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JUSTIÇA, DIREITO E IDEOLOGIA: DO PRINCÍPIO IDEALIZADO À CONCRETUDE DA TRANSFORMAÇÃO SOCIAL Jeferson Fernando Celos1 Resumo O presente trabalho pretende demonstrar que as concepções de justiça e Direito não são neutras, estáticas e distanciadas da realidade histórica na qual são construídas. Ademais, essas expressões podem desempenhar uma função paradoxal, conforme atuem na perspectiva da manutenção do status quo ou enquanto instrumento de transformação social. Enquanto instrumentos de conservação/manutenção desempenham papel ideológico de mascaramento da dominação política e exploração econômica. Enquanto instrumento de transformação social, a partir de uma abordagem crítico-dialética, colocam-se na base material da sociedade, caminhando junto com os movimentos sociais e demais segmentos populares historicamente excluídos, objetivando a libertação e emancipação humanas. Palavras-chaves: Direito – Justiça – Ideologia – Luta de classes – Transformação social – Libertação. Introdução Por longos séculos, a palavra justiça vem suscitando uma série de estudos, questionamentos, discussões das mais variadas espécies e sob os mais diversos ângulos de análise. Em suas muitas acepções, já assumiu as formas de atributo derivado da divindade, ideal absoluto e eterno, direito natural; chegando-se ao ponto de ser banida do direito por uma determinada corrente positivista, que a relegava a outras ciências mais específicas, como a filosofia por exemplo. Outro aspecto que segundo várias opiniões dificultaria a apreciação do tema justiça, é o de que é um tema marcado pelo subjetivismo, o que de certa forma constitui um discurso reacionário e obstáculo real à efetuação da justiça. Quando se escolhe um tema desta amplitude, devem ser evitados objetos, visões, definições e conclusões de cunho universalizantes, ou seja, verdades absolutas e incontestáveis. Partindo-se do pressuposto de que as partes influenciam o todo e este reflete- se novamente nas partes, numa ação dialética, os estudos devem ser orientados sobre um dos 1 O autor é acadêmico do 5º Direito Noturno, membro do Núcleo de Estudos de Direito Alternativo da Unesp Franca (NEDA) e do Núcleo Negro da Unesp para Pesquisa e Extensão (NUPE). 2 focos do problema, que no entanto, não deve ser separado do conjunto, devendo isso sim, ser caracterizado como contribuição e tentativa de transformação. Assim, tendo como norte determinado contexto, é preciso trabalhar com as especificidades, sem pontos de partida determinados, análises em linha reta, definições ideológicas e tendo como princípio que os estudos nunca acabam, nunca vão estar definidos, cabendo sempre uma nova apreciação de acordo com as novas exigências. Passando-se estes primeiros pontos, cabe aqui um questionamento: qual é a justiça pretendida neste artigo? A justiça aqui pretendida, é a que se coloca como um dos fatores fundamentais para a concreta transformação social. Em síntese, uma justiça que contemple o homem como ser social, privado, excluído e espoliado de inúmeros direitos e garantias formalmente instituídas ou daquelas que mesmo não elencadas em cartas e códigos, vão sendo construídas nas lutas e aspirações diárias, mas que não deixam de constituir-lhes uma prerrogativa. Uma justiça que detecte as contínuas omissões e marginalizações, almejando ser um dos possíveis instrumentos de transformação, confundindo-se com a própria inclusão social. Busca-se assim a concretude do que antes era um princípio, um ideal, uma eterna aspiração… Visando expor algumas linhas sobre tão extenso problema, este artigo é dividido em duas partes que intrinsecamente relacionam-se e podem ajudar a entender o tema aqui proposto. Assim, na primeira parte intitulada “O ordenamento jurídico enquanto ideologia da classe dominante é injusto” , tenta-se trabalhar um aspecto do direito ideologicamente apropriado pela elite político-econômica e utilizado friamente contra a grande massa reprimida: a identificação dogmática entre direito, lei e Estado como forma de justificação e manutenção do status quo. Na segunda etapa é trabalhada uma tentativa de negação radical das ideologias e práticas conservadoras e excludentes do direito, através da aproximação entre a justiça e a inclusão social dando ênfase ao papel transformador que o direito pode desempenhar quando atua em conjunto com outro profissionais e áreas do conhecimento, inseridos concretamente na realidade social. Capítulo I – o ordenamento jurídico enquanto ideologia da classe dominante é injusto. Antes da entrada direta no tema, faz-se necessário entender mesmo que superficialmente, o que seria uma sociedade estruturada em classes. Todo este trabalho monográfico está em sintonia com a visão marxista do problema; onde a luta de classes é um movimento que se deflagra dentro do processo histórico da humanidade. É a luta direta entre 3 uma classe ou grupo sócio-político-econômico dominante e uma classe dominada, partindo esta dominação da estrutura sócio-econômica, desencadeada pelo movimento capitalista de produção. (Cf MARX; ENGELS, 1986: passim). O grupo social dominante é a proprietário dos meios de produção e por conseguinte mantém o poder político-econômico. É a classe minoritária que monopoliza o controle da estrutura social, através da apropriação do trabalho realizado pela classe majoritária. A classe majoritária é por outro lado a dominada da relação capitalista; é proprietária apenas de sua forca de