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Canaris Direito como sistema

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PENSAMENTO SISTEl\1ATICO
E CONCEITO DE SISTEl\1A
A
NA CIENCIA DO DIREITO
Introdução e tradução de
A. MENEZES CORDEIRO
A questão do significado da ideia de sistema para
a Ciência do Direito é dos temas mais discutidos da
metodologia jurídica. Em poucas controvérsias estão,
ainda hoje, as opiniões tão divididas. Enquanto, por
exemplo, SAUERexclama com ênfase: «Apenas o sis-
tema garante conhecimento, garante cultura. Apenas
no sistema é possível verdadeiro conhecimento, ver-
dadeiro saber» (1) e H. J. ,WOLFF diz: «A Ciência do
Direito ou é sistemática ou não existe» (2), EMGE
opina, com discrição céptica: «Um sistema é sempre
um empreendimento da razão com um conteúdo exa-
gerado» (3) ~ uma afirmação que está apenas a curta
distância da célebre frase de NIETZSCHEque caracte-
rizou a aspiração ao sistema como uma «falta na
consecução do Direito» e uma «doença no carác-
ter» (4). No que respeita, em particular, ao direito
privado, a discussão metodológica mais importante
(1) Juristische Methodenlehre (1940), p. 171.
(2) Typen im Recht und in der Rechtswissenschaft, StG
1952,p. 195 ss. (205).
(3) Einführung in die Rechtsphilosophie (1955), p. 378.
(4) Gesammelte Werke (1895-1912), voI. VIII, p. 64 e
vaI. XIV, p. 354, respectivamente. Justamente a propósito de
um princípio metodológico das ciências do espírito, BOLLNOW
enfoca a desconfiança contra o sistema; cf. Die Objektivitat der
Geisteswissenschaften und die Frage nach dem Wesen der
Wahrheit, Zeitschr. f. Philosophische Forschung 16 (1962),
p. 3 ss. (15 s.).
deste século - travada entre a «jurisprudência dos
conceitos» e a «jurisprudência dos interesses» - não
foi mais, em última análise, do que uma controvérsia
sobre o sentido, a forma e os limites da formação
do sistema jurídico. Mais recentemente, THEonoR
VIEHWEG,através do seu escrito sobre «Tópica e
Ciência do Direito» (5), renovou finalmente a discus-
são e encontrou, pela sua crítica ao sistema, quer
assentimento enérgico, quer recusa firme.
Tais afinco e agudez da discussão não são, de
modo algum, de admirar, pois subjazem questões cen-
trais da Metodologia e da Filosofia do Direito. Como
ficaria claro, sobretudo com a discussão em torno das
teses de VIEHWEG,trata-se, afinal, dos fundamentos
da nossa disciplina, em especial do auto-entendimento
da Ciência do Direito como Ciência e da especifici-
dade do pensamento e da argumentação jurídicos.
Mais ainda: como a metodologia jurídica, em toda a
sua extensão, está numa conexão estreita com a Filo-
sofia do Direito em geral, colocamo-nos, com celeri-
dade, perante a problemática dos «valores jurídicos
mais elevados» e da relação entre eles (6).
A discussão travada até hoje padece frequente-
mente da inexistência de clareza quanto ao seu
objecto, - o conceito de sistema - seja no campo
terminológico, seja no material. Assim por exemplo,
VIEHWEGfoi contraditado por DIEDERICHSENpor ter
conduzido uma «luta contra moinhos de vento» e um
«combate aparente», visto o sistema axiomático-
-lógico, por ele questionado, não ser, há muito, defen-
dido por ninguém (7) - e, com efeito, aqui está uma
fraqueza essencial do trabalho de VIEHWEG(8). Não
obstante, e na melhor das hipóteses, apenas se encon-
tram, na literatura, respostas parciais à questão do
conceito de sistema, pressuposto a cada passo. Sem
uma clarificação desse conceito falta, à discussão do
sistema, uma base indispensável; na sequência, vai-se
tentar obter, sobre o assunto, uma clareza maior.
(5) 1."ed., 1953,actualmente na 2." ed., 1965.(A ed. mais
recente, a 5.", data de 1974-nota do tradutor).
(6) Cf., com mais pormenores, infra §§ 1 II 2, 4- IV 3,
5 lI, 6 I 4 b e 7 lI.
(7) Topisches und systematisches Denken in der Juris-
prudenz, NJW 1966, p. 697 S8. (700).
(8) Cf., com mais pormenores, infra § 7 e, aí, a nota 64.
§ 1.° A FUNÇÃO DA IDEIA DE SISTEMA
NA CIÊNCIA DO DIREITO
A elaboração de considerações mais pormenoriza-
das sobre o conceito de sistema jurídico pressupõe, .
para já, que se clarifiquem dois pontos: em primeir]
lugar, o do conceito geral ou filosófico de sistema e,
em segundo, o da tarefa particular que· ele pode
desempenhar na Ciência do Direito (1).
1-AS QUALIDADES DA ORDEM E DA UNIDADE COMO
CARACTERiSTICAS DO CONCEITO GERAL DE SiSTEMA
Sobre o conceito geral de sistema deveria domi-
nar - com múltiplas divergências em aspectos
específicos - no fundamental, uma concordância
extensa (2): é ainda determinante a definição clássica
(1) Para a justificação deste procedimento na formação
de conceitos, cf. CANARIS, Die Feststellung von Lücken im
Gesetz (1964), p. 15 S., onde foi utilizado o mesmo caminho
para a determinação do conceito de lacuna.
(2) RITSCHL, System und systematische Methode in der
Geschichte des wissenschaftlichen Sprachgebrauchs und der
philosophischen Methodologie, 1906, dá um bom panorama
histórico sobre a evolução do termo «sistema».
te KANT, que caracterizou o sistema como «a unidade,sob uma ideia, de conhecimentos variados» (3) ou,também, como «um conjunto de conhecimentos orde-i nado segundo princípios» (4). De modo semelhante,
)
por exemplo, no «Dicionário dos conceitos filosófi-
cos» de EISLER (5), define-se sistema: «1. Objectivo:
um conjunto global de coisas, processos ou partes, no
qual o significado de cada parcela é determinado
pelo conjunto supra-ordenado e supra-somativo ( ... )
2. Lógico: uma multiplicidade de conhecimentos, uni-
ficada e prosseguida através de um princípio, para
um conhecimento conjunto ou para uma estrutura
explicativa agrupada em si e unificada em termos
interiores lógicos, como o correspondente, o mais
possível fiel, de um sistema real de coisas, isto é,
de um conjunto de relações das coisas entre si, que
nós procuramos, no processo científico, 'reconstruir'
de modo aproximativo». As definições que se encon-
tram na literatura jurídica correspondem-Ihe, também,
largamente. Assim, por exemplo, segundo SAVIGNY,
o sistema é a «concatenação interior que liga todos
os institutos jurídicos e as regras de Direito numa
grande unidade» (6), segundo STAMMLER «uma unidade
totalmente coordenada» (7), segundo BINDER, «um
conjunto de conceitos jurídicos ordenado segundo
pontos de vista unitários» (8), segundo HEGLER, «a
representação de um âmbito do saber numa estrutura
significativa que se apresenta a si própria como orde-
nação unitária e concatenada» (9), segundo STOLL um
«conjunto unitário ordenado» (10) e segundo COING
uma «ordenação de conhecimentos segundo um ponto
de vista unitário» (11).
(6) System des heutigen rõmischen Rechts, vaI. I (1840),
p. 214 (também p. XXXVI e p. 262).
(7) Theorie der Rechtswissenschaft, 2." ed. (1923), p. 221;
de igual modo Lehrbuch der Rechtsphilosophie, 3." ed. 1928;
concordam, p. ex., BINDER, Rechtsbegriff und Rechtsidee (1915),
p. 158 s. e Philosophie des Rechts (1925), p. 922; ENGISCH, Sinn
und Tragweite juristischer Systematik, StG 10 (1957), p. 173 ss.
(186).
(8) Philosophie des Rechts, loco cit.; de igual medo
Rechtsbegriff und Rechtsidee, loco cito e, mais tarde, ZHR 100,
p. 34 S. e 78.
(9) Zum Aufbau der Systematik des Zivilprozessrechts,
em: Festgabe für Heck, Rümelin und Schmidt (1931), p. 216.
(10) Begriff und Konstruktian in der Lehre der Int~res-
senjurisprudenz, Festgabe für Heck, etc. (cf. nota anterIor),
p.77.
(11) Geschichte und Bedeutung des Systemgedankes in
der Rechtswissenschaft, Frankfurter Univertitatsreden Heft 17,
citado segundo COING, Zur Geschichte des Privatrechtssystems,
(1962), p. 9; cf., também, COING, Bemerkungen zum überkomme-
nen Zivilrechtssystem, em: Festschrift für Dalle (1963), p. 25.
(3) Cf. Kritik der reinen Vernunft, L" ed. (1781), p. 832
e 2." ed. (1787), p. 860, respectivamente.
(4) Cf. Metaphysische Anfangsgründe der Naturwissen-
.schaft, 1." ed. (1786), preâmbulo, p. IV.
(5) Worterbuch der philosophischen Begriffe, 4." ed.
.(1930),voI. lU, palavra «System».
/ Há. ~u~s características que emergiram em todas I
, as defIlllçoes (12).i,J! da or~ e a da unidade; elas
estão, uma para com a outra, na mais estreita reÍação
de intercâmbio, mas são, no fundo, de separar (13).
No que respeita, em primeiro lugar, à ordenação, pre-
ende-se, com ela - quando se recorra a uma· o
mulação muito geral, para evitar qualquer restrição
precipitada - exprimir um estado de coisas intrín-
seco racionalmente apreensível, isto é, fundado na
realidade. No que toca à unidade, verifica-se que este
facto r modifica o que resulta já da ordenação, por
não permitir uma dispersão numa multitude de .':3ingu-
laridades desconexas (14), antes devendo deixá-Ias
reconduzir-se a uns quantos princípios fundamentais.
