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BEMQ.Textos.A Metodologia Qualitativa - Conceitos de Pesquisa Qualitativa

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A Metodologia Qualitativa em Saúde: 
1. Introdução 
Dilemas e Desafios 
Everardo Duarte Nunes 
Sociólogo, Professor Titular do 
Departamento de Medicina Preventiva e Social , FCM/UNICAMP 
Muitas são as formas de se analisar a questão da pesquisa e das 
metodologias qualitativas voltadas para o campo da saúde. Mas, antes de 
enunciar a forma que adotarei nesta exposião, lembro que a primeira surpresa 
que se apresenta aos estudiosos desse tema é o fato de que o conhecimento 
médico e, por extensão, o do campo da saúde, embora trabalhando com a 
qualidade, sempre tiveram como meta a quantificação. A quantificação torna-se 
um elemento crucial, não que não seja importante para a pesquisa e para a 
prática médica, mas a forma como se introduz no corpo do conhecimento é 
como se fosse a única e verdadeira abordagem; reduzindo a saúde a 
expressões numéricas de índices, coeficientes e padrões. Esquece-se a 
polissemia que a palavra saúde carrega e o fato de que ela aborda eventos e 
problemas incomensuráveis que não se submetem a uma leitura 
exclusivamente quantitativa. Certamente, esta herança, como analisam 
diversos estudiosos, deve-se ao fato de pesquisadores das ciências exatas 
levantarem dúvidas sobre a validade e confiabilidade das pesquisas qualitativas 
quando comparadas com metodologias utilizadas pela pesquisa quantitativa; 
além do que, geralmente, as metodologias qualitativas são vistas como críticas 
e portadoras de ideologias progressistas. 
De um modo geral, sempre que se inicia a discussão sobre as metodologias 
qualitativas, essa questão vem à tona - avaliá-las em relação às quantitativas. 
Como será visto a seguir, há um problema teórico que envolve essa questão, 
marcada pelo fato apontado por Minayo (1992) de que essas metodologias 
introduzem aquilo que se refere ao "significado e intencionalidade como 
inerentes aos atos, às relações, e às estruturas sociais", que por sua vez 
remetem ao campo teórico da abordagem do social. Mais do que começar a 
expor um confronto, a idéia desta apresentação, embora tangencie esse 
aspecto, é sinalizar como na atualidade, ao ocorrer um recrudescimento da 
pesquisa qualitativa, não se está pensando exclusivamente nos métodos 
(alguns irão denominar de técnicas), mas também na complexa relação que se 
estabelece quando objeto, objetivos e formulações metodológicas são 
estruturados no processo criativo de pesquisar. 
~ i-; 
( 
r: 
•· 
~· f• 
I' 
P438 
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA 
BIBLIOTECA CENTRAL DA UNICAMP 
Pesquisa qualitativa em saúde : múltiplos olhares / orga-
nizadores: Nelson Filice de Barros, José Guilherme 
Cecatti, Egberto Ribeiro Turato. - Campinas, SP : 
UNICAMP/FCM, 2005. 
271p. 
ISBN 85-7582-2128 
Trabalhos apresentados no 1 Seminário Interno de 
Pesquisa Qualitativa em Saúde da FCM/UNICAMP. 
1. Saúde - Pesquisa. !.Barros, Nelson Filice de. 
li. Cecatti, José Guilherme. Ili. Turato, Egberto Ribeiro. 
Ili. Tftulo. 
coo - 613. 7072 
lndice para Catálogo Sistemático 
613.7072 
'- ~ ·• é - M -. = · 
2. As metodologias qualitativas como campo 
Assim, as metodologias qualitativas passam a constituir um campo para o 
qual convergem estudos filosóficos, epistemológicos, sociológicos , 
antropológicos e psicológicos, construído a partir de categorias analíticas que 
permitem uma leitura teórica, iluminada por elementos filosóficos trazidos 
pelas tradições de como pensar a metodologia, num processo que institui 
relações entre pesquisadores que passam a constituir um movimento 
centrado na produção e difusão dessas metodologias. 
Quando se fala em campo, a melhor construção sobre essa teoria é a que 
foi legada por Pierre Bourdieu (1983:89, 122). Não sendo este momento o mais 
oportuno para se desenvolver esta idéia em toda a sua extensão, limito-me a 
apresentar o conceito dado pelo autor. Para Bourdieu, campo é "o "locus" onde 
se trava uma luta concorrencial entre os agentes em torno de interesses 
específicos que caracterizam a área em questão". Nesse espaço manifestam-
se as relações do poder que visa, por meio da concorrência, a obtenção de um 
capital simbólico. O campo estrutura-se a partir da distribuição desigual de um 
"quantum" social (capital social) , que determina a posição que um agente 
específico ocupa no seu interior. Ponto a ser ressaltado é o que se refere à idéia 
de que os diferentes campos sociais organizam-se em torno de objetivos e 
práticas específicas, e apresentam uma lógica de fundamento próprio, que 
estrutura as relações entre os agentes em seu interior. Como cada campo 
possui uma forma dominante de capital (por ex.: na arte, a harmonia, a 
estética), que se constitui através de conceitos que adquirem status de valores, 
que orientam inclusive o pertencimento a esse campo, é interessante tomá-lo 
como referência para a nossa análise. 
,, A proposta deste texto é estender às metodologias qualitativas essa noção 
que Bourdieu (1983:122) desenvolveu, primeiramente, em relação ao campo 
científico. Torna-se essencial retomar a definição oferecida pelo autor ao 
anotar: "Campo científico é um sistema de relações objetivas entre posições 
adquiridas que, conquistadas pelos agentes em lutas anteriores, concorrem 
pelo monopólio de uma espécie particular de capital: a legitimidade ou 
autoridade científica ... "ou seja: Concorrem pelo poder de impor os critérios que 
definem o que é e o que não é científico". Um campo, portanto, é uma esfera da 
vida social (ou científica) que foi se automatizando progressivamente através 
da história em torno de um certo tipo de relações sociais, de interesses e de 
recursos próprios, diferentes de outros campos. Dessa forma, o grau de 
autonomia de um campo científico torna-se básico e pode ser medido das 
seguintes formas: 1. no poder de que dispõe esse campo para definir as normas 
de sua produção; 2.nos critérios de avaliação de seus .produtos; 3. na 
legitimidade para reinterpretar as determinações externas a partir de seus 
próprios princípios de funcionamento. 
Em realidade, a constituição das pesquisas qualitativas como um 
campo teórico passa, primeiramente, pela acirrada discussão entre essas 
pesquisas e as quantitativas. Foi sobre este solo de disputas que se 
formularam, nos anos 90, os debates das pesquisas em saúde, como lembram 
Deslandes e Assis (2002: 195). 
r 
i 
17 
3. Para uma leitura teórica das metodologias qualitativas 
De um modo geral, como expressam Denzin e Lincoln (apud Deslandes e 
Assis, 2002:199), não havendo padronização entre as diversas formas de 
pesquisa qualitativa, elas são definidas como "conjunto de práticas 
interpretativasn. Nesse sentido, as concepções teóricas que subsidiaram as 
formulações qualitativas constituem um terreno importante para se entender a 
pesquisa qualitativa como campo. 
