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Aula 11 - Teorias da pena

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Teorias da pena 
Luciano Filizola da Silva 
Durante séculos o homem procurou delimitar sua conduta, aplicando 
sanções àquele que infringisse as normas de convivência do grupo ao lesionar 
algum bem alheio, inicialmente sujeito à reprimenda em âmbito privado, 
ensejando, muitas das vezes, vinganças desproporcionais, o que se levou ao atual 
sistema de penas no qual sua aplicação é exclusiva do Estado, podendo ser estas 
penas conceituadas, nas palavras de Celso Delmanto, como “a imposição da perda 
ou diminuição de um bem jurídico, prevista em lei e aplicada pelo órgão judiciário, 
a quem praticou ilícito penal.” 
No decorrer da construção desta ciência surgiram várias teorias que visavam 
explicar e fundamentar a aplicação da pena. Pretendemos, neste trabalho, elencar 
as principais teorias, elaborar críticas e fazer uma distinção entre teoria e função, 
devendo a primeira se encaixar em todos os delitos e a segunda se diferenciar de 
acordo com a infração penal. 
 
No Estado Absolutista, a pena era um castigo pelo qual o delinqüente sofria 
o mal (pecado) praticado buscando a redenção de sua alma. Com o nascimento do 
Estado Burguês, a pena passa a ser concebida como um modelo indenizatório face 
o inadimplemento do contrato, sendo expropriados os únicos objetos de valor e 
idôneos capazes de serem quantificáveis - a capacidade de trabalho e a liberdade. 
Segundo Zaffaroni e Pierangeli, isso fazia da privação de liberdade, que sempre 
fora medida de custódia, a principal sanção penal na modernidade. 
Segundo a Teoria Retributivista ou Absoluta, a pena visa tão-somente 
fazer justiça, retribuindo a perturbação da ordem pública, devendo sofrer um mal 
aquele que um mal tiver praticado. 
Essa teoria teve como principais colaboradores Hegel e Kant, sendo que este 
último defendia uma retribuição moral, rememorando o princípio taliônico segundo 
o qual a pena “deve sempre ser contra o culpado pela simples razão de ter 
delinqüido...”, não admitindo qualquer fim utilitário. 
Hegel trabalhava com uma retribuição jurídica segundo a máxima de que “a 
pena é a negação da negação do direito”, ou seja, a pena visa reparar o direito 
infligindo uma violência correspondente àquela que lesionou o ordenamento 
jurídico, recompondo a norma violada. 
 
 
 
 
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Segundo o professor René Ariel Dotti, ainda é possível encontrar resquícios 
do retribucionismo em nosso ordenamento, citando como exemplos os arts. 121, § 
5º, e 129, § 8º, do Código Penal, no qual se faculta o perdão judicial nas 
modalidades culposas quando as conseqüências do delito atingirem o próprio 
agente “de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”. Com isto, 
o sujeito já “pagaria” pelo mal praticado ao sofrer com o infortúnio. 
Concordamos com Roxin que, ao criticar esta teoria, vê sua funcionalidade 
apenas como um ato de fé, uma vez que não é compreensível se apagar um mal 
cometido com a aplicação de um segundo mal, o sofrimento da pena. 
Com o Iluminismo surge na Europa um pensamento humanista justificando a 
pena como uma forma preventiva de um fato delituoso, são as Teorias Relativas. 
A Teoria da Prevenção Geral, através de um modelo intimidatório visa, 
por intermédio da ameaça da pena e sua efetiva aplicação, inibir uma possível 
conduta delituosa. Seu principal expositor foi o Marquês de Beccaria que, criando 
suas teses sustentadas pelo contratualismo, justificou o jus puniendi como a 
reunião de todas as parcelas de liberdade cedidas na feitura do pacto social, 
deslegitimando qualquer intervenção estatal que contrarie o pactuado, 
desrespeitando suas cláusulas em prejuízo do cidadão. 
Beccaria ataca o retributivismo, como se observa em uma de suas 
passagens: “Poderão os gritos de um desgraçado nas torturas tirar do seio do 
passado, que não volta mais, uma ação já praticada? Não. Os castigos têm por 
finalidade única obstar o culpado de tornar-se futuramente prejudicial à sociedade e 
afastar os seus concidadãos do caminho do crime.” 
Feuerbach, com sua Teoria da Coação Psicológica, também concebeu a 
pena como uma ameaça da lei aos cidadãos, para que se abstenham de cometer 
delitos. Esta teoria, contudo, torna-se frágil quando deparada com certos tipos de 
infrações que ocorrem independentes da coação da norma, principalmente quando 
incorre qualquer intenção de provocá-lo por parte do agente, como nos crimes 
culposos. O professor Dr. Heitor Costa Jr. justifica a pena nestes delitos como uma 
forma de inibir condutas descuidadas, que geram um perigo ou efetivo dano a 
algum bem jurídico tutelado. Porém, entendemos ser mais provável que um sujeito 
seja mais prudente, cercando-se do cuidado devido, quando prevenido dos males 
que pode causar sua conduta, do que se utilizada uma pena como uma remota 
ameaça pairando sobre sua cabeça. 
 