Deve-se, assim, distinguir sempre duas formas ou
elhor, dois prismas do sistema: por um lado. o sis;.
tema de conhecimentos, que EI~ba definição
cItada, chama de «lógico» e que, na e uêncla, de
mo o mais genérico, será a~elid~do de «científico» e,
~]Jtro, o sistema dos dl;jectos d;::<Conbecjmen~o,
a propósito do qual, com razão.!.-EISLER fala de~IS-
t~ma «objectivo» ou «real». Ambos estão, de facto
em conexão estreita, devendo o primeiro ser «o cor-
respondente o mais fiel possível» (15) do último, de
modo a que a elaboração científica de um objecto
não desvirtue este, falseando, com isso, a sua finali-
dade. Segue-se imediatamente daí, para a formação
jurídica do sistema. que esta só será possível quando
o seu objecto, isto é, o Direito, aparente tal sistema
«objectivo». Qualquer outra precisão sobre o signifi-
cado da «ideia de sistema» na Ciência do DireitOfl
sobre o correspondente conceito de sistema pressupõe:
por isso, o esclarecimento da questão sobre se e ate •
onde possui o Direito aquelas orden~ção e unidade, >
indispensáveis como fundamento do SIstema. ---/
(12) Por vezes, aparece ainda referida a característica
da plenitude; cf., principalmente, STAMMLER, Theorie der
Rechtswissenschaft, loco cit., p. 221 s., em ligação com KANT:
«O conjunto... pode, na verdade, crescer interiormente (per
intus susceptionem), mas não exteriormente (per appositionem),
como um corpo animal, cujo crescimento não implica qualquer
soma, antes levando, sem modificação das proporções, à melho-
ria da força e da capacidade de cada um, face aos seus esco-
pos» (Kritik der reinen Vernunft, loco cit., pp. 833 e 861 res-
pectivamente). Esta característica não pode, em caso a;gum,
assistir ao sistema jurídico porque este, por força da «abertura»
do «sistema objectivo» (cf., quanto a isto, infra § 3 II), pode
sempre crescer também «per appositionem». O elemento da
«plenitude» poderia, contudo, não ser essencial ao conceito
geral de sistema, mas reportar-se a uma sua delimitação deter-
minada. - Quanto à exigência da «plenitude» num sistema
axiomático no sentido da logística cf. infra p. 26 e p. 27 S.
(13) Certo STAMMLER, ob. cit., p. 222.
(14) Poder-se-ia, ainda aqui, falar de ordenação uma vez
que a conexão já representa, em particular, uma das suas for-
mas, enquanto cada ordenação como tal comporta sem dúvida,
já em si, a tendência para a unidade (cf. também a nota 13).
(15) Cf. EISLER, ob. e loc. cito
11- A ADEQUAÇÃO VALORATIVA E A UNIDADE INTERIOR
DA ORDEM JURíDICA COMO FUNDAMENTOS DO SISTEMA
JURíDICO
da «interpretação sistemática» (1") ou através da pes-
quisa de «princípios gerais de Direito», no campo da
chamada analogia de Direito, colocando-se, com isso,
em consonância com as doutrinas da hermenêutica
geral; de facto, pertence a estas o chamado «cânon
da unidade» ou da «globalidade», segundo o qual o
intérprete deve pressupor e entender o seu objecto
como um todo em si significativo, de existência asse-
gurada (19). ..
No entanto, o concluir, sem mais, pela eXistên~aJ J
da unidade do Direito, a partir da natureza científica
da jurisprudência ou do postulado metodológico do
entendimento unitário, conduz a uma petitio principii. _
Pois o ser a jurisprudência uma Ciência suscita, logi- .
camente, a questão prévia, inteiramente procedente,
de saber se a aceitação desse carácter científico não
será um erro, por inadequação do seu objecto; assim,
os adversários do pensamento sistemático, em parte
na sequência desse seu princípio básico, têm negado
o carácter científico da jurisprudência (Z0), reconhe-
o que se passa então com a ordenação interior e
com a unidade de sentido do Direito?
1. Adequação e unidade como premissas teorético-
-científicas e hermenêuticas
Num prisma metodológico, elas pressupõem-se,
normalmente, como evidentes. Isso resulta, desde
logo, de se considerar o Direito como Ciência (lG);
pois, como diz COING:«Em última análise, o sistema
jurídico é a tentativa de reconduzir o conjunto da
justiça, com referência a uma forma determinada de
vida social, a uma soma de princípios racionais.
A hipótese fundamental de toda a Ciência é a de que
ufua estrutura racional, acessível ao pensamento,
domine o mundo material e espiritual» (l7). Por con-
sequência, também a metodologia jurídica parte, nos
seus postulados, da existência fundamental da uni-
dade do Direito. Ela fá-Ia, por exemplo, com a regra
(18) Cf., quanto a esse tema, infra § 5, I 1, com mais
indicações na nota 21.
(19) Cf., por último, pormenorizadamente, BETTI, Allge-
l11eineAuslegungslehre aIs Methodik der Geisteswissenschaften,
1967, p. 219 8S., com amplas indicações.
(20) Com particulares consequências, EHRLICH, Gundle-
gung der Soziologie des Rechts, 1913, p. 1 ss., 198 e passim;
quanto à recusa de EHRLICH da ideia de unidade da ordem
jurídica e quanto à sua crítica ao sistema, cf. Die juristische
Logik, 2." ed., 1925,p. 121 ss. (em especial, p. 137) e p. 258 ss.,
respectivamente.
(16) A ligação inseparável entre a natureza científica do
Direito e a ideia do sistema foi acentuada, de forma expressa
e repetida, sobretudo, por BINDER; cf., p. ex., Philosophie des
Rechts, p. 838 s., 852 e já em Der Wissenschaftscharakter der
Rechtswissenschaft, Kantstudien XXV (1921), p. 321 ss. (356).
(17) Zur Geschichte des Privatrechtssystems, p. 28.
cendo-Ihe apenas h categoria de uma espécie de «arte
ou de técnica». E o mesmo acontece com as regras
da <<interpretação sistemática», da pesquisa dos prin-
cípios gerais de Direito e do entendimento unitário
que, como todas as máximas metodológicas, devem
permanecer meros postulados inalcançáveis, quando
não encontrem no seu objecto, isto é, na ordem jurí-
dica, uma correspondência.
A remissão para hipóteses meto dológicas funda-
mentais, feita tradicionalmente pelo jurista, não é,
contudo, totalmente desprovida de valor. Pelo menos
ela deveria alertar os críticos do pensamento siste-
mático para o facto de eles abandonarem mais do que
talvez parecesse à primeira vista; assim, é plenamente
duvidoso que VIEHWEG queira negar o carácter cientí-
fico da jurisprudência e que os seus seguidores o
queiram acompanhar nessa consequência (21). Mas
sobretudo e para além disso a hipótese do carácter
científico e as máximas metodológicas conclusivas
remetem para o auto-entendimento dos juristas (22),
o qual constitui, pelo menos, um certo indício (23)
para a estrutura do objecto da jurisprudência, a ordem
jurídica (21); caso esta estivesse em grande oposição
com os pressupostos e os postulados da metodologia,
o jurista ou iria sofrer, no seu trabalho prático, um
permanente fracasso ou não tomaria em conta as
(22) Existe uma ligação estreita entre a metodologia de
uma disciplina e a fenomenologia do entendimento (por último,
cf., por todos, GADAMER,Wahrheit und Methode, 2." ed. 1965):
a fenomenologia pode retirar da metodologia conclusões essen-
ciais sobre a forma de entendimento nessa disciplina (con-
quanto as máximas da metodologia não surjam como puros
postulados, mas antes sejam efectivamente observadas), e,
inversamente, cada metodologia deve considerar as leis essen-ciais do entendimento humano, elaboradas pela fenomenologia,
quando não queira expor-se a exigências incomportáveis.
(2:1) Esta afirmação pode ser produzida mesmo sem um
cmbrenhar na problemática gnoseológica da relação entre
sujeito e obJecto. "
(21) Cf., a este propósito, também DIEDERICHSEN,NJWl
1966, p. 695, na nota 29, o qual, entre outras coisas, objecta
contra as teses de VIEHWEGque «no mundo concreto das '
realidades» aparece «a sua disciplina, ao jurista, como um
todo significativo e não como uma mistura de questões des-
conexas». Esta afirmação - que, aliás, não é inatacável, na
sua generalidade - não assume também, naturalmente, força
demonstrativa obrigatória; pois a «experiência de unidade»
dos juristas, como facto meramente psicológico, não afirma
nada de definitivo sobre a estrutura da ordem jurídica, nem,
ao contrário da metodologia, nada sobre a forma de pensa-
mento jurídico correcto.
(21) VIEHWEGcaracteriza a tópica como a «técnica do
pensamento problemático» - cf. ob. cito (p. 15), e parece
conceber a expressão «técnica» como o oposto de «ciência»
(para uma oposição entre tópica e ciência depõem também as
considerações de p. 25, VII). De facto, dever-se-ia pensar que
um processo que apenas «queira dar indícios» (p. 15), que
«evite compromissos» (p. 23), que apoie a legitimação das
suas premissas apenas na «aceitação do interlocutof» (p. 24),
etc. etc., não poderia aspirar seriamente à natureza científica.
No entanto, VIEHWEGparece reconhecer, junto das ciências
que trabalham de modo lógico-dedutivo, um segundo tipo de
Ciência (com que ele concordaria) e no qual quer situar a
Ciência do Direito, também através da afirmação da sua estru-
tura tópica fundamental (cf., p. ex., p. 1 s., p. 53 s., p. 63 s.) I
(o que seria difícil de conciliar, pelo menos com o concei~
tradicional de Ciência).
exigências da metbdologia ou ainda apenas aparente-
mente o faria, - ora nada disto pode ser afirmado
da Ciência do Direito actual. Não obstante, este «indí-
cio» permanece bastante inseguro, não podendo
falar-se de uma verificação obrigatória da hipótese.
A ideia da ordem interior e da unidade carece, por
isso, de uma confirmação que se deve fundamentar
na própria estrutura do seu objecto, portanto na essên-
cia do Direito.
2. Adequação e unidade como emanações e pos-
tulados da ideia de Direito
tido do conceito de sistema, e por isso a regra da ade-
quação valorativa, retirada do princípio da igualdade,
constitui a primeira indicação decisiva para a aplica-
(;ão do pensamento sistemático na Ciência do
Direito, - o que, por exemplo, FL UME ("5), seguindo
S.AVIGN~ ("6), certeiramente exprime quando caracte- J
nza o sIstema como «a consequência do Direito, inte-
riormente pressuposta» ("7). _
De modo semelhante, também a característica da
unidade tem a sua correspondência no Direito, embora
a ideia da «unidade da ordem jurídica» pertença ao
domínio seguro das considerações filosóficas ("8).
(25) Allg. Teil des Bürgerl. Rechts, 2.° vaL, 1965, p. 295
e 296.
(26) Ob. cit., p. 292. A referência a SAVIGNY não se
reporta contudo, como se poderia retirar das considerações
de FLUME, imediatamente ao sistema, mas sim à analogia; para
o conceito de sistema de SAVIGNYcf. a citação supra na nota 6.
(27) Em parte semelhantes também as obras citadas
íntra, na nota 35.
(28) É fundamental o escrito de ENGISCHde 1935, que tem
o mesmo nome: Die Einheit der Rechtsordnung. Sobre este
infeliz e relativamente pouco discutido problema cf., do mesmo
autor, Einführung in das juristische Denken, 3." ed., 1964,
p. 156 ss.; EHRLICH,Die juristische Logi.k, p. 121 ss., com uma
panorâmica histórica desenvolvida; STAMMLER, Theorie der
Rechtswissenschaft, p. 209 ss., 211 ss.; WENGLER,Betrachtungen
über den Zusammenhang der Rechtsnormen in der Rechtsord-
nung und die Verschiedenheit der Rechtsordnungen, em: Fest-
schrift für Rudolf Laun, 1953, p. 719 ss.; LARENZ, Metho-
denlehre cit., p. 135, 353 5.; HANACK, Der Ausgleich
divergierender Entscheidungen in der oberen Gerichtsbarkeit,
1962, p. 104 ss.
