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Capítulo 8 O Código Genético Mutações Gênicas e Proteínas Alteradas Como o DNA codifica a informação genética? Desde a publicação de Watson & Crick (1953) sobre a estrutura do DNA e da carta de George Gamow a eles endereçada, desenvolvendo a idéia da existência de um código genético onde o DNA serviria de molde para a síntese de proteínas, muitas perguntas surgiram e vários experimentos fascinantes foram realizados na tentativa de respondê-las. Em 1957, Vernon Ingram mostrou que havia uma relação entre mutações gênicas e proteínas alteradas ao comparar a hemoglobina de indivíduos normais com a de indivíduos com anemia falciforme, caracterizada como uma doença molecular, por Linus Pauling em 1945. Pauling havia mostrado que a hemoglobina normal (HbA) apresentava uma carga aniônica cerca de duas unidades mais negativa do que a da hemoglobina proveniente de células falcêmicas (HbS). A hemoglobina, o pigmento dos eritrócitos, é uma proteína tetramérica, constituída de duas cadeias polipeptídicas idênticas (141 aminoácidos) e duas cadeias polipeptídicas idênticas (146 aminoácidos), cuja função é transportar oxigênio através de todo o corpo. Indivíduos com anemia falciforme apresentam eritrócitos em forma de foice, conseqüência da alteração conformacional sofrida pela molécula de hemoglobina, devido a uma mutação afetando o 6o aminoácido da cadeia onde ácido glutâmico é substituído por valina. A hemoglobina HbS, desoxigenada, agrega-se em filamentos suficientemente grandes para deformar os eritrócitos. A anemia falciforme já era conhecida como uma doença hereditária, de acordo com as leis da genética Mendeliana, apresentando caráter de codominância ao nível da molécula: HbA/HbA - células vermelhas normais; hemoglobina tipo HbA HbS/ HbS - células vermelhas em forma de foice; praticamente 100% da hemoglobina é tipo HbS; geralmente a anemia é fatal HbA/HbS- células vermelhas em forma de foice só ocorrem sob baixa concentração de oxigênio; curiosamente, os heterozigotos apresentam resistência aumentada à malária, o que confere uma vantagem seletiva a estes indivíduos em regiões onde a malária é endêmica; 40% da hemoglobina é tipo HbS. As moléculas de hemoglobina provenientes de um falcêmico, quando submetidas a um campo elétrico, migram diferente das normais devido a diferença de carga entre elas, resultante da troca de um aminoácido com carga negativa por um aminoácido apolar (Figura 8.1). Figura 8.1 A) Célula normal de eritrócito e célula falcêmica. B) Relação entre uma mutação geneticamente transmissível, que provoca anemia falciforme, e migração da hemoglobina num campo elétrico. No mutante, o ácido glutâmico, que possui carga negativa, foi substituído por valina, um aminoácido apolar, modificando as interações intramoleculares que se refletem na conformação da proteína que perde a capacidade de transportar oxigênio. Assim, no segmento da cadeia , onde esta mutação pode ocorrer, a sequência de aminoácidos da hemoglobina normal (A), Val His Leu Thr Pro Glu Glu é substituída pela seqüência Val His Leu Thr Pro Val Glu da hemoglobina falcêmica (S). Que tipo de alteração ocorrera na molécula de DNA provocando a substituição de um aminoácido por outro na proteína? Por esta época, nada se sabia sobre a natureza do Código Genético e várias propostas estavam sendo feitas e analisadas pelos pesquisadores. Características do Código Genético O Código Genético é a fórmula que converte a informação hereditária dos genes em proteínas. Uma seqüência de bases poderia especificar uma seqüência de aminoácidos de diferentes maneiras. Já que existem só 4 bases diferentes para os 20 tipos de aminoácidos encontrados nas células, a combinação de algumas bases seria necessária para especificar cada um dos aminoácidos. A esta combinação de bases especificando um determinado aminoácido, dá-se o nome de códon. De quantas bases seria constituído cada códon? Uma combinação dos quatro tipos de bases, dois a dois, seria insuficiente para especificar todos os aminoácidos, já que 42 = 16. Assim, uma combinação de bases três a três seria minimamente necessária, já que 43 = 64. Todavia, num código de trincas, ou 44 códons não especificariam nenhum aminoácido ou então, cada aminoácido poderia ser especificado por mais de um códon. Neste caso, o código seria degenerado. Assumindo-se que o códon é uma trinca, como as trincas estariam organizadas para codificar proteínas? Haveria ou não sobreposição das trincas? Observe a Figura 8.2: se houvesse sobreposição, a trinca ABC codificaria o primeiro aminoácido, BCB o segundo, CBD o terceiro, e assim sucessivamente; não havendo sobreposição o primeiro aminoácido seria codificado pela trinca ABC, o segundo por BDA, o terceiro por DCB, etc. Existiria pontuação na leitura do código? Ou seja, na seqüência: ABC , BDA , DCB , ACD........ as vírgulas entre os códons seriam representadas por uma das bases, por uma combinação delas ou, simplesmente, não existiriam? Figura 8.2 Sobreposição ou não sobreposição de códons. No caso de sobreposição de códons, uma mudança em C poderia alterar os aminoácidos 1, 2 e 3 enquanto, no caso de não sobreposição, uma mudança em C afetaria apenas o aminoácido 1. Como identificar o início e o fim das seqüências a serem "lidas"? A resposta a estas questões foi resultado do trabalho intensivo de Crick, Brenner e colaboradores no final dos anos 50 e início dos 60, culminando com a demonstração de que o Código Genético é lido a partir de um ponto fixo, não tem vírgulas, não se sobrepõe, está organizado em trincas e é degenerado. Abaixo, o primeiro parágrafo do trabalho publicado em 1961 por Crick e colaboradores, acerca das propriedades do código: "There is now a mass of indirect evidence which suggests that the amino-acid sequence along the polypeptide chain of a protein is determined by the sequence of the bases along some particular part of the nucleic acid of the genetic material. Since there are twenty common amino-acids found throughout Nature, but only four common bases, it has often been surmised that the sequence of the four bases is in some way a code for the sequence of the amino-acids. In this article we report genetic experiments which, together with the work of others, suggests that the genetic code is of the following general type: A group of three bases (or, less likely, a multiple of three bases) codes one amino-acid. The code is not of the overlapping type. The sequence of the bases is read from a fixed starting point. This determines how the long sequences bases are to be correctly read off as triplets. There are no special 'commas' to show how to select the right triplets. If the starting point is displaced by one base, then the reading