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!"!
Horizontes Antropológicos# Porto Alegre# ano !/# n0 12# p0 !"!-!55# 6ul08dez0 2;;<
A situa?@o etnogrA! ca: andar e ver
A SITUAÇÃO ETNOGRÁFICA: ANDAR E VER
Hélio R. S. Silva*
Universidade Federal do Rio de Janeiro – Brasil
Resumo: No cronograma, a etnografi a tem três fases, (situar-se, observar e descre-
ver). A vivência do etnógrafo converte tais fases em atividades sincrônicas (andar, ver 
e escrever). O percurso no campo, sua observação e a descrição do contexto percor-
rido e observado são três fl uxos que se misturam pela reciprocidade, interdependên-
cia e (inter)infl uências enquanto se tensionam pelas contradições e heterogeneidade 
das disposições e habilidades em jogo. Tudo isso compõe uma complexa ambiência, 
um contexto do qual deriva o estatuto do observador e as propriedades do universo 
observado. Cena de componentes tão inextricáveis impõe que a etnografi a se torne 
o relato de um percurso. Dados e informações sobre a sociedade observada devem 
estar organizados no texto ao longo de uma espinha dorsal, o percurso do etnógrafo. 
Somente essa linha aglutinadora do material colhido poderá torná-lo legível. Trata-
se de pensar a etnografi a como o relato de uma experiência confl ituosa de um obser-
vador, condição para o entendimento do que foi observado.
Palavras-chave: escrever, etnografi a, observar, situar-se.
Abstract: In our mind, the fi eld research has three phases, (to take a place there, to 
observe and to describe). In the experience of the anthropologist, nevertheless, such 
phases became tasks (to walk, to see and to write) developed at the same time. To stay 
in a fi eld, to observe it and its description are three fl ows associate by reciprocity, 
interdependence and mutual infl uences and separate by the contradictions and dif-
ferent disposals and abilities necessary to achieve them. This arrangement composes 
a complex background, a context from what arises the status of the observer and the 
meaning of the observed universe. All around the scene are so tied to the observer 
that the ethnography only can be an account of a passage. Data and information on 
the observed society must be organized in the text throughout a spine, the passage of 
the ethnographer. Only this agglutinant line of the empiric data can be meaningful. In 
this sense the ethnography is the story of a confl icting experience of an observer, step 
to understand what occurs in the context.
Keywords: etnography, to observe, to stay, to write.
E PesFuisador Associado do LeMetro# Laboratório de Etnogra! a Metropolitana# LFCS8UFRJ# Brasil0
!"2
Horizontes Antropológicos# Porto Alegre# ano !/# n0 12# p0 !"!-!55# 6ul08dez0 2;;<
HUlio R0 S0 Silva
Situar
Situa?@o ou posi?@o# nos diz o dicionArio# U a Vmaneira pela Fual uma 
coisa estA disposta# situada ou orientadaX0 Este artigo trata da situa?@o do et-
nógrafo e tece algumas considera?Zes sobre as condi?Zes nas Fuais ele se situa 
no campo e neste inscreve seus percursos0
[rata# portanto# do trabal\o do etnógrafo como Vato ou efeito de situar]-se^# 
localizar]-se^X! e da localiza?@o do etnógrafo no espa?o social Fue estuda0
[al localiza?@o U pensada em sua rela?@o com os atores sociais Fue ob-
serva e em seus deslocamentos nos territórios onde tais atores se localizam e 
transitam0 Essa serA a posi?@o do etnógrafo02 A situa?@o U# ao mesmo tempo# 
a circunst_ncia na Fual a condi?@o# o ense6o e a oportunidade Fue o etnógrafo 
deve tornar favorAveis ` obten?@o dos dados e informa?Zes pertinentes ao seu 
pro6eto de pesFuisa01 Portanto# situa?@o U circunst_ncia e localiza?@o0
Em nosso conteato# tal atitude contraria uma tradi?@o0 AFuela dos dis-
cursos panor_micos sobre a sociedade brasileira0 Sua paulatina entroniza?@o 
e difus@o na academia e sua divulga?@o entre um pbblico maior contribuiu 
para o abrandamento da inclina?@o febril para a percep?@o do geral0 A vel\a 
disposi?@o cultivava um discurso generalizante Fue prescreve genUricos de 
forma generalizada0 c antddoto para tal disposi?@o como U óbvio U o trato com 
o particular e o inventArio de suas particularidades0
cs retratos da sociedade brasileira em geral correspondiam Fuase sempre 
a pro6e?Zes de propriedades socioculturais percebidas ]ou supostas^ em con-
teatos restritos0
Fazendo a crdtica do discurso sobre identidade nacional e cultura brasi-
leira# entre outras inbmeras FuestZes# Carlos Guil\erme Mota ]!<""^ aponta 
um dos óbices ` consistfncia de tais diagnósticos e apan\ados: a falta de mo-
nogra! as de base0
! Dicionário Houaiss# verbete Vsitua?@oX ]Lnstituto Antgnio Houaiss# 2;;!^0
2 Dicionário Houaiss# verbete Vsitua?@oX: Vlocaliza?@o de um corpo no espa?o em rela?@o a um ou vArios 