trabalho, é explorada incessantemente pela apropriação da mais valia e outras formas mais de dominação. Transpondo esta luta para o seio da sociedade, é possível fazer a identificação precisa dos componentes deste embate. Como protagonistas da classe dominante temos: os empresários, os banqueiros, os grandes conglomerados industriais, os proprietários de centenas de imóveis, os latifundiários, as empresas multinacionais; concentrando as fortunas mundiais construídas pelas mãos e pelo suor de uma infinidade de pessoas, que recebem como contraprestação, a exclusão e a não repartição dos frutos proporcionados por essa riqueza. Como protagonistas da classe dominada, temos: os operários espoliados em seus salários; os desempregados, as pessoas que morrem de fome, os desabrigados, os favelados, as crianças dos semáforos, os analfabetos, o agricultor miserável. Em uma palavra, temos os oprimidos, aqueles que não tem acesso ao paraíso real dos milionários, pois ficam bloqueados pelos pedágio da miséria da fome e da necessidade. A classe dominante não teria como se impor e controlar a classe dominada, se não dispusesse de meios eficazes e sutis de manipulação. Como permanecer tanto tempo no topo da pirâmide social sem ser questionada de forma direta pelos grupos que dão sustentação à essa pirâmide? Tornou-se necessário, a elaboração de um discurso que desse legitimidade de mando à classe dominante, e que coibisse qualquer tentativa de insurreição da classe dominada; imprescindível a criação de um discursos ideológico. A ideologia abordada neste trabalho é aquela que, mascara a realidade dissimulando uma realidade cruel e desumana, para adquirir a forma de uma situação natural, que está em conformidade com a sociedade; uma harmoniosa e distorcida visão sobre a vida. Essa ideologia tem a intenção de esconder as lutas de classes que se travam dentro de cada comunidade; todas as conseqüências daí decorrentes, são encaradas como quebra provisória da ordem e da passividade, provocadas por elementos desordeiros, arruaceiros, criminosos. Perde-se a noção global da luta de classes para perpetuar-se a idéia de fenômenos isolados distantes e ameaçadores da paz vigente. 4 Para Marilena Chauí A ideologia é um conjuntológico, sistemático e coerente de representações (idéias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer (...) cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais políticas e culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em classes, a partir das divisões na esfera da produção (...) apagar as diferenças como de classe e de fornecer aos membros da sociedade o sentimento da identidade social... (CHAUÍ, 1984: 113 –114). Inúmeros são os meios de propagação destas idéias retóricas: o ensino transmitindo nas escolas, as mensagens da televisão e do rádio, jornais e revistas que são os maiores veículos de comunicação e formação de opiniões; a religião; os partidos e movimentos altamente conservadores; um ordenamento jurídico comprometido com o controle social. Esses instrumentos ideológicos pretendem criar uma imagem irreal do Brasil e dos brasileiros. O Brasil para eles é um imenso país tropical, com lindas paisagens e acima de tudo, formando por pessoas pacatas, hospitaleiras; que independente de algumas crises passageiras, são pessoas fortes, preparadas para agüentar qualquer sofrimento e continuar sorrindo. Deve-se agradecer diariamente a existência de uma democracia, após anos e anos de ditadura, todos os esforços devem der feitos para a manutenção dessa ordem democrática; qualquer lei vinda do Congresso Nacional é o melhor do que a insegurança dos anos de chumbo. Os instrumentos ideológicos tornam-se mais aparentes quando se deseja justificar a exploração econômica e a miséria. Segundo a ideologia dominante, “é através do trabalho que se constrói a felicidade; aqueles que se esforçam e dedicam toda sua vida ao trabalho, irão alcançar a riqueza, a mudança de vida, a cultura e alegria. “Todos nascem iguais, mas a dedicação e a graça divina abençoam somente um pequeno numero de premiados. Se os homens nascem pobres é porque alguma vontade assim o quis; mas se eles tiverem uma vida pacifica, de aceitação, eles ganharão o paraíso. “Respeitem a ordem, a lei os bons costumes, a vontade soberana dos dirigente, para poderem ser sociáveis, homens de paz, responsáveis pais de família”. Todas estas frases resumem-se na seguinte orientação: Aceitem as coisas como elas são, para ter uma vida melhor; para manterem seus empregos, evitando o estigma de desordeiros, subversivos e principalmente livrar-se do cacetete da polícia, como vitima da violência oficial; não sejam utópicos, contentem-se com a realidade. A ideologia dominante é insustentável e precisa ser abolida. O aspecto que será abordado mais amplamente, neste capítulo é o ordenamento jurídico como instrumento 5 ideológico. Determinada corrente jurídica pretendeu há muito tempo atrás, uma identificação entre o direito, a lei e o Estado; é necessário antes de tudo um trabalho de desmistificação e dessacralização dessa fonte do direito, colocando-a ao lado e no mesmo patamar das outras inúmeras fontes, representando não um fim em si mesma, mas um dos diversos meios para entender e aplicar o complexo e dinâmico fenômeno jurídico aos casos concretos. A lei quando manipulada pela classe dominante é tendenciosa, pois tenta garantir o privilégio daqueles que estão no poder. Há uma profunda identificação entre o discurso político-econômico com o discurso