Assim, esta leitura teórica sobre o campo das qualitativas, embora 
limitada à extensão desta apresentação, tem como objetivo, neste momento, 
esquematizar as correntes sociológicas que lhe dão fundamentos. 
Quando se analisam as origens da investigação qualitativa na sociologia, 
alguns nomes e trabalhos feitos há mais de cem anos devem necessariamente 
ser lembrados. Dentre eles, Henry Mayhew (1812-1887) que descreveu as 
condições de vida dos trabalhadores e desempregados em Londres (London 
labour and the London poor- 1851-1862); Frédéric Le Play (1806-1882) que 
também estudou as famílias da classe trabalhadora, no caso, na França, 
quando conviveu com elas e participou em diversos aspectos de suas vidas, 
relatando isso em seu livro Les ouvriers europeens (1855), e Jacob Riis (1848-
1914 ), que em seu trabalho How the other half tives : Studies among lhe 
tenements of New York (1890) descreveu as condições de vida dos pobres 
urbanos nos Estados Unidos. 
Em relação aos estudos antropológicos, destaca-se a obra de Bronislaw 
Malinowski(1884-1942) em seus estudos entre os Trobriandeses e entre os 
nativos da Nova Guiné nas primeiras décadas do século XX e suas inovações 
no trabalho de campo quando utilizou a observação participante. A Introdução 
dos Argonautas do Pacífico Ocidental (Malinowski, 1978:17-34) tornou-se 
leitura obrigatória dos estudos etnográficos. 
Estes primeiros estudos são etnográficos, utilizaram-se de entrevistas e 
observações e os estudos sobre os trabalhadores (Mayhew e Ri is) fizeram uso 
de forma pioneira da fotografia, sendo que Mayhew as transformou em 
gravuras em suas publicações. 
Estas origens serão marcantes na trajetória da pesquisa qualitativa em 
sociologia e serão importantes na definição de um tipo de pesquisa - a 
etnográfica. Neste caso, para estudos descritivos, a pesquisa empírica, coleta 
de dados e documentos toma-se como ponto de partida que o grupo sob 
investigação tem alguma coisa em comum, que pode ser: ocupar o mesmo 
espaço geográfico ou compartilhar experiências. Tendo sido originariamente 
desenvolvida para o estudo de sociedades de pequena escala, teve a sua 
abordagem ampliada para o estudo de sociedades complexas) (Dalmolin, 
Lopes e Vasconcellos, 2002:23). As autoras revisam algumas contribuições 
importantes, como as trazidas por Magnani (2002) e Shalins (1997), Adorno e 
Castro (1994) e Brandão (1995) e a relevância da etnografia para os estudos 
antropológicos, tanto nas pesquisas dos centros urbanos, como no 
dimensionamento da cultura, como "a organização da experiência e da ação 
humana por meios simbólicos", de um certo "exercício de uma sensibilidade"na 
apreensão da "experiência de mundos opostos" e de "não congelarmos a vida 
interpessoal na estrutura social"(Dalmolin, Lopes e Vasconcellos, 2002:22-24). 
Na análise dos dados, a perspectiva etnográfica adota uma abordagem êmica-
o investigador tem que tentar interpretar os dados a partir da perspectiva do 
grupo que está sendo estudado. 
Diferente desta abordagem é a fenomenológica - procura descrever 
alguma coisa que existe como parte do mundo em que vivemos e constituem 
fenômenos; estes podem ser eventos, situações, experiências e conceitos que 
não compreendemos completamente. Precisa-se ir além das manifestações 
imediatas, desvelando o sentido oculto dessas impressões. Por exemplo, 
sabemos que muitas pessoas são cuidadoras, mas qual é o significado real de 
cuidar e o que é ser cuidador? Em algum lugar eu li que a fenomenologia começa 
com o silêncio e procura realçar os aspectos subjetivos do comportamento. De 
forma muito simples, este é um bom começo para se entender esta corrente 
filosófica que teve importante repercussão na sociologia. 
Uma terceira forma de abordagem é a "grounded theory". Criada por 
Glaser e Strauss (1967) quando estudaram a interação entre os profissionais de 
saúde e pacientes terminais, vai além da fenomenologia; as explicações 
emergem da coleta de dados, como é caso de estudar e construir uma teoria do 
luto, por exemplo. A base teórica da "grounded theory" é o interacionismo 
simbólico, que enfatiza a interação no comportamento humano, num contínuo 
processo de negociação e renegociação (Morse e Fiel d, 1995:27). Outra 
perspectiva importante para as metodologias qualitativas procede do campo da 
etnometodologia. Para Silva (1998), "O corpus da pesquisa etnometodológica é 
o conjunto dos etnométodos, isto é, os métodos de que todo indivíduo, erudito ou 
não, se utiliza para interpretar e pôr em ação na rotina de suas atividades práticas 
quotidianas a fim de reconhecer seu mundo, tomando-o familiar ao mesmo 
tempo que o vai construindo". Prossegue, dizendo que "A palavra etnometodo-
logia significa o estudo dos etnométodos, e não uma metodologia específica da 
etnologia. Na verdade, a etnometodologia é o estudo dos métodos de que todo 
individuo se utiliza para descrever, interpretar e construir o mundd social. A 
etnometodologia se propõe a privilegiar as abordagens microssociais dos 
fenômenos, dando maior importância à compreensão do que à explicação". 
O Esquema abaixo mostra os principais filósofos e sociólogos que 
fundamentaram o interacionismo e a etnometodologia, possibilitando que outros 
pesquisadores avançassem as questões metodológicas inerentes a essas 
escolas de pensamento. 
AS FONTES DO INTERACIONISMO E DA ETNOMETODOLOGIA 
1 M. Web« 1 (1864-1920) 1(~8s~-=!1 lJ L_ 
compreensiva 
A Sdlutz T. Parsons 
(189!>-1959) (1902-1979) . Me<lea...Ponly 1 ~ (1908-1961) 
~-Soci-oiogi-a Eb\ometodologla 
lenomenológica H Garlinkel 
P.L Berver A Cicouref 
L Luckmann 
1a. Escola de Chlcag 
W. Thomas 
(186~19«) 
R. Pe"' 
1864-HM-4 
2a. Escola de Chlc..go 
E. Hughes 
(1897-1983) 
H. Blume... 
L Wamer 
lnt..-.clonlsmo 
E.Goft'man 
{1922-1982) 
H. Bac:ker 
A Strauss 
E. Lemert 
H. Cooley 1 J. Oewey 1 
(186~1939) : (185~1952! : 
G. H. Mead 
_J (1863-1931) 
18 
.. 
Certamente, a opção por uma ou outra teoria relaciona-se não somente ao 
tema investigado, mas ao tipo de orientação que o pesquisador quer imprimir na 
pesquisa à coleta e à análise dos dados. 