pontos de referfncia fora deleh posi?@oX0 ]Lnstituto Antgnio Houaiss# 2;;!^0
1 Dicionário Houaiss# verbete Vsitua?@oX: Vcircunst_ncia oportuna para a realiza?@o de algoh condi?@o# 
ense6o# oportunidade0X ]Lnstituto Antgnio Houaiss# 2;;!^0
!"1
Horizontes Antropológicos# Porto Alegre# ano !/# n0 12# p0 !"!-!55# 6ul08dez0 2;;<
A situa?@o etnogrA! ca: andar e ver
Entre a tradi?@o e a marU montante das etnogra! as# nas tensZes entre 
o macro e o micro# entre a generaliza?@o e a particulariza?@o# o Fue estA em 
causa U a Fuest@o da e! cAcia0
Muitos se sentem desorientados0 Recentemente# em um seminArio# o pre-
sidente de uma das trfs mais importantes cNGs Fue trabal\am no pads com 
movimentos sociais reclamava ainda da falta de um discurso mapeador por 
parte da antropologia0
Lndaga?@o Fue estava na boca de um aluno de cifncias sociais Fue in-
Fuiriu seu professor sobre a ausfncia na antropologia de um discurso sobre a 
sociedade em geral# para ouvir como resposta Fue ele n@o falava da sociedade 
em geral porFue nunca teria estado lA e concluda:
jual o gnibus Fue se pega para ir atU a sociedade em geralk
EsFuemas Fue d@o conta de tudo parecem mais e! cazes para uns# en-
Fuanto outros n@o con! am no panorama0 Uns encontram na generaliza?@o a 
via cgmoda para assentar o discurso poldtico e as grandes palavras de ordem0 
cutros percebem# nesses per! s Fue a todos retratam# apenas os grandes tra?os 
comuns# desprovidos dos detal\es e sem o plano de fundo da circunst_ncia0
juest@o mais compleaa encontra-se fora do alcance deste artigo# mas 
deve ser mencionada0 [rata-se do próprio estatuto cientd! co do con\ecimento 
produzido0 A! nal# por de! ni?@o# leis cientd! cas se estendem sobre todos os 
Fuadrantes0 jual o estatuto de propriedades Fue a pesFuisa restringe `s Vfron-
teiras da triboX ]LUvi-Strauss# !<"1^# ao Fuarteir@o da metrópolek
lurante muito tempo# as observa?Zes etnogrA! cas reduzidas a seu recan-
to especd! co pareciam acumular para alguns um tesouro de ac\ados ddspares# 
Fue se prestariam mais ` dispers@o e afugentariam tentativas e esfor?os para 
integrA-los em seus tra?os comuns capazes de fundamentar no?Zes mais sóli-
das sobre sociedade e cultura# economia e poldtica0
Para essa vis@o Vengen\eiraX o etnógrafo se a! gura rom_ntico0 Suscita 
simpatia# mas parece um tanto inbtil em sua benigna mania de colecionar 
miudezas0
Um encontro com engen\eiros de campan\a poldtica na recente disputa 
para a prefeitura do Rio de Janeiro revela ao autor deste artigo tipos curio-
sos Fue tfm a cidade na cabe?a e fazem cAlculos precisos sobre seus arran-
6os e tendfncias0 juando a memória traz ali o recon\ecimento das fal\as de 
!"m
Horizontes Antropológicos# Porto Alegre# ano !/# n0 12# p0 !"!-!55# 6ul08dez0 2;;<
HUlio R0 S0 Silva
previs@o e fracassos pelos Fuais foram responsAveis os cAlculos cerebrais do 
passado# n@o Fuestionam a natureza do cAlculo nem a possibilidade de colocar 
a cidade na cabe?a0 ]VAndo por ad# converso com um e com outroX# clic\f Fue 
autoriza o impressionismo de orel\a em pU^0 Assim seguem0
li! cilmente uma cidade se anin\a em forma de modelo no cUrebro de 
FualFuer estudioso0 n espa?o sobreo Fual se anda e de onde se recol\em# 
na superfdcie# sinais Fue merecem leitura# ao mesmo tempo# Avida e cautelo-
sa0 c con\ecimento da cidade U# portanto# um con\ecimento produzido pelos 
percursos0 Ela nunca se destaca do observador e se oferece como um Fuadro 
no museu# para cu6a contempla?@o adeFuada ele busca# com seus passos Fue 
tateiam no c\@o# o lugar ideal# o _ngulo perfeito0
A cidade U percorrida e U pensada apenas pelo transeunte Fue ela própria 
engloba0 A cidade U vista do interior de suas entran\as0 c desen\o à vol d’oiseau 
U tentativa de levitar sobre o Fue só gan\a sentido na pedestre circula?@o0
Seria imprudente fazer prognósticos0 leiaemos aos engen\eiros de cam-
pan\a a volbpia mental de conter em si o Fue U necessariamente eaterior e# 
portanto# surpreendente0
n curioso Fue uma das primeiras descobertas da Escola de C\icago U a 
de Fue n@o se encontra na cidade um tipo especd! co de sociedade contraposta 
ao rural# tema sobre o Fual se debru?aram Simmel# Red! eld# oirt\0 c Fue se 
descobre s@o as tais Areas morais de Park0 A cidade U mosaica0 E se descobre 
um pouco depois Fue o sentido emerge da intera?@o ]Blumer# !<<5^ para se 
c\egar ` evidfncia de Fue a linguagem# instrumento por eacelfncia dos pro-
cessos interativos# U uma fonte de mal-entendidos ]Goffman# !<5q^0
Essas as tensZes prUvias# eapectativas e preven?Zes Fue cercam o et-
nógrafo0 Mas como U mesmo Fue o etnógrafo opera em seu armarin\o de 
miudezask
Etnografia ou livro de andar e ver?