jurídico, porque os proprietários daqueles aspectos, são os que ocupam os cargos legislativos ou acabam exercendo sobre eles sua influência. O ordenamento jurídico serve a esses interesses, devido sua força coativa e legal, é o instrumento mais eficiente no controle social. “O direito é sempre instrumento com que a sociedade conforma os comportamentos individuais e ou coletivos aos limites desejados, autorizados ou simplesmente tolerados pelo consenso social (MIRANDA ROSA, 1980: 19)”, que é o da classe dominante. Ao exercer esse controle social, a lei é que vai dizer o que está certo ou o está errado; o que pode e o que não pode, dentro de certos padrões e parâmetros estabelecidos. O próprio conceito de justiça adequa-se a aos interesses dominantes. “A justiça dos vencedores é a única idéia de justiça que tem eficácia garantida pelo fato de se traduzirem por meios de normas jurídicas (AGUIAR, 1993: 24)”. As demais atividades socais vão conter a mesma disposição: a vida social deve ser justa, assim como relações familiares, a religião, as relações trabalhistas. O problema é que os valores considerados justos são os valores individualistas burgueses. Desta forma a propriedade tem mais valor que a posse, mesmo quando esta propriedade não atende as exigências sociais a que ela se destina, servindo apenas como valor especulativo. O salário pago ao trabalhador deve ser mínimo; deve corresponder aos valores que o capitalista deseja pagar, não se destinando a atender às reais necessidades práticas de alimentação, transporte, moradia, assim como outros direitos justos, assegurados na Constituição (Cf Constituição Federal, art. 5, XXIII) Marx disse, que o Direito “é a vontade feita lei da classe dominante, que através de s eus próprios postulados ideológicos pretende considera-las como expressão aproximativa da justiça eterna (BARBOSA, 1984: 48-49)”. A realidade como ela se apresenta hoje, resumiria a justiça possível, aquela que está ao alcance e às disponibilidades da burguesia, ou à imagem que ela tenta passar. Uma justiça que nunca se realiza, porque determinado grupo de pessoas não precisam de justiça, ou melhor, podem criar justiças de acordo com sua necessidades de 6 manipulação e manutenção de suas regalias. Às vezes, de seus tronos e procurando ser “dadivosos” dão pequenas gotas de uma justiça formal que entendem corresponder às reivindicações de seus súditos—como se justiça fosse algo que pudesse ser dado... Outro aspecto importante desta dominação ideológica é a noção de que lei é sagrada, como também devem ser a ordem e a segurança. Sagrados no sentido de que pretendem cristalizar-se em dogmas – conceitos imutáveis e inquestionáveis que devem ser aceitos e reproduzidos, como forma de manutenção da estabilidade social. Segundo Paupério, para perpetuar um regime de exploração, a classe dominante “coroou -o de toda segurança. Foi assim que o direito ganhou em segurança o que perdeu em justiça (PAUPÉRIO, 1983: 28)”. Por segurança deve-se entender, a segurança da classe dominante, segurança nos negócios, nos contratos, na propriedade, no consumismo. A ordem também tem muitos sinônimos e amplos significados podendo expressar a paz e o interesse da comunidade. Entenda-se por ‘paz social, a ordem estabelecida. Para se atingir a ordem e segurança todos os métodos são válidos, os atos mais injustos são cometidos e legalizados para fazer prevalecer uma justiça que nunca chega, é sempre algo que deve ser perseguido abstratamente. A idolatria da lei e da norma, é um culto ao conservadorismo, aos privilégios de uma classe sobre a outra. A interpretação literal ou gramatical da lei não é o único instrumento de que se deve utilizar o profissional do direito; deve isto sim, ter um pouco de sensibilidade para identificar suas reais exigências, sempre voltada para as agitações, reivindicações e anseios populares. Deve-se buscar aquele direito que se insurge, que nasce nas ruas, que é interpretado e aplicado segundo o sentido dialético e plural do espaço publico pulverizado, em pequenas comunidades interpretativas, dinamicamente construído e não apenas o direito como aquilo que é posto e imposto coativamente pelo Estado adquirindo um caráter dogmatizador. A“fixação na norma também é um posicionamento, político, nitidamente conservador, pois a lei não evolui, a lei garante o status quo (HERKENHOFF, 1997: 110)”. A lei esta parada, imóvel ela não acompanha o fluxo de modificações da vida ao vivo; quando lei capta os movimentos reivindicatórios, realiza um trabalho ideológico tão profundo, que subverte a real natureza daquelas modificações. A crença na infalibilidade do ordenamento jurídico, é uma forma de reduzir a responsabilidade dos juristas perante os problemas sociais. Dizer que a lei resolve tudo que está em sua esfera de ação e que os anseios de justiça devem ser deixados à outras ciências, é pratica ideológica reducionista. Os legalismos, os positivismos em nada contribuíram para solucionar as injustiças freqüentes na historia; pelo contrário, foram formas jurídicas que deram legitimidade a injustiças ainda maiores. O nazismo para os legalistas era legitimo, 7 porque, obedecia à Constituição alemã. Da mesma forma, os decretos imperiais e vergonhosos de Calígula, que fazia uso do poder investido na figura real, e por isso mesmo legitimo. Assim, todos os atos praticados na ditadura militar foram legítimos porque praticados sob a constituição por eles mesmos confeccionada e posteriormente “remendada” – 