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Cibele Fernandes Dias 1 PRIMEIRO ROTEIRO DE DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO 1 PONTOS DO PROGRAMA DE DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO 1. Constituição. Conceito. Classificação. Elementos. Poder constituinte: originário e derivado. Hermenêutica constitucional. O constitucionalismo brasileiro. A ordem constitucional vigente. Emendas à Constituição. Disposições gerais e transitórias. “As melhores constituições não são as mais bem pensadas e mais bem escritas, mas as que mais exactamente correspondam à feição de um povo, demonstrada por uma longa e sincera experiência colectiva.”2 “Nosso criador fez a Terra para uso dos vivos e não dos mortos, de forma que nenhuma sociedade pode fazer de uma Constituição uma lei perpétua.” Thomas Jefferson.3 1 Elaborado pela Professora Cibele Fernandes Dias como plano de aula. Mestre e Doutora em Direito Constitucional pela PUC/SP. Professora de Direito Constitucional da FEMPAR, ESMAFE, EMAP e EMATRA. Professora de Direito Constitucional, História do Direito e Direitos Humanos da FESP. Advogada. 2 CAETANO, Marcello. Manual de ciência política e de direito constitucional. Tomo I. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 1996. p. 349. 3 “No society can make a perpetual constitution, for the earth belongs always to the living generation.” Citado por AMARAL, Maria Lucia do. Constituição e organização do poder político: constitucionalismo forte, constitucionalismo débil. Anuário Português de Direito Constitucional, Lisboa, 2006. p. 167. A ideia também inspirou os constitucionalistas franceses na redação do art. 28, da Constituição de 1793: Cibele Fernandes Dias 2 1. CONSTITUCIONALISMO Conceito de Constituição: Constituição como “conjunto de regras e princípios de maior força hierárquica dentro do ordenamento jurídico e que tem por fim organizar e estruturar o poder político, além de definir os seus limites, inclusive pela concessão de direitos fundamentais ao cidadão.”4 1. Conceito material de Constituição e o movimento constitucionalista (o art. 16 da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão Francesa de 1789): a fórmula química constitucional (SP + DGI) 5 + a necessidade de uma Constituição escrita a) Origens do constitucionalismo norte-americano: a.1) John Locke a) Estado de natureza e estado civil: (1) no estado de natureza, os indivíduos têm poderes para fazer tudo o que considerarem apropriado a fim de preservar a sua propriedade e a da comunidade (direito de resistência), a tolerância religiosa e a legítima defesa, bem como o direito de punir as transgressões do direito natural, (2) passagem para o estado civil: ocorre numa dupla fase – 1º - os indivíduos transferem à comunidade o poder executivo por meio de um contrato, 2º - a comunidade transfere ao governo o poder executivo por meio de uma relação de confiança (“trusty”). Todavia, como o estado de natureza é uma relação, não desaparece nessa passagem, já que os indivíduos conservam o seu direito natural de resistência. Conservam-se também as relações de estado de natureza no âmbito de uma sociedade política (sempre que uma pessoa não tenha voluntariamente consentido integrar uma comunidade política). Mais importante ainda é que LOCKE reconhece ao povo o direito natural de resistência diante de uma situação extrema de quebra da relação de confiança. 6 a.2) Revolução americana: o direito de resistência de John Locke e o pensamento político dos whigs influenciaram a Declaração de Independência de 1776. A distinção entre legislação ordinária e atos políticos extraordinários como a elaboração e aprovação das Constituições ganhou corpo com a Constituição de Massachusetts de 1780 e de New Hampshire de 1784 (Constitutional Convention). Depois, os Articles of Confederation adotados pelo Congresso em 1778 e num processo que durou até 1781 ratificados pelas assembléias legislativas dos 13 “Um povo tem sempre o direito de rever, reformar ou mudar sua Constituição. Uma geração não pode submeter as suas leis às gerações futuras.” Antes, a Constituição Francesa de 1791, título VII, artigo 1º já havia firmado o mesmo princípio: “a Nação tem o direito imprescritível de mudar sua constituição.” 4 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 52. 5 Separação de Poderes e Direitos e garantias individuais. Um documento sem tais matérias não poderia ser chamado de Constituição, segundo o movimento constitucionalista. 6 BRITO, Miguel Nogueira de. A Constituição constituinte: ensaio sobre o poder de revisão da Constituição. Coimbra: Coimbra, 2000. p. 14-28. Cibele Fernandes Dias 3 Estados. O fato de nunca terem sido submetidos à ratificação popular permitiria ao povo revogá-los. A Convenção de Filadélfia de 1787, a Constituição elaborada pelos Fouding Fathers e a influência do “The articles of federalism” de Alexander Hamilton, John Jay e James Madison 7 foram decisivos no constitucionalismo americano. A escolha do “people at large” como depositário da soberania e a Constituição como um contrato entre os indivíduos, e não entre o povo e o governo. Segundo Bruce ACKERMAN, o federalismo dos fundadores estava pautado num dualismo: da política constitucional (constitucional politics) e da política do dia-a-dia (normal politics). A preocupação dos federalistas não era somente teorizar a política constitucional, mas formular mecanismos constitucionais por meio dos quais seria possível fluir a normal politics sem traição da herança revolucionária. 8 A teoria da representação política solucionou o problema do governo republicano. A proliferação de modos de representação política permite que os diversos poderes se controlem mutuamente (checks and balances). b) Origens do constitucionalismo francês a) Emmanuel Joseph Sieyès – O que é o terceiro Estado? (“Qu’est-ce que Le tiers État?”)9 O MAPA DA CONSTITUIÇÃO DE 1988: preâmbulo, Títulos I a IX e Ato das Disposições Constitucionais Transitórias “Há que se ter presente, no entanto, considerada a controvérsia em referência, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em recente (e unânime) decisão (ADI 2.076/AC, Rel. Min. CARLOS VELLOSO), reconheceu que o preâmbulo da Constituição não tem valor normativo, apresentando-se desvestido de força cogente.”