 
 
 
 
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Em seara psicanalítica também é possível concluir que dificilmente o sujeito 
motivado a praticar um injusto penal não tome todas as precauções necessárias 
para evitar qualquer infortúnio, ainda que ilusórias, levando-o à falsa compreensão 
de que jamais será detido, pouco lhe importando qualquer pena cominada 
abstratamente à sua conduta. 
Heleno Fragoso defende, ainda, ser inadmissível “que a pena seja imposta 
com critérios alheios ao do autor do crime, para através da punição produzir efeito 
sobre outras pessoas.” 
Com o desenvolvimento das Ciências Naturais, inevitáveis influências da 
Medicina e da Psiquiatria, tais como as obras de Lombroso e Ferri, incidiram no 
Direito Penal, que passa a ter como principal objeto de estudo o delinqüente. Deste 
pensamento surge a Teoria da Prevenção Especial ou Ressocializadora, que 
trabalha a pena como fórmula de tratamento do delinqüente, objetivando que este 
não volte a delinqüir. 
Como expõe Foucault, “a duração da pena só tem sentido em relação a uma 
possível correção e a uma utilização econômica dos criminosos corrigidos”, tendo 
por fim a transformação da alma e do comportamento do condenado. 
Para esta teoria a pena busca ressocializar o criminoso, buscar as causas 
que o levaram a delinqüir e tratá-lo, buscando torná-lo mais condizente com as 
normas de convivência em sociedade, através de métodos educacionais e 
laborativos. 
Todavia, tal teoria peca pelo fato de que nem todos os delinqüentes 
precisam ser ressocializados, notadamente quando tratar-se de condutas isoladas, 
decorrentes de momentos esporádicos, imprevisíveis e que, provavelmente, não 
tornarão a ocorrer, tais como o aborto, uma lesão corporal movida pelas 
circunstâncias e outras mais. 
Outrossim, questiona-se a viabilidade de “tratamento” do condenado em um 
ambiente carcerário, no qual as regras hierarquizadas impõe um comportamento 
autômato e mecanizado distinto do exigido na sociedade extramuros, comparando 
Sutherland a alguém que se prepara para uma maratona ficando deitado em uma 
cama por semanas. 
Então surge a Teoria Unitária ou Mista, representada por Merkel, 
procurando combinar as teorias absolutas e relativas, entendendo a pena como 
retribuição, mas devendo também perseguir os fins preventivos. 
 
 
 
 
 
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Ocorre que tais teorias são incompatíveis entre si, pois como muito bem 
coloca Augusto Thompson, citando Rupert Cross: “Para punir um homem 
retributivamente é preciso injuriá-lo. Para reformá-lo é preciso melhorá-lo. E os 
homens não são melhoráveis através de injúrias.” 
Atualmente, a teoria que mais se coaduna com os fins de um Estado 
Democrático de Direito é o Garantismo Penal, cujo principal articulador, Luigi 
Ferrajoli, defende a necessidade da pena como esta sendo uma alternativa à 
vingançaprivada, ou seja, uma reação do Estado para se inibir a reação 
desproporcionada da vítima lesada pela prática do delito. 
Apesar de esta teoria ser a que melhor delimita o campo de intervenção 
penal do Estado, merece crítica a missão que incumbe à pena, uma vez que se 
verificaria infundada a sua aplicação nas hipóteses em que a prática do delito não 
ensejaria qualquer reação por parte de particulares, uma vez que, como é cediço, 
nem todos os delitos produzem uma lesão ao bem jurídico de pessoa determinada, 
como os crimes formais, de mera conduta ou os que atingem bens espiritualizados, 
como o meio ambiente. 
Assim, o crime de porte ilegal de armas, por exemplo, não enseja o desejo 
de quem quer que seja o desejo de retribuir o “mal” praticado, o que tornaria 
absolutamente desnecessária a aplicação de qualquer pena. 
Face todo o exposto, é fácil observar a crise que as atuais teorias 
justificacionistas se encontram, exatamente por não conseguirem definir, com 
precisão, uma finalidade legítima para a aplicação de uma pena àquele que, por 
ventura, venha a praticar um injusto penal. Pois, de forma ilegítima, o que se 
verifica é uma utilização cruel e ilegítima da pena com uma função de controle e 
exclusão social, estigmatizando classes e condutas tidas como indesejadas por 
aqueles que possuem poder de definição. 
Por tanto, Zaffaroni, resgatando Tobias Barreto, conclui que, de fato, não há 
qualquer teoria capaz de justificar a pena, por tratar-se esta de mero fato político 
e, por isto, injustificável. Para os autores, “justificar a pena é como tentar justificar 
a guerra”, ela simplesmente existe originada de decisões políticas orientadas para a 
satisfação de determinados interesses, os quais não se justificam tendo em vista os 
meios utilizados.

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