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Direito Constitucional Apostila 1


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Cibele Fernandes Dias 
 
1 
 
PRIMEIRO ROTEIRO DE DIREITO CONSTITUCIONAL 
POSITIVO
1
 
 
PONTOS DO PROGRAMA DE DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO 
1. Constituição. Conceito. Classificação. Elementos. Poder constituinte: 
originário e derivado. Hermenêutica constitucional. O 
constitucionalismo brasileiro. A ordem constitucional vigente. Emendas 
à Constituição. Disposições gerais e transitórias. 
 
“As melhores constituições não são as mais bem pensadas e mais 
bem escritas, mas as que mais exactamente correspondam à feição 
de um povo, demonstrada por uma longa e sincera experiência 
colectiva.”2 
 
 
“Nosso criador fez a Terra para uso dos vivos e não dos mortos, de forma que nenhuma 
sociedade pode fazer de uma Constituição uma lei perpétua.” Thomas Jefferson.3 
 
1
 Elaborado pela Professora Cibele Fernandes Dias como plano de aula. Mestre e Doutora em Direito 
Constitucional pela PUC/SP. Professora de Direito Constitucional da FEMPAR, ESMAFE, EMAP e 
EMATRA. Professora de Direito Constitucional, História do Direito e Direitos Humanos da FESP. 
Advogada. 
2
 CAETANO, Marcello. Manual de ciência política e de direito constitucional. Tomo I. 6ª ed. 
Coimbra: Almedina, 1996. p. 349. 
3
 “No society can make a perpetual constitution, for the earth belongs always to the living generation.” 
Citado por AMARAL, Maria Lucia do. Constituição e organização do poder político: constitucionalismo 
forte, constitucionalismo débil. Anuário Português de Direito Constitucional, Lisboa, 2006. p. 167. A 
ideia também inspirou os constitucionalistas franceses na redação do art. 28, da Constituição de 1793: 
Cibele Fernandes Dias 
 
2 
 
1. CONSTITUCIONALISMO 
Conceito de Constituição: Constituição como “conjunto de regras e princípios de maior 
força hierárquica dentro do ordenamento jurídico e que tem por fim organizar e 
estruturar o poder político, além de definir os seus limites, inclusive pela concessão de 
direitos fundamentais ao cidadão.”4 
 
1. Conceito material de Constituição e o movimento constitucionalista (o art. 16 da 
Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão Francesa de 1789): a fórmula 
química constitucional (SP + DGI)
5
 + a necessidade de uma Constituição escrita 
 
a) Origens do constitucionalismo norte-americano: 
 
a.1) John Locke 
a) Estado de natureza e estado civil: (1) no estado de natureza, os indivíduos têm 
poderes para fazer tudo o que considerarem apropriado a fim de preservar a sua 
propriedade e a da comunidade (direito de resistência), a tolerância religiosa e a 
legítima defesa, bem como o direito de punir as transgressões do direito natural, 
(2) passagem para o estado civil: ocorre numa dupla fase – 1º - os indivíduos 
transferem à comunidade o poder executivo por meio de um contrato, 2º - a 
comunidade transfere ao governo o poder executivo por meio de uma relação de 
confiança (“trusty”). Todavia, como o estado de natureza é uma relação, não 
desaparece nessa passagem, já que os indivíduos conservam o seu direito natural 
de resistência. Conservam-se também as relações de estado de natureza no âmbito 
de uma sociedade política (sempre que uma pessoa não tenha voluntariamente 
consentido integrar uma comunidade política). Mais importante ainda é que 
LOCKE reconhece ao povo o direito natural de resistência diante de uma situação 
extrema de quebra da relação de confiança.
6
 
a.2) Revolução americana: o direito de resistência de John Locke e o pensamento 
político dos whigs influenciaram a Declaração de Independência de 1776. A 
distinção entre legislação ordinária e atos políticos extraordinários como a 
elaboração e aprovação das Constituições ganhou corpo com a Constituição de 
Massachusetts de 1780 e de New Hampshire de 1784 (Constitutional Convention). 
Depois, os Articles of Confederation adotados pelo Congresso em 1778 e num 
processo que durou até 1781 ratificados pelas assembléias legislativas dos 13 
 
“Um povo tem sempre o direito de rever, reformar ou mudar sua Constituição. Uma geração não pode 
submeter as suas leis às gerações futuras.” Antes, a Constituição Francesa de 1791, título VII, artigo 1º já 
havia firmado o mesmo princípio: “a Nação tem o direito imprescritível de mudar sua constituição.” 
4
 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 52. 
5
 Separação de Poderes e Direitos e garantias individuais. Um documento sem tais matérias não poderia 
ser chamado de Constituição, segundo o movimento constitucionalista. 
6
 BRITO, Miguel Nogueira de. A Constituição constituinte: ensaio sobre o poder de revisão da 
Constituição. Coimbra: Coimbra, 2000. p. 14-28. 
Cibele Fernandes Dias 
 
3 
Estados. O fato de nunca terem sido submetidos à ratificação popular permitiria ao 
povo revogá-los. A Convenção de Filadélfia de 1787, a Constituição elaborada 
pelos Fouding Fathers e a influência do “The articles of federalism” de Alexander 
Hamilton, John Jay e James Madison
7
 foram decisivos no constitucionalismo 
americano. A escolha do “people at large” como depositário da soberania e a 
Constituição como um contrato entre os indivíduos, e não entre o povo e o 
governo. Segundo Bruce ACKERMAN, o federalismo dos fundadores estava 
pautado num dualismo: da política constitucional (constitucional politics) e da 
política do dia-a-dia (normal politics). A preocupação dos federalistas não era 
somente teorizar a política constitucional, mas formular mecanismos 
constitucionais por meio dos quais seria possível fluir a normal politics sem traição 
da herança revolucionária.
8
 A teoria da representação política solucionou o 
problema do governo republicano. A proliferação de modos de representação 
política permite que os diversos poderes se controlem mutuamente (checks and 
balances). 
 
b) Origens do constitucionalismo francês 
 
a) Emmanuel Joseph Sieyès – O que é o terceiro Estado? (“Qu’est-ce que Le 
tiers État?”)9 
 
O MAPA DA CONSTITUIÇÃO DE 1988: preâmbulo, Títulos I a IX e Ato das 
Disposições Constitucionais Transitórias 
“Há que se ter presente, no entanto, considerada a controvérsia em referência, 
que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em recente (e unânime) decisão 
(ADI 2.076/AC, Rel. Min. CARLOS VELLOSO), reconheceu que o preâmbulo da 
Constituição não tem valor normativo, apresentando-se desvestido de força 
cogente.”[...] O preâmbulo não é um conjunto de preceitos. (...). O preâmbulo não 
pode ser invocado enquanto tal, isoladamente; nem cria direitos ou deveres (...); 
 
7
 “Parece ter sido reservado ao povo deste país, pela sua conduta e exemplo, a decisão sobre a importante 
questão que é a de se saber se as sociedades humanas são realmente capazes, ou não, de estabelecer um 
bom governo por opção e reflexão ou se estão condenadas para sempre a que a sorte das suas constituições 
políticas dependa do acaso e da força.” Início do Federalista. BRITO, op. cit., p. 46. 
8
 ACKERMAN, Bruce. We the people I: foundations. Massachusetts: The Belknap Press of Harvard 
University Press, 1991. p. 177-178. 
9
 “Na verdade, esse livro foi o manifesto da Revolução Francesa; está como manifesto para ela assim 
como está o de Marx para a Revolução Russa. Nele, o autor consubstancia as reivindicações do terceiro 
Estado, o povo. O livro tem uma estrutura interessante. Seu título é uma pergunta - Que é o terceiro 
Estado? - e em três perguntas se desenvolve:“Que tem sido o terceiro Estado?” – a resposta é: nada; 
porque o terceiro Estado se caracteriza por não contar com privilégios, e não contar com privilégios, 
naquela estrutura jurídica, era a mesma coisa que nada. “Que é?” – a resposta: tudo; porque o terceiro 
Estado desempenha todas as tarefas que são necessárias à vida de uma comunidade; é ele uma 
comunidade perfeita; se desaparecessem a Nobreza e o Clero, o terceiro Estado daria conta da vida da 
mesma forma. “Que pretende ser? – a resposta: alguma coisa. E com ‘alguma coisa’ vem o programa de 
reivindicações da revolução: primeiro, quanto à própria estrutura da convocada assembleia dos Estados 
Gerais; depois, quanto à reorganização da Franca, etc.” FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O poder 
constituinte. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 12. 
Cibele Fernandes Dias 
 
4 
não há inconstitucionalidade por violação do preâmbulo como texto 'a se'; só há 
inconstitucionalidade por violação dos princípios consignados na Constituição.”10 
 
 
 