Considerando-se que qualquer investigação parte de informações, constrói 
dados (indicadores, tipologias, tipos ideais) e elabora fatos, a tarefa de seleção 
de um referencial teórico é fundamental. Cita-se, ainda, como forma de 
abordagem, o estudo de caso, quando se pretende uma análise aprofundada 
! de uma única unidade ou de um pequeno número de unidades. 
li 4. As metodologias qualitativas como uma forma de pensamento Voltando à questão de que a pesquisa qualitativa constitui uma forma de 
1 
pensar a investigação, a construção do seu capital simbólico, para usar 
expressão de Bourdieu , está relacionada ao significado atribuído às palavras 
1 
qualidade/qualitativo. Etimologicamente, qualidade origina-se do latim -
qualitate, com o significado de "Propriedade, atributo ou condição das coisas ou 
1 
das pessoas capaz de distingui-las das outras ou lhes determinar a natureza". 
, Em filosofia, constitui uma das características fundamentais do pensamento: 
1 maneira de ser que se afirma ou se nega de uma coisa (Ferreira ,1986:1424). 
li Embora estas noções sobre qualidade sejam claras, sempre se enfrenta a 
dificuldade inicial nas metodologias qualitativas de uma definição 
suficientemente abrangente. Isto porque esta noção envolve aspectos objetivos 
e subjetivos, tanto assim que, como ensinam Morse e Field (1995:16) "As 
questões qualitativas têm características particulares", e, usualmente assentam-
i se sobre a experiência vivenciada - como grupos de pessoas vivem ou como enfrentam o cotidiano. Acrescente-se que o qualitativo é holístico e 
1 primariamente indutivo, e toma como referenciais o entendimento, a 
compreensão, a construção de sentido e a intencionalidade. Intrínsecas às 
ciências humanas, as dimensões qualitativas tornam-se imprescindíveis para 
que se tenha do homem a compreensão de que ele "não é esse vivo que tem uma 
forma bem particular (uma fisiologia bastante especial e uma autonomia quase 
única); ele é esse vivo que, no interior da vida a que pertence inteiramente e pela 
qual é atravessado em todo o seu ser, constitui representações graças às quais 
vive e a partir das quais possui essa estranha capacidade de poder ter da vida 
uma representação justa" (Foucault, s/d:457). 
5. As metodologias qualitativas na América Latina 
Frente a essas análises, sente-se que as metodologias qualitativas já estão 
dadas e, em realidade, isso ocorre, tanto assim que constitui um movimento que 
encontra formas elaboradas de difusão: livros, artigos, revistas especializadas, 
congressos e simpósios. Mas, vistas regionalmente como estratégias de 
pesquisa na América Latina, o seu percurso foi marcado por desafios que os 
pesquisadores da saúde enfrentaram a partir dos anos 80. Se a disputa 
epistemológica entrea pesquisa quantitativa e qualitativa colocava-se (e ainda 
se coloca) como uma questão a ser resolvida, na América Latina os estudos 
sobre saúde, que haviam fixado dois pólos teóricos opostos no campo das 
ciências sociais - o positivismo e o marxismo - encontraram-se em sua recusa 
de aceitar as metodologias qualitativas na pesquisa. Estas idéias são trazidas 
para o debate em detalhado estudo de Mercado-Martinez (2002). Este autor 
revisa as posiç ões assumidas pelos autores, apontando um fato que foi 
assinalado por Garcia (1983), ao afirmar que as orientações interpretativas 
(fenomenologia, interacionismo simbólico, etnometodologia) deveriam ser 
afastadas por serem praticas reacionárias. Revendo o movimento que, a partir 
de 80, se forma na América Latina, Mercado-Martínez (2002) identifica três 
correntes, que lhe deram sustentação: a medicina social, os movimentos 
populares de base e os estudos sócio-culturais. A importância desta 
abordagem está no fato de que essas correntes ao redefinirem as suas 
abordagens do social em saúde apresentam as possibilidades de uso das 
metodologias qualitativas, "embora com posturas, ênfases e matizes 
diferentes" e "Nenhuma delas conta hoje com uma proposta teórica ou um 
modelo empírico de trabalho; sem dúvida, cada uma estabeleceu certo tipo de 
colaboração de forma muito pontual e em seus próprios marcos de trabalho " 
(Mercado-Martínez, 2002). Tomando-se os estudos sócio-culturais, que, como 
movimento, estão profundamente engajados no mundo acadêmico, verifica-se 
que estiveram relacionados ao crescente desenvolvimento dos cursos de pós-
graduação. Em pesquisa que realizei sobre os conteúdos da pós-graduação 
em Saúde Coletiva no Brasil, cerca de 50 dos conteúdos de ensino estão 
voltados para as ciências sociais (Nunes, 1996). 
Ao recuperar as correntes teóricas que influenciaram esses estudos na 
América Latina, Mercado-Martínez (2002) aponta Foucault, Derrida, Wygotsky, 
Banktin, Habermas, Merleau-Ponti, Bourdieu. Acrescento que, no Brasil, mais 
recentemente, há estudos que fazem reflexões sobre a saúde-doença 
iluminadas pelas abordagens filosóficas de Nietzsche, Espinosa e Gadamer. O , 
trabalho acima referido cita, ainda, as principais correntes teóricas que vêm 
orientando os estudos: pos-modernismo e pos-estruturalismo, o feminismo, os 
estudos culturais, o modelo social cognitivo, a abordagem hermenênutica, o 
crítico interpretativo, o construcionismo social e o hermenêutico-dialético. Este 
último, tendo como principal representante Maria Cecília de Souza Minayo 
(1992, 2002), que, em dois trabalhos expõe esta formulação para a pesquisa 
qualitativa: O Desafio do Conhecimento e Caminhos do Pensamento. 
Outra questão apontada para o conjunto da América Latina e que de forma 
reiterada vem sendo referida por estudiosos brasileiros (Nunes, 1999; 
Canesqui 1998) é a diversidade temática dos estudos e a busca de uma 
relação teórico-empírica . Assim, ao lado do que aponta Mercado-Martínez 
(2002) em relação à temática relativa ao gênero, masculinidade, violência, 
AIDS, saúde reprodutiva, saúde dos adolescentes, verifica-se o intenso 
interesse pelo tema da violência, práticas alternativas e complementares, 
avaliação de serviços, construção social da doença, estudos sobre 
profissionais de saúde e educação em ciências da saúde. 
Na análise de Mercado-Martínez (2002), o movimento denominado 
medicina social, que se estendeu pela América Latina e trouxe "contribuições 
importantes para a investigação, ensino e prática médica durante várias 
décadas" num espaço de construção crítica da saúde, especialmente 
influenciado pelo marxismo e posteriormente neo-marxistas, incorpora as 
ciências sociais, mas questiona as correntes interpretativas e 
fenomenológicas. Assim, afasta as possibilidades de aplicação das 
metodologias qualitativas. Somente a partir dos anos 80 é que se começa a 
"revisar a pertinência de incorporar outras estratégias de trabalho, como a 
etnografia, os estudos de caso e a teoria fundamentada". Destaque-se, por 
.. 