Luiz reiga Leit@o ]!<"q^ alude a uma tradi?@o Arabe0 A da confec?@o 
de livros de andar e ver0 c poeta# caudatArio da tradi?@o# fez o seu próprio 
livro com a matUria de suas andan?as pela Europa# Fue foi editado em tiragem 
limitada por Robson Ac\iamU Fernandes em !<"q0 [alvez pudUssemos con-
vocar a tradi?@o Arabe e ibUrica e criar um nome nosso para a palavra cldnica# 
!"/
Horizontes Antropológicos# Porto Alegre# ano !/# n0 12# p0 !"!-!55# 6ul08dez0 2;;<
A situa?@o etnogrA! ca: andar e ver
etnogra! a0 Fardamos livros de andar e ver0 A! nal n@o U isso Fue o etnógrafo 
faz em Areas rurais# em sociedades tribais e nos conteatos urbanosk
Livro de andar e ver0 A deldcia do tdtulo se impZe pela simplicidade da 
frase# livro de andar e ver# Fue distende ante o leitor trfs palavras claras# Fue 
signi! cam coisa e atividades elementares# livro# andar# ver0 Parece Fuerer des-
crever literalmente atividades simples e primArias: registros de andan?as e de 
coisas vistas0
No entanto# seu autor# ao decidir pelo registro em livro# sugere implicita-
mente tratar-se de matUria incomum0
A tradi?@o ocidental ]e oriental^ U fUrtil em referfncias ao eatraordinA-
rio# ao maravil\oso# `s VvisZes do paradsoX# ao pads de Preste Jo@o# reinos de 
S\amb\ala# de Logres# " oresta de BrocUliande# Pays de Cocagne# o lugar na 
AmUrica onde 6orraria a fonte da 6uventude# referfncias remotas# reatualizadas 
em !<2/ por James Hilton# com seu Shangri-La# um romance muito lido no 
Brasil atU a dUcada de !<q; em tradu?@o publicada pela Globo de Porto Alegre 
e a partir de cu6o teato Hollywood fez dois ! lmes de relativo sucesso nas dU-
cadas de !<1; e !<";0 A viagem e o contato com o outro era o passaporte para 
o insólito e o maravil\oso0 Essa a eapectativa# como 6A ! aou \A muito tempo 
SUrgio BuarFue de Holanda ]!<<<^0 u mentira e ` imagina?@o cabiam preen-
c\er a lacuna Fuando o tr_nsito n@o trouaesse novidades impactantes0
c eatraordinArio comanda a escrita0 cs livros dos vel\os monastUrios 
registravam os graves acontecimentos da vida \umana: nascimento# batizado# 
casamento# óbito0
Na simplicidade das trfs palavras ordenadas# livro de andar e ver# mal se 
contfm e# portanto# se tensionam impulsivas v essa a gra?a do tdtulo v tarefas 
compleaas# empreendimentos \umanos arriscados# porFue ao mesmo tempo 
fUrteis e enganadores0 Escrever e ver0 Escre]ver^0
Andar como metAfora da vida0 Andar como marca fundamental do \u-
mano0 Como os nativos de Sa\lins ]!<"5^0 Ao contrArio dos vegetais ! aos no 
solo0 Errare humanum est0
Essa err_ncia ]a vida# o tra6eto# o percurso^# balizada pelo ol\ar e ! aada 
pela escrita# condiciona o ol\ar Fue acompan\a# segue o curso das pessoas em 
volta e a paulatina mudan?a da paisagem# focalizando cada ob6eto relevante 
ao ol\ar0
Se o ol\ar U a capta?@o de instantes# coisas# pessoas e paisagens# ele n@o 
U um registro ]como uma fotogra! a^ e sim um travelling# a mel\or palavra 
!"q
Horizontes Antropológicos# Porto Alegre# ano !/# n0 12# p0 !"!-!55# 6ul08dez0 2;;<
HUlio R0 S0 Silva
para indicar seu sentido porFue o recupera no deslocamento0 Travelling, tra-
vel0 ria6ar0
c ol\ar vf onde o andar l\e leva0
c tdtulo simples indica trfs " uaos# o do andar em seu percurso# o do ver 
em seu rastreamento das marcas do deslocamento# o da escrita# a6ustando o 
foco do ol\ar e arrepiando camin\o sobre as claudica?Zes do andar0
Andar
Seria possdvel prescrever# com eaatid@o# atitudes# postura e procedimen-
tos de um etnógrafo no campok
Sabemos apenas Fue os procedimentos devem ser de! nidos# a postura 
adotada e as atitudes tomadas a partir de alguns valores# como o respeito ` 
comunidade estudada0 E devem ainda estar orientados por uma de! ni?@o mais 
ou menos clara do Fue se estA fazendo ali# o Fue implica ter um problema 
teoricamente constituddo e um eaercdcio prUvio nos mUtodos e tUcnicas da 
disciplina0
HA# contudo# na rela?@o uma aporia0 Nen\um etnógrafo vai ao campo 
sen@o movido por incertezas# dbvidas e perguntas0 HA algo no campo Fue ele 
n@o sabe e n@o con\ece0 Seu movimento atU ali U um movimento Fue busca 
saciar tal ignor_ncia e descon\ecimento0 n verdade Fue essa U uma circuns-
t_ncia comum a todas as cifncias# eaatas ou n@o# naturais ou \umanas0 c Fue 
\A de particular na rela?@o etnogrA! ca U a circunst_ncia da intersub6etividade# 
vel\a Fuest@o para a Fual LUvi-Strauss c\amou aten?@o ou# para colocar em 
outros termos# a rela?@o na mesma escala entre su6eito e ob6eto# como obser-
vou Roberto laMatta ]!<5!^ em Relativizando0
c percurso do etnógrafo no campo deriva da con6un?@o eaitosa ou atrita-
da# isto U# pelos acordos e pelos entreveros entre a orienta?@o Fue ele mesmo 
Fuer imprimir a seu itinerArio e os itinerArios permitidos# prescritos# previstos# 
aceitos pelos interlocutores8interagentes0 Acordos Fue conduzem `s meld" uas 
fusZes de \orizontes ou a entreveros entrecortados de raios no \orizonte e 
trovZes sobre a cabe?a0
Acordos e mal-entendidos# tessituras sociais por eacelfncia# termos com 
os Fuais nos referimos `s intera?Zes# se6am diAlogos# coopera?Zes ou compe-
ti?Zes# s@o propriedades sociais Fue impregnam o processo etnogrA! co0 Por 
!""