2. PODER CONSTITUINTE 
 
2.1 PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO (DE PRIMEIRO GRAU). 
CONCEITO. 
 
a) CONCEITO 
É o poder responsável pela elaboração da Constituição escrita e dotada de rigidez. 
 
 
b) TITULARIDADE E EXERCÍCIO (1º, §único, CF – relação com o regime de 
governo) 
O titular é o povo. 
O exercício depende da origem da Constituição. Se promulgada, quem exerceu foi a 
Assembléia Constituinte. Se outorgada, quem exerceu foi a autoridade que ditou a 
Constituição em nome do povo. 
 
c) JUSPOSITIVISTAS E JUSNATURALISTAS). 
JUSPOSITIVISTAS (STF) JUSNATURALISTAS (minoritária)
11
 
 
10
 Voto do Ministro Celso de Mello, Relator no Mandado de Segurança n. 24645-DF, transcrição do 
Informativo do Supremo Tribunal Federal n. 320. 
11
 Sobre a adoção da teoria jusnaturalista na Alemanha, consulte o livro de Otto BACHOF. Normas 
constitucionais inconstitucionais? Porto Alegre: Editora Sérgio Fabris. 
PREÂMBULO 
 Nós, representantes do povo 
brasileiro, reunidos em Assembléia 
Nacional Constituinte para instituir um 
Estado Democrático, destinado a assegurar 
o exercício dos direitos sociais e 
individuais, a liberdade, a segurança, o 
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade 
e a justiça como valores supremos de uma 
sociedade fraterna, pluralista e sem 
preconceitos, fundada na harmonia social e 
comprometida, na ordem interna e 
internacional, com a solução pacífica das 
controvérsias, promulgamos, sob a 
proteção de Deus, a seguinte 
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA 
FEDERATIVA DO BRASIL. 
Cibele Fernandes Dias 
 
5 
1. Inicial ou inaugural 1. Derivado (do direito natural) 
2. Ilimitado (juridicamente) 2. Limitado (pelo direito natural) 
3. Incondicionado (juridicamente) 3. Condicionado (pelo direito natural) 
4. Soberano
12
 4. Autônomo 
Natureza: Poder de Fato (revolucionário) Poder de direito 
 
 “Os Modernos não imaginavam um poder constituinte que não fosse revolucionário. [...] 
A Constituição era assim, para os vencidos, a bandeira da violência e da usurpação dos 
títulos de legitimidade; enquanto para os vencedores era o fim da tirania ou do 
despotismo, o selo de uma nova era.” 13 
 
d) A OBRA DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO 
 
d.1) NORMAS CONSTITUCIONAIS ORIGINÁRIAS 
 
NORMAS CONSTITUCIONAIS ORIGINÁRIAS normas da CF que ainda não 
sofreram processo de reforma (emenda constitucional ou emenda constitucional de 
revisão) 
 
 “Com a teoria do poder constituinte pretendia-se fechar o debate sobre o 
fundamento de validade da Constituição: ela seria válida incondicionalmente 
porque procedente de quem tinha o poder de instituí-la de forma absoluta.”14 
 
e) PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO + RIGIDEZ CONSTITUCIONAL + 
SUPREMACIA CONSTITUCIONAL (formal e material) + CONTROLE DE 
CONSTITUCIONALIDADE 
“A Constituição tenderia a se resumir num documento de boas intenções ou 
exortações cívicas de cunho político, ainda que se pudesse atribuir-lhe algum 
valor jurídico... A conversão do texto constitucional em norma não foi a única 
transformação realizada pela jurisdição constitucional: o sentido e mesmo a 
teleologia das normas constitucionais passaram a sofrer grandes interferências, 
chegando a domínios dificilmente imaginados pelos autores da obra 
constituinte(...)”15 
 
 
12
 Em sua obra clássica – Os seis livros da República – Jean BODIN (1580) aponta os seguintes traços 
característicos da soberania: indivisibilidade, irrevogabilidade, perpetuidade e supremacia. A soberania 
denota um poder político supremo e independente, entendendo-se por poder supremo aquele que não está 
limitado por nenhum outro na ordem interna e por poder independente aquele que, na sociedade 
internacional, não tem de acatar regras que não sejam voluntariamente aceites e está em pé de igualdade 
com os poderes supremos dos outros povos. 
13
 SAMPAIO, José Adércio Leite. A Constituição reinventada pela jurisdição constitucional. Belo 
Horizonte: Del Rey, 2002. p. 350. 
14
 SAMPAIO, A Constituição..., op. cit., p. 347. 
15
 SAMPAIO, José Adércio Leite. A Constituição reiventada pela jurisdição constitucional. Belo 
Horizonte: Del Rey, 2002. 
Cibele Fernandes Dias 
 
6 
e.1) NORMAS CONSTITUCIONAIS ORIGINÁRIAS PODEM SER 
DECLARADAS INCONSTITUCIONAIS? 
JUSPOSITIVISTAS 
 
JUSNATURALISTAS 
NUNCA SIM 
 
“A eficácia das regras jurídicas produzidas pelo 
poder constituinte (redundantemente chamado de “originário”) não está sujeita a 
nenhuma limitação normativa, seja de ordem material, seja formal, porque provém 
do exercício de um poder de fato ou suprapositivo. Já as normas produzidas pelo 
poder reformador, essas têm sua validez e eficácia condicionadas à legitimação 
que recebam da ordem constitucional. Daí a necessária obediência das emendas 
constitucionais às chamadas cláusulas pétreas.”16 
 
 
2.2 PODER CONSTITUINTE DERIVADO: REFORMA CONSTITUCIONAL 
(ALTERAÇÃO FORMAL DA CONSTITUIÇÃO). EMENDA CONSTITUCIONAL 
E REVISÃO CONSTITUCIONAL. PODER CONSTITUINTE CONSTITUÍDO OU 
INSTITUÍDO, DE SEGUNDO GRAU OU DE REFORMA. 
 
“...Há no Brasil uma crônica compulsão dos governantes de modificar a 
Constituição para fazê-la à imagem e semelhança de seus governos. Uma espécie 
de narcisismo constitucional.”17 
 
a) CONCEITO DE PODER CONSTITUINTE DERIVADO 
É o poder responsável pela reforma da Constituição Federal, ou seja, pela alteração 
do seu texto (formal). 
b) TITULARIDADE e EXERCÍCIO 
O titular é o povo. O Congresso Nacional exerce o poder constituinte derivado. 
c) CARACTERÍSTICAS DO PODER CONSTITUINTE DERIVADO 
1. Derivado 
2. Limitado 
3. Condicionado 
 
16 ADI 2356 MC / DF - DISTRITO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE 
INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA Relator(a) p/ Acórdão: Min. 
AYRES BRITTO. Julgamento: 25/11/2010. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJe-094 
DIVULG 18-05-2011 PUBLIC 19-05-201. EMENT VOL-02525-01 PP-00054. 
17
 BARROSO, Temas..., op. cit., p. 46. 
Cibele Fernandes Dias 
 
7 
d) NORMAS CONSTITUCIONAIS ELABORADAS PELO PODER 
CONSTITUINTE DERIVADO: 
Emendas à Constituição Federal 
1. (3º, ADCT) 
EMENDAS CONSTITUCIONAIS DE 
REVISÃO 
3. (60, CF) 
EMENDAS CONSTITUCIONAIS 
 
e) CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS 
CONSTITUCIONAIS ELABORADAS PELO PODER CONSTITUINTE 
DERIVADO? 
Sim, cabe o controle de constitucionalidade repressivo material e formal quando a 
emenda ofende os limites formais, circunstanciais oumateriais impostos pelo poder 
constituinte originário. 
 Também cabe o controle de constitucionalidade preventivo formal por meio de 
mandado de segurança impetrado por parlamentar quando há ofensa aos limites 
constitucionais formais (que dizem respeito ao processo legislativo de tramitação da 
emenda).
18
 