1967 – 1969 respectivamente. O problema não está apenas no procedimento dogmático da lei, mas também no fato de que a legislação brasileira é contraria ao povo, é anti-popular “Reconhece -se que toda uma legislação individualista, consagradora de privilégios, arcaica, anti-povo, martiriza as grandes maiorias, acorrentado-as a uma circulo vicioso de miséria insuportável, geração sobre geração (HERKENHOFF, 1997: 135).” A própria lei oferece os instrumentos para a manutenção das injustiças sociais, criando em seus textos uma serie de distinções, contrariando o principio da isonomia, que diz que todos são iguais perante a lei. “O direito vigente aqui é um direita injusto, porque encara a produção como um processo que deve privilegiar o capital (HERKENHOFF, 1993: 29)”. É a lei que pune com mais incidência, a grande e pobre população; uma lei estigmatizadora, no caso do pobre é auto-aplicativa, mas no caso dos crimes do “colarinho branco”, é convertida em pena alternativa. Pune-se mais o pobre, para que ele possa servir de exemplo aos demais integrantes de sua classe, servindo teoricamente para coibir novas tentativas futuras. Teoricamente, porque essa violência institucionalizada gera uma reação daqueles que a sofreram; que por conseguinte, cria novas formas de violências escrita, oficial, formando um circulo de estigmatização, miséria, violências de parte a parte. O processo de exclusão popular, começa no próprio sistema representativo atual. O processo representativo como pedra de toque do liberalismo individualista burguês é insuficiente, tendencioso em sua tarefa de transformar os anseios populares em leis, não existem canais eficazes para o povo expressar e reivindicar seus interesses (Cf MACHADO; GOULART, 1992: 19). O que existe é um falho processo eleitoreiro, que se manifesta de 4 em 4 anos; é a única possibilidade de um contato entre o futuro legislador e a base popular marginalizada. É um processo viciado pelos coronelismo, clientelismo, paternalismo, troca de cestas básicas e dentaduras ou caixões por votos. O pobre não legisla, não tem acesso aos meios legislativos, aos instrumentos que vão materializar suas aspirações, e pôr termo aos seus sofrimentos. A lei diz que qualquer cidadão brasileiro poder ser candidato a um cargo público; sendo assim, o acesso do pobre aos cargos legislativos, à Câmara dos Deputados e Senado Federal, estariam pavimentados. Mas a realidade presenciado é completamente diferente, os “donos” das cadeiras das Assembléias 8 Estaduais e o Congresso Federal são também proprietários de diplomas, de latifúndios, de imóveis urbanos, do capital. Eles não legislam em causa própria, mas não permitem por exemplo, a efetiva reforma agrária: incentivam a função da propriedade, não a função social, mas sim a função especulativa. A lei não exprime a verdadeira justiça do povo”... pois o que é dito nada tem a ver com o que é concretamente vivido. Assim, a justiça passa a ser justiça “deles” não a nossa justiça (AGUIAR, 1993: 18)”. Além da exclusão do processo criador de leis (nomogenético) povo também sofre quando o assunto é a efetiva aplicação destas leis. Os órgãos judiciários como já foi visto privilegiam os interesses de certa classe mais forte política e economicamente. Ao exercer esta tarefa está realizando o papel de um poderoso instrumento ideológico. “O aparelho judicial é assim, parte do largo sistema de instrumentos pelos quais se afirma e reafirma a ideologia dominante em dado momento histórico... (MIRANDA ROSA, 1980: 55)”. O controle ideológico realiza-se sob a forma de um poder neutro, equânime, que defende as com o mesmo peso e sem nenhum outro interesse, se não o do prevalecimento da justiça – imagem da justiça: uma mulher segurando em umas das mãos a balança, em outra a espada, tendo a visão tapada por uma venda. Mas por trás destas figuras neutras existem seres humanos pertencentes a uma determinada classe social e que de forma consciente ou inconsciente aplicará a lei em concordância com sua visão do que é certo, do que é justo. “Não existe terceiro neutro (...) só existe uma idéia de justiça que está a serviço de uma ordem posta, e outra idéia de justiça que está a serviço da contestação, da mudança (AGUIAR, 1993: 18)”. O trabalho ideológico conclui-se com aceitação e a reprodução dos valores dominantes na mente e na pratica de uma parcela considerável da população. Os valores dominantes prendem-se tão fortemente no interior do dominado, que tudo aquilo que é injusto, ruim, passe a ser considerado como normal, como a ordem natural das coisas. Diz Herkenhoff. “O próprio povo oprimido interioriza os valores apreensivos da lei, porque há todo um mecanismo de informação, de condicionamentos (HERKENHOFF, 1993: 45)”. A classe dominante usa esta aceitação, esta indiferença provocada pela ideologia, para justificar, legitimar a opressão. Se o povo está pacifico, se ninguém demonstra indignação é porque todos estão de acordo: quem cala consente. “A passividade das massas como o estabelecimento duma legalidade não importa, por si só, na legitimidade do poder (LYRA FILHO, 1982: 104)”. A passividade ou indiferença do povo não pode mais continuar sendo apregoada como algo natural, ninguém mais pode ser explorado, ser humilhado, aceitar essa situação só pelo fato de ser pobre. As desigualdades e diferenças devem cessar, o que deve 9 prevalecer nas relações humanas é o reconhecimento real do valor de cada pessoa e não o poder material. Lincoln “Engana -se uma parte do