De facto, a demonstração não é difícil. A ordem
interior e a unidade do Direito são bem mais do que
pressupostos da natureza cienUfica da jurisprudência
e do que postulados da metodologia; elas pertencem,
antes, às mais fundamentais exigências ético-jurídicas
e radicam, por fim, na própria ideia de Direito. Assim,
a exigência de «ordem» resulta directamente do reGQ-
nhecido postulado da justiça, de tratar o igual de
modo igual e o diferente de forma diferente, de acordo
com a medida da sua diferença: tanto o legislador
como o juiz estão adstritos a retomar «consequente-
mente» os valores encontrados, «pensando-os, até ao
fim», em todas as consequências singulares e afas-
tando-os apenas justificadamente, isto é, por razões
materiais, - ou, por outras palavras: estão adstritos
a proceder com adequação. Mas a adequação racional
é, como foi dito, a característica da «ordem» no sen-
te-se que a «ordem» do Direito não se dispersa numa
multiplicidade de valores singulares desconexos, antes
se deixando reconduzir a critérios gerais relativa-
mente pouco numerosos (34); e com isso fica também
demonstrada a efectividade da segunda característica
do conceito de sistema, da unidade (35).
Também esta não é, de modo algum, apenas um
«postulado lógico-jurídico» (29), antes se recondu-
zindo, da mesma forma, ao princípio da igualdade.
Por um lado ela constitui - nos seus, por assim dizer,
componentes negativos - apenas de novo uma ema-
nação do princípio da igualdade, enquanto procura
garantir a ausência de contradições da ordem jurídica
(o que já está abrangido pela ideia de adequação (30),
e por outro - no seu componente positivo (31) - ela
não representa mais do que a realização da «tendência
generalizadora» da justiça (32), que exige a superação
dos numerosos aspectos possivelmente relevantes no
caso concreto, a favor de uns poucos princípios,
abstractos e gerais (33). Através deste último, garan-
quência dele; o puramente individual é, na sua unicidade essen-
cial, sempre «incomparável»; ora a aplicação do princípio da
igualdade pressupõe, pelo contrário, sempre uma certa abstrac-
ção e generalização que tornam possível uma «comparação»;
assim a tendência generalizadora da justiça tem, de facto, a
sua origem no princípio da igualdade.
(34) Opõe-se-Ihe, naturalmente, a «tendência individuali-
zadora»; esta não torna impossível a formação do sistema,
apenas lhe apondo limites; cf., quanto a isso, infra § 6 III
e § 7 II 2 b.
(35) A conexão entre a ideia da adequação e sobretudo
a da unidade do Direito e o sistema é muitas vezes salientada,
ainda que, com frequência, de modo incidental; para além das
citações feitas supra, notas 6 a 11, cfr. por exemplo,
KRETSCHMAR,über die Methode der Privatrechtswissenschaft,
1914, p. 40 e 42 e JherJb. 67, 264 s., BAUMGARTEN,Die
Wissenschaft vom Recht und ihre Methode, 1920, Bd. I, p. 298
e p. 344; SAUER, Methodenlehre, ob. cito p. 172; NAWJASKY,
Al!gemeine Rechtslehre aIs System der rechtlichen Grundbe-
griffe, 2." ed., 1948, p. 16 e 264; COING, Rechtsphilosophie,
ob. cit., p. 276 ss. e JZ 1951, p. 485; ESSER, Gundsatz und
Norm, ob. cit., p. 227 e passim; LARENZ, Festschrift für Nikisch,
1958, p. 299 s. e Methodenlehre, ob. cit., p. 133 s.; P. SCHNEIDER,
VVdDStRL 20, p. 38; RAISER, NJW 64, p. 1204; WIEACKER,
Privatrechtsgeschichte der Neuzeit, 2.a ed., 1967, p. 532; BETTI,
Al!. Auslegungslehre, ob. cit., p. 223 s.; ZIPPELIUS, NJW 1967,
p. 2230; MAYER-MALY, The lrish Jurist, vaI. n, part 2, 1967,
p. 375 (cf. também Festschrift für Nipperdey, 1965, Bd. I,
p. 522).
(29) Demasiado restrito, quanto a isso, HANACK, ob. cit.,
p. 107 (cf. também p. 104); trata-se, na verdade, em primeira
linha, de um postulado axiológico.
(30) Assim torna-se de novo clara a conexão estreita
existente entre a qualidade de ordem e a da unidade.(31) A qual tem sido injustamente de5curada, até hoje, na
literatura, perante o outro elemento, o da ausência de con-
tradições.
(32) Quanto a esta (e quanto à sua inversa, a tendência
individualizadora) cf., por todos, HENKEL, Recht und Indivi-
dualiWt, 1958, p. 16 s., 44 S. e passim e Einführung in die
Rechtsphilosophie, 1964, p. 345 s.; cf. também, por exemplo,
SALOMON, Gundlegung zur Rechtsphilosophie, 2." ed., 1925,
p. 147 5S.; RADBRUCH,Rechtsphilosophie, 5." ed., 1956, p. 170;
CorNG, Grundzüge der Rechtsphilosophie, 1950, p. 114 s.;
ENGISCH, Die Idee der Konkretisierung in Recht und Rechts-
wissenschaft unserer Zeit, 1953, p. 199 ss., com outras indica-
ções; EMGE,Einführung in die Rechtsphilosophie, 1955, p. 174 S.
(33) Ela não se coloca, aliás, autonomamente perante o
princípio da igualdade, antes sendo, pelo contrário, conse-
Longe de ser uma aberração, como pretendem os
críticos do pensamento sistemático, a ideia do sistema
jurídico justifica-se a partir de um dos mais elevados
valores do Direito, nomeadamente do princípio da
justiça e das suas concretizações no princípio da
igualdade e na tendência para a generalização (3").
Acontece ainda que outro valor supremo, a segurança
jurídica, aponta na mesma direcção. Também ela pres-
siona, em todas as suas manifestações - seja como
determinabilidade e previsibilidade do Direito, como
estabilidade e continuidade da legislação e da juris-
prudência ou simplesmente como praticabilidade da
aplicação do Direito - para a formação de um sis-
tema, pois todos esses postulados podem ser muito
melhor prosseguidos através de um Direito adequada-
mente ordenado, dominado por poucos e alcançáveis
princípios, portanto um Direito ordenado em sistema,
do que por uma multiplicidade inabarcável de normas
singulares desconexas e em demasiado fácil contradi-
ção umas com as outras. Assim, o pensamento siste-
mático radica, de facto, imediatamente, na ideia de
Direito (como o conjunto dos valores jurídicos mais
elevados). Ele é, por consequência, imanente a cada
Direito positivo porque e na medida em que este
represente uma sua concretização (numa forma his-
toricamente determinada) e não se queda, por isso,
como mero postulado, antes sendo sempre, também,
pressuposição de todo o Direito e de todo o pensa-
mento jurídico (36) e ainda que a adequação e a uni-
(36) Assim falou também SAVIGNY, na citação referida,
da «consequência pressuposta do Direito».
dade também com frequência possam realizar-se de
modo fragmentado (37).
Assim se atingiu o objectivo fixado no início deste
parágrafo: apurar-se um fenómeno jurídico, que
constitui um ponto de contacto com um sistema no
sentido da linguagem filosófica; por consequência,
torna-se agora possível a tarefa de uma melhor deter-
tninação do sistema jurídico. Esta pode, por seu turno,
formar os princípios para uma mais exacta análise
sobre o sentido e os limites do pensamento sistemático
na Ciência do Direito e permitirá igualmente precisar
e testar as afirmações agora feitas, na sequência ~
(
,stUdO (38). O papel do conceito de sistema é, no
entanto, como se volta a frisar, o de traduzir e reali-
..
z. ar (39) a adequação valorativa e a unidade interior da
ordem jurídica.
('\7) Esta fragmentação não nega a possibilidade funda-
mental do sistema; apenas torna claro que são postos certos
limites à sua formação plena (quanto a eles, cf. infra § 6).
('IR) As presentes considerações não são mais do que um
primeiro esboço do problema do sistema que, na sequência,
;Iinda irá sofrer múltiplas modificações.
('\!I) Também para realizar; pois a unidade e a adequação
rrito são apenas afirmadas, mas também sempre pretendidas,
portanto não apenas pressuposição, mas também um postulado
«'I'. sllpra nota 36 e infra § 5, IV, 2).
Ao atribuir-se, ao conceito de sistema jurídico,
as tarefas acima caracterizadas, afastam-se, de ante-
mão, da multitude dos conceitos desenvolvidos até
hoje (1), todos aqueles que não estejam aptos a
desenvolver a adequação interna e a unidade de uma
ordem jurídica. Isso não implica necessariamente que
eles falhem sem excepção ou que não possam ser
utilizados, em nenhum domínio, para as tarefas da
Ciência do Direito; mas a distinção tem ainda um
certo valor, uma vez que a justificação de um con-
ceito de sistema que não se apoie nas considerações
realizadas no parágrafo anterior é, de antemão, limi-
tada, expondo-se ainda à objecção de poder ignorar
a essência do Direito.
(1) Uma panorâmica encontra-se, por exemplo, em
){i\DllRUCH, Zur Systematik der Verbrechenslehre, em: Frank-
.Festgabe I, 1930, p. 158 ss.; ENGISCH, Stud. Gen. 10 (1957),
p.l77 SS.
I - CONCEiTOS DE SISTEMA QUE NÃO SE JUSTIFICAM
A PARTIR DAS IDEIAS DA ADEQUAÇÃO VALORATIVA E
DA UNIDADE INTERNA DA ORDEM JURíDICA São também impróprios para traduzir a unidade
interior e a adequação de uma ordem jurídica, todos
os sistemas de «puros» conceitos fundamentais tal
como STAMMLER(3), KELSEN(4) ou NAWIASKY(5) os
desenvolveram. Trata-se, neles, de categorias pura-
mente formais, que subjazem a qualquer ordem jurí-
dica imaginável, ao passo que a unidade valorativa
é sempre de tipo material e só pode realizar-se numa
ordem jurídica historicamente determinada; sobre
isso, porém, os sistemas de puros conceitos funda-
mentais, pela sua própria perspectivação, não querem
nem podem dizer nada. Não obstante, dispensa qual-
quer enfoque que o afinamento do instrumentarium
da Ciência jurídica, através do reconhecimento dos
sempre pré-elaborados conceitos fundamentais aprio-
rísticos, tem grande valor; no entanto, o carácter
puramente formal e a generalidade destes conceitos
e categorias deixam suficientemente claros os limites
do seu valor para a elaboração científica do Direito,
que existe sempre, apenas, numa determinada indi-
vidualidade histórica. Assim, as questões que se
consideram como típicas para a problemática da
A este propósito não releva, em primeiro lugar, o
chamado sistema externo no sentido da conhecida
terminologia de HECK(Z) que, no essencial, se reporta
aos conceitos de ordem da lei; pois este não visa,
ou não visa em primeira linha, descobrir a unidade
de sentido interior do Direito, antes se destinando, na
sua estrutura, a um agrupamento da matéria e à sua
apresentação tão clara e abrangente quanto possíveL
Com certeza que semelhante sistema não fica, com
isso, despido de valor; pelo contrário: ele é de grande
significado para que o Direito possa ser visto no seu
conjunto e, com isso, para a praticabilidade da sua
aplicação, bem como, mediatamente, também para a
segurança jurídica, no sentido da previsibilidade da
decisão. Mas isto não é o «sistema do Direito», no
sentido de uma ordenação internamente conectada,
embora possa muitas vezes, pelo menos em parte,
fazer esse papel. .......•..