Horizontes Antropológicos# Porto Alegre# ano !/# n0 12# p0 !"!-!55# 6ul08dez0 2;;<
A situa?@o etnogrA! ca: andar e ver
isso a identidade do etnógrafo# Utica e cienti! camente consolidada na acade-
mia# intro6etada sub6etiva e eticamente pelo su6eito especd! co# termina por re-
verberar no mundo profano em Fue o pesFuisador transita0 A identidade ! nal# 
aFuela Fue eaperimenta as provas e temperatura do conteato# resulta desses 
ideais cultivados na academia# das fantasias acalentadas pelo próprio e das 
descon! an?as# intui?Zes# preconceitos e ! nas percep?Zes da coletividade na 
Fual tenta se situar e se mover0 le um lado# autopercep?@o e formula?@o de tra-
6etórias permanentemente revistas0 le vArios outros lados# percep?Zes al\eias 
e permissZes e restri?Zes de deslocamentos tambUm revistas constantemente0 
juanto mais intensa for a vida social e tanto mais graves os impasses e dramas 
locais# essas revisZes gan\am uma intensidade Fue as torna proliferantes0 Em 
alguns conteatos# o 6ogo de tal produ?@o de versZes e interpreta?Zes para a pre-
sen?a do pesFuisador compleai! ca os entendimentos do signi! cado daFuela 
presen?a0 c modo como o etnógrafo U acol\ido terA sempre correspondfnciascom a imagem Fue o intruso pro6eta0 Lsso# no entanto# estA ineatricavelmente 
enredado na]s^ maneira]s^ particular]es^ com Fue a imagem pro6etada U deco-
di! cada entre os nativos0 A acol\ida depende de tudo isso e a circula?@o do 
etnógrafo U orientada pelas mbltiplas angula?Zes com Fue a cena U percebida0
Logo# o tra6eto no campo n@o decorre apenas dos móveis do etnógrafo0 c 
campo U tambUm um território demarcado# com limites Fue impZem mbltiplos 
signi! cados aos percursos tril\ados ou possdveis e muitas fronteiras# zonas de 
transi?@o# ambiguidade0
c trabal\o de campo U dramAtico porFue as predisposi?Zes sub6etivas e 
o aparato reunido nos bastidores s@o postos em Fuest@o0 c solo do campo n@o 
foi con! gurado para amparar sua consistfncia# para acol\er seus princdpios0
A identidade ! nal do etnógrafo resulta dessa produ?@o Fue U sua forma-
?@o posta ` prova por critUrios inteiramente diversos daFueles Fue presidiram# 
orientaram e moveram a forma?@o0
[odo o aparato envolvido em sua forma?@o# no entanto# U convocado e 
utilizado para enfrentar uma incógnita# o Fue legitima e 6usti! ca o empreen-
dimento0 cra# a penetra?@o nesse universo descon\ecido Fue se busca aclarar 
e compreender tem fortes correspondfncias com o estAgio de liminaridade 
dos processos rituais e suas seFuelas psicológicas de ansiedade e incerteza0 
Um tipo de ansiedade Fue se corresponde com as tensZes e desgastes dos pes-
Fuisadores das cifncias eaatas# daFueles Fue pesFuisam em laboratórios# mas 
Fue vfm acrescidos da circunst_ncia v e aFui nada mais esclarecedora Fue a 
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Horizontes Antropológicos# Porto Alegre# ano !/# n0 12# p0 !"!-!55# 6ul08dez0 2;;<
HUlio R0 S0 Silva
eapress@o VescalaX usada por Roberto laMatta ]!<5!^# como 6A se observou 
lin\as acima v de Fue todo o trabal\o se deu pelo estreitamento de la?os# pelo 
envolvimento# pelas vias da intera?@o e interlocu?@o entre su6eito e ob6eto 
Fue se encontram na Vmesma escalaX0 c Fue isso Fuer signi! cark Apenas Fue 
nas rela?Zes em Fue os termos envolvidos encontram-se na mesma escala# e 
particularmente Fuando os termos em causa s@o seres \umanos Fue se rela-
cionam a partir de posi?Zes in situ e identidades adFuiridas na " ea@o entre a 
de! ni?@o de ego e as de! ni?Zes de seus interlocutores# o Fue estA em causa U 
uma desestabiliza?@o do observador# o Fue U mais do Fue a sub6etividade ]Fue 
compartil\a com seus colegas das cifncias eaatas e naturais^ e mais do Fue a 
interferfncia sobre o ob6eto ]Fue comunga com bot_nicos e zoólogos^0m
n claro ainda Fue o etnógrafo de \A muito deiaou de ser a ! gura um 
tanto enigmAtica de obscuros desdgnios0 Para ! car nos limites dos conteatos 
urbanos# uma ! gura con\ecida e rotulada0 Pode ser uma presen?a incgmoda# a 
Fuerer vascul\ar com interesse o Fue parece óbvio e prosaico aos nativos0
Entre lideran?as e integrantes de movimentos sociais# envolvidos com 
laudos e em busca de discursos legitimados# pode ser tambUm uma presen?a 
aguardada# capaz de pgr no papel a \istória do lugar e de seus \abitantes0 
Uma respeitabilidade deriva dessas bltimas possibilidades# acompan\ada dos 
riscos de manipula?@o0 Se a postura inicial U a do respeito ` comunidade e se 
a neutralidade U um ideal impossdvel e se deve# como lembra Howard Becker 
]!<""^# decidir o lado em Fue se estA# nem sempre \A uma coincidfncia per-
feita entre as aspira?Zes legdtimas e as imposi?Zes etnogrA! cas0 As versZes 
e! cazes sociais# politicamente e etnogra! camente n@o se a6ustam com facili-
dade em muitos casos0
Esse andar pelo espa?o delimitado no Fual a pesFuisa transcorre permite 
Fue o etnógrafo se situe# isto U# adFuira naFuele conteato um lugar e uma iden-
tidade0 [rata-se de um percurso marcado pela intera?@o0 cra# interagir pela 
participa?@o nos rituais# nos trabal\os# no lazer e pela interlocu?@o nas entre-
vistas informais# nas conversas suscitadas pela participa?@o# nos bate-papos 