 
18 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MS 32033 / DF - DISTRITO FEDERAL . MANDADO DE 
SEGURANÇA. Relator(a): Min. GILMAR MENDES. Relator(a) p/ Acórdão: Min. TEORI 
ZAVASCKI. Julgamento: 20/06/2013. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação PROCESSO 
ELETRÔNICO DJe-033 DIVULG 17-02-2014 PUBLIC 18-02-2014. Ementa: CONSTITUCIONAL. 
MANDADO DE SEGURANÇA. CONTROLE PREVENTIVO DE ONSTITUCIONALIDADE 
MATERIAL DE PROJETO DE LEI. INVIABILIDADE. 1. Não se admite, no sistema brasileiro, o 
controle jurisdicional de constitucionalidade material de projetos de lei (controle preventivo de normas em 
curso de formação). O que a jurisprudência do STF tem admitido, como exceção, é “a legitimidade do 
parlamentar - e somente do parlamentar - para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir 
atos praticados no processo de aprovação de lei ou emenda constitucional incompatíveis com disposições 
constitucionais que disciplinam o processo legislativo” (MS 24.667, Pleno, Min. Carlos Velloso, DJ de 
23.04.04). Nessas excepcionais situações, em que o vício de inconstitucionalidade está diretamente 
relacionado a aspectos formais e procedimentais da atuação legislativa, a impetração de segurança é 
admissível, segundo a jurisprudência do STF, porque visa a corrigir vício já efetivamente concretizado no 
próprio curso do processo de formação da norma, antes mesmo e independentemente de sua final 
aprovação ou não. 2. Sendo inadmissível o controle preventivo da constitucionalidade material das normas 
em curso de formação, não cabe atribuir a parlamentar, a quem a Constituição nega habilitação para 
provocar o controle abstrato repressivo, a prerrogativa, sob todos os aspectos mais abrangente e mais 
eficiente, de provocar esse mesmo controle antecipadamente, por via de mandado de segurança. 3. A 
prematura intervenção do Judiciário em domínio jurídico e político de formação dos atos normativos em 
curso no Parlamento, além de universalizar um sistema de controle preventivo não admitido pela 
Constituição, subtrairia dos outros Poderes da República, sem justificação plausível, a prerrogativa 
constitucional que detém de debater e aperfeiçoar os projetos, inclusive para sanar seus eventuais vícios de 
inconstitucionalidade. Quanto mais evidente e grotesca possa ser a inconstitucionalidade material de 
projetos de leis, menos ainda se deverá duvidar do exercício responsável do papel do Legislativo, de 
negar-lhe aprovação, e do Executivo, de apor-lhe veto, se for o caso. Partir da suposição contrária 
Cibele Fernandes Dias 
 
8 
Foi no Habeas Corpus n. 18178, de 27 de setembro de 1926 que o Supremo 
Tribunal Federal reconheceu a sua competência para aferir a compatibilidade da 
emenda constitucional com a Constituição Federal. 
 
 
A OBRA DO PODER CONSTITUINTE DERIVADO: AS NORMAS 
CONSTITUCIONAIS DERIVADAS 
 
 “A tese de que há hierarquia entre normas constitucionais originárias dando azo 
à declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras é incompatível 
com o sistema de Constituição rígida.” (Ministro Moreira Alves, ADIN 815-DF.) 
 
f) LIMITES DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS (60, CF) 
 
f.1) LIMITES EXPRESSOS 
I. Formais ou 
procedimentais 
 
 
 
I - FASE DE INICIATIVA 
a) Iniciativa constituinte (60, I a III, CF): Presidente da República 
/ 1/3 (171), no mínimo, dos deputados federais ou 1/3 (27), no 
mínimo, dos senadores / mais da metade das Assembléias 
Legislativas (14) manifestando-se, cada uma delas, pela maioria 
relativa de seus membros. 
 
a1) É iniciativa comum/concorrente ou privativa/exclusiva? 
Comum ou concorrente, qualquer legitimado pode apresentar 
proposta de emenda sobre qualquer assunto 
 
a2) Inexistência de iniciativa popular: o rol de legitimados é 
exaustivo 
 
II - FASE CONSTITUTIVA (DELIBERAÇÃO 
PARLAMENTAR) 
 
b) Discussão e votação (60, §2º, CF): sistema bicameral 
b1) Sistema bicameral – Casa Inicial e Casa Revisora 
 
significaria menosprezar a seriedade e o senso de responsabilidade desses dois Poderes do Estado. E se, 
eventualmente, um projeto assim se transformar em lei, sempre haverá a possibilidade de provocar o 
controle repressivo pelo Judiciário, para negar-lhe validade, retirando-a do ordenamento jurídico. 4. 
Mandado de segurança indeferido. 
 
Cibele Fernandes Dias 
 
9 
1. Câmara dos Deputados – Casa Inicial: quando a proposta for 
apresentada pelo Presidente da República ou pelos deputados 
federais 
 
2. Senado Federal – Casa Inicial: quando a proposta for 
apresentada pelos senadores ou pelas Assembléias Legislativas 
 
3. Quorum de aprovação (maioria qualificada): três quintos de 
todos os membros da Casa [na Câmara, 3/5 dos 513 deputados 
federais (308); no Senado, 3/5 dos 81 senadores (49), lembrando que 
3/5 é 60% de todos os membros da Casa] 
 
4. Turnos de discussão e votação: dois turnos em cada Casa, no 
total são quatro turnos 
 
5. Ausência da fase de deliberação executiva: não há fase de 
sanção ou veto presidencial 
 
III - FASE COMPLEMENTAR OU INTEGRATIVA DE 
EFICÁCIA: 
1. Promulgação e publicação (60, §3º, CF): Mesa da Câmara dos 
Deputados e Mesa do Senado Federal (57, §4º, CF) 
 
IV – Matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou com 
votação prejudicada (60, §5º, CF): somente pode ser reapresentada 
na próxima sessão legislativa – princípio da irrepetibilidade19 
 
19 Significado do princípio da irrepetibilidade na jurisprudência do STF: a rejeição do substitutivo 
(PEC substitutiva) não impede a discussão e votação da PEC original na mesma sessão legislativa 
porque não incide o art. 60, parágrafo 5º, da CF. MS 22503 / DF - DISTRITO FEDERAL. 
MANDADO DE SEGURANÇA. Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO. Relator(a) p/ Acórdão: Min. 
MAURÍCIO CORRÊA. Julgamento: 08/05/1996. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. “I - Preliminar. 1. 
Impugnação de ato do Presidente da Câmara dos Deputados que submeteu a discussão e votação emenda 
aglutinativa, com alegação de que, além de ofender ao par. único do art. 43 e ao § 3º do art. 118, estava 
prejudicada nos termos do inc. VI do art. 163, e que deveria ter sido declarada prejudicada, a teor do que 
dispõe o n. 1 do inc. I do art. 17, todos do Regimento Interno, lesando o direito dos impetrantes de terem 
assegurados os princípios da legalidade e moralidade durante o processo de elaboração legislativa. A 
alegação, contrariada pelas informações, de impedimento do relator - matéria de fato - e de que a emenda 
aglutinativa inova e aproveita matérias prejudicada e rejeitada, para reputá-la inadmissível de apreciação, 
é questão interna corporis do Poder Legislativo, não sujeita à reapreciação pelo Poder Judiciário. Mandado 
de segurança não conhecido nesta parte. 2. Entretanto, ainda que a inicial não se refira ao § 5º do art. 60 da 
Constituição, ela menciona dispositivo regimental com a mesma regra; assim interpretada, chega-se à 
conclusão que nela há ínsita uma questão constitucional, esta sim, sujeita ao controle jurisdicional. 
Mandado de segurança conhecido quanto à alegação de impossibilidade de matéria constante de propostade emenda rejeitada ou havida por prejudicada poder ser objeto de nova proposta na mesma sessão 
legislativa. II - Mérito. 1. Não ocorre contrariedade ao § 5º do art. 60 da Constituição na medida em que o 
Presidente da Câmara dos Deputados, autoridade coatora, aplica dispositivo regimental adequado e 
declara prejudicada a proposição que tiver substitutivo aprovado, e não rejeitado, ressalvados os destaques 
Cibele Fernandes Dias 
 
10 
Circunstanciais 
 
a) 60, §1º: não é possível reformar a Constituição Federal (apresentar 
proposta de emenda, discutir ou votá-la, promulgar ou publicar 
emenda constitucional) na vigência de estado de sítio (art. 137, CF), 
estado de defesa (art. 136, CF) ou intervenção federal (34, CF) 
Materiais 
 
 
60, §4º, I a IV – CLÁUSULAS PÉTREAS – são matérias que não 
podem ser abolidas por emenda, pois constituem a essência, a 
identidade da Constituição. 
 
 
 
FORMA FEDERATIVA DE ESTADO 
 
 
 
 
VOTO DIRETO, SECRETO, UNIVERSAL E PERIÓDICO 
 
 
 
SEPARAÇÃO DE PODERES
20
 
 
(art. 163, V). 2. É de ver-se, pois, que tendo a Câmara dos Deputados apenas rejeitado osubstitutivo, e não 
o projeto que veio por mensagem do Poder Executivo, não se cuida de aplicar a norma do art. 60, § 5º, da 
Constituição. Por isso mesmo, afastada a rejeição dosubstitutivo, nada impede que se prossiga na votação 
do projeto originário. O que não pode ser votado na mesma sessão legislativa é a emenda rejeitada ou 
havida por prejudicada, e não o substitutivo que é uma subespécie do projeto originariamente proposto. 3. 
Mandado de segurança conhecido em parte, e nesta parte indeferido.” 
 