(3) Cf. sobretudo, a Theorie der Rechtswissenschaft,
1." ed., 1911, 2." ed., 1923 e o Lehrbuch der Rechtsphilosophie,
:1." ed., 1928.
(1) Cf., sobretudo, a Reine Rechtslehre, 2." ed., 1960.
(õ) Cf. a Allgemeine Rechtslehre aIs System der recht-
lidwl1 Grundbegriffe, 2." ed., 1948.
(2) Cf. Begriffsbildung und Interessenjurisprudenz, 1932,
p. 139 ss. (142 s.).
formação do sistema jurídico - em especial, as do
significado do sistema para a obtenção do Direito,
as da vinculação do legislador à ideia de sistema ou
as do manuseamento das quebras no sistema - não
se colocam, por acaso, sempre apenas a propósito de
uma determinada ordem jurídica (6); e também quando
se fala de «pensamento sistemático» - porventura em
oposição ao pensamento problemático ou à tópica-
não se tem em vista, habitualmente, um sistema de
puros conceitos fundamentais, mas sim o do Direito
positivo.
Direito alemã, tendo os partidários da chamada
«jurisprudência dos conceitos» firmado como objec-
tivo a elaboração de um sistema desse tipo (8). MAX
WEBER caracterizou o conceito desistema em causa,
de modo certeiro, na sua Sociologia do Direito, da
forma seguinte: «Segundo os nossos actuais hábitos
de pensamento. ela' (sic, a sistematização) traduz:
a concatenação de todas as proposições jurídicas,
jhtidas ~r análise, de tal modo que elas formem,
.entre si, um sistema de regras logicamente claro, em~-----. .--::--
si logicamente livre de contradições e, sobretudo e..
-principalmente, sem lacunas. o Que requer: que todos
os fact;; possam logicamet:lte snhsumjr-se numa das
~s normas. ou caso contrário, a sua ordem abdica......-- . ... .. .. ""==.
d~rant~ ess.el1çial» (9). Nos bastidores desta con-
e pção· encont;a-se, manifestamente o conceito posi-
tivista de Ciência (10), elaborado tendo como ideais
a Matemática e as Ciências da natureza. Assim pode
o filósofo WUNDT dizer que a Ciência do Direito,
por força do seu processo jurídico-conceptual, é «uma-
Ciência eminentemente sistemática» e que, através
Um sistema lógico-formal (7) é igualmente inade-
quado para exprimir a unidade interior e a adequação
de determinada ordem jurídica positiva. Não obstante,
este ideal dominou por longo tempo a Ciência do
(6) Cf. também ENGISCH,ob. cit., p. 182.
(7) Para a determinação do conceito de «lógica formal», •
sobre o qual poderia haver unanimidade alargada, cf. SCHOLZ,
Abriss der Geschichte der Logik, 2." ed., 1959, p. 15. Segundo
ele, deve entender-se, como lógica formal, a parte da Ciência
que «formula, para a edificação de qualquer Ciência, as regras
de conclusão e que, do mesmo modo, fornece tudo o que é
necessário para a exacta formulação dessas regras». Sobre
outros tipos de lógica e sobre a questão de saber se se pode
falar, com sentido, de uma lógica não formal, cf. SCHOLZ,
ob. cit., p. 1 e p. 5, respectivamente.
(8) Cf. por todos, a exposição de LARENZ,ob. cit., p. 17 ss.
(9) Cf. Wírtschaft und Gesellschaft, 4." ed. (promovida por
JOHANNESWINCKELMANN),1956, 2.° tomo, p. 396 (os itálicos
pertencem ao texto) - MAXWEBERcoloca-se aliás, em posição
inteiramente crítica a esse tipo de Ciência do Direito; cf.,
sobretudo, p. 493 e p. 506 s.
(10) Para essa influência na Ciência do Direito ci., em
geral, LARENZ,Methodenlehre, p. 34 ss.
30----
\ do seu ({carActerestritamente lógico» cla é «em cert.í
Lmedida, comparável à Matemática» (11). ~J
Esta concepção da essência e dos objectivos da
Ciência do Direito pode-se hoje, sem reserva, consi-
derar como ultrapassada. De facto, a tentativa de
conceber o sistema de determinada ordem jurídica (12)
como lógico-formal ou axiomático-dedutivo está, de
antemão, votada ao insucesso (13). Pois a unidade
interna de sentido do Direito, que opera para o erguer-
em sistema, não corresponde a uma derivação da
ideia de justiça de tipo lógico, mas antes de tipo valo-
rativo ou axiológico. Quem poderia seriamente pre-
tender que a regra de tratar o igual por igual e o
diferente de modo diferente, de acordo com a medida
da diferença, pode ser acatada com os meios da
lógica? Os valores estão, sem dúvida, fora do âmbito
da lógica formal e, por consequência, a adequação
de vários valores entre si e a sua conexão interna
não se deixam exprimir logicamente, mas antes, ape-
nas, axiológica ou teleologicamente (14). Pode, com
isso, colocar-se a questão difícil de saber até onde
está o Direito ligado às leis da lógica e até onde a
ausência lógica de contradições da ordem jurídica
pode ser incluída, como previsão mínima, na sua uni-
dade valorativa (15); mesmo quando isso seja afir-
mado, é indubitável que uma eventual adequação
lógico-formal das normas jurídicas singulares não
implica a unidade de sentido especificamente jurídica
de um ordenamento.
Este carácter axiológico e teleológico da ordem
jurídica implica que, comparativamente, os critérios
lógico-formais tenham escasso significado para o
pensamento jurídico e para a metodologia da Ciência
do Direito (Ia). Na verdade, a Ciência do Direito, na
(11) Cf. Logik, vaI. m, 4." ed., 1921, p. 617 (mas cf. tam~
bém p. 595 s.): já essencialmente realista a respeito da viabi-
lidade de um sistema lógico-fomal para a Ciência do Direito,
SIGWART,Logik, 2.0 vaI., 2." ed., 1893, p. 736 ss.
(12) Os sistemas dos «puros conceitos fundamentais»,
pelo contrário, por força da sua natureza puramente formal,
poderiam satisfazer intBiramente as exigências de um sistema
lógico-formal ou axiomático·dedutivo.
(13) Do mesmo modo COING,Grundzüge der Rechtsphilo-
sophie, p. 276 e Geschichte und Bedeutung des Systemgedan-
kens, p. 27; VIEHWEG,ob. cit., p. 53 SS.; ENGISCH,Stud. Gen.
10 (1957), p. 173 ss. e 12 (1959), p. 86; ESSER,Grundsatz und
Norm, 2." ed. (1964), p. 221; LARENZ, ob. cit., p. 134 s.;
SIMITIS, Ratio 3 (1960), p. 76 ss.; EMGE, Philosophie der
Rechtswissenschaft, 1961, p. 289 s.; BÃUMLIN, Staat, Recht
und Geschichte, 1961, p. 27; PERELMANN,Justice et raison,
1963, p. 206 ss.; RAISER,NJW 1964, p. 1203 s.; FLUME, Allg.
Teil des Bürgl. Rechts, 2.° vaI., 1965, p. 295 s.; DIEDERICHSEN,
NJW 1966, p. 699 s.; ZIPPELIUS,NJW 1967, p. 2230; cf. também
já SIGWART,ob. cit., p. 736 ss.
(14) No sentido amplo do termo, cf. infra, p. 41.
(15) Cf. quanto a isso, também infra, p. 122 S.
(16) Compreende-se que no domínio do tema aqui em
discussão só seja possível uma caracterização do nosso próprio
ponto de vista, devendo desistir-se de uma discussão alarga da
com outras opiniões. Para o significado da lógica na Ciência
do Direito cf., por exemplo; ENGISCH,Logische Studien zur
Gesetzesanwendung, 1943 (3." ed. 1963), p. 3 ss. (em especial
p. 5 s. e p. 13) e Aufgaben einer Logik und Methodik des
juristischen Denkens, Stud. Gen. 12 (1959), p. 76 SS.; KLUG,
32
~~edida em que aspire à cientificidade ou, pelo meno;
à adequação racional dos seus argumentos, está evi-
dentemente adstrita às leis da lógica (17); contudo
essa ligação não é condição necessária nem suficiente
para um pensamento jurídico correcto (18); mais ainda: .
os pensamentos jurídicos verdadeiramente decisivos
ocorrem fora do âmbito da lógica formal (19). Assim
sucede com o que é a essência do Direito, com o
<fi)ncontrar as decisões de valor, com o manuseamento
esclarecido dos valores, pensando-os até ao fim e, a
concluir, num último estádio, executando-os. Mas
para estas tarefas, a lógica só assume o significado
de um «quadro» (Z0), enquanto o «entender» ou a
«valoração» não se podem, no essencial, alcançar
através dela, - tão pouco como o «entender» um
outro quadro significativo do espírito como, por
exemplo, uma obra artística literária ou um textC?
G
eológica. A hermenêutica como doutrina do entendiD
mento correcto e os critérios para a objectivação dos .
valores desempenham, aliás, em vez dele, o papel
ecisivo dentro do pensamento jurídico (Z'). -.
Tal resulta, sem excepção, de todas as formas de
conclusão jurídica. Assim, na chamada subsunção,
apenas a obtenção das premissas é decisiva: quando
a «premissa maior» e a «premissa menor» sejam sufi-
cientemente concretizadas e ordenadas entre si - e
para isso a lógica formal não é essencial - está
concluída a tarefa própria dos juristas; a conclusão
final surge agora, por assim dizer, de modo automá-
tico (22), e até este último acto, a «subsunção» (23),
Juristische Denken, 1951, p. 100 ss. (também publicado em
ARSP 39, p. 324 ss.); SIMITIS,Zum Problem einer juristischen
Logik, Ratio 3 (1960), p. 52 ss., com outras indicações alarga-
das; DIETERHORN,Studien zur Rolle der Logik bei der
Anwendung des Gesetzes, Diss. Berlim 1962, em especial
p. 142 ss.; FIEDLER, Juristische Logik in mathematischer Sicht,
ARSP 52 (1966), p. 93 ss.
