizado em parceria com o Museu de Astronomia e Ciências Afins - MAST. Em seu primeiro artigo no ICOFOM, publicado no ISS n. 10, tendo como tema Museologia e Identidade, Scheiner afirma que, no âmbito da relação entre museus e identidade, é necessário definir a identidade da Museologia, que, segundo a autora, ainda está em processo de elaboração (SCHEINER, 1986). Em seguida, publicou, no volume 12 da série, um artigo sobre um dos temas mais importantes do ICOFOM: “Museologia e Museus”. Scheiner, então, declara que a Museologia é entendida como tendo sido desenvolvida para estimular o conhecimento e estudo do museu como fenômeno social (SCHEINER, 1987), sendo parte da experiência museológica pensar o museu na sua relação com o Homem como gerador de cultura (SCHEINER, 1990). No ISS 25, Scheiner expõe o seu pensamento sobre a Museologia e que aindavigora nos dias de hoje, qual seja, que a Museologia, como qualquer ciência contemporânea, trabalha a partir da relativização do conhecimento. A Museologia contemporânea, ao defender um enfoque holístico, não admite a idéia de museu como um produto ready-made e nem da comunidade como uma entidade abstrata, porém apresenta o museu como um fenômeno com todas suas dinâmicas (SCHEINER, 1995). Para Scheiner (2001), neste universo de multiplicidades e contradições, faz-se necessário repensar o Museu. O Museu é pensado, hoje, a partir de sua natureza fenomênica e de sua pluralidade enquanto representação. Não mais como instituição, porém configurado através de relações muito específicas entre o humano e as novas percepções de espaço, tempo, memória e valores culturais; livre, plural, passionário e contraditório, infinito em sua potencia [sic], pode aparecer sob distintas formas, representar todos os modelos culturais e todos os sistemas de pensamento – de acordo com os valores e representações das diferentes sociedades, no tempo e no espaço (SCHEINER, 2001, p. 217). Na publicação do ICOFOM “Defining the Museum”, produzida em 2005 como contribuição para a discussão sobre a definição de Museu, Scheiner declara que pensar a Museologia é, pois, um fascinante exercício intelectual, que nos permite uma aproximação organizada a diferentes sistemas de pensamento, na tentativa de contribuir para o amadurecimento teórico do campo (SCHEINER, 2005, p. 178). Relatos de experiência/ Experience Reports http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/index.php/ppgpmus ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST - vol. 4 no 2 – 2011 155 Assim, declara que é a partir do trabalho com os novos paradigmas que os teóricos implementarão a Museologia como campo disciplinar que está em desenvolvimento - não como parte de outros campos do conhecimento – porém como disciplina científica desenvolvida nas interseções entre os demais campos do conhecimento (SCHEINER, 2005). Assim, a “[...] Museologia vem buscando estabelecer para si mesma, desde os seus primórdios, um corpus metodológico que a defina” (SCHEINER, 2005, p. 87). O que acontece é que, como já apontado por Scheiner, ao longo dos anos vem se tentando estabelecer para a Museologia uma identidade enquanto filosofia ou ciência (SCHEINER, 1999). É possível, para esta autora, pensá-la inserida num sistema filosófico, como uma disciplina de caráter ontológico, com sua própria epistheme (SCHEINER, 1999)8. Pois é a Filosofia que aproxima o homem de si mesmo, fazendo-o melhor compreender o caráter plural dos mundos internos e externos que o atravessam e tornando possível situar, de maneira mais clara, quais as relações do Museu com as dimensões perceptuais do homem, num espaço configurado pelos cruzamentos entre o sensorial e o inteligível. É também ela que nos permite entender, em cada momento da trajetória humana, como este homem se institui nos diversos sistemas relacionais que cria para si mesmo: como o homem se pensa, como pensa o(s) mundo(s), como se coloca em cada universo relacional de modo a produzir cultura, economia, tecnologia. (SCHEINER, 1999, p. 133). Para Scheiner, o fundamento ontológico da Museologia consiste na percepção complexa do Real. Afinal de contas, não dá para enunciar as relações entre Museu e Mundo sem entender o que constitui esse Real referido, em cada sociedade, como matriz e síntese de suas próprias representações (SCHEINER, 1999). Esta afirmativa reforça que para cada modelo de Real corresponderá um diferente modelo de Museu (SCHEINER, 1999). Assim, deve-se iniciar a investigação pela dimensão fenomênica do Museu, buscando compreender suas relações com o Real - e remetendo não à ciência, mas à filosofia (SCHEINER, 1999). Scheiner afirma, ainda, que as rupturas epistêmicas da contemporaneidade, assim como as novas relações do indivíduo com o tempo, o espaço e a matéria e também com sua própria psique, tornaram possível compreender as dimensões intangíveis do patrimônio e do Museu. Estes, na atualidade, são percebidos como conceitos de natureza polissêmica, que tanto podem referir-se às manifestações da 8 Bruno César B. Soares e Anaildo Baraçal desenvolvem seus trabalhos na mesma direção, reafirmando a sintonia do pensamento teórico brasileiro com as tendências contemporâneas da Teoria Museológica, em âmbito internacional. Relatos de experiência/ Experience Reports http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/index.php/ppgpmus ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST - vol. 4 no 2 – 2011 156 psique humana como à biosfera. O uso que deles se faz poderá, pois, ser legitimado em diferentes níveis, da filosofia às políticas públicas (SCHEINER, 2001, p. 215). 4 Considerações finais: na interface entre dois caminhos, riquezas do museu e da Museologia A diferença primordial do pensamento de Scheiner e Rússio Guarnieri consiste na visão holista da primeira, que entende o Museu enquanto fenômeno que parte essencialmente da esfera subjetiva, considerando suas múltiplas manifestações nas diferentes percepções de Real, e que a Museologia seria um campo que se desenvolve primeiramente entre as Ciências Humanas; já Rússio Guarnieri entende essencialmente Museu na relação do humano, no social, com os objetos, inserindo a Museologia nas Ciências Sociais. No entanto, consideramos também aqui que as autoras escrevem em tempos diferentes: quando a morte prematura interrompe os trabalhos de Rússio Guarnieri, Scheiner inicia sistematicamente sua produção. Assim entendemos que, se nos fosse dada esta dádiva, provavelmente Rússio Guarnieri “atualizaria” sua produção com os debates contemporâneos acerca dos diferentes tipos de museus (apesar de sabermos que estes debates haviam se iniciado na década de 1970, quando Rússio Guarnieri já trabalhava com estas questões), mas mantendo seu entendimento do museu enquanto fato social (fato museal). Tereza Scheiner, em sua dissertação de mestrado, agradece a Waldisa Rússio Guarnieri por esta última afirmar que é preciso “pensar o Museu”. Aqui está a riqueza de ambos os trabalhos: contribuir para o enriquecimento do pensar o Museu – seja este fato social ou fenômeno subjetivo – e Museologia, seja ciência ou filosofia. Pois o importante é pensar e produzir conhecimentos, mesmo que plurais, sobre Museu e Museologia Relatos de experiência/ Experience Reports http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/index.php/ppgpmus ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST - vol. 4 no 2 – 2011 157 Referências CÂNDIDO, Manuelina Maria Duarte. Ondas do pensamento museológico brasileiro. Cadernos de Estudos de sociomuseologia, Lisboa: Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2003. CARVALHO, Luciana Menezes de. Em direção à Museologia latino-americana: o papel do ICOFOM LAM no fortalecimentoda Museologia como campo disciplinar. 2008. 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