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Jornalismo e comunicação organizacional Paulo Nassar* A nova realidade das fontes organizacionais, extremamente preparadas para o relacionamento com a imprensa, pede em contrapartida “novos jornalistas”, que conheçam o mundo das empresas e instituições e, mais do que isso, a sua retórica direcionada à sociedade. O ensino de comunicação organizacional no âmbito das escolas brasileiras de jornalismo é um acontecimento recente que vem adequar-se, com grande atraso, às mudanças históricas, políticas, sociais, econômicas e produtivas acontecidas, principalmente a partir de 1980, na sociedade brasileira e internacional. Essas transformações provocaram um conjunto de relacionamentos estratégicos entre as organizações e os inúmeros públicos que constituem a sociedade, entre eles a imprensa. O mundo empresarial e institucional brasileiro, na década de 80, é colocado à frente de demandas comunicacionais inéditas, por força do fim do ciclo de governos militares e a volta da hegemonia civil. E, na década de 90, por inúmeros fatores de ordem macro e microeconômicas, entre eles, a mudança do papel do Estado na economia, a abertura comercial, o processo de privatização de empresas estatais, a desregulamentação de inúmeras atividades econômicas, as aquisições maciças de empresas emblematicamente nacionais por grupos estrangeiros, a tendência de fusões empresariais e a instauração do Código de Defesa do Consumidor. Foi, ainda, durante essas duas décadas que os processos de comunicação de empresas e instituições, com os seus inúmeros públicos, puderam ser viabilizados por novas tecnologias de comunicação. Tecnologias que têm entre suas principais propriedades a descentralização dos emissores e da produção de informação, segmentação e fragmentação dos receptores, interatividade e velocidade na comunicação, além de menor custo operacional. Estamos falando, seguindo uma linha de tempo, em novas tecnologias de vídeo e televisão, criação e produção gráfica, internet e redes internas de comunicação (intranets). É esse novo contexto social, tecnológico e organizacional que provoca uma mudança na forma como os gestores pensam e operam a comunicação de empresas e instituições com seus inúmeros públicos. Pode-se afirmar que a comunicação organizacional deixa de ter uma função tática e passa a ser efetivamente uma ferramenta de gestão. Se nas décadas de 60 e 70, a denominação comunicação organizacional² identificava-se com atividades ligadas “puramente aos processos de comunicação direcionados aos empregados, ou aos gestos de boa vontade da empresa com a comunidade, às visitas e recepções a autoridades”, atualmente, a expressão tem a ver com a forma como as empresas e as instituições agregam valores, por intermédio de sua história, comportamento e retórica, aos seus produtos e serviços e, conseqüentemente, para os seus públicos. Em um ambiente onde concorrentes capitalizados econômica, tecnológica e intelectualmente produzem bens quase sem diferenciais entre si, nada é mais importante do que isso. O comunicólogo Joan Costa, em uma definição abrangente, afirma que a comunicação, no âmbito das empresas, é o que estrutura “sua realidade organizacional, sua cultura e sua conduta corporativa. A comunicação é o sistema nervoso central da organização.” ³ Num universo em que a comunicação organizacional administrada se transforma em vantagem competitiva, as organizações e os seus gestores passam a ser usinas de imagens que estão permanentemente direcionadas a públicos com poder político e econômico, na medida que: 1) “Os consumidores podem, no ato de compra, pressionar as empresas por fatores que ultrapassam os parâmetros básicos de produto, preço, praça e comunicação de marketing; 2) Do engajamento dos trabalhadores depende o sucesso de inúmeras metas de gestão, tais como certificações de qualidade e reengenharias; 3) As comunidades com seus membros, ONGs e partidos políticos reivindicam informações sobre a relação da empresa com o meio ambiente, entre outras; 4) Acionistas de todos os perfis pressionam por dados de toda a ordem; 5) As agências reguladoras cobram das empresas de serviços públicos eficiência e qualidade”.4 Esse conjunto de mudanças sociais e tecnológicas, que transforma a sociedade e o Estado, também modifica o relacionamento cotidiano da comunicação organizacional com a atividade jornalística. O foco dessa mudança está centrado principalmente nas características e na forma de operação das fontes jornalísticas organizacionais, configurando aquilo que o professor de comunicação Manuel Carlos Chaparro denomina de Revolução das fontes, ou seja, “a interferência crescente (nas pautas jornalísticas) dos produtores competentes de acontecimentos, em cujas aptidões se inclui, hoje, o domínio das habilidades jornalísticas”. O mundo e os seus sujeitos transformaram-se em uma extensão habilitada e competente das redações. Sobre esse ponto, o autor português Rogério Santos afirma que “há uma crescente profissionalização da função de fonte de informação. O pessoal recrutado possui habilitações de nível universitário, nas áreas de comunicação, marketing, relações públicas, mas também muitos antigos jornalistas são seduzidos pelo trabalho, quer porque possuem experiência do outro lado da barreira – habituados a um clima de escrita rápida e de resposta imediata a solicitações –, quer porque têm um estímulo monetário maior do que como jornalista. Por outro lado, as empresas criam estruturas, cujas dimensões variam de acordo com a da própria empresa. Hoje, é comum o staff da comunicação incluir vários profissionais, especializados nas diversas atividades de comunicação, relações públicas e imagens, entre as quais o elemento que serve como fonte de informação dos jornalistas”. 