into triplets is displaced, and thus becomes incorrect. The code is probably 'degenerate'; that is, in general, one particular amino-acid can be coded by one of several triplets of bases." Os códons são lidos sem sobreposição A análise das seqüências de proteínas mutantes obtidas de células tratadas com diferentes agentes químicos levou ao entendimento de como agiam os mutagênicos utilizados e de como o código genético funcionava. As evidências de não sobreposição vieram dos trabalhos realizados por alguns pesquisadores que estudavam mutações produzidas no vírus do mosaico do fumo (TMV), por ação de ácido nitroso. O ácido nitroso é um agente mutagênico que causa desaminação das aminas aromáticas e, portanto, pode converter citosina em uracil e adenina em hipoxantina. A conseqüência disto é que, na próxima duplicação, uracil pareará com adenina e, portanto, a guanina que originalmente deveria estar naquela posição teria sido substituída por adenina, redundando na troca do par G-C por A-T, como esquematizado a seguir.Se o código fosse sobreposto, além de restringir o tipo possível de vizinhos para cada aminoácido, a alteração de uma base geraria mudanças em aminoácidos adjacentes da cadeia polipeptídica (Figura 8.2). Todavia, ao seqüenciarem as proteínas mutantes da capa do vírus, os pesquisadores observaram que apenas um aminoácido, por vez, era alterado como resultado do tratamento com ácido nitroso. Além disso, todas as hemoglobinas humanas anormais estudadas em detalhe até então, mostraram alterações em um único aminoácido levando a conclusão de que os códons são lidos sem sobreposição. Os códons são lidos a partir de um ponto fixo, sem vírgulas As evidências sobre a leitura contínua das trincas estão descritas no trabalho de Crick, Brenner e colaboradores, onde analisaram uma mutação induzida por proflavina no bacteriófago T4. Proflavina é um agente mutagênico que intercala na molécula de DNA provocando deleção ou inserção de nucleotídios. O fago T4 é um fago lítico, ou seja, quando infecta a bactéria E. coli provoca lise celular produzindo milhares de partículas fágicas (vide Transferência de informação genética em bactérias). Tratamento com proflavina, provoca uma mutação no fago T4, designada FC0, localizada no gene rIIB. O gene rIIB controla a morfologia das placas de lise. Mutantes FC0 não multiplicam-se no hospedeiro E. coli K12, mas multiplicam-se em E. coli B, produzindo placas de lise muito maiores que as produzidas pela linhagem selvagem do fago, a qual multiplica-se nas duas hospedeiras, E. coli B e K12 (Figura 8.3). Os pesquisadores haviam observado que proflavina gerava mutantes completamente não funcionais para o gene em questão, diferindo da ação dos análogos de base que, ao substituirem uma base por outra, não comprometem totalmente a função dos genes. O fato da proflavina provocar ausência completa de função sugeria que, provavelmente, não estava ocorrendo substituição de bases mas sim inserção ou deleção de nucleotídios, desorganizando a leitura dos códons a partir do ponto do evento (Figura 8.4). Considerando que uma mutação tenha sido produzida pela inserção de uma base na seqüência selvagem, então, a leitura à direita da inserção, estaria deslocada de uma base e geraria um produto completamente alterado daí para frente, o que explicaria a ausência de função em mutantes produzidos pela ação de proflavina. Portanto, a retomada da fase de leitura dependeria da deleção de um nucleotídio. Figura 8.3 Os pontos claros marcam os locais onde partículas fágicas individuais se multiplicaram resultando na lise das bactérias destas regiões. Estas regiões são denominadas placas de lise. A inativação do produto gênico rIIB provoca uma lise rápida das bactérias, produzindo-se placas de lise maiores que as do selvagem. O gene foi nomeado r, por causa da lise rápida observada nos mutantes. Partindo do mutante FC 0 (placas grandes de lise), resultante do tratamento com proflavina, buscaram por indivíduos que tivessem revertido para o fenótipo selvagem (placas pequenas de lise), readquirindo a capacidade de infectar as duas linhagens de E. coli. A idéia era que, para reverter ao fenótipo selvagem, deveria ocorrer adição ou deleção de um nucleotídio no momento da replicação, dependendo se a mutação original fora causada por uma deleção ou inserção, respectivamente. Isolaram 18 revertentes da mutação FC 0. Observaram então que, nos revertentes, ocorriam inserções ou deleções em posições diferentes, porém não muito distantes das originais. A nova mutação era antagônica à original, permitindo que o fenótipo mutante fosse suprimido. Assim, se a mutação FC 0 fosse uma inserção, a mutação supressora seria uma deleção. Uma mutação que suprime o efeito da outra dentro de um mesmo gene provoca uma supressão intragênica. A explicação dada pelos autores ao fenômeno observado foi a seguinte: uma seqüência de bases é lida, trinca a trinca, a partir de um ponto fixo localizado à esquerda, sem nenhuma pontuação entre elas, ou seja, livre de vírgulas. O Código Genético é constituído de trincas e é degenerado Nos fagos revertentes FC0 a morfologia das placas de lise é variável porque depende da região compreendida entre as duas mutações. Esta região está fora de fase, o que implica na codificação de aminoácidos diferentes do selvagem, neste segmento (vide Figura 8.4). Dependendo das alterações sofridas por este segmento, o produto sintetizado no revertente será mais semelhante ou menos semelhante ao do selvagem, resultando nas diferentes morfologias das placas de lise. Quando duas mutações de mesmo tipo (+,+) ou (-,-) são combinadas, sempre ocorre alteração no quadro de leitura. Porém, quando três mutações de mesmo tipo são combinadas, o fenótipo selvagem pode ser restaurado. Estas observações confirmavam a hipótese de que o código genético é representado por trincas. Indicavam também que cada uma das 64 trincas possíveis poderiam codificar um aminoácido e, portanto, o código é degenerado. Figura 8.4. Cada uma das letras A, B e C representa uma base diferente do ácido nucléico. Para simplificar está representada uma seqüência repetida de bases ABC, codificando um polipeptídio onde todos os aminoácidos são idênticos. A fase de leitura, a partir de um ponto inicial, está representada pelos colchetes, implicando que a leitura é feita em conjuntos de três à partir da esquerda. Com a adição do nucleotídio C (+), a leitura saiu de fase, só retomando com a deleção de outro C (-) mais à frente. O gene é colinear ao peptídio que ele codifica A demonstração pontual de que a seqüência de códons corresponde exatamente a seqüência de aminoácidos na proteína foi feita no início dos anos 60. Um dos grupos de pesquisa envolvidos na resolução deste problema