[...] O preâmbulo não é um conjunto de preceitos. (...). O preâmbulo não pode ser invocado enquanto tal, isoladamente; nem cria direitos ou deveres (...); 7 “Parece ter sido reservado ao povo deste país, pela sua conduta e exemplo, a decisão sobre a importante questão que é a de se saber se as sociedades humanas são realmente capazes, ou não, de estabelecer um bom governo por opção e reflexão ou se estão condenadas para sempre a que a sorte das suas constituições políticas dependa do acaso e da força.” Início do Federalista. BRITO, op. cit., p. 46. 8 ACKERMAN, Bruce. We the people I: foundations. Massachusetts: The Belknap Press of Harvard University Press, 1991. p. 177-178. 9 “Na verdade, esse livro foi o manifesto da Revolução Francesa; está como manifesto para ela assim como está o de Marx para a Revolução Russa. Nele, o autor consubstancia as reivindicações do terceiro Estado, o povo. O livro tem uma estrutura interessante. Seu título é uma pergunta - Que é o terceiro Estado? - e em três perguntas se desenvolve:“Que tem sido o terceiro Estado?” – a resposta é: nada; porque o terceiro Estado se caracteriza por não contar com privilégios, e não contar com privilégios, naquela estrutura jurídica, era a mesma coisa que nada. “Que é?” – a resposta: tudo; porque o terceiro Estado desempenha todas as tarefas que são necessárias à vida de uma comunidade; é ele uma comunidade perfeita; se desaparecessem a Nobreza e o Clero, o terceiro Estado daria conta da vida da mesma forma. “Que pretende ser? – a resposta: alguma coisa. E com ‘alguma coisa’ vem o programa de reivindicações da revolução: primeiro, quanto à própria estrutura da convocada assembleia dos Estados Gerais; depois, quanto à reorganização da Franca, etc.” FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O poder constituinte. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 12. Cibele Fernandes Dias 4 não há inconstitucionalidade por violação do preâmbulo como texto 'a se'; só há inconstitucionalidade por violação dos princípios consignados na Constituição.”10 2. PODER CONSTITUINTE 2.1 PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO (DE PRIMEIRO GRAU). CONCEITO. a) CONCEITO É o poder responsável pela elaboração da Constituição escrita e dotada de rigidez. b) TITULARIDADE E EXERCÍCIO (1º, §único, CF – relação com o regime de governo) O titular é o povo. O exercício depende da origem da Constituição. Se promulgada, quem exerceu foi a Assembléia Constituinte. Se outorgada, quem exerceu foi a autoridade que ditou a Constituição em nome do povo. c) JUSPOSITIVISTAS E JUSNATURALISTAS). JUSPOSITIVISTAS (STF) JUSNATURALISTAS (minoritária) 11 10 Voto do Ministro Celso de Mello, Relator no Mandado de Segurança n. 24645-DF, transcrição do Informativo do Supremo Tribunal Federal n. 320. 11 Sobre a adoção da teoria jusnaturalista na Alemanha, consulte o livro de Otto BACHOF. Normas constitucionais inconstitucionais? Porto Alegre: Editora Sérgio Fabris. PREÂMBULO Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Cibele Fernandes Dias 5 1. Inicial ou inaugural 1. Derivado (do direito natural) 2. Ilimitado (juridicamente) 2. Limitado (pelo direito natural) 3. Incondicionado (juridicamente) 3. Condicionado (pelo direito natural) 4. Soberano 12 4. Autônomo Natureza: Poder de Fato (revolucionário) Poder de direito “Os Modernos não imaginavam um poder constituinte que não fosse revolucionário. [...] A Constituição era assim, para os vencidos, a bandeira da violência e da usurpação dos títulos de legitimidade; enquanto para os vencedores era o fim da tirania ou do despotismo, o selo de uma nova era.” 13 d) A OBRA DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO d.1) NORMAS CONSTITUCIONAIS ORIGINÁRIAS NORMAS CONSTITUCIONAIS ORIGINÁRIAS normas da CF que ainda não sofreram processo de reforma (emenda constitucional ou emenda constitucional de revisão) “Com a teoria do poder constituinte pretendia-se fechar o debate sobre o fundamento de validade da Constituição: ela seria válida incondicionalmente porque procedente de quem tinha o poder de instituí-la de forma absoluta.”14 e) PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO + RIGIDEZ CONSTITUCIONAL + SUPREMACIA CONSTITUCIONAL (formal e material) + CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE “A Constituição tenderia a se resumir num documento de boas intenções ou exortações cívicas de cunho político, ainda que se pudesse atribuir-lhe algum valor jurídico... A conversão do texto constitucional em norma não foi a única transformação realizada pela jurisdição constitucional: o sentido e mesmo a teleologia das normas constitucionais passaram a sofrer grandes interferências, chegando a domínios dificilmente imaginados pelos autores da obra constituinte(...)”15 12 Em sua obra clássica – Os seis livros da República – Jean BODIN (1580) aponta os seguintes traços característicos da soberania: indivisibilidade, irrevogabilidade, perpetuidade e supremacia. A soberania denota um poder político supremo e independente, entendendo-se por poder supremo aquele que não está limitado por nenhum outro na ordem interna e por poder independente aquele que, na sociedade internacional, não tem de acatar regras que não sejam voluntariamente aceites e está em pé de igualdade com os poderes supremos dos outros povos. 13 SAMPAIO, José Adércio Leite. A Constituição reinventada pela jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 350. 14 SAMPAIO, A Constituição..., op. cit., p. 347. 15 SAMPAIO, José Adércio Leite. A Constituição reiventada pela jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. Cibele Fernandes Dias 6 e.1) NORMAS CONSTITUCIONAIS ORIGINÁRIAS PODEM SER DECLARADAS INCONSTITUCIONAIS? JUSPOSITIVISTAS JUSNATURALISTAS NUNCA SIM “A eficácia das regras jurídicas produzidas pelo poder constituinte (redundantemente chamado de “originário”) não está sujeita a nenhuma limitação normativa, seja de ordem material, seja formal, porque provém do exercício de um poder de fato ou suprapositivo. Já as normas produzidas pelo poder reformador, essas têm sua validez e eficácia condicionadas à legitimação que recebam da ordem constitucional. Daí a necessária obediência das emendas constitucionais às chamadas cláusulas pétreas.”16 2.2 PODER CONSTITUINTE DERIVADO: REFORMA CONSTITUCIONAL (ALTERAÇÃO FORMAL DA CONSTITUIÇÃO). EMENDA CONSTITUCIONAL E REVISÃO CONSTITUCIONAL. PODER CONSTITUINTE CONSTITUÍDO OU INSTITUÍDO, DE SEGUNDO GRAU OU DE REFORMA. “...Há no Brasil uma crônica compulsão dos governantes de modificar a Constituição para fazê-la à imagem e semelhança de seus governos. Uma espécie de narcisismo constitucional.”17 a) CONCEITO DE PODER CONSTITUINTE DERIVADO É o poder responsável pela reforma da Constituição Federal, ou seja, pela alteração do seu texto (formal). b) TITULARIDADE e EXERCÍCIO O titular é o povo. O Congresso Nacional exerce o poder constituinte derivado. c) CARACTERÍSTICAS DO PODER CONSTITUINTE DERIVADO 1. Derivado 2. Limitado 3. Condicionado 16 ADI 2356 MC / DF - DISTRITO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA Relator(a) p/ Acórdão: Min. AYRES BRITTO. Julgamento: 25/11/2010. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJe-094 DIVULG 18-05-2011 PUBLIC 19-05-201. EMENT VOL-02525-01 PP-00054. 17 BARROSO, Temas..., op. cit., p. 46. Cibele Fernandes Dias 7 d) NORMAS CONSTITUCIONAIS ELABORADAS PELO PODER CONSTITUINTE DERIVADO: Emendas à Constituição Federal 1. (3º, ADCT) EMENDAS CONSTITUCIONAIS DE REVISÃO 3. (60, CF) EMENDAS CONSTITUCIONAIS e) CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS ELABORADAS PELO PODER CONSTITUINTE DERIVADO? Sim, cabe o controle de constitucionalidade repressivo material e formal quando a emenda ofende os limites formais, circunstanciais oumateriais impostos pelo poder constituinte originário. Também cabe o controle de constitucionalidade preventivo formal por meio de mandado de segurança impetrado por parlamentar quando há ofensa aos limites constitucionais formais (que dizem respeito ao processo legislativo de tramitação da emenda). 18 18 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MS 32033 / DF - DISTRITO FEDERAL . MANDADO DE SEGURANÇA. Relator(a): Min. GILMAR MENDES. Relator(a) p/ Acórdão: Min. TEORI ZAVASCKI. Julgamento: 20/06/2013. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação PROCESSO ELETRÔNICO DJe-033 DIVULG 17-02-2014 PUBLIC 18-02-2014. Ementa: CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTROLE PREVENTIVO DE ONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DE PROJETO DE LEI. INVIABILIDADE. 1. Não se admite, no sistema brasileiro, o controle jurisdicional de constitucionalidade material de projetos de lei (controle preventivo de normas em curso de formação). O que a jurisprudência do STF tem admitido, como exceção, é “a legitimidade do parlamentar - e somente do parlamentar - para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de lei ou emenda constitucional incompatíveis com disposições constitucionais que disciplinam o processo legislativo” (MS 24.667, Pleno, Min. Carlos Velloso, DJ de 23.04.04). Nessas excepcionais situações, em que o vício de inconstitucionalidade está diretamente relacionado a aspectos formais e procedimentais da atuação legislativa, a impetração de segurança é admissível, segundo a jurisprudência do STF, porque visa a corrigir vício já efetivamente concretizado no próprio curso do processo de formação da norma, antes mesmo e independentemente de sua final aprovação ou não. 2. Sendo inadmissível o controle preventivo da constitucionalidade material das normas em curso de formação, não cabe atribuir a parlamentar, a quem a Constituição nega habilitação para provocar o controle abstrato repressivo, a prerrogativa, sob todos os aspectos mais abrangente e mais eficiente, de provocar esse mesmo controle antecipadamente, por via de mandado de segurança. 3. A prematura intervenção do Judiciário em domínio jurídico e político de formação dos atos normativos em curso no Parlamento, além de universalizar um sistema de controle preventivo não admitido pela Constituição, subtrairia dos outros Poderes da República, sem justificação plausível, a prerrogativa constitucional que detém de debater e aperfeiçoar os projetos, inclusive para sanar seus eventuais vícios de inconstitucionalidade. Quanto mais evidente e grotesca possa ser a inconstitucionalidade material de projetos de leis, menos ainda se deverá duvidar do exercício responsável do papel do Legislativo, de negar-lhe aprovação, e do Executivo, de apor-lhe veto, se for o caso. Partir da suposição contrária Cibele Fernandes Dias 8 Foi no Habeas Corpus n. 18178, de 27 de setembro de 1926 que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a sua competência para aferir a compatibilidade da emenda constitucional com a Constituição Federal. A OBRA DO PODER CONSTITUINTE DERIVADO: AS NORMAS CONSTITUCIONAIS DERIVADAS “A tese de que há hierarquia entre normas constitucionais originárias dando azo à declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras é incompatível com o sistema de Constituição rígida.” (Ministro Moreira Alves, ADIN 815-DF.) f) LIMITES DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS (60, CF) f.1) LIMITES EXPRESSOS I. Formais ou procedimentais I - FASE DE INICIATIVA a) Iniciativa constituinte (60, I a III, CF): Presidente da República / 1/3 (171), no mínimo, dos deputados federais ou 1/3 (27), no mínimo, dos senadores / mais da metade das Assembléias Legislativas (14) manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. a1) É iniciativa comum/concorrente ou privativa/exclusiva? Comum ou concorrente, qualquer legitimado pode apresentar proposta de emenda sobre qualquer assunto a2) Inexistência de iniciativa popular: o rol de legitimados é exaustivo II - FASE CONSTITUTIVA (DELIBERAÇÃO PARLAMENTAR) b) Discussão e votação (60, §2º, CF): sistema bicameral b1) Sistema bicameral – Casa Inicial e Casa Revisora significaria menosprezar a seriedade e o senso de responsabilidade desses dois Poderes do Estado. E se, eventualmente, um projeto assim se transformar em lei, sempre haverá a possibilidade de provocar o controle repressivo pelo Judiciário, para negar-lhe validade, retirando-a do ordenamento jurídico. 4. Mandado de segurança indeferido. Cibele Fernandes Dias 9 1. Câmara dos Deputados – Casa Inicial: quando a proposta for apresentada pelo Presidente da República ou pelos deputados federais 2. Senado Federal – Casa Inicial: quando a proposta for apresentada pelos senadores ou pelas Assembléias Legislativas 3. Quorum de aprovação (maioria qualificada): três quintos de todos os membros da Casa [na Câmara, 3/5 dos 513 deputados federais (308); no Senado, 3/5 dos 81 senadores (49), lembrando que 3/5 é 60% de todos os membros da Casa] 4. Turnos de discussão e votação: dois turnos em cada Casa, no total são quatro turnos 5. Ausência da fase de deliberação executiva: não há fase de sanção ou veto presidencial III - FASE COMPLEMENTAR OU INTEGRATIVA DE EFICÁCIA: 1. Promulgação e publicação (60, §3º, CF): Mesa da Câmara dos Deputados e Mesa do Senado Federal (57, §4º, CF) IV – Matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou com votação prejudicada (60, §5º, CF): somente pode ser reapresentada na próxima sessão legislativa – princípio da irrepetibilidade19 19 Significado do princípio da irrepetibilidade na jurisprudência do STF: a rejeição do substitutivo (PEC substitutiva) não impede a discussão e votação da PEC original na mesma sessão legislativa porque não incide o art. 60, parágrafo 5º, da CF. MS 22503 / DF - DISTRITO FEDERAL. MANDADO DE SEGURANÇA. Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO. Relator(a) p/ Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊA. Julgamento: 08/05/1996. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. “I - Preliminar. 1. Impugnação de ato do Presidente da Câmara dos Deputados que submeteu a discussão e votação emenda aglutinativa, com alegação de que, além de ofender ao par. único do art. 43 e ao § 3º do art. 118, estava prejudicada nos termos do inc. VI do art. 163, e que deveria ter sido declarada prejudicada, a teor do que dispõe o n. 1 do inc. I do art. 17, todos do Regimento Interno, lesando o direito dos impetrantes de terem assegurados os princípios da legalidade e moralidade durante o processo de elaboração legislativa. A alegação, contrariada pelas informações, de impedimento do relator - matéria de fato - e de que a emenda aglutinativa inova e aproveita matérias prejudicada e rejeitada, para reputá-la inadmissível de apreciação, é questão interna corporis do Poder Legislativo, não sujeita à reapreciação pelo Poder Judiciário. Mandado de segurança não conhecido nesta parte. 2. Entretanto, ainda que a inicial não se refira ao § 5º do art. 60 da Constituição, ela menciona dispositivo regimental com a mesma regra; assim interpretada, chega-se à conclusão que nela há ínsita uma questão constitucional, esta sim, sujeita ao controle jurisdicional. Mandado de segurança conhecido quanto à alegação de impossibilidade de matéria constante de propostade emenda rejeitada ou havida por prejudicada poder ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. II - Mérito. 1. Não ocorre contrariedade ao § 5º do art. 60 da Constituição na medida em que o Presidente da Câmara dos Deputados, autoridade coatora, aplica dispositivo regimental adequado e declara prejudicada a proposição que tiver substitutivo aprovado, e não rejeitado, ressalvados os destaques Cibele Fernandes Dias 10 Circunstanciais a) 60, §1º: não é possível reformar a Constituição Federal (apresentar proposta de emenda, discutir ou votá-la, promulgar ou publicar emenda constitucional) na vigência de estado de sítio (art. 137, CF), estado de defesa (art. 136, CF) ou intervenção federal (34, CF) Materiais 60, §4º, I a IV – CLÁUSULAS PÉTREAS – são matérias que não podem ser abolidas por emenda, pois constituem a essência, a identidade da Constituição. FORMA FEDERATIVA DE ESTADO VOTO DIRETO, SECRETO, UNIVERSAL E PERIÓDICO SEPARAÇÃO DE PODERES 20 (art. 163, V). 2. É de ver-se, pois, que tendo a Câmara dos Deputados apenas rejeitado osubstitutivo, e não o projeto que veio por mensagem do Poder Executivo, não se cuida de aplicar a norma do art. 60, § 5º, da Constituição. Por isso mesmo, afastada a rejeição dosubstitutivo, nada impede que se prossiga na votação do projeto originário. O que não pode ser votado na mesma sessão legislativa é a emenda rejeitada ou havida por prejudicada, e não o substitutivo que é uma subespécie do projeto originariamente proposto. 3. Mandado de segurança conhecido em parte, e nesta parte indeferido.” 20 ADI 5316 MC / DF - DISTRITO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a): Min. LUIZ FUX. Julgamento: 21/05/2015. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação PROCESSO ELETRÔNICO DJe-154 DIVULG 05-08-2015 PUBLIC 06-08-2015. “1. O princípio constitucional da separação dos Poderes (CRFB, art. 2º), cláusula pétrea inscrita no art. 60, § 4º, III, da Constituição República, revela-se incompatível com arranjos institucionais que comprometam a independência e a imparcialidade do Poder Judiciário, predicados necessários à garantia da justiça e do Estado de Democrático de Direito. 2. A expressão “nas condições do art. 52 da Constituição Federal” contida no art. 100 do ADCT, introduzido pela EC nº 88/2015, ao sujeitar à confiança política do Poder Legislativo a permanência no cargo de magistrados do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e de membros do Tribunal de Contas da União, vulnera as condições materiais necessárias ao exercício imparcial e independente da função jurisdicional. 3. A aposentadoria compulsória de magistrados é tema reservado à lei complementar nacional, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, nos termos da regra expressa contida no artigo 93, VI, da Constituição da República, não havendo que se falar em interesse local, ou mesmo qualquer singularidade que justifique a atuação legiferante estadual em detrimento da uniformização. 4. A unidade do Poder Judiciário nacional e o princípio da isonomia são compatíveis com a existência de regra de aposentadoria específica para integrantes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, cujos cargos também apresentam peculiaridades para o seu provimento. 5. É inconstitucional todo pronunciamento judicial ou administrativo que afaste, amplie ou reduza a literalidade do comando previsto no art. 100 do ADCT e, com base em neste fundamento, assegure a qualquer agente público o exercício das funções relativas a cargo efetivo ou vitalício após ter completado setenta anos de idade. 