Fue atU parecem escapar dos desdgnios do trabal\o de campo# alimentados 
apenas pelas amizades ali contraddas0
m AFui mais uma analogia com a situa?@o eaistencial do neó! to nos ritos de inicia?@o0 raleria a pena 
avan?ar sobre suas implica?Zesk
!"<
Horizontes Antropológicos# Porto Alegre# ano !/# n0 12# p0 !"!-!55# 6ul08dez0 2;;<
A situa?@o etnogrA! ca: andar e ver
Essa intera?@o implica mutualidade0 Nessa a?@o# o etnógrafo sofre e 
eaerce in" ufncia dos8sobre os outros# afeta e U afetado0 Ln" ufncia e afeta?@o 
Fue incidem sobre identidade# condi?@o e desenvolvimentos0
[rata-se de um processo comunicativo# Fue tem no diAlogo sua inst_ncia 
mais visdvel ]ou auddvel^# mas Fue n@o se esgota nele0 Esse processo comu-
nicativo sofre refra?Zes no campo0 Lsso torna sua conceitua?@o abstrata de 
amplitude genUrica pouco btil no empreendimento de particulariza?@o# pois o 
diAlogo e a comunica?@o em geral gan\am propriedades e din_micas distintas 
se ocorrem no _mbito domUstico# entre membros de uma famdlia# em ambiente 
predominantemente masculino ou feminino# entre crian?as# no trabal\o# no 
lazer# na ca?a e na pescaria0
HA na eaperifncia etnogrA! ca um esfor?o de compartil\amento# mais 
ou menos eaitoso em fun?@o das resistfncias Fue a presen?a do pesFuisador 
suscite e das esferas de atividades nas Fuais se encontre em termos de ativi-
dades desempen\adas# trabal\os desenvolvidos# festas comemoradas# rituais 
realizados0
En! m# estamos a detal\ar atividades# eaperifncias e circunst_ncias bastan-
te con\ecidas de todos os praticantes da etnogra! a# Fue s@o a maioria dos leitores 
de Horizontes Antropológicos0 [rata-se apenas de uma evoca?@o para salientar 
pelos detal\es e lembrar o grau de envolvimento Fue sofremos no campo0
cs vel\os manuais de sociologia funcionalista `s vezes ilustravam o tea-
to com a imagem de um cdrculo Fue representaria a sociedade0 Muitas vezes# 
estava dividido em Areas como economia# poldtica ou religi@o0
A evoca?@o aFui feita talvez nos suscite# pelo grau de impregna?@o com 
Fue a observa?@o ocorre# Fue pudUssemos sobrepor ` vel\a imagem uma lin\a 
sinuosa Fue representasse o percurso do etnógrafo# o seu andar pela sociedade 
Fue estuda0 c Fue ele vf U ineatricAvel de sua situa?@o# ou se6a# o lugar Fue 
ocupa# o tra6eto Fue faz para ouvir# apalpar# c\eirar# aeretar# degustar e ver0
Ver
A rela?@o na mesma escala aduz algumas particularidades ao par 
su6eito-ob6eto0 Lmplica avan?ar um pouco mais sobre o recon\ecimento 
das interferfncias sub6etivas na observa?@o de fengmenos fdsicos e natu-
rais0 E assim recon\ecer Fue na eaperifncia etnogrA! ca estamos a observar 
!5;
Horizontes Antropológicos# Porto Alegre# ano !/# n0 12# p0 !"!-!55# 6ul08dez0 2;;<
HUlio R0 S0 Silva
idiossincraticamente uma cena da Fual fazemos parte0 c Fue envolve# alUm da 
relatividade Fue a sub6etividade impZe ` percep?@o# a capacidade de se incluir 
como pe?a eaterior cu6a presen?a altera a cena0 N@o se trata apenas de uma 
observa?@o Fue altera o ob6eto observado# mas de uma altera?@o produzida 
pela participa?@o do observador na cena Fue ele mesmo observa0
[odo etnógrafo só pode estar em uma cena alterada pela sua presen?a0 c 
signi! cado da cena eaige n@o apenas um recon\ecimento do carAter sub6etivo 
da observa?@o# mas sobretudo a capacidade de ter uma no?@o ob6etiva de sua 
própria presen?a0
HA gradua?Zes nas possibilidades abertas por tais incursZes0 Eaistem uni-
versos sociais plenamente descon\ecidos# outros relativamente con\ecidos0 
Algumas pesFuisas incursionam Fuase com a miss@o de fazer o mapa local# 
outras retornam precedidas de outras incursZes para propor novas FuestZes e 
eaaminar aspectos ainda n@o contemplados0
A tens@o bAsica# no entanto# estarA sendo produzida pelo descon\ecimen-
to# pela dbvida# pelo empen\o em descobrir e saber0 A eaperifncia etnogrA! ca 
consiste sobretudo nisso0
Forma?@o pro! ssional# diAlogos com colegas# professores e orientadores#/ 
teoriase mUtodos Fue domina# dbvidas e FuestZes sobre o trabal\o Fue em-
preende# idiossincrasias pessoais s@o variAveis \eterogfneas0 Est@o contudo 
agudamente presentes na situa?@o etnogrA! ca0 Por mais ddspares Fue se6am#q 
tornam-se dntegras na situa?@o# logo integram v porFue corpori! cam e animam 
v o etnógrafo no campo0 n verdade Fue se evoca aFui um con6unto obscuro# 
sobre o Fual apenas o psicanalista do etnógrafo poderA lan?ar talvez alguma 
luz0 c Fue importa U Fue em cada caso# a Cifncia conta com um Hubbard im-
previsdvel# particular e intransferdvel para vascul\ar os con! ns de tudo Fuanto 
U \umano0 A! rma?@o Fue se faz consciente de Fue U esse o bnico instrumento 
adeFuado ` proeza0
Essa obscuridade U o cadin\o" no Fual se conforma a contribui?@o sub-
6etiva para a identidade do etnógrafo0 Autopercep?@o Fue indica apenas o 
/ Lnclusive aFueles diAlogos ocultos aos Fuais [ereza Pires do Rio Caldeira ]!<55^ se referiu para ilustrar 
a tens@o entre o observador e o escritor0
q E por mais óbvias Fue soem0
" Dicionário Houaiss# verbete Vcadin\oX: Vlocal ou inst_ncia em Fue algo ]ou alguUm^ U testado# analisado# 
constituddo ou depurado# submetido a provas ou condi?Zes eatremas0X ]Lnstituto Antgnio Houaiss# 2;;!^0
!5!
