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ASPECTOS SÓCIO-HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO NA SOCIEDADE DE CLASSES E A CONSTRUÇÃO DA IDEOLOGIA HEGEMONICA SOUZA, Aisllan Augusto de1; NUNES, Georgina Helena Lima2 1Acadêmico da Faculdade de Educação, Curso de Pedagogia/UFPel 2Profa. Dra. em Educação (UFRGS).Professor adjunto da UFPel. Orientadora. Rua: Andrade Neves, 1.290 apto. 209 – centro – 96020-080. aisllansouza@hotmail.com 1. INTRODUÇÃO Na sociedade de classes, a educação se apresenta como um território em disputa, ou seja: educar na perspectiva da ideologia dominante a fim de manter o modelo excludente de sociedade, ou apontar alternativas de acordo com os interesses históricos da humanidade, com vistas à superação das relações de exploração, bem como das desigualdades sociais (MELLO, 2008). A ideologia segundo Konder (2002), a partir de Stoppino, pode ser definida de duas formas: como um termo que designa sistemas de crenças políticas, idéias e valores para orientar comportamentos coletivos; e como um termo marxista que se refere a uma falsa consciência, uma distorção da realidade. Neste trabalho compartilha-se desta concepção marxista. A diferença principal entre o modo de produção capitalista em relação aos anteriores está na forma como o ser humano se organiza para produzir sua existência a partir de sua força de trabalho. No primeiro capítulo de O capital, MARX (1867), ao explicar sobre a mercadoria, indica que a principal diferença está na produção do “valor de uso” e “valor de troca”. De acordo com essas premissas, na sociedade capitalista tudo se transformou em mercadoria, inclusive a educação. 2. MATERIAL E MÉTODOS Foi realizada uma revisão de literatura, onde se priorizou o trabalho com textos que versassem sobre educação, organização sócio-econômica e histórica da sociedade. O período de publicação dos textos analisados foi de 1696 a 2008. Após sucessivas leituras e reflexões sobre o tema, se propõe como objetivo realizar uma reflexão teórica acerca da educação na sociedade de classes e da hegemonia ideológica, estabelecida a partir dos aspectos sócio-históricos de diferentes modos de produção. Tem como objetivos secundários evidenciar o caráter da educação ao longo dos tempos e identificar as relações de poder presentes na construção/manutenção dos princípios pedagógicos. Este estudo torna-se pertinente ao passo que ajuda a conjeturar acerca dos contrapontos entre o discurso político e os métodos de aplicação pedagógica no ensino. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO A organização na sociedade antiga e a educação como instrumento para a ordem social e política A organização social está ligada à própria natureza humana. Para Aristóteles (1985), o homem é por natureza um animal social, por isso, observa-se em seus argumentos, uma justificativa para a exploração da sociedade de classes, em que uma pequena parcela da sociedade, atribui a si mesma a condição de superioridade para fundamentar o direito de exploração diante da incompetência das classes subalternas. Mas a exploração de fato começa com a apropriação dos meios de produção; a partir dessas circunstâncias históricas se definem as classes sociais entre proprietários e não proprietários (MARX, 1867). Pelo direito à propriedade privada as relações de exploração transformam-se em direito natural. Diante dos fundamentos da ordem natural das coisas, o pensamento aristotélico naturalizava as desigualdades sociais e a submissão do escravo ao homem livre (proprietário). Nesse momento da história, a vida daqueles que não têm propriedade torna- se dependente dos proprietários. A terra é considerada a primeira riqueza “natural” e, diga-se de passagem, a principal. Diante desses fundamentos, a riqueza aparecia como expressão de liberdade, possibilitando, desta forma, o seguinte questionamento: o que vale mais, a vida ou o direito à propriedade da terra? Para os proprietários, a garantia da vida dependia sempre do direito à propriedade. Assim, contraditoriamente, a ordem de “direitos” se definia como a propriedade da terra como direito dos homens livres e o trabalho, para o escravo, como direito à vida. Nessa concepção, o direito à propriedade se torna o principal fundamento da organização