1 
1 
l 
' 
21. 
exemplo, que no estudo das relações saúde-trabalho, a proposta de Laurell 
(1984) inclui a observação participante no chamado Modelo Operário Italiano e 
Breilh (2003), mais recentemente, defende a idéia de que é possível e 
necessário "incorporar, dialeticamente, técnicas capazes de estudar dados 
qualitativos e outras capazes de manejar dados quantitativos». Em relação aos 
·movimentos de base (Teologia da Libertação, alfabetização pelo método Paulo 
Freire e outros) "Não existe uma postura explícita neste movimento sobre a 
investigação qualitativa" (Mercado-Martínez, 2002). Frente à proposta de 
1 
aproximação com a comunidade e de grupos desfavorecidos, a investigação 
qualitativa coloca-se como estratégia, mas com pouca preocupação teórica . 
1 
6. Alguns dilemas e muitos desafios 
O percurso pouco linear desta apresentação faz com que se volte ao 
princípio não para resolver o impasse - as diferenças entre as metodologias 
quantitativas e qualitativas, mas apontar, como já escreveu Becker (1996), que 
"as similaridades entre esses métodos são no mínimo tanto, e provavelmente 
mais, importantes e relevantes dos que as diferenças. De fato, penso que os 
mesmos argumentos epistemológicos fundamentam e fornecem aval para 
ambos". Entre nós, Deslandes e Assis (2002: 196) apresentam uma proposta de 
"discutir a interação entre o quantitativo e o qualitativo no campo da pesquisa em 
saúde, suas bases conceituais, seus princípios de científicidade e suas 
múltiplas modalidades de integração" (grifo do autor do texto). Na 
impossibilidade de tratar o tema na complexidade abordada pelas autoras, 
1 
sintetizo algumas das idéias expostas. Lembram nesse texto, que pode se dar o 
caso de um dos dois métodos ser visto como etapa preliminar ou suplementar à 
outra, e, quando cabe ao pólo qualitativo definir primeiro a abordagem, esta tem 
utilizado com freqüência entrevistas, grupos focais, etnografia como suporte 
para etapa posterior de caráter quantitativo (por ex.: a elaboração de 
questionários), ou ainda quantificar dados específicos da pesquisa qualitativa. 
Pode ocorrer, também, uma justaposição das abordagens, ou ainda o que se 
denomina "modelo dialógico", que "implica a integrcfção das duas abordagens, 
buscando-se identificar as competências específicas e os campos comuns, seja 
considerada desde a etapa do desenho da investigação e construção do objeto", 
quer seja pela interdisciplinaridade, triangulação e processualmente (Deslandes 
e Assis, 2002: 213, 214). 
Desta forma, uma das questões apontadas por Becker (1996) sobre como 
alguém poderia combinar as "duas modalidades" vem sendo objeto de 
preocupação de nossos pesquisadores em estudos que tratam de diversos 
temas, como a pesquisa em psicoterapia (Gomes et ai, 1993); sobre relação dos 
jovens e a violência (Minayo et ai. 1999) e diversos outros estudos. 
Os desafios à pesquisa qualitativa são muitos. Caminham da abordagem 
teórica a ser adotada frente ao próprio objeto, à relação, sempre tensa, entre 
sujeito e objeto, à seleção das técnicas de trabalho de campo, à proposta de 
análise. Mas, como foi visto nesta exposição, há não somente um caminho 
aberto, mas uma crescente produção científica que envolve uma complexa 
operação de conhecimento e treinamento. Como ensina um· dos principais 
representantes dessa corrente o sociólogo Howard Becker (1996), a lição de 
Thomas Khun, quando diz que "os cientistas aprendem o seu ofício não seguindo 
receitas de procedimentos abstratos, mas, em lugar disso, examinado 
1 
l 
i 
• 
exemplares de trabalhos em seu campo, comumente considerados como bem 
feitos" (Becker, 1996) continua válida. Para o autor, Black Metropolis, de Horace 
Clayton e St. Clair Drake, de 1945; Boys in White, de sua autoria com uma 
equipe de pesquisadores,de 1961 e Labelling the Mentally Retarded, de Jane 
Mercer, de 1973 são estudos paradigmáticos em sua combinação de métodos e 
técnicas quantitativas, qualitativas e documentais. Muitos outros trabalhos que 
se tomaram clássicos da sociologia, como os de Goffman (1987, 1988), poderão 
fazer parte desta galeria, assim como muitas pesquisas realizadas por cientistas 
sociais brasileiros ou por eles orientadas. Recentemente, Bosi e Mercado 
(2004) organizaram uma coletânea de textos sobre a pesquisa qualitativa de 
serviços de saúde, com produção atual latino-americana, apresentando 
reflexões teóricas e relato de experiências empíricas. Estes relatos buscam 
entender, como no caso do estudo da ocorrência da gravidez não planejada 
entre mulheres informadas sobre a utilização de meios anti-concepcionais, 
numa abordagem fenomenológico-hermenáutica; a perspectiva dos 
profissionais em um serviço de assistência pré-natal e a transmissão vertical do 
HIV; insatisfação de usuários em relação aos serviços; atenção às 
enfermidades crônicas; cidadania e direitos humanos; violência intra-familiar. 
Sem a pretensão de revisão das pesquisas realizadas e que se estendem pelas 
mais diversas temáticas lembraria aquelas que se voltam para o estudo das 
representações, com particular referência as realizadas na França (Herzlich, 
1970) e no Brasil (Gomes e Mendonça, 2002; Minayo, 1992). 
Os limites deste trabalho não permitem que se elabore uma revisão do 
grande desenvolvimento alcançado pelas metodologias qualitativas, mas o que 
se pode dizer e em parte procurou-se mostrar é que ela se tomou peça 
obrigatória das pesquisas em saúde. Certamente, os dilemas que se colocam 
não são de se perguntar (o significado de dilema é "premissa dupla") da 
confiabilidade, validade e interpretação das pesquisas qualitativas versus 
quantitativas, mas trabalhar com a "idéia de que a compreensão mútua das 
diferenças teórico-conceituais e das bases de científicidade de cada abordagem 
é uma necessidade intrínseca às propostas de integração" (Deslandes e Assis, 
2002:219). Ambas abordagens fixam seus critérios de científicidade e podem 
ser úteis separadamente e conjuntamente. Trata-se de um processo aberto e 
flexível e implica a compreensão mediante a experiência e a interpretação como 
método. Para encerrar, as recomendaçães de Lambert e McKevitt (2002) a fim 
de que sejam afastados da pesquisa qualitativa os perigos de reduzi-la a um 
conjunto de métodos que exigem pouca atenção teórica, disciplina e 
treinamento. Para os autores "deve-se resistir ao foco exclusivo sobre o 
método", assim como não confundir pesquisa qualitativa e multidisciplinaridade. 
De outro lado, propõem a necessidade de métodos de pesquisa que sejam 
menos genéricos, menos ateóricos, e menos estreitamente focalizados, junto 
com uma aplicação mais ampla de conceitos e conhecimentos originários das 
disciplinas que o fundamentam . 