20 ADI 5316 MC / DF - DISTRITO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE 
INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a): Min. LUIZ FUX. Julgamento: 21/05/2015. Órgão 
Julgador: Tribunal Pleno. Publicação PROCESSO ELETRÔNICO DJe-154 DIVULG 05-08-2015 
PUBLIC 06-08-2015. “1. O princípio constitucional da separação dos Poderes (CRFB, art. 2º), cláusula 
pétrea inscrita no art. 60, § 4º, III, da Constituição República, revela-se incompatível com arranjos 
institucionais que comprometam a independência e a imparcialidade do Poder Judiciário, predicados 
necessários à garantia da justiça e do Estado de Democrático de Direito. 2. A expressão “nas condições do 
art. 52 da Constituição Federal” contida no art. 100 do ADCT, introduzido pela EC nº 88/2015, ao sujeitar 
à confiança política do Poder Legislativo a permanência no cargo de magistrados do Supremo Tribunal 
Federal, dos Tribunais Superiores e de membros do Tribunal de Contas da União, vulnera as condições 
materiais necessárias ao exercício imparcial e independente da função jurisdicional. 3. A aposentadoria 
compulsória de magistrados é tema reservado à lei complementar nacional, de iniciativa do Supremo 
Tribunal Federal, nos termos da regra expressa contida no artigo 93, VI, da Constituição da República, 
não havendo que se falar em interesse local, ou mesmo qualquer singularidade que justifique a atuação 
legiferante estadual em detrimento da uniformização. 4. A unidade do Poder Judiciário nacional e o 
princípio da isonomia são compatíveis com a existência de regra de aposentadoria específica para 
integrantes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, cujos cargos também apresentam 
peculiaridades para o seu provimento. 5. É inconstitucional todo pronunciamento judicial ou 
administrativo que afaste, amplie ou reduza a literalidade do comando previsto no art. 100 do ADCT e, 
com base em neste fundamento, assegure a qualquer agente público o exercício das funções relativas a 
cargo efetivo ou vitalício após ter completado setenta anos de idade. 6. A cumulação simples de pedidos 
típicos de ADI e de ADC é processualmente cabível em uma única demanda de controle concentrado de 
Cibele Fernandes Dias 
 
11 
 
 
 
 
 
DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS 
 
 
f.2) LIMITES MATERIAIS IMPLÍCITOS À EMENDA CONSTITUCIONAL 
 
Dizem respeito à titularidade do Poder Constituinte originário e derivado: 
Não é possível por via de emenda constitucional: 
1. Revogar os limites expressos ao Poder Constituinte derivado: alterando ou 
suprimindo qualquer limite previsto no art. 60, da CF ou no art. 3º, do ADCT 
Os limites expressos (escritos no artigo 60, CF e no art. 3º, ADCT) são: absolutos (em 
face do poder constituinte derivado) 
 Para Nelson de Souza Sampaio são intangíveis à ação do poder constituinte 
reformador: (1) as normas concernentes ao titular do poder constituinte, porque 
este se acha em posição superior à própria Constituição, (2) as normas referentes 
ao titular do poder reformador, porque ele não pode fazer a delegação dos 
poderes recebidos, (3) as normas disciplinadoras do próprio procedimento de 
emenda, já que o poder delegado não pode modificar as condições da delegação 
recebida. 
 
g) REVISÃO CONSTITUCIONAL (3º, ADCT) 
“As mudanças na Constituição, decorrentes da revisão do art. 3º do ADCT, estão 
sujeitas ao controle judicial, diante das cláusulas pétreas consignadas no art. 60, 
§4º e seus incisos, da Lei Magna de 1988.” (ADI 981-Pr, Relator Ministro Néri 
da Silveira, j. 17.12.93) 
 
REVISÃO CONSTITUCIONAL (3º, ADCT) 
I – LIMITES EXPRESSOS: 
1. LIMITES FORMAIS (3º, ADCT) 
a. Sistema unicameral de discussão e votação: não tem Casa Inicial ou Casa Revisora 
b. Turno de discussão e votação: um só 
c. Quorum de aprovação (maioria qualificada): maioria absoluta 
d. Ausência de fase de deliberação executiva: não tem fase de sanção ou veto do 
 
constitucionalidade, desde que satisfeitos os requisitos previstos na legislação processual civil (CPC, art. 
292). 7. Pedido cautelar deferido.” 
 
 
Cibele Fernandes Dias 
 
12 
Presidente da República 
2. LIMITE TEMPORAL (3º, ADCT): após cinco anos a contar da promulgação da 
Constituição de 1988 (após 5 de outubro de 1993) 
3. LIMITES IMPLÍCITOS: 
1. Limites formais: a promulgação e publicação da emenda constitucional de revisão 
pela Mesa do Congresso Nacional 
2. (60, §1º, CF): limites circunstanciais: não seria possível rever a Constituição na 
vigência de estado de sítio (art. 137, CF), estado de defesa (art. 136, CF) ou intervenção 
federal (art. 34, CF) 
3. (60, §4º, I a IV): limites materiais – as cláusulas pétreas não poderiam ser abolidas 
na revisão constitucional 
4. limites materiais implícitos das emendas constitucionais: não seria possível, na 
revisão, alterar os limites expressos ao Poder Constituinte Derivado, ou seja, revogar o 
art. 60 da CF ou o próprio art. 3º, do ADCT 
 
2.3 PODER CONSTITUINTE DIFUSO 
 
MECANISMO INFORMAL OU MATERIAL DE ALTERAÇÃO 
CONSTITUCIONAL 
“Pese embora o exagero da formulação, há alguma coisa de exacto na afirmação 
de Loewenstein, quando ele considera que uma ‘constituição jamais é idêntica a si 
própria, estando constantemente submetida ao pantha rei heraclitiano de todo o 
ser vivo.”21 
 
a. CONCEITO DE MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL
22
: 
É alteração da Constituição Federal por meio de interpretação constitucional (judicial, 
legislativa e administrativa) e costumes constitucionais, sem alteração do texto 
constitucional. É chamada de alteração informal ou material, porque as normas 
constitucionais têm o seu sentido modificado, sem mudança de texto. Em Portugal, é 
chamadade interpretação evolutiva.
23
 
b. PODER RESPONSÁVEL PELA MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL: 
 É um poder constituinte difuso, porque, segundo a doutrina, é exercido pelo Poder 
Judiciário no controle de constitucionalidade e também pelo Poder Legislativo quando 
regulamenta as normas constitucionais com leis. Todavia, hoje podemos afirmar que o 
grande responsável pela mutação é o STF no exercício do controle abstrato de 
 
21
 CANOTILHO, op. cit., p. 1000. 
22
 Sobre o tema da mutação, consultar o livro da professora: DIAS, Cibele Fernandes. Decisões 
intermediárias e mutação na justiça constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. 
23
 A teoria da mutação constitucional deve-se ao pioneirismo de Paul LABAND (1838-1918) que descreve 
como a Constituição do Reich é modificada sem que sejam acionados os mecanismos de reforma 
constitucional. No livro intitulado "Wandlungen der Deutschen Reichsverfasung" (Mutação da 
Constituição Alemã), publicado em 1895, destaca que embora as Constituições sejam normas jurídicas em 
sentido estrito, a ação do Estado pode transformá-las sem necessidade de modificação formal. Depois, o 
estudo foi realizado por JELLINEK, G. Reforma y mutacion de la Constitucion. Madrid: Centro de 
Estudios Constitucionales, 1991. 
Cibele Fernandes Dias 
 
13 
constitucionalidade. 
c. MECANISMOS DA MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL: (a) Interpretação 
constitucional (judicial, legislativa e administrativa) e (b) costumes constitucionais. 
 
Interpretação constitucional: (1) interpretação evolutiva – “aplicação da Constituição 
a situações que não foram contempladas quando da sua elaboração e promulgação, por 
não existirem nem terem sido antecipadas à época, mas que se enquadram claramente 
no espírito e nas possibilidades semânticas do texto”24 ou atribuição de novos 
conteúdos à norma constitucional sem modificação do seu texto, em razão de mudanças 
históricas ou de fatores políticos e sociais que não estavam presentes na mente dos 
constituintes. e (2) construção constitucional ou interpretação construtiva: “ampliação 
do sentido ou extensão do alcance da Constituição – seus valores, seus princípios – para 
o fim de criar uma nova figura ou uma nova hipótese não prevista originariamente, ao 
menos não de maneira expressa.” (exemplo: do direito ao silêncio do preso – art. 5º, 
LXIII – extraiu-se o privilégio contra a auto-incriminação, doutrina brasileira do 
habeas corpus). 
Exemplos de mutação por interpretação judicial: foro por prerrogativa de função e a 
revogação da Súmula 394 do STF, os efeitos da decisão no mandado de injunção. 
Costume constitucional: é um uso ou convenção constitucional tido como obrigatório 
pela comunidade em geral. Prática constitucional de determinados atos e 
comportamentos pelos poderes competentes e pelo povo sem forma prevista ou 
consagrada na Constituição. Exemplo: reconhecimento da possibilidade de o Chefe do 
Poder Executivo negar aplicação à lei inconstitucional. 
 