6. A cumulação simples de pedidos típicos de ADI e de ADC é processualmente cabível em uma única demanda de controle concentrado de Cibele Fernandes Dias 11 DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS f.2) LIMITES MATERIAIS IMPLÍCITOS À EMENDA CONSTITUCIONAL Dizem respeito à titularidade do Poder Constituinte originário e derivado: Não é possível por via de emenda constitucional: 1. Revogar os limites expressos ao Poder Constituinte derivado: alterando ou suprimindo qualquer limite previsto no art. 60, da CF ou no art. 3º, do ADCT Os limites expressos (escritos no artigo 60, CF e no art. 3º, ADCT) são: absolutos (em face do poder constituinte derivado) Para Nelson de Souza Sampaio são intangíveis à ação do poder constituinte reformador: (1) as normas concernentes ao titular do poder constituinte, porque este se acha em posição superior à própria Constituição, (2) as normas referentes ao titular do poder reformador, porque ele não pode fazer a delegação dos poderes recebidos, (3) as normas disciplinadoras do próprio procedimento de emenda, já que o poder delegado não pode modificar as condições da delegação recebida. g) REVISÃO CONSTITUCIONAL (3º, ADCT) “As mudanças na Constituição, decorrentes da revisão do art. 3º do ADCT, estão sujeitas ao controle judicial, diante das cláusulas pétreas consignadas no art. 60, §4º e seus incisos, da Lei Magna de 1988.” (ADI 981-Pr, Relator Ministro Néri da Silveira, j. 17.12.93) REVISÃO CONSTITUCIONAL (3º, ADCT) I – LIMITES EXPRESSOS: 1. LIMITES FORMAIS (3º, ADCT) a. Sistema unicameral de discussão e votação: não tem Casa Inicial ou Casa Revisora b. Turno de discussão e votação: um só c. Quorum de aprovação (maioria qualificada): maioria absoluta d. Ausência de fase de deliberação executiva: não tem fase de sanção ou veto do constitucionalidade, desde que satisfeitos os requisitos previstos na legislação processual civil (CPC, art. 292). 7. Pedido cautelar deferido.” Cibele Fernandes Dias 12 Presidente da República 2. LIMITE TEMPORAL (3º, ADCT): após cinco anos a contar da promulgação da Constituição de 1988 (após 5 de outubro de 1993) 3. LIMITES IMPLÍCITOS: 1. Limites formais: a promulgação e publicação da emenda constitucional de revisão pela Mesa do Congresso Nacional 2. (60, §1º, CF): limites circunstanciais: não seria possível rever a Constituição na vigência de estado de sítio (art. 137, CF), estado de defesa (art. 136, CF) ou intervenção federal (art. 34, CF) 3. (60, §4º, I a IV): limites materiais – as cláusulas pétreas não poderiam ser abolidas na revisão constitucional 4. limites materiais implícitos das emendas constitucionais: não seria possível, na revisão, alterar os limites expressos ao Poder Constituinte Derivado, ou seja, revogar o art. 60 da CF ou o próprio art. 3º, do ADCT 2.3 PODER CONSTITUINTE DIFUSO MECANISMO INFORMAL OU MATERIAL DE ALTERAÇÃO CONSTITUCIONAL “Pese embora o exagero da formulação, há alguma coisa de exacto na afirmação de Loewenstein, quando ele considera que uma ‘constituição jamais é idêntica a si própria, estando constantemente submetida ao pantha rei heraclitiano de todo o ser vivo.”21 a. CONCEITO DE MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL 22 : É alteração da Constituição Federal por meio de interpretação constitucional (judicial, legislativa e administrativa) e costumes constitucionais, sem alteração do texto constitucional. É chamada de alteração informal ou material, porque as normas constitucionais têm o seu sentido modificado, sem mudança de texto. Em Portugal, é chamadade interpretação evolutiva. 23 b. PODER RESPONSÁVEL PELA MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL: É um poder constituinte difuso, porque, segundo a doutrina, é exercido pelo Poder Judiciário no controle de constitucionalidade e também pelo Poder Legislativo quando regulamenta as normas constitucionais com leis. Todavia, hoje podemos afirmar que o grande responsável pela mutação é o STF no exercício do controle abstrato de 21 CANOTILHO, op. cit., p. 1000. 22 Sobre o tema da mutação, consultar o livro da professora: DIAS, Cibele Fernandes. Decisões intermediárias e mutação na justiça constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. 23 A teoria da mutação constitucional deve-se ao pioneirismo de Paul LABAND (1838-1918) que descreve como a Constituição do Reich é modificada sem que sejam acionados os mecanismos de reforma constitucional. No livro intitulado "Wandlungen der Deutschen Reichsverfasung" (Mutação da Constituição Alemã), publicado em 1895, destaca que embora as Constituições sejam normas jurídicas em sentido estrito, a ação do Estado pode transformá-las sem necessidade de modificação formal. Depois, o estudo foi realizado por JELLINEK, G. Reforma y mutacion de la Constitucion. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991. Cibele Fernandes Dias 13 constitucionalidade. c. MECANISMOS DA MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL: (a) Interpretação constitucional (judicial, legislativa e administrativa) e (b) costumes constitucionais. Interpretação constitucional: (1) interpretação evolutiva – “aplicação da Constituição a situações que não foram contempladas quando da sua elaboração e promulgação, por não existirem nem terem sido antecipadas à época, mas que se enquadram claramente no espírito e nas possibilidades semânticas do texto”24 ou atribuição de novos conteúdos à norma constitucional sem modificação do seu texto, em razão de mudanças históricas ou de fatores políticos e sociais que não estavam presentes na mente dos constituintes. e (2) construção constitucional ou interpretação construtiva: “ampliação do sentido ou extensão do alcance da Constituição – seus valores, seus princípios – para o fim de criar uma nova figura ou uma nova hipótese não prevista originariamente, ao menos não de maneira expressa.” (exemplo: do direito ao silêncio do preso – art. 5º, LXIII – extraiu-se o privilégio contra a auto-incriminação, doutrina brasileira do habeas corpus). Exemplos de mutação por interpretação judicial: foro por prerrogativa de função e a revogação da Súmula 394 do STF, os efeitos da decisão no mandado de injunção. Costume constitucional: é um uso ou convenção constitucional tido como obrigatório pela comunidade em geral. Prática constitucional de determinados atos e comportamentos pelos poderes competentes e pelo povo sem forma prevista ou consagrada na Constituição. Exemplo: reconhecimento da possibilidade de o Chefe do Poder Executivo negar aplicação à lei inconstitucional. 3. INTERPRETAÇÃO E APLICABILIDADE DA NORMA CONSTITUCIONAL a) DISTINÇÕES DAS NORMAS JURÍDICAS: PRINCÍPIOS E REGRAS (a) Normas constitucionais : regras (preceitos) ou princípios Os princípios e as regras constitucionais podem ser expressos (escritos no texto) ou implícitos (decorrentes de normas expressas). As normas constitucionais implícitas formam uma espécie de “Constituição virtual”, porque somente são apreendidas mediante um processo de interpretação sistemática. Ambos, princípios e regras, são normas constitucionais dotados de aplicabilidade e, portanto, servem como parâmetro para (1) o controle de constitucionalidade das leis posteriores à CF (se violarem princípios ou regras constitucionais podem ser declaradas inconstitucionais), (2) a revogação das leis anteriores à CF que colidam com o seu conteúdo. 25 24 BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 131. 