__ _22 
r 
1 
i 
. Conceitos de Pesquisa Qualitativa em 
Saúde Mental 
Egberto Ribeiro Turato 
Coordenador do Laboratório de Pesquisa Clínico-Qualitativa da 
Faculdade de Ciências Médicas FCM da Universidade Estadual de Campinas 
UNICAMP 
Contextualização aos pontos essenciais dos métodos qualitativos 
Antes de abarcar as concepções do que são investigações qualitativas 
aplicadas à área na qual ocorre o processo saúde-doença mental, convido os 
li participantes do 1 Seminário Interno de Pesquisa Qualitativa da Faculdade de 
Ciências Médica da UNICAMP a refletir sobre questões que permeiam toda a 
/ realização acadêmica. Observamos, há mais de duas décadas, que o universo 
1 
das ciências da saúde vem contando com uma volumosa produção e propagação 
de trabalhos científicos que, por sua vez, exigiria um condizente debate 
1 epistemológico deste preparo de conhecimentos. Ocupar-se de epistemologia é 
1
, não aceitar os resultados dos empreendimentos investigativos como se fossem 
livres de influências internas e externas da comunidade acadêmica . 
1 Infelizmente, constatamos que a proliferação das publicações em 
1 periódicos científicos e das promoções de eventos acadêmicos, também em 
l saúde mental, não se fez acompanhar do necessário debate das fundamentações filosóficas de seus métodos de investigação. Considerações 
1 dos vieses "externos", tais como sociológicos, psicológicos, histórico-culturais e 
1 político-econômicos influentes nas conclusões dos empreendimentos de 
1 pesquisa não têm merecido o destaque que devíamos esperar (Turato, 2003). 
! Mais especificamente, muita confusão ainda se faz na abordagem teórica e no 
1 
uso prático, em empreendimentos de investigação científica nas universidades, 
quando estão em jogo, por exemplo, as complementaridades e as diferenças 
1 
entre os chamados métodos quantitativos e qualitativos de pesquisa (Turato, 
2004; Botega & Turato, 2005). 
• Em reuniões acadêmicas com professores nas faculdades, nos artigos 
publicados em revistas especializadas, nas apresentações em congressos, nas 
dissertações e teses apresentadas aos programas de pós-graduação, nas 
argüições e suas respostas em defesas de mestrados e doutorados, as buscas 
rigorosas sobre o entender dos pontos em comum e as dessemelhanças entre 
ambas as metodologias ainda têm longo caminho a ser percorrido (Turato, 
2003b). A realidade é que se sabe menos do que se imagina sobre o assunto. 
Freqüentemente, estas indagações vêm seguidas de respostas superficiais e 
óbvias, ou, ainda, estereotipadas, girando sobre chavões, sem que se recorra à 
história da ciência e aos debates epistemológicos, sejam nos campos 
1 
psicossociais ou biomédicos. 
Vamos ao perfil de cada tipo de pesquisa aplicável na saúde mental. 
1 
Metodologicamente, se alguém quiser explicar cientificamente os fenômenos, 
por exemplo, relacionados à drogadição, esta é uma clara matéria para 
, investigadores em psiquiatria, em epidemiologia ou em farmacologia clínica. Mas 
1
1 se alguém quiser compreender o que a dependência química significa para a vida 
da pessoa acometida ou para seus familiares , este é um recorte do objeto para 
1 
investigadores qualitativos, que podem ser psicólogos, psicanalistas, sociólogos, ,., . 
27 
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• 
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antropólogos ou educadores. Entretanto, seria muito interessante se os próprios 
clínicos da saúde mental, que freqüentemente trabalham com referenciais 
biomédicos, pudessem, eles mesmos, empregar métodos· qualitativos, com a 
vantagem de que já carregam - devido a sua experiência em assistência aos 
indivíduos e à comunidade as inerentes atitudes clínica e existencial, que 
permitem executar levantamentos ricos em dados e fazer interpretações de 
resultados com grande autoridade acadêmica (Turato, 2005). 
Vemos que na última década, os métodos qualitativos tornaram-se cada 
vez mais aceitos nos jornais científica da saúde. Em umas épocas remotas, no 
entanto, os investigadores qualitativos freqüentemente tinham seus 
manuscritos rejeitados sob alegação de que seus trabalhos eram não-científicos 
ou "anedóticos", isto é, tratar-se-iam apenas de breves e curiosas histórias da 
vida de pessoas (Britten, 1995). Felizmente, agora até mesmo diversos jornais 
biomédicos publicam regularmente pesquisas qualitativas, contando com 
roteiros de avaliação específicos desenvolvidos para seus pareceristas 
opinarem. É o caso da Revista de Saúde Pública , renomado periódico brasileiro 
catalogado no lndex Medicus, da qual este autor tem a grata oportunidade de ser 
editor associado ad hoc para acompanhar propostas de artigos qualitativos. 
Atualmente, é difícil encontrarmos particularmente um público da saúde 
mental que não tenha uma noção da contribuição dos métodos qualitativos para 
o conhecimento da saúde em geral. Os próprios profissionais clínicos têmse 
habilitado, cada vez mais, para eles próprios empregarem estes métodos. 
Entretanto, uma aceitação maior não quer dizer necessariamente que os 
métodos qualitativos estejam bem entendidos. Há clínicos que podem 
considerá-los como matérias do senso comum, ou pesquisa de muito fácil 
execução, sobretudo para aqueles costumam despender muito tempo em 
conversa com seus pacientes, ou, ainda, métodos de uso não tão prático quanto 
realizar uma enquete com questionários padronizados (Tu rato, 2005). 
Erros iniciam-se pela atividade impensada de pesquisa 
Ponderemos questões práticas vivenciadas por pesquisadores em saúde 
mental, sobretudo aqueles iniciantes, muitos dos quais alunos de mestrado e 
doutorado. Tendo já apresentado à sua instituição de pesquisa uma proposta de 
projeto científico, seja com recursos da metodologia qualitativa, seja da 
quantitativa, não é raro quererem cruzar, ingenuamente e sem fundamentações 
filosóficas e metodológicas, a um certo momento de seu empreendimento, para 
outro campo metodológico. Alegando necessitar de uma pretensa 
complementação de resultados e conclusões, vemos alunos desenvolvendo 
projetos quantitativos - assim tido, construído, avaliado e aprovado por seu 
orientador de tese e pelas lideranças do curso de pós-graduação -, que ao 
tomarem contato com a metodologia qualitativa, vêem-se fascinados por ela e 
pensam em incorporá-la a seu empreendimento, então a meio do caminho. 
Vários destes colegas, por serem da área da saúde, foram introduzidos 
normalmente no universo cientifico através do aprendizado com os métodos 
quantitativos . Sentem-se, posteriormente, seduzidos ao tomarem 
conhecimento das propostas e características dos métodos qualitativos. 
Provavelmente por apreciarem o sabor de uma atividade clínico-assistencial - e 
vendo a possibilidade de realizarem uma pesquisa que normalmente permite 
penetrar na riqueza e na compreensão da individualidade - dispõem-se então a 
fazer, ineptamente, uma empreitada "mista", na mesma proposta de trabalho 
(Botega, Turato, 2005). Chamam-na de pesquisa quantitativo-qualitativa . 
28 
29. 