3. INTERPRETAÇÃO E APLICABILIDADE DA NORMA 
CONSTITUCIONAL 
 
a) DISTINÇÕES DAS NORMAS JURÍDICAS: PRINCÍPIOS E REGRAS 
 
(a) Normas constitucionais : regras (preceitos) ou princípios 
Os princípios e as regras constitucionais podem ser expressos (escritos no texto) 
ou implícitos (decorrentes de normas expressas). As normas constitucionais 
implícitas formam uma espécie de “Constituição virtual”, porque somente são 
apreendidas mediante um processo de interpretação sistemática. Ambos, 
princípios e regras, são normas constitucionais dotados de aplicabilidade e, 
portanto, servem como parâmetro para (1) o controle de constitucionalidade das 
leis posteriores à CF (se violarem princípios ou regras constitucionais podem ser 
declaradas inconstitucionais), (2) a revogação das leis anteriores à CF que 
colidam com o seu conteúdo.
 25
 
 
24
 BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos 
fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 131. 
25
 Para José Joaquim Gomes Canotilho, constitucionalista português, as normas constitucionais podem ser 
classificadas, quanto à sua estrutura, em princípios ou regras (preceitos) constitucionais. Esta tipologia é 
adotada pela doutrina brasileira como também pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Os 
princípios são normas constitucionais (i) com grau de abstração relativamente elevado em relação às 
Cibele Fernandes Dias 
 
14 
 
A doutrina majoritária brasileira adota uma teoria que propõe uma distinção forte 
entre princípios e regras. Os princípios e as regras têm estruturas lógicas diversas 
porque têm formas de aplicação diversas. Não se trata de mera distinção gradual 
– de generalidade e abstração – ou de diferença de grau. Segundo a teoria dos 
princípios, o principal traço distintivo entre princípios e regras é que no caso das 
regras garantem direitos (ou se impõem deveres) definitivos, ao passo que no caso 
dos princípios são garantidos direitos (ou são impostos deveres) prima facie. No 
caso dos princípios, há uma diferença entre aquilo que é garantido (ou imposto) 
prima facie e aquilo que é garantido (ou imposto) definitivamente. Pode-se dizer 
que há um longo caminho entre um (o “prima facie”) e outro (o “definitivo”). Na 
esteira de Robert Alexy, os princípios são mandamentos de optimização: são 
normas que exigem que algo seja realizado na maior medida possível, diante das 
possibilidades fáticas e jurídicas existentes. Os princípios se distinguem das 
regras, pois estas, se válidas, devem sempre ser realizadas por completo. Ao 
contrário das regras, os princípios podem ser realizados em vários graus. 
 
A aplicação dos princípios depende de condições jurídicas – a realização total de 
um princípio encontra barreiras na proteção de outro princípio ou de outros 
princípios. No caso das regras, a aplicação não depende de condições jurídicas do 
caso concreto. A distinção do conteúdo do dever-ser das regras e dos princípios 
implica uma importante diferença na forma de aplicá-los. Pode-se usar as figuras 
do “conflito entre regras” e da “colisão entre princípios” para deixar isso claro. 
Por causa dessa diferença de estrutura, há uma distinção na forma de aplicação 
das normas jurídicas: a subsunção e o sopesamento. 
 
Conflito normativo: conflito entre regras e colisão entre princípios. O 
conflito normativo é a possibilidade de aplicação, a um mesmo caso 
concreto, de duas ou mais normas cujas conseqüências jurídicas se 
mostrem, pelo menos para aquele caso, total ou parcialmente 
incompatíveis. É o que Alf Ross chama de “inconsistência”. 
Conflito entre regras: aqui vale o conhecido raciocínio “tudo ou nada”. Se 
o conflito for parcial, resolve-se pela instituição de uma cláusula de 
exceção de uma delas. Se for total, a declaração de invalidade de uma 
delas. O conflito entre regras é resolvido no plano da validade: sempre que 
 
regras, (ii) vagas e imprecisas se comparados com as regras, o que lhes confere uma baixa densidade 
normativa se comparados com as regras; (iii) são normas mais próximas à ‘idéia de direito’, (iv) são 
multifuncionais: (1) servem como cânone (parâmetro) de interpretação do direito constitucional e do 
direito infraconstitucional (FUNÇÃO INTERPRETATIVA DOS PRINCÍPIOS), (2) revelam normas que 
não são expressas no texto possibilitando a integração (preenchimento de lacunas) e a complementação do 
direito (constitucional e infraconstitucional)(FUNÇÃO INTEGRATIVA OU SUPLETIVA DOS 
PRINCÍPIOS), (3) são o fundamento de regras jurídicas (função normogenética dos princípios, o que 
justifica a circunstância de atuarem como pilares para a interpretação e integração das regras 
constitucionais e legais, permitindo a compreensão da Constituição enquanto sistema, dotado de coerência 
interna) (FUNÇÃO FUNDAMENTADORA DOS PRINCÍPIOS). CANOTILHO, José Joaquim Gomes. 
Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1995. p. 166-167. 
Cibele Fernandes Dias 
 
15 
há conflito entre regras, há alguma forma de declaração de invalidade. A 
validade não é graduável, pois ou uma norma é válida ou não. Tertium non 
datur. Duas regras que prevêem conseqüências jurídicas diversas para o 
mesmo suporte fático não podem pertencer ao mesmo sistema jurídico. Uma 
delas é, pelo menos para esse sistema, inválida. 
Conflito entre princípios: A solução de colisões entre princípios não exige 
a declaração de invalidade de nenhum deles e também não é possível que se 
fale que um princípio institui uma exceção a outro. Quando dois princípios 
colidem, o que ocorre é a fixação de relações condicionadas de 
precedência. Essa diferença decorre da estrutura dos princípios, que são 
mandados de otimização. 
Como o princípio é um mandado de optimização – exigem que algo seja 
realizado na maior medida possível diante das condições jurídicas e fáticas 
existentes – a sua realização quase sempre é restringida pela realização de 
outro. Condições jurídicas expressam a possibilidade de colisão com outros 
princípios, o que poderá limitar, no caso concreto, a realização de um ou 
mais princípios de forma total ou parcial. Isto não é resolvido a partir da 
declaração de invalidade de um dos princípios. Depois da solução da 
colisão, os princípios continuam tão válidos quanto antes. E um não 
constitui exceção ao outro, pois às vezes prevalecerá um, às vezes, 
prevalecerá outro. Tudo dependerá do caso em questão. São relações 
condicionadas de precedência, porque a relação é sempre condicionada à 
situação concreta. A validade do princípio não é afetada nos casos em que 
sua aplicação é restringida em favor da aplicação de outra norma. 
Havendo colisão entre princípios, será necessário realizar um sopesamento 
entre os princípios colidentes para que se decida qual deles terá 
preferência, que valerá, enquanto precedência condicionada, apenas para 
aquele caso concreto. Não se pode dizer que houve a instituição de uma 
cláusula de exceção, porque quando isso acontece, no caso das regras, a 
exceção é sempre a mesma e vale para todos os casos de aplicação 
daquelas regras. 
No caso da colisão entre princípios, portanto, não há como se falar em um 
princípio que sempre tenha precedência em relação a outro. Uma norma é 
um princípio não por ser fundamental, mas por ter a estrutura de um 
mandado de otimização. 
Colisão entre princípios e regras? Não é possível. Sopesar regra e princípio 
não é possível porque poderá haver caso em que a regra válida e aplicável 
é afastada. Incompatível com a idéia de que a regra garante direitos (ou 
impõe deveres) de forma definitiva. E sopesamento só cabe em normas que 
tenham a dimensão do peso. Solucionar o conflito no plano da validade 
implicaria aceitar que um princípio que cede em favor de uma regra teria 
de ser expelido do ordenamento jurídico. Incompatível com a idéia de que a 
validade de um princípio não é afetada no caso em que sua aplicação é 
restringida em favor da aplicação de outra norma. 
Cibele Fernandes Dias 
 
16 
Não há colisão entre princípios e regras. O que há é o produto de um 
sopesamento, feito pelo legislador, entre dois princípios que garantem 
direitos fundamentais, e cujo resultado é uma regra de direito ordinário. A 
relação entre a regra e um dos princípios é uma relação de restrição e não 
de colisão. A regra é a expressão da restrição de um dos princípios. 
PROBLEMA: QUANDO A APLICAÇÃO DA REGRA POR SUBSUNÇÃO, 
em determinado caso concreto, levaria a situações consideradas 
incompatíveis com algum princípio constitucional decisivo para o caso 
concreto, sem que, no entanto, essa incompatibilidade seja algo verificável 
em abstrato e, portanto, sem que haja razões para considerar essa regra 
inconstitucional. Você decide que a regra não se aplica, que o ato não se 
enquadra na descrição da regra. Em outros casos, é necessário incluir uma 
conduta, um estado ou uma posição jurídica na proteção de um direito 
fundamental. O Judiciário pode criar uma regra que constitui exceção à 
regra proibitiva. Exemplo: a regra legal que permite o saque do FGTS 
quando o titular tem AIDS, proíbe implicitamente o saque para os seus 
dependentes. O Judiciário cria uma regra que permite o saque quando os 
dependentes têm HIV e essa regra é aplicada por subsunção. A regra criada 
pelo juiz é produto do sopesamento de dois princípios. Do sopesamento 
entre princípios, surge a regra (processo de surgimento). 
Na realidade, o sopesamento não é entre a regra e o princípio. Não há 
colisão entre a regra e o princípio, mas entre o princípio em questão e o 
princípio que sustenta a regra que com ele colide. O sopesamento é uma 
forma de interpretação e não de aplicação, destina-se a verificar se o fato 
em questão é típico ou não. 
 