(17) Isto deve ser vincadamente separado da adstrição
do Direito ou do legislador às leis da lógica: a problemática
resulta aqui de se tratar de proposições de dever-ser ou de
valer, que, como tais, não são verdadeiras ou falsas, apenas
podendo ser válidas ou não válidas; perante isso, o jurista faz
afirmações(sobre o Direito) que se sujeitam ao critério do
verdadeiro ou falso ou do justo e injusto.
('8) Isso acentua KLUG,ob. cito de novo com razão; cf.
por exemplo o prefácio à 1.' ed., p. 2, 173.
('9) A questão do peso do elemento lógico dentro do
pensamento jurídico não é, de modo algum, de natureza
puramente psicológica e, com isso, sistematicamente desinte-
ressante (mas cf. KLUG,ob. cit., p. 12, para o problema da
«sobrevalorização» dos conceitos e das construções), antes
tendo eminente significado teorético e científico; da sua res-
posta dependem as especialidades da metodologia jurídica,
assim como a posição específica da Ciência do Direito no
círculo das Ciências.
(20) Assim a sugestiva expressão de ENGISCH,Stud. Gen.
10 (1957), p. 176, col. 1; concordando, também, SIMITIS,ob. cit.,
p. 78, nota 134; mas cf. também KRAFT,Die Grundlagen einer
wissenschaftlichen Wertlehre, 1951, p. 214 ss., 260 ss.
(21) Cf., quanto a isso, também infra § 2 II 1 e § 7 II 1.
(22) Não apenas psicológica, mas também metodologica-
mente falando; cf. também supra nota 19.
(23) Quanto à questão de se é de reter o conceito mais
lato de subsunção, aqui utilizado, ou antes o que se limita a
um puro processo lógico-formal cf., por um lado, ENGISCH,
34
(~ãO é, de modo algum, apenas de tipo lógico-formal,
I antes surgindo, numa parte essencial, ainda que fre-
'-..quentemente não explícita, numa ordenação valora-
tiva (24). Por conseguinte, não aparecem praticamente,
na Ciência do Direito, complicadas cadeias lógicas de
derivação (24a). E por conseguinte também, todas as
conclusões lógicas pretensamente adstringentes dei-
xam-se muito facílmente desmascarar como lógica
aparente, porque o erro reside nas premissas e a
lógica se comporta, perante elas, de modo neutro.
Assim, para recorrer a dois conhecidos exemplos, não
é de modo algum lógico que um contrato nulo não
possa ser impugnado ou que na aquisição a non
domino pelo adquirente de boa fé o (outrora) não-
-titular deva adquirir o direito, em detrimento do
(outrora) verdadeiro titular; tudo isto resulta da for-
mação da premissa maior e, sobre isso, apenas deci-
dem pontos de vista teleológicos (*).
Einführung in das juristische Denken, 3.' ed., 1964, p. 199,
nota 47, com outras citações e, por outro, LARENZ,ob. cit.,
p. 210, nota 1.
(24) Para a problemática da subsunção cf., por todos,
ENGISCH,ob. cit., p. 54 ss. com indicações; I LARENZ,ob. cit.,
p. 210 sS.; cf., também, SIGWART,ob. cit., p. 737 S.
(24") Certo, VIEHWEG,ob. cit., p. 71, e passim.
(*) Nota do tradutor: no Direito alemão, tal como no
francês mas ao contrário do português vigora, nos móveis, a
regra «posse vale título»: a pessoa que, de boa fé, adquira
um móvel e obtenha a sua posse, torna-se proprietária mesmo
quando o alienante não fosse o seu titular legítimo; assim, só
é possível, em Portugal, documentar hipóteses de aquisição
a non domino através das regras do registo predial: a aquisição
o mesmo sucede, em medida ainda mais forte,
para os restantes «processos de conclusão» jurídicos,
como a analogia, a redução teleológica, o argumentum
e contrario, o argumentum a fortiori e o argumentum
ad absurdum. Na verdade, KLUG representou estes
processos de argumentação recorrendo aos meios da
lógica moderna (25), mas é duvidoso que, com isso,
se tenha ganho algo de essencial para o trabalho
jurídico. De facto, o elemento decisivo de todos estes
ocessos não é, sem excepção, de natureza lógica
mas antes de natureza teleológica ou axiológica,
enquanto que a sua justificação metodológica não se
deixa alcançar com os meios da lógica, mas sim ape-
nas através da sua recondução ao valor da justiça e
ao princípio da igualdade, nela compreendido (posi-
tiva ou negativamente) (26). Quando a investigação
tabular do artigo 17.°/1 do Código do Registo Predial e o caso
particular do artigo 291.0 do Código Civil; nestes casos, joga
perfeitamente a afirmação feita, no texto, por CANARIS.
(25) Cf. ob. cit., p. 97 sS., 124 sS., 132 s.; cf., também,
SCHREIBER,Logik des Rechts, 1962, p. 47 ss., que considera
o referido processo inteiramente inadmissível para as regras
de conclusão, assim como, em especial para a analogia, HELLER,
Logik und Axiologie der analogen Rechtsanwendung, 1961,
p. 10 sS., 24 ss. e 44 ss.
(26) Para a analogia cf., por exemplo, COING,Grundzüge
der Rechtsphilosophie, ob. cit., p. 270; LARENZ,ob. cit., p. 283,
288 e 296, assim como as citações feitas em CANARIS,Die
Feststellung von Lücken, ob. cit., p. 72, nota 47; para a redu-
cão teleológica, LARENZ,ob. cit., 296; para o argumentum a
tortiOl'i e o argumentum e contrario, CANARIS,ob. cit., p. 78
e p. 45, respectivamente; para o argumentum ad absurdum,
não é diferente; em sentido próprio só se pode, com ele, signi-
de KLUG sobre a estrutura lógica da analogia termina
com a afirmação - indiscutível - de que a resposta
à questão, «tão essencial na prática» (poder-se-ia bem
dizer: apenas essencial na prática) da admissibilidade
de determinada analogia não se obtém com os meios
da lógica, mas antes depende da definição do res-
pectivo «círculo de semelhança», o qual só é possível
de acordo com critérios teleológicos (27), então resulta
muito claro quão pouco a lógica formal (na sua forma
«clássica» ou «moderna») pode oferecer à Ciência
do Direito. O essencial fica resolvido assim que o
«círculo de semelhança» esteja determinado, tal como
ocorre na chamada subsunção (28); o resto funciona,
por assim dizer, automaticamente, por si (22). Ou que
problema metodológico haveria ainda que enfrentar
quando, por exemplo, se tivesse determinado que a
ratia legis do § 463/2 do BGB reside no aproveita-
mento doloso de um erro do comprador sobre a omis-
são de um vício mas também, «do mesmo modo»,
perante a simulação de uma qualidade favorável? (*)
Outro tanto se pode considerar para todas as outras
«fórmulas de conclusão»: quando se tenha determi-
nado qual a ratia de uma disposição e porque razão
ela não se «adapta» a determinado facto excepcional,
porque razão um valor «já conhecido» «respeita» a
um caso não expressamente regulado ou porque
razão um facto é valorativamente tão diferente de
outro que a consequência jurídica não pode ser a
mesma (29), já se decidiu, respectivamente, estar-se
perante uma redução teleológica, um argumentum a
fartiori ou uma conclusão e contrario. Tudo conduz
pois ao mesmo resultado: a descoberta e a afinação
das premissas constitui a tarefa jurídica decisiva,
enquanto, pelo contrário, a formulação de conclusões
lógico-formais é de significado muito menor; nelas
nunca poderia ser incluído o «terceiro grau» da argu-
mentação jurídica, isto é a obtenção do Direito com
o auxílio de princípios jurídicos gerais, da natureza
das coisas, etc., onde o que se disse vale, natural-
ficar que uma determinada consideração conduz ao «puro
arbítrio» ou que ela iria levar a um resultado em crassa
contradição com outros valores da lei, isto é, com o princípio
da igualdade ou, numa utilização não puramente negativa do
argumento (meramente contraditante), mas antes positiva (fun-
damentadora de um determinado resultado): que qualquer
outro que não o resultado proposto conduziria ao «puro arbí-
trio» ou a uma crassa contradição de valores: também aqui
o poder convincente seria aferido não perante o valor da ver-
dade, mas sim em face do da justiça.
(27) Cf. ob. cit., p. 123; para o argumentum a fortiori
cf. p. 137 e para o argumentum ad absurdum cf. p. 138.
(28) Cf. também as críticas às considerações de KLUG
em li>IMITIS,ob. cit., p. 66 ss.
(*) Nota do tradutor: diz o § 463 do BGB:
(1) Quando, no momento da venda, falte à coisa vendida
uma qualidade assegurada, pode o comprador, em vez da reso-
lução ou da redução do preço, exigir uma indemnização pelo
inconveniente. (2) Vigora o mesmo regime quando o compra-
dor tenha, dolosamente, calado um vício.
(29) Para alimitação do argumentum e contrario a este
caso e para a sua distinção da proibição da analogia, cf.
CANARIS,ob. cit., p. 44 ss. (46 5.).
\
de KLUG sobre a estrutura lógica da analogia termina
com a afirmação - indiscutível - de que a resposta
à questão, «tão essencial na prática» (poder-se-ia bem
dizer: apenas essencial na prática) da admissibilidade
de determinada analogia não se obtém com os meios
da lógica, mas antes depende da definição do res-
pectivo «círculo de semelhança», o qual só é possível
de acordo com critérios teleológicos (27), então resulta
muito claro quão pouco a lógica formal (na sua forma
«clássica» ou «moderna») pode oferecer à Ciência
do Direito. O essencial fica resolvido assim que o
«círculo de semelhança» esteja determinado, tal como
ocorre na chamada subsunção (28); o resto funciona,
por assim dizer, automaticamente, por si (22). Ou que
problema metodológico haveria ainda que enfrentar
quando, por exemplo, se tivesse determinado que a
ratio legis do § 463/2 do BGB reside no aproveita-
mento doloso de um erro do comprador sobre a omis-
são de um vício mas também, «do mesmo modo»,
perante a simulação de uma qualidade favorável? (*)
Outro tanto se pode considerar para todas as outras
«fórmulas de conclusão»: quando se tenha determi-
nado qual a ratio de uma disposição e porque razão
ela não se «adapta» a determinado facto excepcional,
porque razão um valor «já conhecido» «respeita» a
um caso não expressamente regulado ou porque
razão um facto é valorativamente tão diferente de
outro que a consequência jurídica não pode ser a
mesma (29), já se decidiu, respectivamente, estar-se
perante uma redução teleológica, um argumentum a
fortiori ou uma conclusão e contrario. Tudo conduz
pois ao mesmo resultado: a descoberta e a afinação
das premissas constitui a tarefa jurídica decisiva,
enquanto, pelo contrário, a formulação de conclusões
lógico-formais é de significado muito menor; nelas
nunca poderia ser incluído o «terceiro grau» da argu-
mentação jurídica, isto é a obtenção do Direito com
o auxílio de princípios jurídicos gerais, da natureza
das coisas, etc., onde o que se disse vale, natural-
ficar que uma determinada consideração conduz ao «puro
arbítrio» ou que ela iria levar a um resultado em crassa
contradição com outros valores da lei, isto é, com o princípio
da igualdade ou, numa utilização não puramente negativa do
argumento (meramente contraditante), mas antes positiva (fun-
damentadora de um determinado resultado): que qualquer
outro que não o resultado proposto conduziria ao «puro arbí-
trio» ou a uma craS3a contradição de valores: também aqui
o poder convincente seria aferido não perante o valor da ver-
dade, mas sim em face do da justiça.