25 Para José Joaquim Gomes Canotilho, constitucionalista português, as normas constitucionais podem ser classificadas, quanto à sua estrutura, em princípios ou regras (preceitos) constitucionais. Esta tipologia é adotada pela doutrina brasileira como também pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Os princípios são normas constitucionais (i) com grau de abstração relativamente elevado em relação às Cibele Fernandes Dias 14 A doutrina majoritária brasileira adota uma teoria que propõe uma distinção forte entre princípios e regras. Os princípios e as regras têm estruturas lógicas diversas porque têm formas de aplicação diversas. Não se trata de mera distinção gradual – de generalidade e abstração – ou de diferença de grau. Segundo a teoria dos princípios, o principal traço distintivo entre princípios e regras é que no caso das regras garantem direitos (ou se impõem deveres) definitivos, ao passo que no caso dos princípios são garantidos direitos (ou são impostos deveres) prima facie. No caso dos princípios, há uma diferença entre aquilo que é garantido (ou imposto) prima facie e aquilo que é garantido (ou imposto) definitivamente. Pode-se dizer que há um longo caminho entre um (o “prima facie”) e outro (o “definitivo”). Na esteira de Robert Alexy, os princípios são mandamentos de optimização: são normas que exigem que algo seja realizado na maior medida possível, diante das possibilidades fáticas e jurídicas existentes. Os princípios se distinguem das regras, pois estas, se válidas, devem sempre ser realizadas por completo. Ao contrário das regras, os princípios podem ser realizados em vários graus. A aplicação dos princípios depende de condições jurídicas – a realização total de um princípio encontra barreiras na proteção de outro princípio ou de outros princípios. No caso das regras, a aplicação não depende de condições jurídicas do caso concreto. A distinção do conteúdo do dever-ser das regras e dos princípios implica uma importante diferença na forma de aplicá-los. Pode-se usar as figuras do “conflito entre regras” e da “colisão entre princípios” para deixar isso claro. Por causa dessa diferença de estrutura, há uma distinção na forma de aplicação das normas jurídicas: a subsunção e o sopesamento. Conflito normativo: conflito entre regras e colisão entre princípios. O conflito normativo é a possibilidade de aplicação, a um mesmo caso concreto, de duas ou mais normas cujas conseqüências jurídicas se mostrem, pelo menos para aquele caso, total ou parcialmente incompatíveis. É o que Alf Ross chama de “inconsistência”. Conflito entre regras: aqui vale o conhecido raciocínio “tudo ou nada”. Se o conflito for parcial, resolve-se pela instituição de uma cláusula de exceção de uma delas. Se for total, a declaração de invalidade de uma delas. O conflito entre regras é resolvido no plano da validade: sempre que regras, (ii) vagas e imprecisas se comparados com as regras, o que lhes confere uma baixa densidade normativa se comparados com as regras; (iii) são normas mais próximas à ‘idéia de direito’, (iv) são multifuncionais: (1) servem como cânone (parâmetro) de interpretação do direito constitucional e do direito infraconstitucional (FUNÇÃO INTERPRETATIVA DOS PRINCÍPIOS), (2) revelam normas que não são expressas no texto possibilitando a integração (preenchimento de lacunas) e a complementação do direito (constitucional e infraconstitucional)(FUNÇÃO INTEGRATIVA OU SUPLETIVA DOS PRINCÍPIOS), (3) são o fundamento de regras jurídicas (função normogenética dos princípios, o que justifica a circunstância de atuarem como pilares para a interpretação e integração das regras constitucionais e legais, permitindo a compreensão da Constituição enquanto sistema, dotado de coerência interna) (FUNÇÃO FUNDAMENTADORA DOS PRINCÍPIOS). CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1995. p. 166-167. Cibele Fernandes Dias 15 há conflito entre regras, há alguma forma de declaração de invalidade. A validade não é graduável, pois ou uma norma é válida ou não. Tertium non datur. Duas regras que prevêem conseqüências jurídicas diversas para o mesmo suporte fático não podem pertencer ao mesmo sistema jurídico. Uma delas é, pelo menos para esse sistema, inválida. Conflito entre princípios: A solução de colisões entre princípios não exige a declaração de invalidade de nenhum deles e também não é possível que se fale que um princípio institui uma exceção a outro. Quando dois princípios colidem, o que ocorre é a fixação de relações condicionadas de precedência. Essa diferença decorre da estrutura dos princípios, que são mandados de otimização. Como o princípio é um mandado de optimização – exigem que algo seja realizado na maior medida possível diante das condições jurídicas e fáticas existentes – a sua realização quase sempre é restringida pela realização de outro. Condições jurídicas expressam a possibilidade de colisão com outros princípios, o que poderá limitar, no caso concreto, a realização de um ou mais princípios de forma total ou parcial. Isto não é resolvido a partir da declaração de invalidade de um dos princípios. Depois da solução da colisão, os princípios continuam tão válidos quanto antes. E um não constitui exceção ao outro, pois às vezes prevalecerá um, às vezes, prevalecerá outro. Tudo dependerá do caso em questão. São relações condicionadas de precedência, porque a relação é sempre condicionada à situação concreta. A validade do princípio não é afetada nos casos em que sua aplicação é restringida em favor da aplicação de outra norma. Havendo colisão entre princípios, será necessário realizar um sopesamento entre os princípios colidentes para que se decida qual deles terá preferência, que valerá, enquanto precedência condicionada, apenas para aquele caso concreto. Não se pode dizer que houve a instituição de uma cláusula de exceção, porque quando isso acontece, no caso das regras, a exceção é sempre a mesma e vale para todos os casos de aplicação daquelas regras. No caso da colisão entre princípios, portanto, não há como se falar em um princípio que sempre tenha precedência em relação a outro. Uma norma é um princípio não por ser fundamental, mas por ter a estrutura de um mandado de otimização. Colisão entre princípios e regras? Não é possível. Sopesar regra e princípio não é possível porque poderá haver caso em que a regra válida e aplicável é afastada. Incompatível com a idéia de que a regra garante direitos (ou impõe