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A situa?@o etnogrA! ca: andar e ver
signi! cado Fue ele mesmo 6ulga ter ali0 Se U verdade Fue a fun?@o da persona-
gem U mover a a?@o# essa identidade for6ada sub6etivamente orienta o tra6eto 
do etnógrafo no campo0
No entanto# todo esse compleao sofre no campo abalos signi! cativos# 
desa! os permanentes# en! m# encontra resistfncias0
Essa autopercep?@o constrói para si um signi! cado de ordem especular0 
c signi! cado pleno# solar# social pode atU ser prismAtico e mbltiplo# mas serA 
sempre constituddo pelas tensZes entre autopercep?@o e alterpercepção05
Uma cena etnogrA! ca só U con! Avel Fuando o etnógrafo se inclui na pai-
sagem desen\ada0 n preciso Fue \a6a um a6uste de perspectiva entre a sil\ueta 
tra?ada de si próprio e a paisagem em volta0 Cumpre a6ustar as propor?Zes 
entre o observador e o cenArio observado Fue inclui coisas e seres e# entre 
esses# o próprio etnógrafo0
Contudo# a conscifncia de si Fue o empreendimento etnogrA! co eaige 
n@o U a de pro6etar sobre a cena o Fue o etnógrafo pensa de si# mas de pro6etar 
ali a identidade e os signi! cados Fue ele adFuire na interlocu?@o# na participa-
?@o# na intera?@o entre tudo Fue pensa de si mesmo e tudo Fue todos os outros 
pensam dele mesmo0
n no 6ogo tenso entre aguda observa?@o do entorno e introspec?@o como 
trampolim para se lan?ar na cena Fue episódios# situa?Zes# acontecimentos 
poder@o adFuirir sentido# signi! cados legdveis0
Laplantine ]2;;m^# por eaemplo# refere-se a ver e escrever como ativida-
des distintas# Fue se sucedem0 AlUm de ver# o etnógrafo deve escrever o Fue 
viu0
ccorre Fue ver# sendo diferente de ol\ar pura e simplesmente# implica 
uma organiza?@o do Fue foi ol\ado# espiado# espionado# entrevisto# reparado# 
notado# percebido ao longo do percurso etnogrA! co0
rer implica um ol\ar Fue se organizah um ol\ar organizado e reorgani-
zadoh Fue vai organizandoh Fue organiza e reorganizah Fue vai revendoh Fue 
revf e dA por revisto0
A matUria do ol\ar# isto U# o Fue o ol\ar modela# U a matUria do escre-
ver# isto U# aFuilo Fue a escrita modela0 EnFuanto anda e ol\a# o etnógrafo 
5 Lsto U# o Fue os outros pensam e dizem do etnógrafo0
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estA sendo teleologicamente movido para uma escrita e estA permanentemente 
entrevendo uma tarefa ao cabo de tudo: escrever0
Escrever
Escrever# no sentido aFui evocado# U mais Fue garatu6as ou eaercdcios 
caligrA! cos# despe6o no papel de matUria confessional# anota?Zes prAticas e 
diArias# lembretes de agenda# embora no processo conten\a todas as possibili-
dades elencadas e muitas outras0 Lmplica uma organiza?@o do Fue estA sendo 
escrito# rabiscado# insinuado# intuddo# anotado0 Notas# anota?Zes# registros# 
palavra solta Fue evoca# frase interrupta#< palavras e eapressZes copiadas de 
teatos prUvios eapostos em neon# cartazes# avisos pbblicos# rabiscos privados# 
transcri?Zes de entrevistas gravadas# ! aa?@o de conversas mantidas longe do 
gravador# sdnteses de acontecimentos# reparos sobre diAlogos escutados# co-
mentArios soltos# fragmentos Fue se acumulam e s@o avidamente guardados 
sob a forma de " agrantes teatuais Fue parecem uma 6oia preciosa ao etnógrafo 
e Fue ele n@o sabe bem como colocar# onde engastar0 lispersos Fue se acumu-
lam# parecendo ao autor ora preciosidades# ora banalidades0 Ficam por ali ]o 
etnógrafo duvida: VEstarei delirando0X^# eis Fuando# vapt# e o termo# a frase# 
a observa?@o esdrbaula adFuire sentido e consistfncia e se encaiaa# sonora e 
signi! cativa# no " uao do teato0
Escrever implica uma organiza?@o ]ou talvez possa implicar uma de-
sorganiza?@o^ de uma matUria teatual# um teato Fue se organiza ]assim foi 
sempre# mas as facilidades do computador deiaaram isso clardssimo de 2; 
anos para cA^# Fue vai se reorganizando# Fue vai se revendo# Fue revf# Fue U 
revisto0
A matUria do escrever# isto U# o Fue a escrita modela# U a matUria da 
vis@o# da audi?@o# do olfato# do tato# do paladar# mas sobretudo as sensa?Zes 
< Por eaemplo# a frase interrompida ]Fue muitas vezes encontramos em nosso diArio de campo ou em um 
papel FualFuer ` m@o Fuando nos ocorreu a observa?@o Fue ela registra^ indica claramente a tens@o Fue 
eaiste entre observar e escrever0 Estamos no campo permanentemente lutando contra o esFuecimento0 A 
anota?@o sobre a perna# o debru?ar diArio sobre a caderneta de campo# os eapedientes mnemgnicos aos 
Fuais recorremos como forma de assegurar a reten?@o do " uao indicam dramaticamente Fue \A uma ou-
tra tens@o# alUm daFuela " agrante entre observar e participar e# talvez# mais importante Fue esta0 [rata-se 
da tens@o entre observar e participar# e reter# memorizar e colocar no papel o Fue se observou e aFuilo de 
Fue se participou0
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A situa?@o etnogrA! ca: andar e ver
compósitas# as percep?Zes produzidas por mbltiplos canais# pelos cruzamen-
tos Audio-tAteis# palato-visuais# as sensa?Zes produzidas pela mistura VdaFuela 