Esta decisão é temerária e, grande parte das vezes, inviável. A intenção 
pode ser ingênua, pois, desde seus primórdios, cada uma destas metodologias 
vem apresentando tal complexidade de: formulação de problemas, recorte de 
objeto, aplicação de métodos/técnicas/procedimentos, tratamento de dados, 
quadro de referenciais teóricos para interpretações de resultados; que se toma 
impraticável conduzir uma tarefa desta amplitude por um pesquisador sozinho e 
no mesmo projeto. Há também de se considerar fortes aspectos ideológicos (ou 
seja, subjacentes, invisíveis), pois a opção por uma linha de trabalho 
metodológico está abrigada sob um paradigma que lhe é próprio - distinta 
epistemologicamente -, e que costuma estar associada a certa cosmovisão 
preferida do pesquisador. 
Quando afirmamos que são metodologias complementares ou, melhor, os 
resultados e as conclusões se complementam, para mais amplamente cumprir 
com a finalidade de apreendermos o objeto, precisamos entender que devam 
ser mais bem aplicadas por equipes compostas por especialistas em uma e em 
outra estratégia. Se forem utilizadas pelo mesmo pesquisador (onipotente?), 
aconselho que melhor então seria usá-las em momentos subseqüentes. 
Diversos autores classificam como muito difícil a condução simultânea de 
um correto estudo quantitativo e de um bom desenho qualitativo. Infelizmente, 
até mesmo nomes de projeção no meio universitário insistem que o ideal, numa 
mesma pesquisa, é utilizar um modelo "combinado" qualitativo-quantitativo, 
ocorrendo atitude de indiferença à real não-harmonia dos paradigmas que os 
sustentam. Fica, desta forma, sob suspeição o rigor metodológico dos trabalhos 
cujos autores afirmam que se tratam de pesquisas "quanti-qualr, expressão 
apenas de efeito de marketing acadêmico. 
Chega a ser um logro, à medida que, numa apreciação a olhos críticos, 
estes trabalhos são, na verdade, estruturalmente quantitativos e apresentados 
inveridicamente como "também qualitativos". São situações em que todo o 
domínio intelectual dos autores recai sobre a metodologia quantitativa e que 
toda a necessária abrangência da estratégia metodológica qualitativa se mostra 
equivocada, ou até mesmo inexistente, de fato, naquele projeto. Na dúvida, 
peguem as teses que repousam nas prateleiras universitárias ou levantem os 
artigos que moram nos periódicos científicos e enxerguem com olhos argutos. 
Veremos trabalhos quanti com pinceladas quali, muito distantes do uso apurado 
dos métodos qualitativos como apresentados até nos corriqueiros manuais 
sobre metodologia. 
Por outro lado, ouvimos relatos científicos de muitos pesquisadores que 
trazem à tona, de modo inadequado, o falso debate entre as vantagens e 
desvantagens na escolha dos métodos quantitativos e qualitativos. A rigor, não 
podemos dizer que ocorra uma escolha metodológica por si mesma, já que a 
opção real advém de um plano que passa por um objetivo de pesquisa . Este, por 
sua vez, deve ter brotado de uma hipótese de trabalho, que então tomou a mente 
do pesquisador. Dependendo da pergunta nascida em sua cabeça, o 
investigador unicamente poderá lançar mão de um ou de outro método. 
Sucede que a metodologia qualitativa não se ocupa de discutir respostas 
às indagações de mensuração dos fenômenos humanos, nem a metodologia 
qualitativa se propõe a construir meios de responder à pergunta sobre a 
dinâmica das significações reais destes fenômenos para os sujeitos. A busca da 
verdade científica para determinada pergunta já implica numa op,ção 
metodológica embutida . Quem determinou seus objetivos de pesquisa e os tem 
bem claros à mente, por conseqüência, já tem diante de si o método com que 
deverá trabalhar. Vejam que não cabe um "mix" entr~ métodos quantitativos e 
• Ó 5=.S l!li!Ô ± +•~• 
qualitativos, quando detemos uma pergunta que seja inequívoca . Embora 
digamos que a quantidade e a qualidade sejam inseparáveis e interdependentes, 
devemos afirmar que existe uma distinção epistemológica entre o quanti e o 
quali, porque ambos se põem a resolver perguntas diferentes, ainda que 
levantadas sobre o mesmo objeto. 
Trabalhar qualitativamente implica, por definição, em interpretar as 
significações que as pessoas atribuem aos fenômenos em foco, através de 
técnicas de observação acurada e entrevistas em profundidade (instrumentos 
necessários e suficientes), em que são valorizados o contato interpessoal e os 
elementos do setting natural do sujeito. Colher dados em campo é como pescar 
peixes no lago, rio ou mar: há redes de diversos tipos (os instrumentos de 
pesquisa) para peixes de diferentes tamanhos e de diferentes habitats. Há jeitos 
distintos para ser pegar "animais quantitativos" e "animais qualitativos". Só um 
simplório caçaria baleias com anzol ou pescaria lambaris com arpão. 
As condutas usuais dos pesquisadores qualitativos em saúde mental 
Naqueles projetos de pesquisa ou teses em que são usados métodos 
quantitativos, os apresentadores partem, via de regra, diretamente para a citação 
dos recursos metodológicos utilizados (técnicas empregadas). Não se ocupam 
em justificar sua utilização de um ponto de vista conceituai interno ao método ou, 
menos ainda, de questionar suas origens histórico-filosóficas: os paradigmas. A 
falta de apresentação dos paradigmas das pesquisas quantitativas, em seus 
respectivos anteprojetos e até nos relatórios finais, tem mostrado que tanto os 
autores quanto os consumidores destas pesquisas estariam negligenciado esta 
reflexão, com conseqüências problemáticas para a busca rigorosa de um 
conhecimento criticamente construído. 
Sobre os trabalhos qualitativos, não podemos dizer que os recursos 
metodológicos não venham com discussão de embasamento, nos quais 
observamos até exaustivasdefinições respaldadas em autores da literatura da 
respectiva metodologia e com as contextualizações histórico-filosóficas. Por 
outro lado, é possível que pesquisadores qualitativistas estejam se sentindo na 
defensiva quando conversam com seus colegas · acostumados ao modo 
quantitativo. Entendo, porém, que também por sua presença minoritária entre os 
pesquisadores da área da saúde, os autores qualitativos cuidam, assim, de 
apresentar as credenciais de científicidade, bem como conquistar respeito 
pessoal e espaço de ação na academia . · · 
Além do mais, o relevante é que os próprios pesquisadores qualitativos 
sigam as tradições de elaboração desta pesquisa. Como bem o fazem muitos 
antropólogos e psicanalistas, apresentamos como obtivemos os dados na 
vivência do trabalho de campo. Sociologicamente falando, frente à grande 
comunidade, quem deve se explicar são os membros dos grupos minoritários. 
Os participantes natos nos grupos dominantes não precisam se explicar, pois 
todos os seus pares sabem de sua identidade e como funcionam, do ponto de 
vista social e cultural. 
Outra hipótese para se entender o fenômeno da falta de uma ampla reação 
da comunidade acadêmica frente a furos na metodologia quantitativa se daria 
pela confiança exagerada que todos nós, cientistas ou não cientistas, 
costumamos emprestar aos números. A área da saúde tem sido dominada por 
métodos quantitativos. E se algo pode ser medido ou contado, ganha uma 
credibilidade científica freqüentemente não proporcionada àquilo que não seja 
mensurável ou contável. 