isolou e analisou uma série de mutantes do gene trpA, de E. coli, o qual codifica a enzima triptofano sintetase (Charles Yanofsky et al, 1964). Esta enzima, constituída de 286 resíduos de aminoácidos, converte indol glicerol fosfato em triptofano. Mutantes neste gene não sintetizam triptofano. Uma vez que, nesta época, ainda não estava desenvolvida a técnica de seqüenciamento gênico, para saber a posição de cada nucleotídio no gene, Yanofsky e colaboradores fizeram um mapeamento genético usando a técnica de transdução. Transdução é o processo de transferência de informação genética de uma bactéria para outra via fago. Quando uma bactéria é infectada por um fago e, em seguida, lisada, algumas (1/1000) das partículas fágicas produzidas poderão carregar um fragmento do cromossomo bacteriano (veja Transferência da informação genética em bactérias). Tais partículas fágicas (fagos defectivos) podem injetar este segmento de DNA em outra célula bacteriana. Uma vez que o cromossomo da célula infectada pelo fago defectivo contem um fragmento homólogo de DNA, será possível a recombinação entre o segmento carregado pelo fago e aquele presente no cromossomo da bactéria. A freqüência de recombinação entre os diferentes mutantes trpA permitiu construir um mapa determinando-se a posição das diferentes mutações no gene trpA (mapa genético). Por outro lado, para saber qual a alteração causada pelas mutações, em cada uma das proteínas mutantes, foi utilizada a técnica de impressão digital (fingerprint) ou mapa peptídico. Esta técnica consiste em purificar a proteína, clivá-la com enzimas proteolíticas para obter peptídios e separá-los por eletroforese e cromatografia. A posição ocupada pelos fragmentos peptídicos durante a migração no suporte de separação, depende dos aminoácidos que os constituem. Os fragmentos que contiverem o aminoácido alterado migrarão de forma diferente do selvagem, posicionando-se num ponto específico do suporte (spot). Os spots (manchas) são então cortados e eluídos do suporteonde se encontram. Em seguida a seqüência de aminoácidos de cada um é determinada. O sequenciamento das manchas com migração alterada, nos diferentes mutantes, permitiu desenhar o mapa peptídico. Os resultados mostraram que a posição das mutações no gene correspondia à posição ocupada pelos aminoácidos alterados, na cadeia polipeptídica (Figura 8.6). Figura 8.5 A adição ou a deleção de três nucleotídios recupera o quadro de leitura. Figura 8.6. Colinearidade do gene trpA e cadeia polipeptídica , da triptofano sintetase, por ele especificada. Em vermelho estão especificadas as substituições ocorridas nos diferentes mutantes analisados. Conclui-se, então, que a seqüência de aminoácidos na proteína pode ser lida diretamente a partir da seqüência de nucleotídeos no gene. Posteriormente, a descoberta de que os genes podem ser fragmentados, apresentando regiões codificantes (exons) e não-codificantes (introns), alertava para o fato da colinearidade estava restrita aos módulos codificadores, uma vez que os introns não são traduzidos. Após determinar as propriedades do Código Genético restava elucidá-lo, ou seja, descobrir qual era o significado de cada uma das possíveis 64 trincas. A que aminoácido cada uma delas correspondia? Atualmente, como o código já foi desvendado e a técnica para seqüenciamento de genes já está automatizada, é possível seqüenciar genomas inteiros e identificar todos os segmentos passíveis de codificarem proteínas atribuindo-se a cada um destes fragmentos de DNA a seqüência putativa de aminoácidos nele codificada. Segmentos de DNA que contem informação potencial para codificar um peptídio são denominados quadros de leitura aberta ou ORFs (do inglês, Open Reading Frames). Decifrando o Código Genético: homopolímeros e copolímeros aleatórios Em 1955, Grunberg-Manago & Ochoa, isolaram da bactéria Azobacter vinelandii, uma enzima capaz de juntar ribonucleotídios na reação esquematizada abaixo, onde NDP representa um ribonucleosídio difosfato: (RNA)n + NDP —> (RNA)n+1 + Pi Esta enzima, denominada polinucleotídio fosforilase, não utiliza um molde para sintetizar a nova molécula, ligando aleatoriamente os ribonucleosídios difosfatados disponíveis. Difere, portanto, da RNA polimerase. Se apenas um tipo de ribonucleosídio estiver disponível, sintetizará um homopolímero. Conhecendo esta enzima, Nirenberg e Matthaei sintetizaram três tipos de homopolímeros de RNA: poli U, poli A e poli C. Com estes homopolímeros fizeram ensaios de síntese protéica "in vitro". Em 20 tubos de ensaio contendo os requisitos necessários à síntese proteica, adicionavam um dos homopolímeros e uma mistura de 19 aminoácidos não marcados + 1 marcado radioativamente, que era diferente em cada tubo. O homopolímero poli U (mRNA poli U), recuperava uma quantidade significativa de radioatividade no precipitado protéico do tubo que recebera fenilalanina (Phe) radioativa. Logo, UUU é códon para Phe. Nos casos de mRNA poli A e mRNA poli C, precipitado protéico radioativo foi encontrado, respectivamente, em presença de lisina (Lys) e prolina(Pro) marcadas. Assim, AAA especifica lisina Lys e CCC especifica Pro. Para elucidar o significado das outras trincas foram sintetizados copolimeros aleatórios, misturando-se a enzima polinucleotídio fosforilase com quantidades diferentes de cada tipo de nucleotídio. Por ex., ao misturar 76% de U e 24% de G, a probabilidade de uma trinca desta mistura ser UUU é 0,76 x 0,76 x 0,76 = 0,44. UUG, UGU ou GUU (2 UU e 1 G) é 0,76 x 0,76 x 0,24 = 0,14 para cada uma das configurações possíveis. GGG é 0,24 x 0,24 x 0,24 = 0,01 (Tabela 8.1). A utilização de diferentes copolímeros permitiu que se inferisse os códons para alguns aminoácidos e comprovou o fato do código ser degenerado. Códon Probabilidade de Ocorrência Incidência Relativa Aminoáci do Quantidade Relativa de aminoácido incorporado UUU 0,44 100 Phe 100 UUG, UGU, GUU 0,14 para cada 32 Leu ou Cys ou Val Leu 36; Cys 35; Val 37 UGG, GUG, GGU 0,04 para cada 9 Trp ou Gly Trp 14; Gly 12 GGG 0,01 2 - - a Incidência relativa é aqui definido como 100 x probab. ocorrência/0,44. Adaptado de Voet & Voet, 1995, pg 964. Tabela 8.1. Incorporação de aminoácidos estimulada por um copolímero aleatório de U e G numa razão molar 0,76:0,24. GGG Ligando trincas específicas aos tRNAs Em 1964 Nirenberg & Leder verificaram que trincas de nucleotídios são capazes de promover a ligação de aminoacil-tRNAs específicos aos ribossomos. Utilizaram um filtro de nitrocelulose cujos poros eram suficientemente pequenos para impedir a passagem dos ribossomos mas não dos aminoacil-tRNAs livres. Quando o aminoacil-tRNA liga-se ao ribossomos, fica retido no filtro. Os ensaios foram feitos em tubos contendo ribossomos, uma dada trinca e