povo todo o tempo, todo o povo uma parte do tempo; nunca porém todo o povo todo o tempo (LYRA FILHO, 1982: 96)”. A máscara deve cair, para quer o povo possa enxergar a verdadeira dimensão dos problemas. Toda vez que há uma crise econômica, uma escândalo político, inicia-se uma indignação, mas esse pequeno esboço de reação não é suficiente. É necessário um trabalho de contra-ideologia, de prevalecimento da cultura popular autêntica e não daquela que recebe o nome de folclore. Deve-se buscar a conscientização através da luta e de um processo de tomada de consciência, aberta as palavras e valores contrários ao modelo vigente; um canal que demonstre como se dão as práticas de alienação e dominação dentro desse sistema e coloque sua proposta, sem coação, sem imposição, sem pretensão de absolutismo e verdade, sem medo. A lei não pode expressar valores ideológicos e conservadores; esta deve estar dentro do processo histórico, aliando-se aos fatores sociais, culturais, políticoseconômicos. A lei não deve ser superior à justiça, deve ser um dos instrumentos necessários para uma justiça comprometida absolutamente com a transformação social. Não comprometida com políticos, cartéis nacionais e internacionais, latifundiários, ladrões engravatados; comprometida com o marginalizado, com o faminto, com o miserável, com as crianças vendendo balas na ruas. Capítulo II – justiça e inclusão social: justiça dos oprimidos. Neste capítulo será colocada a questão da inclusão social como um dos objetivos fundamentais de uma justiça concreta. Justiça que deverá ser desempenhada através de uma nova concepção do Direito, um direito comprometido com a parte explorada da sociedade, vista esta sob o ângulo marxista da luta de classes. O Direito como ciência humana não deve fechar os olhos para a questão social, pelo contrario, deve ser um dos instrumentos necessários ao extermínio real da exclusão social. Cabe aqui, antes da abordagem direta do assunto, uma definição jurídica de exclusão social colhida num texto de Carmem Lúcia Antunes Rocha: ... o fenômeno denominado de exclusão social transgride a ordem jurídica, agride o Direito e fere o sentimento de justiça e o sentido que ele adota na base do ordenamento jurídico posto pelo Estado à universalidade dos homens. Por exclusão social entende-se a situação que deixa à margem do processo político, social, participativo, econômico e portanto, das garantias jurídicas fundamentais, uma pessoa ou grupo social. Os excluídos tem desrespeitados até mesmo 10 aos seus direitos fundamentais, despojados que são do núcleo mínimo de seu patrimônio jurídico que lhes garantiria a dignidade humana (ROCHA, 1997: 37). A realidade social brasileira é um triste retrato do grau de degradação e desrespeito, de que são vítimas todos aqueles colocados à margem da sociedade. Os pobres, os miseráveis, os oprimidos , os excluídos, todos são grupos criados pelo vergonhoso processo de exploração humana, desenvolvido pela prática capitalista, onde as pessoas tem valor e reconhecimento quando possuem bens econômicos. A exploração do homem pelo homem assume um aspecto vergonhoso e deplorável, à medida que tenta transformar os oprimidos e excluídos em seres diferentes, que devem ser afastados, despojados da condição digna e humana de vida. O meio através do qual os exploradores afastam estas pessoas é a indiferença, tentam mostrar que a miséria, a fome, a pobreza, são conseqüências naturais e até necessárias a vida. A imagem de pessoas dormindo em bancos de praça; pedindo esmolas nas ruas; enfrentando filas e senhas para terem atendimento médico, não causa a mínima indignação ou tentativa de alguma mudança na mente de algumas pessoas; que passam isto sim , horas e horas desenvolvendo novos mecanismos e técnicas de exclusão social. A exclusão social é a forma mais cruel de injustiça, pois ataca o homem justamente no ponto que deveria defende-lo: o das garantias fundamentais previstas na constituição, alem dos danos morais. A contestação desta agressão é o mínimo que pode ser feito para se alterar o quadro atual; o empenho e prática social voltados à extinção desta situação, serão os meios necessários para a instalação desta situação real e efetiva, que irá valorizar e reconhecer a pessoa humana em sua essência. Os abusos diariamente observados e impunemente mantidos, precisam ser destruído, para que em seu lugar nasça o respeito e o reconhecimento; onde o ter não mais prevaleça sobre o ser. O Direito como mais adiante será visto deverá desempenhar um papel transformador dentro da estrutura social. Como ciência humana deverá ocupar-se das dores e privações dos homens, e elaborar e aplicar leis que estejam em concordância com esse objetivo transformador. Uma atuação conservadora e excludente não atende mais às fortes exigências populares. Somente o direito compreendido como fenômeno complexo -- político, cultural, econômico e jurídico – inserido dentro do processo histórico atenderá essas reivindicações. Segundo Warat “o sentido do direito é o de ser parte do sentido de uma prática social (apud MACHADO; GOULART, 1992: 06)”. O direito não está acima ou fora da problemática social, como pretendeu determinada corrente. Muito pelo contrário, ele é uma das partes que 11 influem e recebem influência da conjuntura significativa da sociedade. As práticas se interligam, são interdisciplinares, precisamos trabalhar lado a lado com o assistente social, com o historiador, com todos os outros profissionais, com os movimentos