mbsicaX com VaFuele c\eiroX0 [odos os cinco sentidos est@o a modelar os estd-
mulos do campo# alguns deles modelam em opera?Zes combinadas0
[udo isso deve ser convertido em um teato0
Essas modela?Zes dos sentidos nunca s@o de! nitivas0 cs sentidos est@o 
sempre a rever ]uma metondmia^# a pegar de novo# a sopesar# a ouvir de novo 
a grava?@o e nela descobrir algo Fue n@o foi considerado na primeira audi?@o0 
lad as corre?Zes e acomodamentos impostos pelas revisZes dos sentidos ]si-
mUtricas das corre?Zes sintAticas e ortogrA! cas e das remontagens de parAgra-
fos e trec\os das revisZes teatuais^0
Uma etnogra! a# enFuanto teato# n@o deiaa de ser um ol\ar revisto ou# se 
a frase soar rebarbativa aos mais sensdveis# um ol\ar Fue revf0 E revf porFue 
estA em outro _ngulo0
cs procedimentos tUcnicos relativos ` fatura do teato# sua edi?@o# t@o 
claros nas vel\as editoras de antes do computador# com seus redatores# copy-
desks# revisores de primeira# segunda# terceira provas# escritores# editores# 
compositores0
Rotinas secularmente institucionalizadas e Fue se materializam em salas 
especd! cas# setores organizados administrativamente# cubdculos# gabinetes# 
mesas# pranc\etas# salas ruidosas sobre mAFuinas possantes0
Essas engrenagens das vel\as editoras e grA! cas podem constituir uma 
matUria etnogrA! ca para Fue pensemos a Fuest@o da escrita nos termos em Fue 
gostamos de pensar a sociedade v etnogra! camente0
Ao oferecer pela tradi?@o materiale \umana das organiza?Zes Fue bus-
cavam materializar a escrita e tornA-la pbblica v isto U# editar0
c etnógrafo U um redator# um editor# um revisor# um copy-desk0 Sua prA-
tica com o teato se desenvolve distendendo mbltiplas lin\as de performances 
das Fuais ele próprio U o regente0
cra# antes de constituir uma matUria teatual!; da Fual irA eatrair seu teato 
de! nitivo# o redator 6A eatradra uma matUria difusa do etnógrafo Fue ele mes-
mo foi0 MatUria feita de lembran?as# impressZes# dbvidas# \ipóteses# FuestZes# 
!; n tentadora a compara?@o com o escultor0 Essa matUria amorfa Fue sugere n possibilidades e sobre a 
Fual o cinzel farA cortes de! nitivos# abandonando uma in! nidade de possibilidades0 N@o calculamos# 
contudo# os riscos da compara?@o0
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anota?Zes0 Esse aglomerado formidAvel nunca U um amontoado \eteróclito0 
lesde o come?o sofreu ordena?Zes# direcionamentos# classi! ca?Zes# interpre-
ta?Zes# anAlises orientadas por teorias# mUtodos# tUcnicas# \ipóteses# o estado 
da arte e pela interlocu?@o com orientadores# professores# colegas# alunos e 
especialistas na Area na Fual o trabal\o de campo Fuer se integrar0
A matUria difusa deve se transformar em uma matUria teatual0 A primeira 
era materialmente \eterogfnea0 A segunda U um código lingudstico# material-
mente uniforme# com suas regras invariAveis0 Nem todas as possibilidades 
riFudssimas da linguagem escrita# nem toda a literatura e todos os grandes 
nomes Fue possamos evocar para comprovA-lo# nada disso con6ura a percep-
?@o de Fue de todas as sUries comunicativas convocadas no campo e notavel-
mente multiplicadas pelas suas rela?Zes de signi! ca?@o#!! o teato etnogrA! co 
se faz com apenas uma dessas sUries0 Nesse sentido# o teato etnogrA! co U 
metondmico0
A pintura representa o mundo por tra?os e cores# a literatura por palavras 
e frases# a mbsica pela melodia e \armonia0
Em arte# a especi! cidade de uma linguagem foi tradicionalmente o pe-
n\or elegante da performance e dos fundamentos da própria arte0!2
A etnogra! a# n@o sendo arte# e tentando dar conta tradicionalmente de 
grupos estigmatizados para includ-los no rol da \umanidade contra as disposi-
?Zes preconceituosas e imperialistas do sUculo wLw# lida primeiramente com 
eapressZes sociais e culturais n@o eaatamente correspondentes a uma tradi?@o 
de linguagem escrita Fue# embora ten\a se difundido# teve uma origem preci-
sa# isto U# de uma Upoca \istoricamente datada# uma regi@o geogra! camente 
circunscrita# uma provdncia antropologicamente situada0
c interesse por grupos desviantes na antropologia urbana n@o U sen@o 
uma revitaliza?@o e retomada da raiz da própria antropologia0 c Fue era um 
trobriandfs em !<2!k
c teato etnogrA! co# Fue sofreu os in" uaos do teato acadfmico# da mono-
gra! a# das teses e disserta?Zes# papers Fue circulam no universo acadfmico# 
sofreu ainda a in" ufncia do romance# esse gfnero Fue surge contempor_neo 
do próprio surgimento das grandes cidades industriais da Europa0 juando 
!! A tese de HaydUe Caruso ]2;;<^ abre uma perspectiva interessantdssima para pensar a Fuest@o0
!2 c Fue n@o impede# por razZes Fue eatrapolam o teor deste artigo# a ocorrfncia de formas artdsticas \dbri-
das como a ópera ou o cinema# ou mesmo as eaperifncias multimddias contempor_neas0
!5/
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A situa?@o etnogrA! ca: andar e ver
surgem as primeiras etnogra! as# uma tradi?@o 6A se formava0 cs primeiros 
etnógrafos foram leitores de lickens# Balzac e xola0
Escrever reFuer uma arruma?@o# uma ordena?@o0 ContUm uma estrutura0 