Resumo das diferenças entre regras e princípios: (1) é estrutural, implica deveres 
de estrutura diferentes (deveres definitivos – regras e deveres prima facie – 
princípios), (2) formas diferentes de aplicação (subsunção – regras e 
sopesamento ou ponderação – princípios), (3) os princípios têm a dimensão do 
peso (um princípio cede preferência a outro, em determinada situação de colisão, 
sem que, com isso, se torne inválido e tenha que ser expurgado do ordenamento 
jurídico), as regras seguem a lógica do “tudo ou nada”.26 
 
b) PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL 
 
INTERPRETAÇÃO: possibilidade de indagação do conteúdo semântico dos enunciados 
linguísticos do texto constitucional com a conseqüente dedução de que a matéria de 
regulamentação é abrangida pelo âmbito normativo da norma constitucional. 
 
 
26
 Sobre o tema, consultar: SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do direito: os direitos 
fundamentais nas relações entre particulares. 1. ed. 3. Tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011. Do mesmo 
autor: Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 
2011. 
Cibele Fernandes Dias 
 
17 
INTEGRAÇÃO: determinadas situações que se devem considerar constitucionalmente 
reguladas não estão previstas e não podem ser cobertas pela interpretação, mesmo 
extensiva, dos preceitos constitucionais (considerados na sua letra e na sua ratio). 
 
DOIS PROCESSOS GRADUAIS DE OBTENÇÃO DO DIREITO 
CONSTITUCIONAL: o intérprete tem uma dupla tarefa – (1) fixar o âmbito e o 
conteúdo de regulamentação da norma a aplicar, (2) se a situação de fato carecedora de 
decisão não se encontrar regulada no complexo normativo-constitucional, ele deve 
completar a lei constitucional preenchendo ou colmatando as suas lacunas. 
 
LACUNA CONSTITUCIONAL AUTÔNOMA: ausência de disciplina jurídica no 
complexo normativo, mas esta pode ser deduzida do plano regulativo da Constituição e da 
teleologia da regulamentação constitucional. 
 
LACUNAS DE REGULAMENTAÇÃO: (1) lacunas no nível das normas, quando um 
preceito constitucional é incompleto, tornando-se necessária a sua complementação para 
que ele seja aplicado, (2) quando não se trata de uma incompletude da norma, mas uma 
determinada regulamentação em conjunto. 
 
MÉTODO PARA COLMATAÇÃO: analogia(argumentum a simile) – transferência de 
uma regulamentação de certas situações para outros casos merecedores de igualdade de 
tratamento jurídico e que apresentam uma coincidência axiológica significativa. 
 
b.1 PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL 
 
1) PRINCÍPIO DA UNIDADE DA CONSTITUIÇÃO: a Constituição deve ser 
interpretada de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos), obrigando o 
intérprete a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas 
constitucionais, considerando-as não como normas isoladas e dispersas, mas como 
preceitos integrados num sistema interno unitário. 
 
2) PRINCÍPIO DO EFEITO INTEGRADOR: na resolução dos problemas 
constitucionais, deve dar-se primazia aos critérios que favoreçam a integração política e 
social e o reforço da unidade política. 
 
3) PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE OU PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA: 
a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É 
invocado no âmbito dos direitos fundamentais: no caso de dúvida, deve ser preferida a 
interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais. 
 
4) PRINCÍPIO DA JUSTEZA OU DA CONFORMIDADE FUNCIONAL: o órgão 
encarregado da interpretação constitucional não pode chegar a um resultado que subverta 
ou perturbe o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido, ou seja, 
visa impedir a alteração da repartição de funções constitucionalmente estabelecidas por 
meio da concretização constitucional. 
Cibele Fernandes Dias 
 
18 
 
5) PRINCÍPIO DA CONCORDÂNCIA PRÁTICA OU DA HARMONIZAÇÃO: 
impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o 
sacrifício total de uns em relação aos outros, a fim de se buscar uma harmonização ou 
concordância prática. Aplica-se principalmente na colisão entre direitos fundamentais ou 
entre eles e bens jurídicos constitucionalmente protegidos, de forma que este princípio 
exigirá a ponderação. 
 
6) PRINCÍPIO DA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO: na solução dos 
problemas constitucionais, deve dar-se prevalência aos pontos de vista que contribuem 
para uma eficácia ótima da lei fundamental, ou seja, que garantem a a eficácia e 
permanência da Constituição 
 
7) PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E 
DOS ATOS DO PODER PÚBLICO: as leis e atos do Poder Público elaborados na 
vigência de uma Constituição presumem-se constitucionais em relação à ela. 
 
8) PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO DAS LEIS EM CONFORMIDADE COM 
A CONSTITUIÇÃO: no caso de normas polissêmicas ou plurissignificativas deve-se dar 
preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a Constituição. 
Devem ser considerados os seguintes princípios na interpretação conforme a CF: 
(1) Princípio da prevalência da Constituição: deve-se escolher a interpretação não 
contrária ao texto e ao programa da norma. 
(2) Princípio da conservação: uma norma não deve ser declarada inconstitucional 
quando puder ser interpretada em conformidade com a Constituição. 
(3) Princípio da exclusão da interpretação conforme a Constituição mas “contra 
legem”: o aplicador da norma não pode contrariar a letra e o sentido dessa norma 
através de uma interpretação conforme, mesmo que por meio dela consiga uma 
concordância entre a norma infraconstitucional e as normas constitucionais (não é 
possível chegar-se a uma regulação nova e distinta, em contradição com o sentido 
literal ou objetivamente claro da lei ou em manifesta dessintonia com os objetivos do 
legislador). 
 
c) APLICABILIDADE DA CONSTITUIÇÃO NO TEMPO: 
 
1. RELAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO NOVA COM A CONSTITUIÇÃO 
ANTERIOR 
 
a) Tese do STF – REVOGAÇÃO TOTAL (AB-ROGAÇÃO): A tese que prevalece 
na doutrina e jurisprudência é a da revogação total (ab-rogação) e irrestrita das normas 
da Constituição velha pela nova Constituição. Toda a Constituição anterior é revogada 
com o advento de uma nova Constituição, independentemente de conter normas 
Cibele Fernandes Dias 
 
19 
compatíveis com a nova ordem constitucional. A ab-rogação é tácita. 
b) Desconstitucionalização: É defendida pela Professora Maria Helena Diniz.
27
 A 
desconstitucionalização seria a possibilidade de recepção, pela nova ordem 
constitucional, de dispositivos da Constituição anterior como legislação 
infraconstitucional, preenchidos os seguintes requisitos: (i) compatibilidade material e 
(ii) desde que o assunto não tenha sido objeto da nova Constituição. A tese da 
desconstitucionalização tácita não é aceita pela jurisprudência do STF. No entanto, a 
desconstitucionalização somente é possível caso haja dispositivo expresso da 
Constituição nova recepcionando norma da Constituição anterior como lei, já que o 
poder constituinte originário é ilimitado, pode tudo. 
Desconstitucionalização tácita – VEDADA. 
Desconstitucionalização expressa – PERMITIDA. 
d) Recepção material: Constitui a recepção de normas constitucionais anteriores pela 
nova Constituição, que continuam a vigorar como normas constitucionais, sem 
sofrerem desconstitucionalização. A recepção material expressa é possível, porque o 
poder constituinte originário é juridicamente ilimitado. Exemplo disto na CF de 1988 
é o art. 34, do ADCT. A recepção material tácita é vedada. 
Recepção material tácita – VEDADA. 
Recepção material expressa – PERMITIDA. 
 