socialmente insurgentes ou novos sujeitos coletivos de direito. Precisamos sair dos muros da faculdade e dos gabinetes; prática é participação efetiva, sem a ambição de ensinar, conscientizar ou dar educação, também devemos ser alunos daquele tal saber achado nas ruas. Essa prática social dever ser parcial, visando garantir os interesses dos desfavorecidos, se ela fosse neutra imparcial, só contribuiria para a manutenção do status quo e da exclusão. “No domínio da justiça não há de falar -se em neutralidade. Esta quando não é covardia é inconsciência (PAUPÉRIO, 1983: 04)”. O comprometime nto, será o primeiro passo para que a questão possa ser encarada de forma modificadora; a indiferença só serve aos interesses dominantes e exploradores. Nas palavras de Roberto A. R. Aguiar “...essa virtude não é eqüidistante, não é neutra, não é equilibrada. Ela nos força a cada momento a tomar partido a ser parcial, tendo a parcela maior dos seres humanos como fundamento (AGUIAR, 1993: 122)”. Torna -se inadmissível aceitar que a maior parcela da população receba a mínima parte, isto é quando recebem, dos frutos produzidos dentro da sociedade. Este compromisso é a resposta que se espera daqueles que não suportam tanta injustiças e humilhações cometidas contra os excluídos; daqueles que se esforçam por uma transformação efetiva das estruturas de poder, que só fazem aumentar a desigualdade entre as classes. Esta postura que tenta privilegiar os oprimidos é arriscada perante o conservadorismo que reina na comunidade. É por isso, que toda tentativa de mudança é desqualificada pelos detentores do poder, por alguns meios de comunicação que compactuam com os poderosos e pelos próprio povo quando este reproduz a ideologia dominante. Aqueles que tentam alguma mudança são chamados de desordeiros perturbadores da ordem, anarquistas, promotores moderninhos, o arbítrio dos juizes. “O caminho para essa segunda justiça é arriscado podendo mesmo ser acoimado de não cientifico, e utópico , não realista ou simplesmente subversivo” (AGUIAR, 1993: 53)”. Por segunda justiça, entenda -se a justiça, comprometida com os desfavorecidos, aquela que os dominantes tentam dissuadir tirando seu caráter contestador, para lhe associar ao crime, à violência ou a movimentos artificiais. A afirmação e o êxito desse movimento só será obtido através da luta incessante dos desfavorecidos em fazer valer sua condição humana e digna de reconhecimento. Uma luta real, travada dentro do processo histórico, uma luta comprometida como o lado mais fraco da relação de exploração capitalista: o lado dos oprimidos, dos desfavorecidos, dos reprimidos, 12 dos marginalizados. Luta que pode ser retirada de uma passagem de Ihering fazendo depois uma interpretação atual: Todos os direitos da humanidade foram conquistados na luta; todas as regras importantes do direito devem ter sido na sua origem, arrancadas àquelas que ela se opunham, e todo o direito, direito de um povo ou direito de um particular, faz presumir que se esteja decidido a mantê-lo com firmeza (IHERING, 1997: 01). Transpondo esta passagem para o momento atual e fazendo uma interpretação social: se a ordem vigente é injusta e provoca a exclusão, deve ser derrubada para o estabelecimentode uma igualdade real que estabeleça a inclusão social e justiça. Não aquela justiça metafísica, jusnatural, positiva ou formal, mas aquela que nasça das contradições e da luta dentro da historia. Dessa forma a justiça dos opressores não pode ser aceita, deve ser arrancada das mãos opressoras através da luta dos oprimidos. A justiça não deve ser entregue como um presente ou uma dádiva ou uma ação de boa vontade dos mandatários do poder. “ O oprimido deve ser agente de sua própria libertação. Uma justiça paternalista não se ajusta a essa visão (HERKENHOFF, 1997:134)”. A inclusão dever ser a palavra de ordem no combate para a efetivação da justiça. Esta luta deverá ser travada em todos os ramos da sociedade, derrubando as injustiças econômicas, políticas, culturais, jurídicas. Por este ser um trabalho de caráter jurídico, a inclusão social será vista nesta ultima parte, sob o ângulo do comprometimento do direito e de seus operadores com a luta e os interesses da maioria desfavorecida e oprimida. Esta postura transformadora do direito requer antes de tudo um pensamento crítico aliado a uma práxis social transformadora. Dentro do pensamento crítico, torna-se necessário um conhecimento transformador, que não fica estático diante dos problemas; tem que ser um pensamento vivo, que vá além da lei e da rigidez da norma, englobando várias vertentes e visões, sempre questionando as formas injustas que encontrar pelo caminho. É o saber que precisa ser repassado nas faculdades, um saber dinâmico que futuramente irá orientar a conduta dos advogados, magistrados, promotores. A conduta ou práxis social só será modificadora, se estiver dialeticamente embasada num saber crítico. Gramsci: “ a visão dialética precisa alagar o foco do Direito, abrangendo as pressões coletivas que emergem na sociedade civil e adotam posições vanguardeiras (LYRA FILHO, 1982: 10-11)”, como os sindicatos, setores da igreja, associações profissionais e culturais e outros veículos de engajamento progressista. 