(27) Cf. ob. cit., p. 123; para o argumentum a fortiori
cf. p. 137 e para o argumentum ad absurdum cf. p. 138.
(28) Cf. também as críticas às considerações de KLUG
em SIMITIS, ob. cit., p. 66 S5.
(*) Nota do tradutor: diz o § 463 do BGB:
(1) Quando, no momento da venda, falte à coisa vendida
uma qualidade assegurada, pode o comprador, em vez da reso-
lução ou da redução do preço, exigir uma indemnização pelo
inconveniente. (2) Vigora o mesmo regime quando o compra-
dor tenha, dolosamente, calado um vício.
(29) Para a limitação do argumentum e contrario a este
caso e para a sua distinção da proibição da analogia, cf.
CANARIS,ob. cit., p. 44 ss. (46 5.).
\
mente, em medida ainda maior. Por consequência,
hoje não mais se pode pôr em dúvida que um sistema
lógico-formal não sirva, de alguma maneira, nem a
essência do Direito, nem as tarefas especificas do
jurista.
KLUG (32), do nosso campo (33). Mas a confecção de
um sistema axiomático-dedutivo do Direito aparece
excluída também por outras razões. Deve, designada-
mente, questionar-se que seja possível uma formação
plena de axiomas, na Ciência do Direito. Para tal
formação, seria necessário, como é reconhecido, reu-
nir pelo menos duas (34) exigências: a da ausência deb) O sistema axiomático-dedutivo no sentido da
logística
A recusa de um sistema lógico-formal conduz, con-
sequentemente, também à recusa de um sistema
axiomático-dedutivo (30). Este pressupõe que todas as
proposições válidas dentro de um determinado âmbito
material se deixem deduzir de axiomas, através de
uma dedução puramente lógico-formal (31). Porque
isso, como acima foi dito, é inconciliável com a essên-
cia da Ciência do Direito, o método axiomático-dedu-
tivo exclui-se, desde logo, contra a opinião de
(32) Este exige a axiomatização do Direito; d. ob. cit.,
p. 172 55. (cf. também KRAFT,ob. cit., p. 263; HARLEN,ob. cit.,
p.477 55.). Poder-se-ia, a isso, objectar que KLUG vê bem os
limites da lógica na jurisprudência e que ele acentua expres-
samente o significado do elemento teleológico (do, por exem-
plo, p. 123, 137, 138 e 176 ss.); tal não seria, porém, exacto
pois KLUG pretende proscrever expressamente o elemento
teleológico do processo de conclusão, mantendo-o na formação
das premissas, não determináveis logicamente (a esse propó-
sito a crítica de DIEDERICHSEN,NJW 66, p. 700, nota 40, ao
ent~ndimento de RAISER da afirmação de KLUG, em minha
opinião, não procede); ele não pode, porém, ser seguido
nesse ponto, por força de integração, em cada «conclusão»
jurídica, de um elemento da ordenação valorativa.
(33) Isso corresponde à opinião dominante; d. as indi-
cações dadas supra, nota 13.
(34) Além disso, é requerida ainda, muitas vezes, a <muto-
nomia», isto é, a indedutibilidade dos axiomas uns dos outros
(d., por exemplo, HILBERT-AcKERMANN,ob. cit., p. 33 s.;
FRAENKEL,ob. cito, p. 340 5S.). Esse postulado pode, contudo,
não ser considerado no presente desenvolvimento, uma vez
que tem a natureza de mera economia de pensamento ou é
talvez, também de tipo estético; seria, em qualquer caso, de
acatar na Ciência do Direito, caso, no restante, singrasse uma
axiomatização.
(30) Para o sistema axiomático-dedutivo d., por tod ,
HILBERT-AcKERMANN,Grundzüge der theoretischen Logik, 3." edo,
1949, p. 31 ss. e p. 74 SS.; FRAENKEL,Einführung in die Men-
genlehre, 3." ed., 1928, p. 268 ss. e, sobretudo, p. 334 SS.;
CARNAP,Abriss der Logistik, 1929, p. 70 s. e Einführung in
die symbolische Logik, 1954, p. 146 ss.; uma panorâmica curta
e fácil encontra-se em BOCHENSKI,Die zeitgeni5ssischen Denk-
methoden, 1954, p. 85 s. e em POPPER,Logik der Forschu~
1966, p. 413. .
(31) Cf. FRAENKEL,ob. cit., p. 334 e p. 347; CARNAP,
Symbolische Logik cit., p. 147; d., ainda, por exemplo, HARLEN,
ARSP 39 (1951) p. 478 5.; VIEHWEG,ob. cit., p. 55; ENGISCH,
Stud. Gen. 10 (1957) p. 174, cal. 1 e 12 (1959), p. 86, coI. 2;
KLUG, ob. cit., p. 181; BULYGIN,ARSP 53 (1957), p. 329 s.
contradições (35) e a da plenitude (36); ora se a viabi-
lidade da primeira é, desde logo, extraordinariamente
problemática, a da segunda é de recusar, sem
objecções.
No que respeita, em primeiro lugar, à ausência de
contradições, é seguro, como geralmente se reco-
nhece, que se deve negar uma contradição entre duas
normas, em todas as circunstâncias, tendo a metodo-
, logia jurídica desenvolvido um instrumentarium que,
j~'em caso extremo através da aceitação de uma,,' «lacuna de colisão» (37), o possibilite (38). Contudo,, isso só funciona para verdadeiras contradições de
normas, enquanto que as contradições de valores e
de princípios não se deixam evitar sem excepções (S9);
por consequência, o postulado da ausência de contra-
dições só se alcança num sistema de normas e não,
também, num sistema de valores ou de princípios.
Esta objecção não deve ser tomada com ligeireza
porque o sistema, devendo exprimir a unidade agluti-
nadora das normas singulares não pode, pelo que lhe
toca, consistir apenas em normas; antes deve apoiar-se
nos valores que existam por detrás delas ou que nelas
estejam compreendidos (40) o Além disso, num sistema
de normas, a ausência de contradiçõessó se deixaria
alcançar quando, para além das normas básicas, todas
as excepções que as limitam fossem elevadas à cate-
goria de axiomas; ora estes podem ser tão numerosos
que nos devemos interrogar se, na realidade, não se
trataria de uma axiomatização aparente; é, de facto,
mais do que questionável se proposições como «os
negócios são consensuais salvo quando a lei comporte
uma prescrição de forma» ou «os contratos devem ser
acatados, a menos que a lei conceda uma justificação
ou uma excepção» possam ser consideradas, propria-
mente, como axiomas ('11). Acrescente-se ainda que as
excepções muitas vezes surgem «não-escritas» e, em
certas circunstâncias, só podem ser obtidas atravm'
da «interpretação criativa do Direito»; então torna-sD
totalmente claro que dificuldades levanta o postulado
- -da ausência de contradições. _
A realização da segunda característica, da pleni-
tude, é, no entanto, totalmente impossível (42). Sob
ela é de entender, segundo HILBERT-AcKERMANN(no
(35) Cf. HILBERT-AcKERMANN,ob. cit., p. 31 So e 74 ss.;
FRAENKEL,ob. cit., p. 356 ss.; CARNAP,Abriss, ob. cit., p. 70 s.
e Symbolische Logik, p. 148 s.; LEINFELLNER, Struktur und
Aufbau wissenschaftlicher Theorien, 1965, p. 208; HÃRLEN,
ob. cito, p. 477; ENGISCH, Stud. Gen. 10 (1957), p. 174; KWG,
ob. cito, p. 176; BULYGIN, ob. cit., p. 330.
('36) Cf. HILBERT-AcKERMANN,ob. cito, p. 31 e 33 ss. (35);
FRAENKEL,obo cit., p. 347 ss.; CARNAP,Abriss, ob. cit., p. 70 s.
e Symbolische Logik, ob. cit., p. 149 (cf. também p. 147);
HÃRLEN, ob. cit., p. 477 So; ENGISCH,ob. cit., p. 330.
(37) Cf., quanto a isso, infra § 6 I 4 a.
(38) Cf., quanto a isso, por todos, ENGLISCH,Einheit cit.,
p. 46 ss. e Einführung cit., p. 158 S.
(39) Cf., quanto a isso, infra § 6 l, em especial po 119 S8.,
126 ss. e 130 s.
(40) Cf. infra, p. 48 S.
(41) Cf. também ENGISCH, Stud. Gen. 10 (1957), p. 176.
(42) A crítica à possibilidade de um sistema jurídico
nxiomático-dedutivo não tem ponderado suficientemente, na
minha opinião, esta característica.
mínimo) (43), «que todas as formas correctas, dentro
do âmbito a caracterizar, se deixam retirar do sistema
de axiomas» (41). Aceitando-se, com isto, que nenhu-
mas proposições com conteúdo material autónomo pos-
sam ser introduzidas fora dos axiomas, antes devendo
resultar todos os «teoremas» de puras operações
lógico-formais (45), então, em consequência, o postu-
lado da plenitude iria exigir, não só que as normas
fundamentais de uma lei, com as suas excepções,
mas também todos os preceitos (escritos e não escri-
·fos!) devessem ser elevados à categoria de axiomas.
I De facto, quase todas as disposições legais têm um
\ conteúdo material autónomo e modificam ou concre-
...~. tizam as decisões jurídicas fundamentais numa ou
/\ noutra direcção; de outro modo, elas seriam supér-
"\ fluas o que, mesmo em leis mal elaboradas, Só de
c\ . poucas normas é possível dizer. Não há regras rígidas
v a propósito do número de axiomas que podem cons-
tituir um sistema axiomático; não obstante, tal
número não é, por seu turno, indiferente (46); ele
deveria, em qualquer caso, ser essencialmente menor
do que o número dos «teoremas» dele derivados.
Através da combinação de proposições jurídicas sin-
gulares entre si, só é possível formular relativamente
poucas proposições novas, mesmo quando se incluam
as «premissas maiores», concretas antes elaboradas
para a solução de um determinado caso concreto (47).