 
2. RELAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO NOVA COM AS LEIS E ATOS 
NORMATIVOS ANTERIORES 
 
a) RECEPÇÃO (TOTAL OU PARCIAL): A Constituição recebe as normas 
infraconstitucionais anteriores, que estejam em vigor, materialmente compatíveis com ela, 
confirmando sua vigência, eficácia e validade.
28
 As leis velhas são “novadas”, porque 
terão de ser reinterpretadas em face da nova Constituição. Para a recepção da legislação 
anterior, exige-se compatibilidade material (de conteúdo) com a nova Constituição. A 
recepção das leis anteriores visa garantir o princípio da continuidade da ordem jurídica e 
da segurança jurídica. As leis anteriores são recebidas, mas deverão receber uma 
interpretação ajustada à nova Constituição (o que José Afonso da Silva chama de 
“eficácia construtiva” da nova Constituição). 
 
De outro lado, é importante salientar que a Constituição nova não tem poder convalidar as 
leis e atos normativos anteriores que eram incompatíveis com a Constituição anterior, 
então vigente. 
 
EXIGÊNCIAS PARA A RECEPÇÃO DE LEIS OU ATOS NORMATIVOS 
ANTERIORES À CF de 1988: 
 
 
27
 DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 50-
51. 
28
 DINIZ, op. cit., p. 48. 
Cibele Fernandes Dias 
 
20 
(a.1) LEI ANTERIOR DEVE ESTAR EM VIGOR NO MOMENTO DA 
PUBLICAÇÃO DA NOVA CONSTITUIÇÃO + (2) LEI ANTERIOR DEVE SER 
CONSTITUCIONAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO ANTERIOR, QUE ESTAVA 
EM VIGOR QUANDO FOI PUBLICADA + (3) LEI ANTERIOR DEVE 
APRESENTAR COMPATIBILIDADE MATERIAL COM A NOVA 
CONSTITUIÇÃO. 
 
A maioria da doutrina entende que a lei anterior que esteja em vacatio legis no momento 
da publicação da nova Constituição não é por ela recebida. Todavia, na minha opinião, tal 
entendimento contraria o princípio da continuidade da ordem jurídica. 
A incompatibilidade da lei anterior com a nova Constituição no aspecto formal (relativo ao 
processo legislativo ou às regras de repartição de competências) é irrelevante (não há 
inconstitucionalidade formal superveniente), porque a legislação recebe a natureza que a 
nova ordem constitucional reservou para a matéria. Assim, o art. 146, da CF de 1988 exige 
lei complementar para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária.O 
Código Tributário Nacional, que se constitui numa lei ordinária anterior à Constituição 
Federal de 1988 (Lei 5172/66), trata, no livro segundo, das normas gerais de direito 
tributário. Embora o Código Tributário Nacional não seja uma lei complementar, as 
normas gerais de direito tributário, constantes do seu livro segundo, foram recepcionadas 
pela Constituição com caráter de lei complementar. 
 
b2) NÃO-RECEPÇÃO TOTAL OU PARCIAL POR MOTIVO DE REVOGAÇÃO: 
a legislação anterior (constitucional em face da Constituição que vigorava quando foi 
publicada) incompatível com o conteúdo da nova Constituição não é por ela recebida. Essa 
é a tese prevalente na jurisprudência do STF. O problema é que a não-recepção está 
baseada exclusivamente no critério temporal (lei posterior revoga lei anterior) e a nova 
Constituição não só retira a vigência, mas também o fundamento de validade da legislação 
incompatível com o seu conteúdo. Todavia, esta última tese, que sustenta a 
inconstitucionalidade material superveniente das leis anteriores em face da nova 
Constituição, não é aceita pelo STF. 
 
b3) Repristinação: A repristinação ocorre quando uma lei volta a vigorar, pois foi 
revogada a lei revogadora. O art. 2º, §3º, da Lei de Introdução ao Código Civil admite a 
repristinação desde que haja regra expressa (“Salvo disposição em contrário, a lei 
revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”). É claro que a 
repristinação, ainda que haja regra legal expressa, não poderá atingir o direito adquirido, o 
ato jurídico e a coisa julgada (art. 5º, XXXVI, CF – “a lei não prejudicará o direito 
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”).29 A circunstância de a nova 
 
29
 Como ressalta Luis Roberto BARROSO, o princípio da não-retroatividade das leis somente condiciona 
a atividade jurídica do Estado nas hipóteses expressamente previstas na Constituição: “São elas: a) a 
proteção da segurança jurídica no domínio das relações sociais, veiculada no art. 5º, XXXVI, já citado; b) 
a proteção da liberdade do indivíduo contra a aplicação retroativa da lei penal, contida no art. 5º, XL (‘a 
lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu’), c) a proteção do contribuinte contra a voracidade 
retroativa do fisco, constante do art. 150, III, a ( é vedada a cobrança de tributos ‘em relação a fatos 
Cibele Fernandes Dias 
 
21 
Constituição revogar a Constituição anterior não terá, a princípio, o condão de restaurar a 
eficácia das leis que foram revogadas pela Constituição antiga. Todavia, como o Poder 
Constituinte Originário é inicial, ilimitado e incondicionado, ao elaborar uma nova 
Constituição, pode ressuscitar leis anteriores que já haviam sido revogadas pela 
Constituição velha. Todavia, para que isso aconteça, é necessário (1) expressa previsão no 
texto da nova Constituição, (2) esta repristinação poderá até prejudicar direitos adquiridos 
e atos jurídicos perfeitos, já que realizada pelo Poder Constituinte Originário, mas também 
nessa circunstância deverá haver regra constitucional expressa (como a irretroatividade é a 
regra, não há retroatividade tácita).
30
 
CONCLUSÃO 
LEI ANTERIOR EM VIGOR 
(constitucional em face da Constituição 
velha) COMPATÍVEL COM O 
CONTEÚDO DA NOVA 
CONSTITUIÇÃO = É 
RECEPCIONADA, AINDA QUE HAJA 
INCOMPATIBILIDADE FORMAL. 
LEI ANTERIOR (constitucional em face 
da Constituição velha) INCOMPATÍVEL 
COM O CONTEÚDO DA NOVA 
CONSTITUIÇÃO = NÃO É RECEBIDA, 
AINDA QUE HAJA 
COMPATIBILIDADE FORMAL. 
 
e) APLICABILIDADE DA NORMA CONSTITUCIONAL 
 
APLICABILIDADE das normas constitucionais (teoria de José Afonso da Silva) 
EFICÁCIA PLENA EFICÁCIA CONTIDA EFICÁCIA LIMITADA 
As normas 
constitucionais de 
eficácia plena são 
normas de 
aplicabilidade 
DIRETA, IMEDIATA 
E INTEGRAL. 
Sozinhas, ou seja, sem 
necessidade de lei 
regulamentadora, já 
As normas constitucionais 
de eficácia contida são 
normas de aplicabilidade 
DIRETA, IMEDIATA, 
MAS POSSIVELMENTE 
NÃO INTEGRAL. 
Embora sozinhas já 
consigam produzir todos os 
seus efeitos (positivos e 
negativos), autorizam ao 
Já as normas constitucionais de 
eficácia limitada têm aplicabilidade 
INDIRETA, MEDIATA E 
REDUZIDA. Sozinhas, só produzem 
efeitos negativos (capacidade da norma 
constitucional para servir de parâmetro 
para invalidar atos contrários ao seu 
conteúdo). No entanto, precisam de lei 
que as regulamente e complete o seu 
comando normativo para produzirem 
 
geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado’). Fora 
dessas hipóteses, a retroatividade da norma é tolerável.” BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e 
aplicação da Constituição. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 53. Logo, a Constituição admite a 
retroatividade da lei desde que não atinja o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. 
Também admite a retroatividade da lei penal mais benéfica. Nesse sentido, a questão da ESAF: (Gestor 
Fazendário 2005 – ESAF) A Constituição em vigor expressamente admite a possibilidade de leis 
retroativas no ordenamento brasileiro. (certa) 
30
 “O princípio da não-retroatividade, todavia, não condiciona o exercício do poder constituinte originário. 
A Constituição é o ato inaugural do Estado, primeira expressão do direito na ordem cronológica, pelo que 
não deve reverência à ordem jurídica anterior, que não lhe pode impor regras ou limites. Doutrina e 
jurisprudência convergem no sentido de que ‘não há direito adquirido contra a Constituição.’” 
BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. 
p. 55. 
Cibele Fernandes Dias 
 
22 
produzem todos os seus 
efeitos (positivos e 
negativos). 
legislador a restrinção, 
diminuição, contenção dos 
seus efeitos, prevendo 
exceções ou restrições, 
condicionamentos à sua 
incidência. 
efeitos positivos e assegurarem o 
exercício do direito ou da competência 
nelas previsto.
31
 