n uma composi?@o# como se c\amava o teato escolar Fue nossos avós es-
creviam na aula de portugufs# sempre premidos por um tema sugerido pelo 
professor0 Escrever# descrever# comentar# interpretar# aludir# referir-se a# trans-
crever# citar# sintetizar0
[udo isso orientado pela dupla tradi?@o dos teatos acadfmico e literArio0 
Esse teato e esses modelos produzem atritos e tensZes com os universos Fue 
emergem dos espa?os desamparados e desassistidos das grandes metrópoles 
nos Fuais a criatividade# a inven?@o se orientam nos camin\os de surpresas 
Fue impZem aos modelos palatAveis na academia desa! os compleaos para os 
Fuais talvez este6amos desatentos na confortAvel admiss@o de Fue n@o faze-
mos literatura0
Conclusões
Essas observa?Zes breves ]e Fue eaigem um aprofundamento Fue só terA 
sentido no debate e no regime de trocas entre etnógrafos# no acatamento de vi-
sZes diversas das Fue aFui est@o sendo postuladas^ arran\am dimensZes como 
tempo# movimento# din_mica# seFufncia# sintagma0 Remetem a uma tripla e 
ineatricAvel atividade do etnógrafo# sua circula?@o no campo# sua observa?@o 
do campo e sua vers@o do Fue aconteceu ali e seus signi! cados0
Andar# ver e escrever# trfs " uaos Fue se encontram dinamicamente inter-
relacionados# a eaercerem e sofrerem in" ufncias recdprocas0
c Fue se propZe aFui U uma possibilidade de pensar o nosso acervo de 
con\ecimentos sobre o fazer etnogrA! co numa perspectiva integrada em Fue 
as dimensZes aFui consideradas se6am percebidas e pensadas numa perspecti-
va integradora e n@o seFuencial# Fue se6am vistas como " uaos0
A possibilidade aberta por tal perspectiva Fue se concentra nesse ato de 
" uir# nesse escoamento ou movimento contdnuo de algo Fue segue um curso# 
Fue sugere altern_ncia# transbordamentos# superabund_ncia Fue eatravasa os 
limites de cada sUrie delimitada analiticamente# Fue impZe ao etnógrafo o Fue 
U eacessivo na eaperifncia e Fue se acumula de forma imponderAvel na suces-
s@o dos acontecimentos0
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[rata-se de rever a seFufncia dos episódios testemun\ados e vividos pelo 
observador# decorrentes da seFufncia de seus deslocamentos e posicionamen-
tos e Fue est@o sendo ! aados na seFufncia com Fue os narra em seu teato0 As 
diferen?as entre o " uao observado e o " uao do teato# interferfncias do redator 
sobre o observador0
c observador encontra-se em a?@o0 Seu trabal\o n@o U contemplativo# U 
interacional0 Encontra-se em a?@o# estA situado e se desloca0 Lnterage# na a?@o 
e como interlocutor0
juais s@o en! m as in" ufncias e as rela?Zes entre os trfs " uaos0 Como 
" uem# como in" uem e mudam os cursos uns dos outros0 n o regime dessas 
interin" ufncias Fue deve aceder ` conscifncia do etnógrafo0 cra# in" uir U 
fazer " uir para dentro0 Estar atento a essa economia de trocas entre essas di-
mensZes do trabal\o U ainda estar aberto `s sugestZes Fue essas atividades 
podem in" uir0 Ln" uir U inspirar e sugerir0 Ln" uir U fazer penetrar no _nimo0 
Ln" uir U eaercer in" ufncia em ou sobre0 Estar aberto para as contribui?Zes das 
próprias atividades0
Esses trfs grandes " uaos sofrem a a?@o# os efeitos# in" ufncia# en! m# os 
in" uaos uns dos outros0 A conscifncia dessas disposi?Zes e dessas prAticas 
permite Fue uma certa convergfncia se torne perceptdvel0
[odas essas considera?Zes podem atU ter alguma relev_ncia para o leigo 
como maneira de evocar didaticamente algumas propriedades da vida social0 
Para o especialista# soar@o redundantes e eapletivas0 n Fue elas n@o est@o sen-
do aFui evocadas sen@o para salientar o Fuanto s@o esFuecidas Fuando enfoca-
mos o trabal\o do etnógrafo0 Casa de ferreiro# espeto de pau0
Essas considera?Zes nos alertam para o Fuanto estamos precavidos para 
o registro das entropias do campo0
Uma etnogra! a só tem trfs fases na opera?@o analdtica Fue orienta a re-
da?@o do pro6eto e do relatório ! nal0 A vivfncia do etnógrafo converte tais 
fases em atividades sincrgnicas ]andar# ver e escrever^0 c percurso no campo# 
sua observa?@o e a descri?@o do conteato percorrido e observado s@o trfs "u-
aos Fue se misturam pela reciprocidade# interdependfncia e ]inter^ in" ufncias 
enFuanto se tensionam pelas contradi?Zes e \eterogeneidade das disposi?Zes 
e \abilidades em 6ogo0 [udo isso compZe uma compleaa ambifncia# um con-
teato do Fual deriva o estatuto do observador e as propriedades do universo 
observado0 Cena de componentes t@o ineatricAveis impZe Fue a etnogra! a 
se torne o relato de um percurso0 lados e informa?Zes sobre a sociedade 
!5"
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A situa?@o etnogrA! ca: andar e ver
observada devem estar organizados no teato ao longo de uma espin\a dorsal# 
o percurso do etnógrafo0 Somente essa lin\a aglutinadora do material col\ido 
poderA tornA-lo legdvel0 [rata-se de pensar a etnogra! a como o relato de uma 
eaperifncia con" ituosa de um observador# condi?@o para o entendimento do 
Fue foi observado0
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