Talvez ainda se possa reconduzir esta objecção a
uma questão de terminologia; há, no entanto, uma
segunda objecção procedente. Se, conforme o reque-
rido, todas as proposições de uma ordem jurídica se
deixassem retirar de axiomas, então também as pro-
posições jurídicas destinadas à integração de lacunas
se deveriam compreender neles. Mas isso pressuporia
que aquelas fossem, sem excepção, imanentes, ao
Direito positivo - do qual se desenvolveram os axio-
mas! - o que só sucede por pura casualidade, de tal
modo que se pode ter como excluído. De facto, há
um determinado tipo de lacunas, no qual a incomplei-
tude da lei resulta indubitável, no campo do Direito
vigente: com a simples determinação dessas lacunas,
não se progride um mínimo quanto às possibilidades
da sua integração (48) e aí, em certas circunstâncias,
o conjunto da restante ordem jurídica não compreende
qualquer indicação para as colmatar; o exemplo clás-
sico é a falta de uma prescrição sobre o estatuto das
obrigações no Direito internacional privado. Pois a
axiomatização do Direito pressuporia aí que, para
todos os casos de lacunas, houvesse, na ordem jurí-(43) Ainda mais estreitamente falam HILBERT-AcKERMANN
da plenitude dos axiomas «quando pela introdução no sistema
de fõrmulas básicas, de uma fõrmula até então não derivável
surja sempre uma contradição» (cf. ob. cit., p. 35). '
(44) Cf. ob. cit., p. 35.
(45) Cf. supra, na nota 31.
(46) Cf. também ENGISCH,Stud. Gen. 12 (1959), p. 86
e a conversa aí relatada com KLUG.
(47) Questão contudo diferente é a de que, com auxílio
destas proposições, possa ser possível resolver um número
infinito de «casos da vida».
(48) Cf. CANARIS,Die Feststellung von Lücken, ob. cit.,
p. 144 ss. onde o correspondente tipo de lacuna é caracterizado
como «lacuna de ordenação» ou «de recusa do Direito».
dica, uma valºrização integrativa; ela resultaria do
postulado da compleitude teleológica do Direito' ora
não se contradita apenas, sem objecção, a teoria da
compleitude lógica; também a compleitude teleoló-
gica é pura utopia (49). Em estreita conexão com
esta crítica está, finalmente, o facto de a lei com-
preender uma porção de cláusulas gerais «carecidas
de preenchimento com valorações», tais como a boa
fé, os bons costumes, a exigibilidade, o cuidado neces-
sário no tráfego, etc. Nestas, a concretização da
valoração e a formação de proposições jurídicas só
podem operar perante o caso concreto ou em face de
grupos de casos considerados como típicos; semelhan-
tes normas são, assim, de antemão, de dogmatiza-
ção inviável. Acresce ainda que a passagem de tais
cláusulas carecidas de preenchimento com valorações
para as demais disposições é inteiramente fluida
podendo mesmo dizer-se que todas as determinaçõe~
da lei carecem, numa ou noutra direcção, de concre-
tização valorativa. Estas complexidade e variabilidade
de sentido opõe-se, em última análise, sempre à
axiomatização.
A confecção de um sistema axiomático-dedutivo
não é, assim, possível (50) e contradiz a essência do
Direito. Semelhante tentativa decorre, tal como, sobre-
tudo, as considerações sobre a necessidade da «pleni-
tude» dos axiomas deixaram claro, da utopia de que,
dentro de determinada ordem jurídica, todas as deci-
sões de valor necessárias se deixam formular definiti-
vamente - decorre, portanto, de um pré-julgamento
tipicamente positivista (51), que hoje pode conside-
rar-se como definitivamente rejeitado.
a) O conceito de sistema de MAX SALüMON
(49) Cf. CANARIS, ob. cit., p. 173.
(50) Bem como as citações supra, nota 13.
Como que do lado oposto, surge a tentativa de
conceber o sistema como uma conexão de problemas.
Tal foi o empreendimento de MAX SALOMON(52) e
como essa concepção tem hoje, sem dúvida, de
novo uma actualidade especial, vai, de seguida, tra-
tar-se dela mais de perto. O ponto de partida de
SALOMONfoi o objectivo de fundamentar o carácter
científico da jurisprudência. Mas na sua opinião só
pode ser considerado como Ciência o empreendimento
dirigido a um objecto permanente (53). Nesse ponto, a
jurisprudência falha, enquanto se ocupa de uma deter-
minada ordem jurídica histórica, - e com isso SALO-
MON, inelutavelmente fascinado pela célebre confe-
rência de VONKIRSCHMANNsobre «A ausência de valor
r
(51) Com isso a censura do positivismo, contra a qual!"
KLUG, ob. cit., p. 173s. se tinha precavido, procede inteiramente!
(52) Grundlegung zur Rechtsphilosophie,2." ed., 1925, em
especial p. 26 S8. e 54 ss.; concordando, BURCKHARDT, Methoden
und System des Rechts, 1936, p. 131, nota 24.
(53) Cf. ob. cit., p. 11 SS. e 18 ss. (21).
da jurisprudência como Ciência», fica expressamente
ligado (54) ao lema proferido: «Três palavras adequa-
das do legislâdor e bibliotecas inteiras tornam-se em
papel de embrulho» (55). Como saída, SALOMON vê
apenas a ocupação com os problemas (permanente) e
não, pelo contrário, com as suas soluções (não per-
manentes). Retira-se, assim, sem mais, o que até hoje
se chamava Ciência do Direito, do círculo das Ciên-
cias (50), ficando apenas, como objecto da verdadeira
Ciência do Direito, a formação do «sistema dos pro--
blemas da legislação possível» (57) .
Fica claro, à primeira vista, que semelhante sis-
tema de problemas e das suas conexões é inadequado
para traduzir a unidade interior e a adequação da
ordem jurídica. Pois o Direito não é um somatório
de problemas, mas antes um somatório (58) de solu-
ções de problemas; por isso a sua unidade de sentido
também só pode ser encontrada nesses pontos de
vista de base e não em questões isoladas. O conceito
de sistema de SALOMON também não é, por isso, capaz
de contribuir para o esclarecimento do tema colocado
na presente investigação.
(54) Die Wertlosigkeit der Jurisprudenz ais Wissenschaft,
1848, p. 17.
(55) Cf. ab. cit., p. 13 e p. 21.
(56) Também é esta a opinião de SALOMON;cf., por exem-
plo, p. 24, 54 ss., 63 e passim.
(57) Cf. p. 54 ss., 67.
(58) Somatário não de entender-se como mera adição,
mas antes como conjunção de sentido,
Para além disso, deve também questionar-se que
seja possível o desenvolvimento de um sistema de
problemas (59); um tal «sistema» seria, antes, uma
contradição em si. Falta-lhe, necessariamente a uni-
dade indispensável para o conceito de sistema, a cone-
xão interna (00). Os problemas, como tais, não são
mais do que questões isoladas, que se podem esco-
lher arbitrariamente e que, por isso, para poderem
integrar uma relação sistemática, carecem de um ele-
mento instigador de sentido e de unidade, que só pode
existir fora deles próprios. Assim, logo o pr:meiro
problema imaginável- a questão das tarefas de uma
ordem jurídica - requer que, de certo modo, se saiba
ou se pressuponha o que é o Direito; o perguntar sem
(
',,'qualquer pressuposição é impossível, porque a coloca-
ção de uma pergunta implica sempre, em si, um certo
«ponto de vista». Isto sucede em todos os graus da
,/ conexão de questões. Assim, a problemática da auto-
\ nomia privada e do negócio jurídico só se põe quando
. a questão prévia da ordem das relações humanas
tenha sido respondida em certo sentido, designada-
mente a favor da criação de um Direito privado (01);
só esta resposta coloca novas questões como, por
exemplo, a da necessidade de forma para os actos de
(09) Cf., quanto ao que segue, a óptima crítica de BINDER,
Kantstudien 25 (1921), p. 321 ss.
(00) A opinião contrária de SALOMON,ob. cit., p. 58 ss.
é uma mera afirmação.
(01) Cf., quanto a isso, F. V. HIPPEL, Das Problem der
rechtsgeschiiftlichen Privatautonomie, 1936.
autonomia privada, a do tratamento das perturbações,
como os erros, e a dos limites da autonomia privada;
só que das suas respostas surgem novas sub-questões
como, por exemplo: a partir da necessidade de princí-
pio de forma obrigatória, o problema de excepções
eventuais e a sua diferenciação plena e, aí, de novo
o do tipo de forma a observar e a sua diferenciação;
a partir da consideração de princípio dos erros, o pro-
blema da determinação dos erros relevantes, da ale-
gabilidade do erro e da indemnização do dano da
confiança da contra parte; a partir da afirmação de
princípio dos limites da autonomia privada, o pro-
blema da sua determinação, seja através de normas
estritas, como no § 134 BGB, seja através de regras
flexíveis, como no § 138 BGB, cuja formulação pode
ainda, em cada caso, ser de tipo positivo ou do nega-
tivo (escolhido, e bem, pelo § 138) (G2), etc., etc. Tudo
isto não permite contestar a impossibilidade de um
puro sistema de problemas. Possível é apenas pro-
jectar uma conexão de pergunta e resposta, de nova
pergunta (daí emergente) e de nova resposta, etc.
O objectivo de uma Ciência que não queira limitar-se
a um determinado Direito positivo deveria ser a ela-
boração das soluções dos problemas então possíveis,
cujo número é, aliás, limitado, das subquestões daí
resultantes e das possíveis subrespostas, bem como,
a propósito das subrespostas, da limitação na possi-
bilidade de escolha, sempre resultante da resposta às
questões prévias; contra o carácter científico de um
tal empreendimento não se podem, por certo, alegar as
objecções de SALOMON (63).
A muito discutida (64) pesquisa de FRITZ VON
HIPPEL sobre a construção do sistema jurídico é
aparentada com as ideias de SALOMON (05). Este preo-
(63) Elas também não procedem, aliás, contra uma Ciên-
cia do Direito que se ocupe de uma determinada ordem jurídica,
desde que se veja o Direito legislado como uma das possíveis
soluções do problema «perpétuo» da justiça, sob as exigências
de uma situação histórica concreta. Por isso também a afirma-
ção de VONKIRCHMANNàcerca das bibliotecas que se torna-
riam papel de embrulho é improcedente; toda a história do
Direito privado e, em especial, o surgimento do BGB, que seria
impensável sem os trabalhos preparatórios da Ciência, são a
melhor refutação. As ideias desenvolvidas pela Ciência do
Direito não ficariam, de modo algum, sem valor, «através de
um risco do legislador», antes sendo, no desenvolvimento do
Direito (em sentido hegeliano) ou «suprimidos» ou «enrique-
cidos», como que esperando a existência «perpétua» de pos-
síveis soluções de problemas. Que as obras que contenham
estas ideias envelheçam, passa-se também com todos os tra-
balhos científicos; e de outra maneira todo o progresso
científico seria impensável.