política do Estado, e a educação se efetiva como o principal instrumento para ajustar os espíritos humanos à ordem social e política do direito porque “[...] sempre se verá alguém que manda e alguém que obedece, e esta peculiaridade dos seres vivos se acha presente neles como uma decorrência da natureza em seu todo.” (ARISTÓTELES, 1985, p.1254a). O sistema feudal e a educação para a formação da virtude e moral cristã No sistema feudal, a classe dominante mantém vinculação com a terra. Embora os fundamentos do poder estivessem ligados à teoria do direito divino e a riqueza e poder considerados dádivas de Deus, a ideologia dominante desta vez está fundamentada na concepção metafísica, sem a possibilidade da refutação. O Estado político e o teológico estavam intrinsecamente ligados, principalmente, naquilo que diz respeito à formação da disciplina humana (ANDERSON, 2007). Sendo o sistema feudal de produção eminentemente agrícola, a educação ficava somente no âmbito doméstico. Não havia necessidade de preparar as pessoas para a vida do trabalho ou para as relações políticas, uma vez que a subordinação se apresentava como uma ordem natural de origem divina. Assim, a Igreja se apressou em tomar para suas mãos a instrução pública, entendida aqui não como conhecimento, mas como a formação da virtude e da moral cristã. Logo, a igreja manteve-se como auxiliar do poder político até o Renascimento (séc. XV); nesse período surgiram novas classes sociais como resultado da expansão comercial. Juntamente com o comércio surgiu o comerciante - o homem burguês - que não possuía os meios de produção. A exploração comercial possibilitou à nova classe que estava surgindo acumular riquezas e conhecimento científico e, por sua vez, garantir o poder político. Era preciso uma nova formação ideológica para a superação da “Razão Divina” e emancipação da “Razão Humana”. O movimento que deu início ao enfrentamento aos dogmas da igreja católica ficou conhecido como Iluminismo (ROUANET, 1992). Com a consolidação dos Estados nacionais, a burguesia se firmou como classe dominante mantendo a hegemonia do poder e estruturando os aparelhos ideológicos de acordo com os interesses econômicos do modo de produção capitalista. O sistema capitalista e a concepção liberal da educação No sistema capitalista, o ser humano é tido como um “detalhe” na ordem econômica da sociedade de mercado. O pensamento burguês se apresentou como humanista por defender a autonomia da razão diante dos mistérios ensinados pela escolástica, mas não anunciava que a ganância pela riqueza, também negava a existência humana em favor do capital (GONÇALVES, 2008). Desse modo, as mudanças nas relações de trabalho estavam ligadas aos interesses e à lógica do mercado, ou seja, tudo se transformou em mercadoria, inclusive a força de trabalho. A educação, por sua vez, acompanhou o desenvolvimento da sociedade, dividida e hierarquizada em classes, e a ideologia aparece como forma de mistificar as contradições deste fenômeno social. Rousseau, considerado a maior autoridade da educação entre os liberais diz em sua obra Emílio ou da educação: “Tudo o que não temos ao nascer, e de que precisamos adulto é nos dado pela educação.” (ROUSSEAU, 1995, pág.10). A partir desse pensamento, entende-se que das necessidades naturais, os indivíduos dão os primeiros passos em direção ao conhecimento; no relacionamento com os seres humanos apreendem-se as normas de como se relacionar em sociedade e com isso educam-se a partir do próprio comportamento; pelo contato com os objetos sensíveis inicia-se o conhecimentoempírico dando início ao processo da formação das idéias e da consciência. A política, como ciência do poder, além de encontrar formas para manter as classes dominantes, encontra na educação mecanismos para a legitimação de uma ordem que justifica a sociedade de classes. Por meio da ideologia é que os representantes do poder se apresentam também como representantes das multidões (GONÇALVES, 2008). Por isso, a ideologia dominante da sociedade burguesa é a ideologia do capital, ou seja, mesmo aqueles que têm apenas a força de trabalho como mercadoria para vender/trocar por um salário, sentem dificuldades em desvelar a relação capital-trabalho, e assumem para si, por vezes, a “culpa” deste processo