uma mistura de tRNAs carregados com seus respectivos aminoácidos, sendo que apenas um dos aminácidos daquela mistura estava marcado radioativamente. O aminoacil-tRNA complementar à trinca liga-se a ela. Este procedimento foi repetido para os vinte aminoácidos (Figura 8.7). Cerca de 50 códons foram determinados neste ensaio de ligação. A resolução do Código finalmente foi completada por Khorana, utilizando poliribonucleotídos de trincas conhecidas e repetidas em seqüência. P. ex., num poli UGC, três homopolímeros diferentes poderiam ser especificados, uma vez que a leitura do polímero pelos ribossomos pode acontecer em três fases possíveis (UGC UGC UGC UGC ou GCU GCU GCU GCU ou CUG CUG CUG CUG), gerando homopeptídios de cisteína, alanina ou leucina (Figura 8.8). Códons de terminação e iniciação A utilização de tetranucleotídios repetidos permitiu a identificação dos códons de terminação. Analise os três copolímeros abaixo: Figura 8.7 Ensaio de ligação do tRNA à trinca específica. Uma trinca de ribonucleoídios associa-se ao ribossomo e captura o aminoacil- tRNA cognato. Este complexo não atravessa o filtro de nitocelulose. Os aminoacil-tRNAs não ligados atravessam o filtro. No tubo contendo o amino-acil-tRNAcognato, marcado radioativamente, será possível detectar radioatividade aprisionada ao filtro. Figura 8.8. Um mRNA pode ser lido em qualquer um dos três quadros de leitura, gerando, em cada caso, um polipeptídio diferente. No caso A) é gerado um polipeptídio onde 4 aminoácidos se repetem em seqüência: Tyr(Y).Leu(L).Ser(S).Ile(I). Nos casos B) e C) são gerados apenas tripeptídeos com as composições de aminoácidos Ile(I).Asp(D).Arg(R) e Val(V).Ser(S).Lys(K), respectivamente. Isto porque UAG e UAA são sinais de parada da síntese protéica. UGA é outro sinal de parada. Os códons de terminação UAA, UAG e UGA são denominados códons sem sentido (nonsense) porque são os únicos códons que não especificam nenhum aminoácido. Freqüentemente são denominados ochre (UAA), amber (UAG) e opala (UGA). O códon AUG inicia a cadeia polipeptídica na maioria dos casos. GUG é um iniciador mais raro. Estes mesmos códons são encontrados em posições internas do gene, especificando metionina (AUG) e valina (GUG). Algumas variações em torno da regra são encontradas (veja Universalidade do Código Genético). A síntese de proteínas a partir dos polímeros sintéticos acima descritos como, p. ex., UUU, que não possui o iniciador, acontece "in vitro", sob condições muito altas de Magnésio, bastante diferente das condições fisiológicas. Tabela do Código Genético O arranjo da tabela do código não é aleatório, porque basea-se em propriedades do código. O código é altamente degenerado, sendo que três aminoácidos, Arg, Leu e Ser podem ser especificados por 6 códons cada. Os outros são especificados por 4 ou 2 códons. Somente metionina e triptofanosão especificados por um único códon. São três os códons de terminação. Códons que especificam o mesmo aminoácido são denominados sinônimos. A maioria dos sinônimos difere apenas na 3a posição e, assim, estão agrupados na mesma caixa da Tabela, exceto os que possuem 6 códons e, portanto, ocupam mais de uma caixa. Assim, mutações na 3a posição, em geral, não provocam mudanças de aminoácidos sendo fenotipicamente silenciosas. Códons com pirimidinas na 2a posição codificam, em geral, aminoácidos hidrofóbicos (verde). Códons com purinas na 2a posição codificam, em geral, aminoácidos polares. Observando estes códons verifica-se que se os códons codificando os aminoácidos hidrofóbicos F, L, I e V, sofrerem mudanças na 1a ou 3a posição continuarão codificando aminoácidos com características similares de sorte a preservar o funcionamento da proteína resultante. Aparentemente o código evoluiu de modo a minimizar os efeitos deletérios das mutações. A maioria das mutações que levam a substituição de um aminoácido por outro na cadeia polipeptídica são provocadas pela mudança de uma única base, ou seja, num único ponto do polímero de ácido nucléico e, por esta razão são denominadas mutações de ponto. Acredita-se que grande parte das variações genéticas observadas entre indivíduos de uma população humana (polimorfismo) seja decorrente de alterações em um único nucleotídio no gene, recebendo a denominação SNP, do inglês single nucleotide polymorphism. Tabela do Código Genético 1 a posição 2 a posição 3 a posição U C A G U UUU Phe(F) UCU Ser(S) UAU Tyr(Y) UGU Cys(C) U UUC UCC UAC UGC C UUA Leu(L) UCA UAA TERM UGA TERM A UUG UCG UAG UGG Trp(W) G C CUU Leu(L) CCU Pro(P) CAU His(H) CGU Arg(R) U CUC CCC CAC CGC C CUA CCA CAA Gln(Q) CGA A CUG CCG CAG CGG G A AUU Ile(I) ACU Thr(T) AAU Asn(N) AGU Ser(S) U AUC ACC AAC AGC C AUA ACA AAA Lys(K) AGA Arg(R) A AUG Met(M) ACG AAG AGG G G GUU Val(V) GCU Ala(A) GAU Asp(D) GGU Gly(G) U GUC GCC GAC GGC C GUA GCA GAA Glu(E) GGA A GUG GCG GAG GGG G As letras entre parêntesis especificam a nomenclatura de 1 letra para cada um dos 20 aminoácidos. Verde: aminoácidos não polares; vermelho: aminoácidos polares não carregados; azul: aminoácidos polares com carga positiva (básicos); amarelo: aminoácidos polares com carga negativa (ácidos); verde claro: Metionina iniciadora e internas; rosa: códons de terminação. A universalidade do código O fato de ser possível traduzir genes de um organismo em outro, p. ex., genes humanos, em E. coli, sugeria que o código padrão apresentado na tabela 8.2 era universal. Todavia, o estudo de diferentes seqüências de DNA a partir dos anos 80 revelaram algumas divergências em relação ao padrão. P. ex., em mitocôndrias de mamíferos o códon para a Met iniciadora pode ser AUG ou AUA (Ile no padrão); UGA especifica Trp e não terminação; AGA e AGG especificam terminação e não Arg. Nas mitocôndrias de plantas, fungos, Drosófila e protozoárias, também ocorrem variações em relação ao padrão. Nos protozoários ciliados, os códons UAA e UAG, ao invés de especificarem parada, codificam Gln. Além disto, foi relatado em Candida spp (Santos et al, 1997), eucariotos unicelulares, a existência de códons polissêmicos, isto é, um códon codificando mais de um aminoácido. No caso citado, CUG codifica tanto Leu como Ser, denotando ambigüidade e nos remetendo as seguintes questões: 1) em Candida, as alterções no Código Genético ainda não estariam completamente estabelecidas, ou 2) a ambiguidade CUG seria vantajosa, permitindo rápida adaptação a desafios ambientais, devendo ser mantida como tal. Estas são algumas das evidências de que o código genético padrão, se bem que amplamente utilizado, não é universal. Ainda, em relação à utilização de códons, o seqüenciamento dos genomas nos permitiu verificar que existe uma preferência por determinados códons de acordo com os grupos taxonômicos. A preferência de códons (codon usage, em inglês) nos permite fazer conjecturas acerca da origem de determinados genes dentro de um grupo taxonômico. Mais recentemente pode-se verificar preferência de códons dentro de um mesmo genoma dependendo do posicionamento dos genes. Em Borrelia burgdorferi , genes localizados na fita líder (leading) de duplicação do DNA apresentam uma preferência diversa daqueles localizados na fita lenta (lagging), revelando um novo paradigma para seleção de códons em procariotos (McInerney, 1998). Genes sobrepostos: O fato dos códons serem lidos sem pontuação e de cada códon ser uma trinca, permite, em princípio, que qualquer seqüência de nucleotídios apresente três fases potenciais de leitura. Logo, uma dada seqüência poderia codificar até três polipeptídios diferentes. Este tipo de organização do genoma foi encontrado no fago X174, onde a seqüência de um gene está completamente contida na seqüência de um gene maior, lido em outro quadro de leitura e codificando proteínas não relacionadas (Figura 8.8). Em bactérias pode-se observar sobreposição nos terminais de genes que pertencem ao mesmo operon: o terminal de um gene sobrepõe-se ao início do próximo. Mas, sobreposição completa de um gene só foi detectada em fagos pequenos de DNA fita simples, como X174. Este tipo de organização permite o uso máximo daquela quantidade de DNA, que é a quantidade disponível para ser empacotada em seus capsídios. Guia de Estudos Qual é o polipeptídio especificado na fita molde de DNA, abaixo? Assuma que a tradução se inicia no primeiro códon de iniciação transcrito. 5’ TCTGACTATTGAGCTCTCTGGCACATAGCA 3’ A seqüência abaixo é um mRNA: 5’ - CGAUGCGAACCACGUGAUAAGCAU - 3’ Transcreva a fita molde indicando seu sentido Transcreva a fita codificadora indicando seu sentido Deduza a seqüência de aminoácidos, indicando o terminal amino e carboxila Deduza a seqüência de aminoácidos caso haja a inserção de um A, no início da cadeia de mRNA. Qual seria a seqüência possível de um mRNA que codificasse o polipeptídeo abaixo? (Indique as variações) His - Thr - Glu -Asp - Trp - Leu - His - Gln – Asp Quais as propriedades do código genético? Figura 8.8 Região do genoma de X174. Note que o gene B está completamente contido em A. Também, o gene E está completamente contido em D. Além disto, os terminais dos genes D e E sobrepõem-se a seqüência controle de iniciação da tradção do gene J. Logo, este pequeno segmento do DNA executa uma tarefa tripla. A impressão digital (fingerprinting) de uma proteína de um mutante fenotipicamente revertente do fago T4 indica a presença de um peptídio alterado em relação ao selvagem: Selvagem: Cys-Glu-Asp-His-Val-Pro-Gln-Tyr-Arg Mutante: Cys-Glu-Thr-Met-Ser-His-Ser-Tyr-Arg Explique como surgiu o mutante e dê as seqüências, sempre que possível, dos mRNAs que especificam os dois peptídios. Quais são os aminoácidos especificados por códons que, com uma única mutação de ponto mudam para um códon âmbar (UAG)? O mRNA especificando a cadeia da hemoglobina humana contem a seqüência: ........UCCAAAUACCGUUAAGCUGGA......., que codifica o tetrapeptídio C-terminal da cadeia - normal: Ser-Lys-Tyr-Arg. Numa hemoglobina mutante, a seqüência correspondente a esta região é: Ser-Lys-Tyr-Arg-Gln-Ala-Gly... Que tipo de mutação provocou esta alteração? Um segmento de uma proteína normal e de três mutantes aparece abaixo: Normal: gly, ala, ser, his, cys, leu, phe.... Mutante 1: gly, ala, ser, his Murante 2: gly, ala, ser, leu, cys, leu, phe Mutante 3: gly, val, ala, ile, ala, ser Qual é a provável seqüência de basesno RNA normal? Uma proteína normal tem histidina numa dada posição. Quatro mutantes foram isolados com os seguintes aminoácidos na posição da histidina: tirosina, glutamina, prolina ou leucina. Quais os possíveis códons para estes aminoácidos e qual era, provavelmente, o códon utilizado para histidina? Capítulo 9 Tradução em Bactérias A molécula adaptadora A molécula de tRNA preenche todas as características da molécula adaptadora proposta por Crick, necessária à ocorrência da tradução: carrega um aminoácido, que aí se ligou por ação enzimática e reconhece o códon correspondente por complementaridade de bases (Figura 9.1). Desta forma, a função do tRNA é assegurar que cada um dos aminoácidos incorporados na proteína corresponda ao seu códon particular na molécula de mRNA. A primeira molécula de tRNA a ser seqüenciada foi tRNAAla, de leveduras, em 1965. A partir de então, centenas de moléculas de tRNA de diferentes organismos já foram seqüenciadas. A molécula Figura 9.1. Hipótese do adaptador. de tRNA pode ser representada na forma de uma folha de trevo, resultante de pareamento intramolecular, produzindo três estruturas tipo haste/alça e uma haste, caracterizando os quatro braços da molécula (Figura 9.2). No braço aceptor de aminoácido, algumas bases dos terminais 3´ e 5´ da molécula estão pareadas, deixando livre a seqüência 5´CCA 3´ que é constante em todos os tipos de tRNAs. Ao grupo 3´ OH ou 2´OH livre do adenilato terminal conecta-se o aminoácido específico. Oposto ao braço aceptor encontra-se o braço do anticódon, ou seja, os 3 nucleotídios complementares ao códon da molécula de mRNA. O braço DHU posiciona-se próximo ao terminal 5´. O braço TC posiciona-se próximo ao terminal 3´. Entre o braço TC e o braço do anticódon, encontra-se um braço de tamanho bastante variável quando se comparam os diferentes tRNAs. Este braço não está presente em todos os tRNAs (braço extra). Um grande número de bases nos tRNAs são modificadas após a sintese da molécula gerando diidrouridina (D), pseudouridina (), inosina, metilguanosina, etc. Não está claro qual é a função destas modificações. Algumas foram associadas à restrição ou expansão no reconhecimento do códon. Outras seriam necessárias como elementos identificadores, para as aminoaci-tRNA sintetases. Os cromossomos de E. coli contem aproximadamente 60 genes para tRNAs, alguns dos quais participam dos operons de rRNA. Os outros encontram-se agrupados em diferentes posições do cromossomo e o transcrito inicial pode incluir vários tRNAs. Nos eucariotos são encontradas várias centenas de genes para tRNAs, espalhados no genoma. Os transcritos iniciais dos tRNAs apresentam seqüências extras nos terminais 3´ e 5´ as quais são retiradas por diferentes RNases. A RNase P, que atua no terminal 5´ dos tRNAs é uma ribozima, encontrada em procariotos e eucariotos (núcleo, mitocôndria e cloroplastos). Esta ribozima apresenta um componente ribonucléico e um componente protéico, mas é o RNA que, de fato, possui atividade catalítica. Muitos transcritos primários para tRNAs de eucariotos contem introns adjacentes ao braço do anticódon, os quais são excisados antes da molécula migrar para o citoplasma. Outra característica