(64) Cf. VIEHWEG,ob. cit., p. 66 ss.; EssER,Grundsatz und
Norm cit., p. 5 s.; ENGISCH,Stud. Gen. 10 (1957), p. 179,
DIEDERICHSEN,NJW 1966, p. 699.
(65) Cf. Zur Gesetzmassigkeit juristischer Systembildung,
1930; citado segundo F. V. HIPPEL, Rechtstheorie und
Rechtsdogmatik, 1964, p. 13 ss.
(62) Não se deve, pois, determinar que o negócio jurídico
corresponde aos bons costumes, mas sim que ele não os
contradiz.
cupou-se em descobrir a «conexão imanente de pro-
blemas» necessariamente consubstanciada com o reco-
nhecimento da autonomia privada e desenvolveu, com
base nesse exemplo, ideias gerais sobre a construção
do sistema. No âmago da sua concepção coloca-se o
significado daquela «conexão imanente de proble-
mas»; diz ele: «conheçamo-Io e conheceremos a sis-
temática jurídico-privada» (66). Não havendo aqui um
equívoco, fica a ideia de que VON HIPPEL vê o sis-
tema, tal como SALOMON, exclusivamente na conexão
de problemas. Assim entendeu de facto VIEHWEG as
suas explicações, tendo-as resumido do seguinte
modo: «Com isso, tal conexão imanente de problemas
forma a procurada sistemática jurídico-privada»; a
sua especialidade está em que ela não é mais pro-
curada «do lado do Direito positivo», antes lhe «cor-
respondendo», «manifestando-se como que uma estru-
tura de perguntas» (67).
Um tal «sistema» ma expor-se a todas as
objecções que acima foram feitas contra SALOMON e,
na verdade, nem poderia aspirar ao nome de sistema.
É, contudo, duvidoso que VIEHWEG tenha, efectiva-
mente, entendido bem VON HIPPEL (68). De facto este
não deixa, de forma alguma, o lado da resposta, fora
de causa; antes prossegue, no local citado (69): «Nós
podemos, daqui em diante, ordenar a massa de conhe-
cimentos singulares jurídico-privados como respostas
históricas a questões permanentes de uma determi-
nada conexão de problemas ... ». VON HIPPEL também
acentua, com bastante clareza, que esta conexão de
problemas não resulta, de modo algum, a priori,mas
apenas na base de determinada resposta, designada-
mente da decisão a favor da autonomia privada.
A conexão inseparável da resposta com o problema e
j
i" da nova resposta com o novo problema é, para VON
. HIPPEL, totalmente consciente. Ele també~ não ~i.sse
que a conexão de problemas «forma» a slstematlCa,
sendo pois, como lhe atribui VIEHWEG, a ela idêntica,
mas apenas que nós podemos «conhecer» a sistemá-
'\ tica, porque nós podemos agora ordenar as diferentes
I soluções.
, Todavia, mantém-se assim uma certa impressão
discrepante, mesmo quando se tem em conta que
ralidade com que VON HJPPEL fundamentou a ideia de sistema
devia levar VIEHWEGa duvidar da justeza da sua interpretação;
como VIEHWEGe contra DIEDERICHSEN,agora também WIEACKER,
Privatrechtsgeschichte der Neuzeit, 2." ed., 1967, p. 597,
nota 48 (*).
«W) Deve salientar-se que ambas as proposições estão
ligadas por dois pontos, que deixam clara a sua estreita liga-
ção interior.
(*) Nota do tradutor: Traduzida em português por ANTÓ-
NIO HESPANHAe publicada pela Fundação Calouste Gulbenkian
sob o título História do Direito Privado Moderno; vide, aí, a
p. 690-691, nota 48.
(66) Cf. ob. cit., p. 19.
(67) Db. cit., p. 67.
(68) Isso contesta DIEDERICHSEN,ob. e loc. cito De facto,
não basta para tanto, a mera referência à intenção de VON
HIPPEL de construir um sistema, pois esta poderia relacionar-se
eom um mal-entendido na ideia de sistema; no entanto a natu-
VON HIPPEL devia naturalmente salientar o aspecto
problemático como o realmente novo da sua pesquisa.
Na verdade, ele disse com toda a razão: também o
t
legislador, na medida em que «responda a estas ques-
. tões, cria um Código Civil» (70); no entanto, devia-se \,
ainda acrescentar: «ele apenas faz um sistema na ~\
medida em que responda». Mas VON HIPPEL, não diz, I"
contudo, o que dá, a essas respostas, o sentido uni-
tário, nem segundo que pontos de vista valorativos
sobre-ordenados resolve o legislador os problemas (71),
não dando também, por isso, um projecto próprio de
tiistema (72). Ele apenas faz, aliás em total correspon-
dência com o título do seu trabalho, considerações
«para a regularidade da formação do sistema jurí-
dicQ», com o que salienta a conexão imanente de pro-
blemas, necessariamente ligada a uma determinada
decisão fundamental- isto é, desde já: a uma solução
de problemas. É indubitáveI que aquela conexão
existe, merecendo, por isso, as ideias de VON HIPPEL,
inteira concordância; mas ele não chegou a dar uma
determinada concretização do conceito de sis-
tema (73) - tal como se trata neste parágrafo.(70) Ob. cit., p. 22.
(71) Na linha desta objecção, a crítica que VON HIPPEL
faz ao sistema do iluminismo não é inteiramente convincente.
Nesse projecto esteve-se sempre perante a ideia de que a uni-
dade de sistema, para a qual todo o Direito essencialmente
apontava, só se poderia obter na base de alguns princípios
ético-jurídicos pouco numerosos - e isso constitui a sua indu-
bitável grandeza. Que esses princípios tenham sido unilateral-
mente sobrevalorizados ou que, pelo menos, hoje isso assim
nos pareça - e que, por isso, eles precisem de complementação
através da aceitação, no nosso sistema, de outros princípios
fundamentais (cf., quanto a isso, sobretudo, COING, Festschrift
für DalIe, 1963, 1.0 voI., p. 25 ss., em especial p. 29 ss.) apenas
significa que a escolha da ordenação (de forma, aliás histo-
ricamente compreensível) foi feita de modo unilateral, e não,
em caso algum, que a «regularidade da formação do sistema
jurídico tenha sido desconhecida»; de facto, enquanto res-
posta ao problema fundamental da justiça, este projecto é
inteiramente compreensível- em oposição à «teoria dos fac-
tos jurídicos», assim chamada por VON HIPPEL - a qual, de
facto, menosprezou a essência da formação do sistema jurídico
(sem no entanto, dever ser equiparada, em globo, à «sistemá-
tica do século XIX»; .cf., porém, VON HIPPEL, ob. cit., p. 36).
À semelhança das conexões de problemas,
enquanto tais, tão-pouco as relações da vida e a sua
(72) É duvidoso que ele o tenha querido; cf. o título do
seu trabalho e, igualmente, o texto. Mas para a afirmativa a
essa pergunta depõe, no entanto, o facto de ele colocar a sua
própria concepção no plano da sistemática do iluminismo e do
século XIX; cf. p. 23 e p. 36. ,
(73) Poder-se-ia, contudo, em ligação com, as suas :onsl-
derações, dar a definição de que o sistema serIa a soluçao de
uma conexão de problemas; manter-se-ia, porém, por um lado,
a dúvida se VON HIPPEL quis efectivamente considerar a «face
das respostas» no conceito de sistema e, por outro, não seria
também a definição suficiente, por lhe faltarem os elementos
essenciais do conceito: a unidade e a ordem.
ordem imanente (74) são suficientes para a construção
do sistema. Pois elas são apenas objecto do pireito,
sendo formadas por ele, na sua forma específica; elas
não podem, por isso, formar em si próprias a unidade
do Direito nem, também, comportá-Ia por si sós. Isso
não quer, naturalmente, dizer que elas não possam,
por seu turno, influenciar o Direito, como «natureza
das coisas» e, com isso, em certas circunstâncias,
actuar no seu sistema; este, porém, com isso, ainda
não está plenamente implantado nas relações da vida.
Também não deve, evidentemente, negar-se que a
ordenação das relações da vida tenha uma influência
essencial no sistema «externo» do Direito - pense-se
apenas no apoio de âmbitos jurídicos como do Direito
de Família e das Sucessões, do Direito Comercial, do
Trabalho ou de Autor ou dos tipos singulares do
Direito das obrigações em especial, nos corresponden-
tes fenómenos da vida (75)! Mas deve prevenir-se
contra uma identificação desta ordem com a conexão
específica das normas jurídicas, pois haveria aí um
sociologismo alheio ao valor do Direito CG).
6. O «sistema de decisões de conflitos» no sentido
de HECKe da jurisprudência dos interesses
Fica por investigar um último conceito de sistema:
o de Heck e da jurisprudência dos interesses. Deriva,
como se sabe, de HECK a distinção fundamental entre
o sistema «externo» e o «interno» (77). Para apurar a
. unidade e a adequação da ordem jurídica releva, de
/...
. antemão, apenas o sistema interno; pois entre as suas
. tarefas deve haver, segundo as palavras de HECK, no
domínio de uma «conexão material», uma «ordem
-I. imanente» (78). Onde fica, então, este sistema <<in-
terno», segundo a opinião de HECK?
(74) LARENZ,ob. cito atribui a HECKa opinião de que o
sistema interno é «logo dado nas conexões da vida» (cf. p. 57
e p. 362). De facto, encontram-se afirmações nesse sentido
(cf. p. ex. HECK,ob. cit., p. 149 s. e p. 158); no entanto,este
aspecto do entendimento do sistema de HECKrecua perante
a ideia de um «sistema de decisões de conflitos» (cf. sobre isso,
o texto, infra, n.O6). Elas poderiam ser s6 o prosseguimento
consequente das proposições sociológicas da «teoria dos inte-
resses genéticos» (cf. infra nota 100); mas também aqui se
mostra que a jurisprudência dos interesses não se reporta a
isso, antes remetendo para o significado- não casualmente
determinado - do valor legislado.
(75) Também aqui surge uma estreita relação, determi-
nada pela natureza das coisas, entre o sistema «externo» e o
«interno».
(76) Um exemplo disso ê a poslçao de EHRLICH,que
nega a «unidade do Direito nas suas proposições» (cf. Die
juristische Logik, 2." ed., 1925, p. 137) e apenas a quer reco-
nhecer como «unidade na conexão da sociedade» (cf. p. 146).
EHRLlCHdeveria, consequentemente optar pelo conceito de sis-
tema indicado no texto; cf. também infra, nota 100.
(77) Cf. Begriffsbildung und Interessenjurisprudenz, 1932,
p. 139 ss. (142 s.).
(78) Cf. ob. cit., p. 143.
a) A posição da jurisprudência dos interesses quanto
à ideia da unidade do Direito
juízos de valor expressos nas normas singulares, assim
como

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