deveres) de forma definitiva. E sopesamento só cabe em normas que tenham a dimensão do peso. Solucionar o conflito no plano da validade implicaria aceitar que um princípio que cede em favor de uma regra teria de ser expelido do ordenamento jurídico. Incompatível com a idéia de que a validade de um princípio não é afetada no caso em que sua aplicação é restringida em favor da aplicação de outra norma. Cibele Fernandes Dias 16 Não há colisão entre princípios e regras. O que há é o produto de um sopesamento, feito pelo legislador, entre dois princípios que garantem direitos fundamentais, e cujo resultado é uma regra de direito ordinário. A relação entre a regra e um dos princípios é uma relação de restrição e não de colisão. A regra é a expressão da restrição de um dos princípios. PROBLEMA: QUANDO A APLICAÇÃO DA REGRA POR SUBSUNÇÃO, em determinado caso concreto, levaria a situações consideradas incompatíveis com algum princípio constitucional decisivo para o caso concreto, sem que, no entanto, essa incompatibilidade seja algo verificável em abstrato e, portanto, sem que haja razões para considerar essa regra inconstitucional. Você decide que a regra não se aplica, que o ato não se enquadra na descrição da regra. Em outros casos, é necessário incluir uma conduta, um estado ou uma posição jurídica na proteção de um direito fundamental. O Judiciário pode criar uma regra que constitui exceção à regra proibitiva. Exemplo: a regra legal que permite o saque do FGTS quando o titular tem AIDS, proíbe implicitamente o saque para os seus dependentes. O Judiciário cria uma regra que permite o saque quando os dependentes têm HIV e essa regra é aplicada por subsunção. A regra criada pelo juiz é produto do sopesamento de dois princípios. Do sopesamento entre princípios, surge a regra (processo de surgimento). Na realidade, o sopesamento não é entre a regra e o princípio. Não há colisão entre a regra e o princípio, mas entre o princípio em questão e o princípio que sustenta a regra que com ele colide. O sopesamento é uma forma de interpretação e não de aplicação, destina-se a verificar se o fato em questão é típico ou não. Resumo das diferenças entre regras e princípios: (1) é estrutural, implica deveres de estrutura diferentes (deveres definitivos – regras e deveres prima facie – princípios), (2) formas diferentes de aplicação (subsunção – regras e sopesamento ou ponderação – princípios), (3) os princípios têm a dimensão do peso (um princípio cede preferência a outro, em determinada situação de colisão, sem que, com isso, se torne inválido e tenha que ser expurgado do ordenamento jurídico), as regras seguem a lógica do “tudo ou nada”.26 b) PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL INTERPRETAÇÃO: possibilidade de indagação do conteúdo semântico dos enunciados linguísticos do texto constitucional com a conseqüente dedução de que a matéria de regulamentação é abrangida pelo âmbito normativo da norma constitucional. 26 Sobre o tema, consultar: SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. 1. ed. 3. Tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011. Do mesmo autor: Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. Cibele Fernandes Dias 17 INTEGRAÇÃO: determinadas situações que se devem considerar constitucionalmente reguladas não estão previstas e não podem ser cobertas pela interpretação, mesmo extensiva, dos preceitos constitucionais (considerados na sua letra e na sua ratio). DOIS PROCESSOS GRADUAIS DE OBTENÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL: o intérprete tem uma dupla tarefa – (1) fixar o âmbito e o conteúdo de regulamentação da norma a aplicar, (2) se a situação de fato carecedora de decisão não se encontrar regulada no complexo normativo-constitucional, ele deve completar a lei constitucional preenchendo ou colmatando as suas lacunas. LACUNA CONSTITUCIONAL AUTÔNOMA: ausência de disciplina jurídica no complexo normativo, mas esta pode ser deduzida do plano regulativo da Constituição e da teleologia da regulamentação constitucional. LACUNAS DE REGULAMENTAÇÃO: (1) lacunas no nível das normas, quando um preceito constitucional é incompleto, tornando-se necessária a sua complementação para que ele seja aplicado, (2) quando não se trata de uma incompletude da norma, mas uma determinada regulamentação em conjunto. MÉTODO PARA COLMATAÇÃO: analogia(argumentum a simile) – transferência de uma regulamentação de certas situações para outros casos merecedores de igualdade de tratamento jurídico e que apresentam uma coincidência axiológica significativa. b.1 PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL 1) PRINCÍPIO DA UNIDADE DA CONSTITUIÇÃO: a Constituição deve ser interpretada de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos), obrigando o intérprete a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais, considerando-as não como normas isoladas e dispersas, mas como preceitos integrados num sistema interno unitário. 2) PRINCÍPIO DO EFEITO INTEGRADOR: na resolução dos problemas constitucionais, deve dar-se primazia aos critérios que favoreçam a integração política e social e o reforço da unidade política. 3) PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE OU PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É invocado no âmbito dos direitos fundamentais: no caso de dúvida, deve ser preferida a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais. 4) PRINCÍPIO DA JUSTEZA OU DA CONFORMIDADE FUNCIONAL: o órgão encarregado da interpretação constitucional não pode chegar a um resultado que subverta ou perturbe o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido, ou seja, visa impedir a alteração da repartição de funções constitucionalmente estabelecidas por meio da concretização constitucional. Cibele Fernandes Dias 18 5) PRINCÍPIO DA CONCORDÂNCIA PRÁTICA OU DA HARMONIZAÇÃO: impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros, a fim de se buscar uma harmonização ou concordância prática. Aplica-se principalmente na colisão entre direitos fundamentais ou entre eles e bens jurídicos constitucionalmente protegidos, de forma que este princípio exigirá a ponderação. 