13 A práxis social dos jurista deverá influir na elaboração e aplicação das leis. A generalidade abstrata na maioria das vezes não atende as exigências sociais, principalmente dentro de um sistema jurídico que tenta eliminar os conflitos sem solucioná-los. Segundo Júlio César Tadeu Barbosa “À medida que as desigualdades sociais se tornam gritantes a obtenção da justiça ,só se dará mediante um tratamento individualizado a cada caso (BARBOSA,1984: 19-20)”, isto é semp re privilegiando o grupo desfavorecido. O sistema jurídico brasileiro é recheado de contradições, leis que ora garantem, ora agridem os interesses sociais privilegiado minorias. Essas contradições ocorrem, porque, as minorias que controlam o poder, para não provocar a indignação ou revolta populares, colocam em seu ordenamento diversas leis de proteção aos direitos e garantias fundamentais. Assim, existem abstratamente, belíssimas leis como na Constituição – os art. 5º ao 17º em algumas outras leis complementares ou ordinárias. O problema, é que essas leis aparecem como soluções demagógicas, uma vez feitas não se aplicam como estão no papel. Muitos alegam que são preceitos muito evoluídos e complexos, por isso ainda difíceis de serem postos em prática. Tal concepção é vergonhosa, pois as leis que podem beneficiar os desfavorecidos existem e algumas como as normas constitucionais são auto aplicativas. Um nova postura dos aplicadores é exigida, uma postura alternativa às práticas opressoras vigentes. É preciso fazer um uso alternativo do direito burguês, para torna-lo democrático. Ainda nesse sentido, Lyra Filho “Uso alternativo do direito positivo e estatal em proveito não da classe e grupos dominantes, mas dos espoliados e oprimidos (LYRA FILHO, 1982: 62)”. Se o ordenamento vigente contém demagogias, justo é tornar esses preceitos em realidade, através de uma interpretação axiológica e comprometida com o grupo dominado. “Justo é o poder que procura elaborar normas a serviço das maiorias e que as cumpre (AGUIAR, 1993: 79)”. As posturas acima colocadas são chamadas de uso alternativo do direito --que procura fazer um uso não burguês do direito burguês— e positivismo de combate – onde a luta é pela efetivação das tais leis que não pegam, além da luta para positivação de inúmeros direito e garantias denegados ao povo. Mas o direito alternativo ainda pode ser entendido sob o prisma do pluralismo jurídico, que destrói o mito do monismo jurídico estatal, percebendo e reconhecendo como legítimas diversas manifestações jurídicas à margem do Estado; é o direito ubiquitário nascendo e modificando-se nas comunidades, nos lugares onde vivem as pessoas de carne e ossos, dos conflitos e necessidades reais. Como foi visto em todo este trabalho, a mitigação de todas as desigualdades é condição necessária para erradicar a exclusão social. Os profissionais do direito tem uma grande responsabilidade no que diz aos problemas sociais; são eles que trabalham com as leis, 14 os códigos, julgamentos, tutelas. Estes profissionais não podem trancar-se em um mundo abstrato, estático, auto-poiético e absoluto. Os intelectuais do direito não podem virar as costas ou serem indiferentes às contradições, às humilhações e privações dos desfavorecidos ; os explorados econômica e socialmente. Pelo contrario, os juristas devem misturar-se ao povo, serem do povo. Torna-se muito cômodo para os poderes públicos principalmente o legislativo e o judiciário – colocarem-se acima de qualquer crítica, ditando abstratamente e superficialmente as supostas normas que vão resolver os problemas sociais. Não basta tomar conhecimento destas questões através da tela da televisão, de textos de revistas e jornais. A tela e as letras não falam, elas não choram desnutridas, vivendo em um corpo de pele e osso. São na verdade instrumentos que transmitem por alguns segundos ou num página o sofrimento das pessoas. Mas essa transmissão é focalizada de forma distante, afastada e que reproduz em seus destinatários uma postura de meros telespectadores. O que acaba ocorrendo, é que estas imagens chocam-lhes por alguns instantes, e justamente por serem fortes e reais são muitas vezes evitadas, desligando-se a televisão, trocando os canais ou passando a página. Para se falar em transformação social é preciso colocar-se efetivamente dentro da problemática questão social; é preciso indagar o faminto, conversar como os analfabetos ir aos acampamentos dos sem-terra, colhendo seus sentimentos em sua essência; diretamente da boca do explorado para os ouvidos dos legisladores e aplicadores do direito. Não aquela visita em caráter eleitoreiro e assistencialista, que trocam cestas básicas por mandatos, esquecendo o prometido logo após a posse. Não se deve falar em promessa e sim em compromisso com o oprimido; esse comprometimento deve ser aquele feito “cara a cara” com o desfavorecido e não através da impessoalidade dos contratos. “como fruto da aliança entre as multidões massacradas e os juristas vai se delinear um novo perfil de juristas e de juizes (HERKENHOFF, 1993: 38)” Conclusão Após a análise cuidadosa do tema é necessário dar termo a estas poucas linhas. Esse fecho, não deve ser entendido como uma conclusão absoluta, pois num trabalho que se pretende crítico, dialético seria uma impropriedade e até um absurdo pensar nessa possibilidade; o que aqui se pretendeu foi levantar alguns questionamentos e indignações sobre o atual estágio das coisas, sem qualquer pretensão de validade universal ou esgotamento da matéria. Dessa forma, as próximas linhas podem muito ser consideradas 15 como modestas conclusões parciais ou conclusões inconclusas de um jovem, preocupado e inquieto estudante do Direito diante de tão problemática questão. Assim, só se poderáfalar