30 
~ 
.. 
• 1 
1 
31 1 
o início histórico dos métodos qualitativos nas ciências do homem e da 
saúde 
A fala sobre as Ciências Naturais mescla-se com a fala ;:;obre métodos 
quantitativos, assim como a discussão sobre as Ciências do Homem mistura-se 
com a discussão sobre métodos qualitativos ou compreensivo-interpretativos 
(Turato, 2003c). O termo quantidade remete-nos à idéia geral da possibilidade 
da medida, isto é, da relação entre uma e outra grandeza, enquanto qualidade 
fala-nos da determinação qualquer de um objeto. A palavra qualidade advém do 
latim qualitate, de qualis, que quer dizer "qual", indicando-nos a questão qual 
tipo, enquanto o termo quantidade, vindo também do latim, de quantitate, que 
vem de quantus, isto é, quanto. 
Podemos dizer que o início da história dos métodos quantitativos, embora 
sem que, por bom tempo, se empregasse essa expressão, dá-se com o próprio 
surgimento da ciência moderna, que então passa a configurar as ciências 
naturais como até hoje assim as classificamos. A Galileu devemos o legado de 
ter conferido autonomia à ciência, delimitando qual seu objeto, objetivo e 
método, distinguindo-a da filosofia e da religião. A ciência ficava a partir de então 
com o objeto específico das coisas da natureza, ou seja, estudar as leis que 
ligariam os fenômenos entre si, enquanto a filosofia deveria ocupar-se das 
questões ontológicas e a religião manteria como seu objeto as ditas verdades 
religiosas. Para as determinações científicas, em conseqüência, não se poderia 
mais se ater ao discurso da filosofia (aristotélica era então a predominante) e 
nem às fontes bíblicas. Não porque a filosofia e a religião contradissessem 
teorias científicas ou não lhe trouxessem contributos, mas porque a fala da 
ciência vem oficialmente a visar outra coisa, tem outra perspectiva para o objeto 
em estudo e trabalha em outro campo. 
Com o método, a ciência adquire sua autonomia. Com Galileu, a 
instrumentação científica passa a contar com os seguintes importantes 
princípios: a observação, a experimentação e a indução. Nascia assim a ciência 
moderna, tal como a entendemos na descendência que temos da cultura 
européia, entendida de modo difundido nas sociedades hegemônicas no 
Ocidente, e seqüencialmente em todo o mundo por onde domina a cultura 
ocidentalizada. Nasciam assim, em particular, o que depois vieram a ser 
chamadas de Ciências da Natureza, quando o processo científico deixava um 
tipo de observação que, na avaliação da comunidade científica do novo 
paradigma, era considerada ingênua. Daquele momento em diante, implicava-
se em apreender dados para descobrir suas relações invisíveis (matemáticas) e 
assim formular leis. Nesta visão, a ciência era contida em limites precisos, já que 
se servia da experiência, ou seja, limitava-se a captar as características 
pertencentes às coisas estudadas, supostamente mais estáveis, não se 
ocupando da subjetividade do pesquisador, então mais mutável. 
Por outro lado, a história dos métodos qualitativos ou compreensivo-
interpretativos é mais recente: pouco mais de um século, misturando-se com o 
início da idéia de se criar as Ciências do Homem, que surgem em contraponto às 
então já estruturadas Ciências da Natureza. Contudo, o Homem ocupou-se, na 
realidade, desde muito remotamente em compreender o próprio Homem, tendo-
º como objeto de investigação, sendo que já por muitos séculos esta abordagem 
circunscrevia-se ao campo da Filosofia. 
Recordemos que os estudos dos fatos humanos surgiram num período 
em que prevalecia uma forte concepção empirista e determinista da ciência, o 
que levou os cientistas a buscarem leis causais necessárias e universais 
também para os fenômenos humanos, consistindo assim num trabalho por 
analogia, porém com resultados muito contestáveis e pouco científicos (Chauí, 
2003). Assim ocorreu com a chamada sociologia positivista, de inspiração 
comtista, que recebeu contraposição com a posteriormente emergida 
sociologia denominada compreensiva ou interpretativa, cujas posições 
polarizadas ainda hoje mantêm relações de tensão acadêmica. De modo 
semelhante, ocorreu com a dita psicologia comportamental (das mensurações), 
que se confronta com a psicologia considerada compreensiva ou profunda, isto 
é, das ações do inconsciente em sua concepção freudiana. 
As disciplinas paradigmáticas dos métodos qualitativos 
Há certo consenso na literatura em dizer que os métodos qualitativos 
adquiriram status científico com os trabalhos dos antropólogos, vindo depois a 
se desenvolver entre os sociólogos e educadores . Mas outra vertente 
importante a contribuir com a concepção e a prática do estudo do Homem e, 
nesta perspectiva, com os métodos qualitativos, foi a psicanálise. Aparecem 
depois as participações dos demais profissionais, como os psicólogos e, mais 
recentemente, dentre aqueles das áreas institucionais da saúde, os enfermeiros 
e os médicos. Foi a disciplina de antropologia que desenvolveu a chamada 
etnografia (Malinowski, 1984), cuja revolução se deu com as publicações 
pioneiras na metodologia científica qualitativa, no sentido de que procurou 
descrever como haviam obtido os seus dados e como era a experiência de 
campo, insistindo que a teoria da cultura tinha de ser fundamentada em 
experiências humanas particulares, baseadas na observação e procuradas 
indutivamente. 
,,, As definições de métodos qualitativos na literatura das ciências 
humanas e da saúde 
Dentro do contexto das Ciências do Homem, comecemos por reproduzir 
um pequeno trecho que traz uma definição genérica de métodos qualitativos, a 
qual tem sido oferecida na literatura especializada e que podemos considerar 
bastante satisfatória : 
Pesquisa qualitativa é multimetodológica quanto ao foco, 
envolvendo uma abordagem interpretativa e naturalística para seu 
assunto. Isto significa que os pesquisadores qualítativistas 
estudam as coisas em seu setting natural, tentando dar sentido ou 
interpretar fenômenos em termos das significações que as 
pessoas trazem para eles (Denzin & Lincoln, 2005). 
A mera leitura desta definição pode ser insuficiente para uma 
compreensão precisa ao leitor desacostumado com a prática de pesquisas 
qualitativas. Este pode manter-se com a concepção hegemônica das ciências 
naturais, as quais não têm porescopo estudar as significações que as coisas 
têm para nós (sujeitos na sua individualidade ou grupos humanos), mas, sim, 
estudar propriamente "as coisas" (os fenômenos da natureza). O investigador 
qualitativo, quando vai a campo estudar "as coisas", não é a elas em si que ele 
vai se ater. Em se tratando de pesquisa qualitativa, as "coisas" são as pessoas 
ou as comunidades em sua fala e em seu comportamento. E mais: é sempre no 
setting natural que ocorre o estudo, e nunca em um ambiente reprodutor de 
situações, como laboratórios, gabinetes, etc. Mas, se não é a coisa que lhe 
interessa, o alvo do interesse do estudioso é, por outro lado, o significado que 
essas coisas ganham, ou melhor, as significações que um indivíduo em 
particular ou um grupo determinado atribuem aos fenômenos que lhes dizem 
- 32 
• 
respeito ou vivenciam. Prosseguindo, em palavras semelhantes. 