de eucariotos é que os tRNAs são transcritos sem a seqüência CCA típica do terminal 3´ de todos os tRNAs, a qual será adicionada posteriormente, pela enzima tRNA nucleotidil transferase, utilizando CTP e ATP como substrato. Figura 9.2. Estrutura planar e estrutura terceária do tRNA. Em geral apresentam 76 nucleotídios, variando na faixa de 60 a 95 (18 a 28kDa). Análises de cristalografia sugerem que as moléculas de tRNA assumem uma estrutura terceária na forma de um L, onde o braço aceptor e o braço TC constituem uma perna do L e os braços D e do anticódon, constituem a outra perna. Variações nesta estrutura são encontradas nos tRNAs mitocondriais de mamíferos, flagelados e nematóides, incidindo sobre os braços D e T. A quantidade, dentro da célula, de cada espécie de tRNA isoaceptor varia de acordo com o organismo. É interessante observar que esta quantidade está associada à preferência dada por um organismo na utilização de certos códons. Ou seja, é típico de cada organismo a preferência de códons dentre os vários possíveis num sistema degenerado. Quanto maior a quantidade de tRNAs para estes códons, maior será a eficiência de tradução dos mesmos. Hipótese oscilatória Nem sempre é necessário um pareamento perfeito entre as bases, na interação códon- anticódon. Se isto fosse imprescindível, as células deveriam possuir 61 tipos de tRNAs, correspondentes aos 61 códons. Todavia, as células contem apenas cerca de 30 a 40 tRNAs diferentes em bactérias e ~50 em eucariotos. Portanto, não existe um tipo de tRNA para cada códon. Por exemplo: o tRNAPhe com o anticódon 5’GmAA3’, pode parear com 5’UUC3’ e 5’UUU 3’ (lembre-se que as fitas são antiparalelas); o tRNAAla, com o anti-códon 5’IGC3’, pode parear com 5’GCU3’, 5’GCC3’ e 5’GCA3’. Para explicar como o anticódon de um dado tRNA pode reconhecer códons degenerados Crick propôs a hipótese oscilatória (wobble)(Crick, 1966). Analisando o código genético, observa-se que a 3a base do códon é menos restritiva que a 1a e a 2a. Ele assumiu que os dois primeiros pares códon- anticódon, obedeciam o pareamento normal Watson-Crick. O 3o par, todavia, podia apresentar oscilação no pareamento. Quando U, G ou I ocupam a 1a posição do anticódon, podem ser reconhecidos dois ou três códons, com variação na 3a posição (Tabela 9.1). Tabela 9.1 Pareamentos permitidos na 3a posição Base 5' - anticódon Base 3' - códon C G A U U A ou G G U ou C I U, C ou A As aminoacil tRNA sintetases As enzimas aminoacil tRNA sintetases são responsáveis pela ligação correta de cada aminoácido a seu tRNA correspondente. Em E. coli existe uma amino acil tRNA sintetase, pelo menos, para cada um dos 20 tipos de aminoácidos (p. ex., arginil t-RNA sintetase - ArgRS, leucil t- RNA sintetase - LeuRS, etc). Uma enzima particular reconhece um aminoácido particular e todos os tipos de tRNAs que transportam aquele aminoácido (Como o código genético é degenerado, existem diferentes códons para leucina, p. ex., que serão reconhecidos por diferentes anti-códons e, portanto, diferentes tRNAs). Em eucariotos existe um conjunto de pelo menos 20 diferentes aminoacil t-RNA sintetases nucleares e um outro conjunto mitocondrial. Uma vez que todas estas enzimas exercem o mesmo papel, ou seja, "carregar" o t-RNA com o aminoácido correto e, considerando-se que os diferentes tipos de tRNAs tem estrutura bastante similar, esperava-se que as enzimas também apresentassem uma estrutura similar. Todavia, este não é o caso. Elas são um grupo bastante heterogêneo, variando de proteínas monoméricas à tetraméricas. Os diferentes tipos de amino acil tRNA sintetases pertencem a duas classes, I e II, de acordo com sua habilidade de conectar o aminoácido, respectivamente, ao grupo 2’OH ou 3’OH do adenilato livre no terminal 3’ da molécula. Geralmente, é a face interna (côncava) do L que interage com as aminoacil t-RNA sintetases. As evidências atuais são de que os identificadores de cada um dos tipos de tRNA encontram-se no braço aceptor e na alça do anticódon (Figura 9.3). Acoplando o aminoácido ao tRNA específico Para carregar um tRNA específico com o aminoácido correto duas reações consecutivas, catalisadas pela mesma aminoacil t-RNA sintetase são necessárias, utilizando-se energia de hidrólise de uma molécula de ATP: ativação do aminoácido ao reagir com ATP, gerando aminoacil adenilato (aminoacil-AMP) + PPi; ligação do aminoacil-AMP ao tRNA, gerando aminoacil-tRNA + AMP. O processode aminoacilação do tRNA é altamente específico. Se o aminoácido errado (não- cognato), ligar-se ao tRNA, a seqüência de aminoácidos ficará alterada uma vez que o reconhecimento do aminoacil tRNA é via pareamento códon-anticódon. Figura 9.3 Interação do tRNA com a enzima aminoacil tRNA sintetase (AARS) Este fenômeno foi demonstrado experimentalmente da seguinte forma: um resíduo de cisteína ligado ao tRNACys, cisteinil-tRNACys, foi modificado para alanina, tornando-se alanil-tRNACys (Figura 9.4). No momento da síntese "in vitro", o alanil-tRNACys agrega alanina aos polipeptídios em resposta ao códon de cisteína no mRNA, de sorte que, no polipeptídio, alanina passa a ocupar posições que deveriam ser ocupadas por cisteína. Isto significa que somente o anticódon do aminoacil-tRNA participa do processo de reconhecimento do códon, sem qualquer envolvimento do aminoácido. Assim, a tradução correta do código genético em proteínas depende de dois eventos de reconhecimento por parte do tRNA: reconhecer o aminoácido ativado e reconhecer o códon equivalente no mRNA. Ribossomos, as máquinas tradutoras O processo de síntese protéica está confinado à complexas e abundantes estruturas ribonucleoprotéicas denominadas ribossomos, às quais se agregam, transitoriamente, tRNAS e mRNAs. O confinamento das moléculas envolvidas no processo de síntese torna-o extremamente eficiente. Os ribossomos de E. coli são partículas esferóides de ~250 Å, com coeficiente de sedimentação 70S e massa aproximada de 2,5 x 106 Da. Estas partículas são formadas por duas subunidades desiguais. A subunidade pequena (30S) é constituída de uma molécula de rRNA 16S e 21 tipos de proteínas. A subunidade grande (50S) é constituída das moléculas de rRNA 23S e RNA 5S mais 31 proteínas diferentes (Figura 9.5) Subunid. grande, 50S Massa: 1590 kDa RNAs: 23S e 5S Proteínas: 31 Subunid. pequena, 30S Massa: 930 kDa RNA: 16S Proteínas: 21 Ribossomo, 70s Massa: 2520 kDa RNAs: 23S, 16S, 5S Proteínas: 52 Figura 9.4 Demonstração experimental de que o pareamento códon- anticódon direciona a adição de aminoácidos ativados durante a síntese protéica. Figura 9.5 A subunidade pequena combina-se com a subunidade grande formando o ribossomo completo (70S) Por convenção, as proteínas das subunidades grande e pequena são designadas, respectivamente, com