ESPÉCIES DE NORMAS DE 
EFICÁCIA LIMITADA: 
a) PROGRAMÁTICAS 
b) PRINCÍPIOS INSTITUTIVOS 
ALERTA: Doutrina e jurisprudência referem-se, muitas vezes, a normas constitucionais auto-
aplicáveis (são as de eficácia plena e contida que não dependem do legislador para a produção 
de efeitos positivos) e a normas constitucionais não auto-aplicáveis (são as de eficácia limitada, 
que dependem do legislador para produção de efeitos positivos). Exemplo de utilização dessa 
classificação: Súmula 24, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: “São auto-aplicáveis 
os parágrafos 5º e 6º do art. 201 da Constituição Federal de 1988”; Súmula 648, do STF: “A 
norma do §3º, do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional 40/2003, 
que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à 
edição de lei complementar”; Súmula vinculante n. 7, do STF: “A norma do §3º do artigo 
192 da CONSTITUIÇÃO, revogada pela Emenda Constitucional 40/2003, que limitava a taxa 
de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar.” 
Súmula 13, do TSE: “Não é auto-aplicável o §9º, do art. 14, da Constituição, com a redação 
da emenda constitucional de revisão nº 4/94.” 
Essa nomenclatura merece críticas porque as normas de eficácia limitada são auto-aplicáveis no 
que se refere à eficácia negativa, podendo servir, imediamente, como parâmetro para declaração 
de inconstitucionalidadede leis posteriores e revogação de leis anteriores com ela colidentes 
(imediatamente já produzem uma eficácia reduzida, que é a eficácia negativa ou paralisante). 
Exemplo de eficácia negativa de norma constitucional é o que mostra a Súmula 280 do STJ: 
“O art. 35 do Decreto-Lei n. 7661, de 1945, que estabelece a prisão administrativa, foi 
revogado pelos incisos LXI e LXVII do art. 5º, da Constituição Federal de 1988.” 
 
 
5. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS 
 
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS (TÍTULO I DA CF): são princípios fundamentais 
todos aqueles dispostos no Título I da Constituição, dos artigos 1º a 4º, que 
compreendem: 
 
(1) FUNDAMENTOS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (1º, CF); 
(2) PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES (art. 2º, CF) 
(3) OBJETIVOS FUNDAMENTAIS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL 
(art. 3º, CF) 
(4) PRINCÍPIOS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DO BRASIL (art. 4º, CF) 
 
 
 
31
DIAS, Cibele Fernandes Dias. Direito constitucional didático. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2012. 
Cibele Fernandes Dias 
 
23 
PRINCÍPIO REPUBLICANO 
 
FORMA DE GOVERNO (modo como se organiza a Chefia de Estado num país): a forma 
de governo adotada no Brasil é a republicana. A República constitui princípio constitucional 
fundamental, pois atua como fonte inspiradora para várias regras constitucionais. Não é por 
acaso que a parte permanente começa com a expressão “A República” (art. 1º, da CF). O art. 
2º do ADCT previu a realização de plebiscito para escolha da forma e do sistema de governo, 
resultando na decisão popular pela manutenção da república e do presidencialismo, constantes 
da Constituição na sua redação originária. 
a) Diferenças entre Chefia de Estado e Chefia de Governo 
O Chefe de Estado (i) representa o Estado na sua unidade (povo, território e governo), (ii) 
comanda as Forças Armadas e (iii) defende e preserva os objetivos de Estado (presidir). 
Exemplos na CF de 1988: incs. VII, VIII, IX, XII, XIII, XIX, XX, XXI do art. 84, que elenca 
as competências do Presidente da República. O Chefe de Governo (i) representa, no máximo, 
o partido dominante (uma parte do Estado, o governo, responsável pela consecução de 
políticas públicas), (ii) comanda uma equipe de políticos e (iii) executa a plataforma do 
partido (governar). Exemplos: incs. I, II, III, VI, XI, XXIII, XXIV, XXV, XXVI, do art. 84, da 
CF. 
Três são as características centrais que distinguem a República da Monarquia e estão 
baseadas nas prerrogativas inerentes à Chefia de Estado (CE): 
 
 REPÚBLICA 
1. Chefe de Estado eleito - Não se admite sucessão hereditária, o Chefe de Estado tem 
legitimação popular direta (escolhido pelo povo mediante sufrágio, voto direto) ou indireta 
(escolhido por representantes do povo reunidos no Parlamento), pois só a eleição lhe confere 
justo título para o exercício do poder. 
2. Chefe de Estado temporário 
Não se admite a vitaliciedade no cargo, pois a República implica eleições periódicas a fim de 
assegurar a alternância no poder. Para evitar que as eleições reiteradas de um mesmo 
indivíduo criassem um paralelo com a monarquia, é costume, nas repúblicas presidencialistas, 
estabelecer a proibição de reeleições sucessivas. O art. 14, § 5º, da CF, acrescentado pela 
Emenda Constitucional 16/97, que permite a reeleição do Presidente da República, dos 
Governadores e dos Prefeitos e de quem os houver sucedido ou substituído no curso dos 
mandatos para um único período subsequente está inspirado no princípio republicano. 
3. Chefe de Estado responsável 
Responde pelos seus atos. A República exige a responsabilidade ampla do Estado e serve de 
fundamento à regra do art. 37, § 6º, da CF, que estabelece a responsabilidade objetiva das 
pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de 
serviços públicos. 
Na monarquia, por sua vez, o Chefe de Estado é HEREDITÁRIO, VITALÍCIO e 
IRRESPONSÁVEL (“The King can do not wrong”, o Rei não pode errar, justamente porque 
não responde pelos seus atos). 
 
 REPÚBLICA (combina com os dois sistemas de governo): pode ser 
PARLAMENTARISTA OU PRESIDENCIALISTA 
 
Cibele Fernandes Dias 
 
24 
 MONARQUIA (não combina com o sistema presidencialista de governo): pode ser 
ABSOLUTISTA OU PARLAMENTARISTA 
 
PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO 
 
 REGIME POLÍTICO OU REGIME DE GOVERNO: “complexo estrutural de princípios e 
forças políticas que configuram determinada concepção política do Estado e da sociedade, e 
que inspiram seu ordenamento jurídico”32: 
 
REGIME DEMOCRÁTICO REGIMES AUTOCRÁTICOS: autoritários e 
totalitários 
 
a) Para Karl Loewenstein, duas são as diferenças entre o regime autocrático e o democrático. 
No regime democrático, há uma real e efetiva separação de poderes (com os mecanismos 
inerentes ao sistema de checks and 
balances) e um autêntico pluralismo político. Nos regimes autocráticos, predomina a 
concentração de poderes nas mãos de uma autoridade, grupo, classe ou partido com ausência 
de controles efetivos sobre o exercente do poder. Há uma aparência de pluralismo político 
(mimetismo politico típico deste tipo de regime) enquanto no regime totalitário não há 
pluralismo político (regime de partido único). 
 
b) Adoção do regime democrático na Constituição brasileira: (i) o 
art. 1º estabelece que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de 
Direito; (ii) entre os fundamentos da República estão a cidadania e a dignidade da pessoa 
humana (segundo a filosofia kantiana de que o homem é um fim em si mesmo); (iii) democracia 
pluralista: pluralismo político como fundamento republicano (art. 1º, inc. V, CF), pluralismo 
partidário respeitados os limites constitucionais (art. 17, caput, CF), pluralismo econômico 
(livre-iniciativa e livre concorrência – art. 170, CF), pluralismo de idéias e de instituições de 
ensino (art. 206, III, CF), pluralismo cultural (arts. 215 e 216, CF), pluralismo de meios de 
informação (art. 220, caput, CF); (iv) o art. 2º, da CF fixa a soberania popular (todo o poder 
emana do povo), com a adoção da democracia indireta ou representativa (que encontra no 
sufrágio universal seu principal instrumento – aliás, voto direto, secreto, universal e periódico 
é cláusula pétrea) ao lado da adoção de instrumentos de democracia quase direta: (i) plebiscito 
(art. 14, I, CF), (ii) referendo (art. 14, II, CF), (iii) iniciativa popular (arts. 14, III, CF; 61, § 2º, 
CF – iniciativa popular em projetos de lei federal; 27, § 4º, CF – determina que o legislador 
deve dispor sobre a iniciativa popular no processo legislativo estadual e 29, inc. XIII, CF – 
prevê a iniciativa popular para projetos de lei municipal) e (iv) ação popular (art. 5º, LXXIII, 
CF). Todavia, não existe, no direito brasileiro, o mecanismo do veto popular, em que o povo é 
consultado para revogar uma lei já existente e o recall, quando o povo é chamado para votar 
sobre a revogação do mandato de um representante. 
 
 
32
 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2001.