Mas, afinal, porque estudar os significados? Que tanta importância eles 
têm para serem alvo relevante de investigações acadêmicas? Ora, as ligações j psicológicas e socioculturais profundas com o fenômeno posto, assim como as 
1 vivências e fantasias que as pessoas acometidas por problemas de saúde têm 
1
. são vitais para conhecermos essas pessoas mais a fundo. É indispensável para o 
profissional de saúde saber o que as coisas significam para nossos pacientes, 
1 porque o significado tem uma função estruturante crucial para os indivíduos e 
1 para a vida dos grupos: em torno do que as coisas significam para nós, nós 
1 organizamos nossas vidas, inclusive os nossos próprios cuidados com a saúde. 
1 
Por sua vez, Bogdan e Biklen entendem a pesquisa qualitativa como 
aquela em que os pesquisadores têm como alvo o seguinte: 
! Melhor compreender o comportamento e a experiência humanos. 
' Eles procuram entender o processo pelo qual as pessoas 
constroem significados e descrevem o que são aqueles 
significados. Usam observação empírica porque é com os eventos 
concretos do comportamento humano que os investigadores podem 
pensar mais clara e profundamente sobre a condição humana 
(Bogdan & Biklen, 1998). 
Aí também os educadores norte-americanos tomam significado como uma j palavra-chave. Novamente depreendemos que o pesquisador qualitativista não 
I quer apenas entender/interpretar as pessoas em si mesmas (medindo seus 
1 comportamentos ou correlacionando quantitativamente eventos de suas vidas), 
1 explicando o que, a seu ver, acontece com elas. Por outro lado, organizando uma 
j definição detalhada de métodos qualitativos, apresentada por Morse e Field, 
i assim as autoras os caracterizam: 
1 Métodos de pesquisa indutivos, holísticos, êmicos, subjetivos e 
1 voltados para o processo; usados para compreender, interpretar, 1 descrever e desenvolver teorias relativas a fenômenos ou a settings 
1 (Morse & Field, 1995). 
1 Embora as autoras procurassem ser abrangentes em sua definição de 
1 método qualitativo, carregando-o de adjetivos, infelizmente deixaram de fora os 
termos significado/significação. No seu alvo amplo, no entanto, ganha força a 
palavra "teoria", a qual , na ênfase de Morse e Field, deve ser compreendida 
(tendo já sido postas por outros, antes da pesquisa) ou desenvolvida (o 
pesquisador propõe a sua) sobre o objeto de estudo. Por fim, apresentarmos a 
1 definição da metodologia clínico-qualitativa, enquanto particularização e 
refinamento da metodologia qualitativa genérica, como a temos concebido: 
É o estudo e a construção dos limites epistemológicos de certo 
método qualitativo particularizado em settings da Saúde, bem como 
abarca a discussão sobre um conjunto de técnicas e procedimentos 
adequados para descrever e compreender as relações de sentidos 
e significados dos fenômenos humanos referidos neste campo 
1 (Turato, 2000). 
1 
Esta concepção metodológica foi inicialmente apresentada à comunidade 
científica em publicação na Revista Portuguesa de Psicossomática. Temos, 
especificamente, que o método clínico-qualitativo é concebido como um meio 
li científico de conhecer e interpretar as significações de naturezas psicológicas e ::nl psicossociais - que os indivíduos (~ac~entes. ou quaisquer outras p~~s:~ ....... s;#i·- i# 
r ------
6 
p 
! 
preocupadas ou que se ocupam com problemas da saúde, tais como a equipe 
de profissionais, os familiares e pessoas da comunidade), dão aos fenômenos 
do campo da saúde-doença. Ocorre sob o paradigma fenomenológico , dentro 
da área das Ciências do Homem, com valorização das angústias e ansiedades 
existenciais das pessoas envolvidas no estudo e pautando-se num quadro 
interdisciplinar de referenciais teóricos, com destaque às concepções 
psicanalíticas básicas . 
Ela mostra-se particularmente útil nos casos em que tais fenômenos 
tenham estruturação complexa, por serem de foro pessoal (íntimo) e/ou de 
verbalização emocionalmente difícil. Estes se tornam objetos de estudo 
cientificamente importantes, à medida que assim são confirmados por uma 
observação crítica {de natureza empírica e/ou clínica, no convívio social e na 
atividade profissional/assistencial) já que freqüentemente são geradoras e/ou 
exacerbadoras de tantas angústias pessoais. Nesta abordagem metodológica, 
o pesquisador deve procurar criar um enquadramento da relação face a face , 
valorizando as trocas afetivas mobilizadas e escutando a fala do sujeito (com 
foco sobre tópicos ligados à saúde-doença, aos processos terapêuticos, aos 
serviços de saúde e/ou, principalmente, sobre como lidam com suas vidas) e, 
ainda, observando o global de sua linguagem corporal/comportamental durante 
a entrevista . Esta estratégia metodológica tem se mostrado eficiente em 
trabalhos investigativos de campo desenvolvidos entre nós (Stuchi & Turato, 
1993; Figueiredo & Turato, 1995; Brito e Silva et ai., 1999; Figueiredo & Turato, 
2001 ; Fontanella & Tu rato, 2002; Campos & Turato, 2003). 
Por fim, outro filão importante de que lembramos para os estudos 
qualitativos são os significados psicológicos associados ao processo de 
formação do profissional de saúde mental nas dimensões do ensino e da 
atividade clínico-assistencial; as simbolizações das propostas para a 
humanização durante a formação e o aperfeiçoamento dos profissionais de 
saúde; as representações psicológicas das vivências dos pacientes em relação 
a suas queixas e manejas da doença e do tratamento e assim por diante (Turato, 
2005). 
Referências 
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Botega NJ (org .). Prática psiquiátrica no hospital geral : interconsulta e 
emergência. 2ª. ed., Porto Alegre (RS):Artes Médicas, 2005, Capítulo 35 (no 
prelo). 
2. Bogdan RC, Biklen SK. Qualitative research for education: an introduction 
fortheory and methods. 3"' ed . Boston (MA): Allyn and Bacon, 1998. 
3. Brito e Silva ET; Santos MA, Turato ER O profissional de homeopatia: um 
estudo qualitativo de aspectos da vida pessoal. Rev Ass Bras Med 
Psicossomática 1999; 3(3):59-65. 
4. Britten N. Qualitative interviews in medical research . BMJ 1995; 
311 (6999):251-3. 
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renal disease in hemodialysis, and interpersonal relations]. Rev Sras 
Enferm 2003; 56: 508-12. 
6. Chauí MS. Convite à filosofia . 13ª. ed. São Paulo (SP): Atica; 2003. 
7. Denzin NK & Lincoln YS . The Sage Handbook of Qualitative Research . 3"'