5 Ainda para o professor Chaparro, “o jornalismo não é um discurso autônomo. São muitos, cada vez mais, os sujeitos sociais competentes que ousam agir e interagir no mundo presente.” “Qualquer pesquisa aplicada aos jornais de hoje revelará que a esmagadora maioria dos conteúdos jornalísticos oferecidos à opinião pública são relatos ou análises de acontecimentos planejados e controlados por instituições ou pessoas que decidiram promovê-los, sabiam como fazê-lo e tinham competência e credibilidade para isso. A quantidade e a qualidade desses acontecimentos mobilizam de tal forma as energias e os espaços do jornalismo que se tornaram raras, na imprensa diária, as reportagens de desvendamento do atual. E, dos acontecimentos não previstos e não programados, só as grandes tragédias ainda conquistam espaços e posições de destaque na imprensa diária não-sensacionalista.” 6 A nova realidade das fontes jornalísticas, extremamente preparadas para o relacionamento com a imprensa, apontadas por Chaparro, pede em contrapartida “novos jornalistas”, que conheçam o mundo das empresas e instituições e, mais do que isso, a sua retórica direcionada à sociedade. Uma retórica que, no ambiente atual, se transformou em motor de negócios e de aceitação social. Fato que faz com que as empresas e instituições transformem a comunicação e a habilitação em suas técnicas mentais e materiais em competências essenciais de seus administradores e trabalhadores. Já que, cada vez mais, o sucesso empresarial depende da eficácia de processos retóricos junto a comunidades, acionistas, sindicatos, fornecedores, distribuidores, imprensa nacional e internacional, entre outros. Tereza Halliday7 chama a atenção para os principais pontos sobre os quais as mensagens organizacionais atuais são estruturadas. Para ela, as empresas e instituições querem ser aceitas socialmente mostrando-se intencionalmente úteis, compatíveis e transcendentes para consumidores, comunidade, autoridades, sindicatos, fornecedores, distribuidores e principalmente para os jornalistas, que qualificam e amplificam os discursosdas organizações para toda a sociedade. Frente a essa necessidade, as empresas estão transformando as suas fontes organizadas (porta-vozes, executivos da alta direção e assessores de comunicação e de imprensa) em verdadeiros retores. Aqueles que, segundo Halliday, usam “palavras e outros símbolos para argumentar em favor da organização”. A formação jornalística tradicional, extremamente voltada para a operação dos meios de comunicação de massa, não tem preparado jornalistas para enxergar o que está além das palavras, símbolos e retóricas domesticadas de fatos como a qualidade total, o consumidor como centro da missão empresarial, a empresa responsável ambiental e socialmente e a diversidade, entre outros fatos do cotidiano organizacional. O estudo da comunicação organizacional nos cursos de jornalismo pode contribuir para a formação de jornalistas muito além dos press-releases e das “credenciais de legitimação” das corporações (incluem-se aqui, é claro, as corporações jornalísticas com os seus ideários concretizados em manuais de redação e slogans que só têm o rabo preso com o leitor). 1 Margarida Maria Krohling Kunsch relata a criação da ABERJE – atualmente Associação Brasileira de Comunicação Empresarial –, em agosto de 1967, sublinhando que na fundação dessa entidade se encontra o “embrião da comunicação organizacional”. Kunsch pontua também a criação, por Manuel Carlos Chaparro, da Proal, a qual se integrava o Cepeje – Centro de Pesquisa de Jornalismo Empresarial, que objetivava “proporcionar o estudo sistemático e em profundidade do jornalismo aplicado às empresas, mediante pesquisas constantes em torno de objetivos, imagem, planejamento e especificações técnicas de veículos, conteúdo e linguagem, ilustração e apresentação gráfica”. Ainda em seu trabalho Kunsch destaca a tese de doutorado sobre “Comunicação na empresa e o jornalismo empresarial”, defendida por Gaudêncio Torquato, em 1972, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Kunsch Krohling, Margarida Maria. Relações públicas e modernidade – novos paradigmas na comunicação organizacional. São Paulo, Summus Editorial, 1997, pp. 57, 62 e 63. 2 Nassar define a atividade como “a somatória de todas as atividades de comunicação de uma organização”. Elaborada de forma multidisciplinar – a partir de técnicas de relações públicas, recursos humanos, jornalismo, lobby, propaganda, promoções, pesquisa e marketing – e direcionada à sociedade, formadores de opinião, consumidores, sindicatos, autoridades e colaboradores (trabalhadores, fornecedores e parceiros). Elaboração esta que tem sempre como referência básica o planejamento estratégico da empresa ou instituição. Nassar, Paulo. O que é comunicação empresarial. São Paulo, Editora Brasiliense, 2000, p.19. 3 Costa, Joan. Comunicación corporativa y revolución de los servicios. Madrid, Ediciones Ciencias Sociales, 1995, p.46. 4 Nassar, Paulo e Bernardes, Roberto Carlos. “Ajuste de Foco”, in Revista Comunicação Empresarial, n. 27, 2o Trimestre de 1998. 5 Santos, Rogério. “O que fazer com os jornalistas” in Revista Comunicação Empresarial, n. 33, 4o trimestre de 1999. 6 Chaparro, Manuel Carlos. “Jornalismo brasileiro: no caminho das transformações”. Brasília, Seminário de Comunicação Banco do Brasil, 1996, p.134. 7 Halliday, Tereza Lúcia. A retórica das multinacionais – a legitimação das organizações pela palavra. São Paulo, Summus Editorial, 1987, pp. 38-45. *Paulo Nassar é jornalista, escritor e diretor executivo da ABERJE. Professor de Comunicação Organizacional na Faculdade Cásper Líbero, é autor do livro O que é comunicação empresarial (Editora Brasiliense). E-mail: nassar@aberje.com.br http://www.aberje.com.br/revista/antigas/rev_41_jornalismo.htm
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