que não é nada mais do que uma relação que expropria consciências através de processos subliminares de inculcação ideológica que resulta naquilo que chamamos de “alienação”. O desenvolvimento do capitalismo e “farsa da educação democrática” A expansão comercial possibilitou a consolidação dos Estados Nacionais e a Revolução Industrial; esses elementos são as bases para a educação e para a formação ideológica do homem burguês. A educação fica sob a responsabilidade do Estado e este se organiza sob a égide da economia de mercado. Por essa razão o ser humano passa a ser educado para aceitar pacificamente a nova ordem econômica como um fenômeno natural; o mesmo estado de natureza se manifesta quando as mudanças decorrentes do desenvolvimento das relações da produção para o mercado remetem o trabalhador à condição de um comerciante de seu próprio corpo (MARX, 1867). Nas atividades primitivas a educação era compreendida como uma atividade cotidiana e estava sob a responsabilidade da família, da comunidade e/ou da tribo. Nesse sentido, a educação formal é o espaço da reprodução da ideologia burguesa enquanto que, no âmbito dos movimentos sociais, no seio de uma educação popular, enfim, na construção de conhecimento em espaços não-formais, um outro tipo de educar-se seria o seu antagonista. Em um primeiro estágio do desenvolvimento do capitalismo não havia necessidade de educar o trabalhador para a produção, entretanto, o capitalismo desenvolveu outras formas de tecnologias, e precisou estender parcelas do conhecimento científico para alguns membros da classe trabalhadora (GONÇALVES, 2008). Assim, aquilo que se configurou como a necessidade para o progresso do capitalismo aparece nas políticas educacionais como democratização da educação e do ensino, demonstrando a “farsa da educação democrática”. Em nome da democratização do conhecimento, em verdade, tem-se observado as políticas públicas, permanentemente, adequando-se às alternativas do capital frente aos seus períodos de crise. 4. CONCLUSÕES Para finalizar é necessário apontar os desafios diante do quadro social em que vivemos. Em uma sociedade que exclui a maioria dos trabalhadores do direito ao trabalho não será a educação por si só que irá resolver o desafio, por exemplo, do desemprego estrutural. A acumulação capitalista, cada vez mais aguda, produziu a hierarquização até no campo do conhecimento, ou seja, ensina-se o que se ajusta à ordem e não aquilo que, minimamente, a contraponha; portanto, não possibilita que a democratização do ensino resulte em supressão das desigualdades sociais. A luta pela escola pública é dificultada na medida em que a maior parcela dos educadores limita-se a serem reprodutores da ideologia dominante. O desafio primordial torna-se a luta pela mudança ideológica acerca da função social da escola, que continua perpetuando a ilusão do acesso ao conhecimento como meio necessário para ascender na escala social. Enquanto prevalecer a política de uma educação para reproduzir a força de trabalho para o capital, o projeto de emancipação humana não entrará em pauta na categoria dos educadores, que nos últimos anos assumiram a função de manutenção desta estrutura de classes sociais sem perceberem que, enquanto trabalhadores, eles próprios estão sendo aviltados de seus direitos. 5. REFERÊNCIAS ANDERSON, Perry. Passagens do escravismo ao feudalismo. São Paulo: Ed. Brasiliense, 2007. ARISTÓTELES. Política. Trad. Mário da Gama Kury. Brasília: Ed. UnB, 1985, p.1254a. GONÇALVES, Sebastião Rodrigues. Classes sociais, lutas de classes e movimentos sociais. ORSO, GONÇALVES E MATOS (Org.). Educação e luta de classes. SP: Expressão popular, 2008. p. 65-93. KONDER, Leandro. A questão da ideologia. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. MARX, Karl. Tradução de J. Teixeira Martins e Vital Moreira. O Capital. 1867. Disponível em: <http://www.marxists.org/portugues/marx/1867/ocapital- v1/index.htm> . Acesso em 20/08/2009 às 16:00h. MELLO, Marco (Org). Paulo Freire e a Educação Popular. Porto Alegre: IPPOA; ATEMPA, 2008. ROUANET, Sergio Paulo. As razões do iluminismo. São Paulo. Companhia das Letras, 1992. ROUSSEAU, Jean- Jacques, Emílio ou Da Educação, R. T. Bertrand Brasil, 1995
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