os prefixos L (do inglês, Large) e S (do inglês, Small), seguidas de um número indicativo de sua posição no gel após corrida eletroforética em duas dimensões. A seqüência de aminoácidos de todas as 52 proteínas ribossômicas de E. coli já está determinada, uma vez que o genoma já foi completamente sequenciado. A maioria das proteínas ribossômicas é rica nos aminoácidos básicos Lys e Arg, contendo poucos resíduos aromáticos, o que era de se esperar de proteínas interagindo intimamente com moléculas polianiônicas como o RNA. O rRNA 16S consiste de 1542 nucleotídios com pareamento intramolecular, determinando uma estrutura secundária complexa com 4 domínios bastante conservados. A estrutura da molécula de RNA determina sua interação com as proteínas ribossômicas e a própria conformação da subunidade ribossômica pequena. O rRNA 5S é constituído de 120 nucleotídios e o 23S de 2904 nucleotídios. Os ribossomos de eucariotos (80S) são maiores e mais complexos que os de E. coli. A subunidade pequena (40S) é constituída de ~33 proteínas e de uma molécula de rRNA 18S (1900 nucleotídios). A subunidade grande (60S) é constituída de 3 espécies de rRNA: 28S (4.800 nucleotídios); 5,8S (160 nucleotídios) e 5S (20 nucleotídios). Cerca de 50 proteínas fazem parte desta subunidade. Os cloroplastos e mitocôndrias também possuem ribossomos, os quais assemelham-se aos de bactéria. Se bem que a seqüência primária de cada tipo de rRNA varie consideravelmente entre diferentes organismos, a estrutura secundária que acabam adotando é muito similar em todos os casos analisados. Os estágios da tradução Três estágios podem ser considerados no processo de síntese protéica: iniciação, alongamento e terminação. A iniciação implica na ativação do aminoácido iniciador. O aminoácido iniciador é a metionina, cujo códon é AUG (códon de iniciação). Uma vez que o aminoácido iniciador é sempre uma metionina, a iniciação requer a presença de metionil-tRNAMet. Existem dois tipos de tRNAMet. Um deles, o tRNAi Met, inicia a cadeia, o outro tRNAMet, incorpora metionina na cadeia crescente. A mesma aminoacil-tRNA sintetase acopla metionina aos dois tipos de tRNA, mas somente o metionil- tRNAi Met pode se ligar à subunidade pequena do ribossomo para iniciar a síntese protéica. Em bactérias, o grupo amino da metionina do metionil-tRNAi Met é modificado pela adição de um grupo formil sendo, algumas vezes, designado formilmetionil-tRNAf Met ou fMet-tRNAf Met. A enzima responsável pela formilação utiliza N10-formil tetrahidrofolato como doador do grupo formil (Fig. 9.6). Em E. coli, o sítio de iniciação da síntese protéica, na molécula de mRNA, é identificado pela interação do terminal 3´ do rRNA 16S, da subunidade pequena, com o terminal 5´ da molécula de mRNA a ser traduzida. Uma seqüência de nucleotídios no terminal 5´ do mRNA, denominada Figura 9.6 Estruturas da Metionina e N-formil metionina. Em vermelho, o grupo formil. seqüência Shine-Dalgarno (a dupla de pesquisadores que a identificou), é parcialmente complementar a uma seqüência do terminal 3´ do rRNA 16S, rica em pirimidinas (Shine & Dalgarno, 1974). A seqüência Shine-Dalgarno, no mRNA, está centrada a cerca de 10 nucleotídios do ponto de início da tradução. O pareamento entre as duas moléculas não é absoluto e devem ser considerados pares G.U. mRNA da replicase do fago Q 5' UAAGGAUGAA-(5 nucl.)- AUG...3' mRNA da prot. ribos. L10 5' CAGGAGCAAA -(4 nucl.) - AUG ...3' mRNA do trp leader 5' AAAGGGUAUC - (4nucl.) - AUG ...3' Terminal 3' do 16S rRNA 3' AUUCCUCCAC - (~1400 nucl.) - 5' Em E. coli, a interação inicial entre a molécula de mRNA, a subunidade pequena do ribossomo e o fMet-tRNAf Met forma o complexo de iniciação de tradução. Tal interação é facilitada por proteínas que se associam transitoriamente aos ribossomos conhecidas pelo nome genérico de fatores de iniciação da tradução (IF1, IF2 e IF3). Apesar da síntese protéica sempre iniciar com metionina, este aminoácido não é encontrado no terminal amino de todas as proteínas funcionais uma vez que é modificado ou removido após a síntese. O complexo de iniciação da tradução Ribossomos intactos (70S) não se ligam a novos mensageiros para iniciar a síntese protéica. É necessário que as subunidades se dissociem. A formação do complexo de iniciação da tradução (Figura 9.7) requer os seguintes passos: o fator de iniciação da tradução, IF3, liga-se à partícula 70S propiciando a dissociação das duas subunidades. IF1 aumenta a taxa de dissociação. o mRNA e o fMet-tRNAf Met ligam-se à subunidade 30S, assessorados por IF3. o acoplamento do fMet-tRNAf Met ao mRNA exige energia, cedida por GTP, e assistência do fator IF2 (IF2-GTP + fMet-tRNAf Met). Forma-se o complexo 30S de iniciação: subunidade ribossômica 30S, mRNA, IF3, IF1, IF2- GTP e fMet-tRNAf Met). a subunidade ribossômica grande, 50S, acopla-se ao complexo 30S, após liberação do fator IF3. o acoplamento estimula IF2 a hidrolisar GTP a GDP + Pi, provocando rearranjo conformacional na subunidade 30S que resulta na liberação dos fatores IF1 e IF2. Na iniciação da síntese protéica, o fMet-tRNAf Met ocupa o sítio ribossômico P enquanto o sítio ribossômico A está posicionado para receber o aminoacil-tRNA ingressante cujo anticódon seja complementar ao códon imediatamente adjacenteao iniciador AUG. Terminação da cadeia de aminoácidos A tradução de mRNAs termina nos códons de terminação UAA, UGA ou UAG. Neste momento, os polipeptídeos produzidos são liberados no citoplasma da célula. Em E. coli, os códons de terminação, os únicos que não possuem um tRNA correspondente, são reconhecidos por fatores de liberação ou RF (do inglês, release factors). RF-1 reconhece os códons UAA e UAG. RF-2 reconhece UAA e UGA. O fator RF-3, uma GTPase, quando complexada à GTP estimula a ligação de RF–1 ou RF-2 ao sítio A do ribossomo. A ligação do RF ao códon de terminação apropriado induz peptidil transferase a transferir o peptidil–tRNA para a água, ao invés de um aa–tRNA. Com a liberação do peptídeo, o tRNA presente no sítio P fica descarregado e é expelido do ribossomo. Também são descartados os Figura 9.7 Iniciação da síntese protéica em E. coli. RF, após hidrólise de GTP a GDP + Pi pela GTPase RF–3 e o mRNA, o qual será degradado (Figura 9.9). Polissomos Figura 9.9 Terminação da tradução em E. coli. RF1 reconhece os códons de terminação UAA e UAG. RF2 reconhece UAA e UGA. Em eucariotos um processo similar ocorre mas requer apenas um fator de liberação denominado eRF, o qual reconhece os tres códons de terminação. Liga-se ao ribossomo junto com a molécula de GTP. A hidrólise do GTP dissocia o fator do ribossomo. Figura 9.10 Síntese protéica em um polissomo. O mRNA mensageiro é ocupado por vários ribossomos. Cada um sintetiza uma cadeia polipeptédica