em justiça e de sua real efetivação, como instrumento para o fim da opressão, da exploração, da miséria, em suma, da degradação humana. Qualquer outra conceituação de justiça, não se adequada aos anseios e às exigências sociais, e por isso mesmo não se pode chamá-los de justiça efetiva e real. A realidade brasileira não é a harmonia possível como querem algumas pessoas; muito pelo contrario, esta é a realidade que precisa ser alterada, sob pena de num futuro não tão distante, não existir mais nenhuma realidade para ser modificada. Não podem ser tolerados sistemas e regimes indiferentes ou “ne utros” à questão da verdadeira justiça social. Como em todos os outros ramos sociais, o problema também está presente dentro do direito, e por seus profissionais e operadores devem ser solucionados, e não se “jogar” a questão social para outras ciências af ins. A inclusão social pede um compromisso sério e verdadeiro para se estabelecer o reconhecimento da dignidade humana e o respeito que se deve estabelecer entre os homens. Pede dentro do direito: leis justas, descompromissadas com a classe dominante; uma atuação progressista e critica dos juristas; a negação dos sistemas e idéias conservadoras que só fazem pelo retrocesso de uma justiça legitima. Pede um trabalho conjunto e humilde com todos os outros profissionais das mais diversas áreas do conhecimento e da prática, constituindo-se um esforço efetivo, tendente a trabalhar e a apreender o conhecimento, a solidariedade e a contestação que nascem de forma autêntica no chão das comunidades. Pede enfim, um contato direto com a base popular, com o pobre, o miserável, o mendigo, o sem – terra, um contato sem idéias preconceituosas ou dogmatizadoras, mas que nasçam destes encontros e se modifiquem, sempre moldando-se as reivindicações concretas. É uma tarefa difícil, complexa, mas que não deve desanimar nem aqueles que estão no principio do conhecimento – como os estudantes de Direito – nem aqueles que estão bem adiantados em suas carreiras, mas que podem, refaze-la baseando-a segundo os parâmetros sociais. Esse compromisso deve romper as barreiras do dinheiro, do interesse, da demagogia e da autopromoção; deve isto sim , trabalhar para promover a grande parcela da população que está excluída de qualquer benesse da vida. É uma luta apaixonante; ela na deve estacionar-se nesta artigo, deverá basear toda uma conduta profissional; que estará com certeza comprometida verdadeiramente na derrubada de todos os regimes de opressão e inaugurar a efetiva inclusão social: a legitima justiça sem exploradores e oprimidos, dominantes e dominados, mas formada de homens iguais na dignidade e no reconhecimento. 16 Para encerra este artigo e frisar o teor desse compromisso a transcrição de uma monumental passagem de Herkenhoff deve ser deixada e constantemente praticada; exemplificando o novo papel dos juristas: ... Juizes e juristas atentos aos gemidos dos pobres insones ante o sofrimento das multidões marginalizadas; Juizes e juristas que morram de dores que não são suas, profetas da Esperança, bem aventurados por terem fome e sede de justiça; Juizes e juristas que nunca lavem as mãos em tributo à omissão, mas que desçam, ao povo, que sejam do povo; (...) Juizes e juristas que se recusem a colocar amarras, impedir vôos, compactuar com maquinações opressivas: Juizes e juristas que abram as janelas do Amanhã e construam sem se deter ante martírios que lhes impuserem, o Direito da Libertação (HERKENHOFF, 1997: 137). BIBLIOGRAFIA AGUIAR, Roberto Armando Ramos de. O que é justiça: uma abordagem dialética. 3 ed. São Paulo: Alfa. Ômega, 1993. BARBOSA, JÚLIO César Tadeu. O que é justiça.. São Paulo: Abril Cultural; Brasiliense, 1984. Coleção Primeiros Passos BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 21 ed. Atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 1999. CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. 15 ed. São Paulo: Brasiliense, 1984. Coleção Primeiros Passos. II Fórum de Discussões Sobre o Ensino Jurídico. Uma reflexão crítica sobre o ensino jurídico e a ciência do direito. Franca, Maio de 1999. HERKENHOFF, João Baptista. Como aplicar o direito: à luz de uma perspectiva axiológica, fenomenológica e sociológica política. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. 17 ________. Direito e utopia. 2 ed. São Paulo: Acadêmica, 1993. IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. 16 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. LYRA FILHO, Roberto. O que é direito. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 1982. Coleção Primeiros Passos. MACHADO, Antônio Alberto & GOULART, Marcelo Pedroso. Ministério Público e direito alternativo: o MP e a defesa do regime democrático e da ordem jurídica. São Paulo: Acadêmica, 1992. MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Novos Rumos, 1986. ________. A ideologia alemã: (I – Feuerbach). 10.ed. São Paulo: Hucitec, 1996. MIRANDA ROSA, Felippe Augusto de. Direito, justiça e ideologia: Reflexões não ortodoxas. Rio de Janeiro: Achiamé, 1980. PAUPÉRIO, Arthur Machado. A legalidade , a realidade social e a justiça : A ordem política, social e econômica e os valores humanos. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1983. ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Cidadania e constituição: As cores da revolução constitucional do cidadão. Revista trimestral de Direito Público. n 19, p. 37, 1997.
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