completa, conforme vai deslizando sobre a molécula de mRNA. Tanto em bactérias como em eucariotos, os ribossomos lêem a molécula de mRNA no sentido 5´ —> 3´ e a cadeia polipeptídica cresce do terminal amino para o carboxila. Micrografias eletrônicas revelam que os ribossomos engajados no processo de síntese protéica localizam-se na moléculas de mRNA, um em seguida do outro, como as contas de um colar, numa freqüência de 1 ribossomo a cada 80 nucleotídios. O complexo mRNA, ribossomos ativamente engajados na síntese protéica e polipeptídeos nascentes é denominado polissomo ou polirribossomo(Figura 9.10). Os polissomos são uma evidência de que o sítio de iniciação da tradução é imediatamente ocupado por outro ribossomo assim que o ribossomo inicial desliza sobre a molécula de mRNA liberando o ponto de início. Chaperones Moleculares Conforme uma cadeia polipeptídicaP emerge do ribossomo, associa-se à proteínas especiais denominadas chaperones moleculares cuja função é permitir que os polipeptídios recém-sintetizados adquiram sua estrutura final ativa. Os chaperones moleculares ajudam no enovelamento das proteínas ao interagir com o peptídio nascente, impedindo interações espúrias com outras moléculas, o que poderia interfirir na conformação final da proteína (Ellis & van der Vies, 1991). Uma dada seqüência de aminoácidos pode se enovelar, potencialmente, em diferentes estruturas. Muitas destas estruturas poderiam ser não-funcionais e/ou altamente instáveis. O papel dos chaperones moleculares seria ajudar os peptídeos encontrarem um estado funcional estável. O termo chaperone molecular foi utilizado pela primeira vez, para descrever a função da nucleoplasmina na montagem ordenada dos nucleossomos. Quando DNA e histonas de Xenopus eram misturados sob condições fisiológicas de força iônica, ocorria precipitação das moléculas. Todavia, se nucleoplasmina fosse adicionada à mistura, formavam-se os nucleossomos. A nucleoplasmina é requerida apenas para a montagem dos nucleossomos, não participando do produto final. Ela também não carrega nenhuma informação estérica para a montagem dos nucleossomos. Esta informação está contida nas histonas. Assim, os chaperones moleculares agem sem modificar covalentemente seu substrato e sem participar do produto final. Uma série de eventos celulares relativos a enovelamento, oligomerização, transporte e degradação de proteínas, em diferentes tipos de células dependem da participação das máquinas chaperônicas moleculares, compostas de um chaperone molecular principal (o qual se liga promiscuamente à cadeias polipeptídicas nascentes, desenoveladas ou agregadas) e um conjunto de outros chaperones (côrte), cuja função seria aumentar a eficiência do processo e permitir a reciclagem (Georgopoulos, 1992). Cada ciclo de enovelamento requer energia provida por moléculas de ATP. Vários dos chaperones conhecidos são proteínas de choque térmico, ou seja , proteínas cuja expressão é induzida em resposta à elevação de temperatura. Um dos papéis presumido para proteínas de choque térmico seria o de proteger a célula reparando os danos provocados pelo calor. Proteínas desnaturadas pelo calor poderiam ser re-enoveladas na forma apropriada por ação dos chaperones moleculares (Hartl et al., 1994). Os chaperones moleculares são encontrados tanto em bactérias como em árqueas e eucariotos e são proteínas altamente conservadas na evolução. tmRNAs O tmRNA bacteriano é assim denominado devido sua dupla natureza: tipo tRNA e tipo mRNA. Este RNA também é conhecido pela denominação 10Sa RNA ou SSrA. O tmRNA está envolvido num processo notável trans-traducional. Sua função é adicionar uma etiqueta polipeptídica no C-terminal de peptídeos incompletos, prisioneiros dos ribossomos. Porque estes peptídios estariam aprisionados? Alguns mRNAs podem ter sido danificados e perderam seus códons de parada. Nestas circunstâncias, os fatores RF, de liberação dos peptídios, não podem associar-se aos ribossomos. Cria-se uma situação de bloqueio. Os ribossomos estão aprisionados ao polissomo; os peptídios nascentes continuam acoplados ao peptidil-tRNA. Uma vez que estes peptídios não terminaram de ser traduzidos, mesmo que sejam liberados não serão funcionais e, portanto, é conveniente para a célula que eles sejam degradados. A etiqueta adicionada pelos tmRNA é um sinal para as proteases degradarem tais peptídeos (Keiler et al., 1996). Assim, o tmRNA promove a destruição de produtos muito pequenos do processo de tradução, uma vez que, em bactérias, mRNAs danificados não são discriminados e entram no processo de tradução, gerando peptídios não funcionais. Moléculas de tmRNA tem sido identificadas em diferentes grupos do domínio Bacteria, mas não foram encontrados entre os Archaea nem Eukarya. Em eucariotos, o sistema tmRNA talvez não seja necessário porque a tradução de mRNAs danificados é evitada utilizando-se outros controles de qualidade, tais como a seleção positiva de mRNAs com cap no terminal 5' e cauda poliA no terminal 3´. Guia de Estudos Quais os passos de iniciação de tradução em E. coli? Quem determina o reconhecimento do códon? O aminoácido carregado pelo tRNA ou a seqüência de anti–códon da molécula de tRNA? Qual a função da seqüência Shine–Dalgarno? Quais são os fatores de iniciação da tradução? Como atuam? O terminal 3' da molécula de tmRNA apresenta similaridade com o braço T de moléculas de tRNA e sempre está associado a um resíduo de Alanina. Na ampla alça que se forma, antes do caule (Figura 9.11), encontra-se uma seqüência de códons especificando a etiqueta (Tag) que sinaliza para proteólise. A etiqueta é constituída dos resíduos de aminoácidos (A)ANDENYALAA, em E. coli. O tmRNA reconhece ribossomos com tradução bloqueada e ocupa o sítio A. O peptídio nascente é transferido para o resíduo de alanina no terminal 3' do tmRNA. O mRNA danificado é descartado e substituído pela seqüência de códons do tmRNA. A síntese protéica recomeça e continua até encontrar um códon de parada convencional. Figura 9.11 Modelo de ação das moléculas de tmRNA Quais são os fatores de alongamento da cadeia polipeptídica? Como atuam? Como ocorre a terminação da tradução? Qualo sentido de crescimento da cadeia polipeptídica? Qual a ação dos análogos de base sobre a síntese protéica? Qual a conseqüência, na síntese protéica, da ação dos corantes de acridina? Comente esta frase: somente o anticódon do aminoacil-tRNA participa do processo de reconhecimento do códon. Quais são as características estruturais da molécula adaptadora? Qual a constituição dos ribossomos de E. coli? Qual o papel das aminoacil-tRNA sintetases (AARS)? Qual o papel da tRNA-nucleotidil transferase? Como funciona o sistema tmRNA?
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