6) PRINCÍPIO DA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO: na solução dos problemas constitucionais, deve dar-se prevalência aos pontos de vista que contribuem para uma eficácia ótima da lei fundamental, ou seja, que garantem a a eficácia e permanência da Constituição 7) PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E DOS ATOS DO PODER PÚBLICO: as leis e atos do Poder Público elaborados na vigência de uma Constituição presumem-se constitucionais em relação à ela. 8) PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO DAS LEIS EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO: no caso de normas polissêmicas ou plurissignificativas deve-se dar preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a Constituição. Devem ser considerados os seguintes princípios na interpretação conforme a CF: (1) Princípio da prevalência da Constituição: deve-se escolher a interpretação não contrária ao texto e ao programa da norma. (2) Princípio da conservação: uma norma não deve ser declarada inconstitucional quando puder ser interpretada em conformidade com a Constituição. (3) Princípio da exclusão da interpretação conforme a Constituição mas “contra legem”: o aplicador da norma não pode contrariar a letra e o sentido dessa norma através de uma interpretação conforme, mesmo que por meio dela consiga uma concordância entre a norma infraconstitucional e as normas constitucionais (não é possível chegar-se a uma regulação nova e distinta, em contradição com o sentido literal ou objetivamente claro da lei ou em manifesta dessintonia com os objetivos do legislador). c) APLICABILIDADE DA CONSTITUIÇÃO NO TEMPO: 1. RELAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO NOVA COM A CONSTITUIÇÃO ANTERIOR a) Tese do STF – REVOGAÇÃO TOTAL (AB-ROGAÇÃO): A tese que prevalece na doutrina e jurisprudência é a da revogação total (ab-rogação) e irrestrita das normas da Constituição velha pela nova Constituição. Toda a Constituição anterior é revogada com o advento de uma nova Constituição, independentemente de conter normas Cibele Fernandes Dias 19 compatíveis com a nova ordem constitucional. A ab-rogação é tácita. b) Desconstitucionalização: É defendida pela Professora Maria Helena Diniz. 27 A desconstitucionalização seria a possibilidade de recepção, pela nova ordem constitucional, de dispositivos da Constituição anterior como legislação infraconstitucional, preenchidos os seguintes requisitos: (i) compatibilidade material e (ii) desde que o assunto não tenha sido objeto da nova Constituição. A tese da desconstitucionalização tácita não é aceita pela jurisprudência do STF. No entanto, a desconstitucionalização somente é possível caso haja dispositivo expresso da Constituição nova recepcionando norma da Constituição anterior como lei, já que o poder constituinte originário é ilimitado, pode tudo. Desconstitucionalização tácita – VEDADA. Desconstitucionalização expressa – PERMITIDA. d) Recepção material: Constitui a recepção de normas constitucionais anteriores pela nova Constituição, que continuam a vigorar como normas constitucionais, sem sofrerem desconstitucionalização. A recepção material expressa é possível, porque o poder constituinte originário é juridicamente ilimitado. Exemplo disto na CF de 1988 é o art. 34, do ADCT. A recepção material tácita é vedada. Recepção material tácita – VEDADA. Recepção material expressa – PERMITIDA. 2. RELAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO NOVA COM AS LEIS E ATOS NORMATIVOS ANTERIORES a) RECEPÇÃO (TOTAL OU PARCIAL): A Constituição recebe as normas infraconstitucionais anteriores, que estejam em vigor, materialmente compatíveis com ela, confirmando sua vigência, eficácia e validade. 28 As leis velhas são “novadas”, porque terão de ser reinterpretadas em face da nova Constituição. Para a recepção da legislação anterior, exige-se compatibilidade material (de conteúdo) com a nova Constituição. A recepção das leis anteriores visa garantir o princípio da continuidade da ordem jurídica e da segurança jurídica. As leis anteriores são recebidas, mas deverão receber uma interpretação ajustada à nova Constituição (o que José Afonso da Silva chama de “eficácia construtiva” da nova Constituição). De outro lado, é importante salientar que a Constituição nova não tem poder convalidar as leis e atos normativos anteriores que eram incompatíveis com a Constituição anterior, então vigente. EXIGÊNCIAS PARA A RECEPÇÃO DE LEIS OU ATOS NORMATIVOS ANTERIORES À CF de 1988: 27 DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 50- 51. 28 DINIZ, op. cit., p. 48. Cibele Fernandes Dias 20 (a.1) LEI ANTERIOR DEVE ESTAR EM VIGOR NO MOMENTO DA PUBLICAÇÃO DA NOVA CONSTITUIÇÃO + (2) LEI ANTERIOR DEVE SER CONSTITUCIONAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO ANTERIOR, QUE ESTAVA EM VIGOR QUANDO FOI PUBLICADA + (3) LEI ANTERIOR DEVE APRESENTAR COMPATIBILIDADE MATERIAL COM A NOVA CONSTITUIÇÃO. A maioria da doutrina entende que a lei anterior que esteja em vacatio legis no momento da publicação da nova Constituição não é por ela recebida. Todavia, na minha opinião, tal entendimento contraria o princípio da continuidade da ordem jurídica. A incompatibilidade da lei anterior com a nova Constituição no aspecto formal (relativo ao processo legislativo ou às regras de repartição de competências) é irrelevante (não há inconstitucionalidade formal superveniente), porque a legislação recebe a natureza que a nova ordem constitucional reservou para a matéria. Assim, o art. 146, da CF de 1988 exige lei complementar para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária.O Código Tributário Nacional, que se constitui numa lei ordinária anterior à Constituição Federal de 1988 (Lei 5172/66), trata, no livro segundo, das normas gerais de direito tributário. Embora o Código Tributário Nacional não seja uma lei complementar, as normas gerais de direito tributário, constantes do seu livro segundo, foram recepcionadas pela Constituição com caráter de lei complementar. b2) NÃO-RECEPÇÃO TOTAL OU PARCIAL POR MOTIVO DE REVOGAÇÃO: a legislação anterior (constitucional em face da Constituição que vigorava quando foi publicada) incompatível com o conteúdo da nova Constituição não é por ela recebida. Essa é a tese prevalente na jurisprudência do STF. O problema é que a não-recepção está baseada exclusivamente no critério temporal (lei posterior revoga lei anterior) e a nova Constituição não só retira a vigência, mas também o fundamento de validade da legislação incompatível com o seu conteúdo. Todavia, esta última tese, que sustenta a inconstitucionalidade material superveniente das leis anteriores em face da nova Constituição, não é aceita pelo STF. b3) Repristinação: A repristinação ocorre quando uma lei volta a vigorar, pois foi revogada a lei revogadora. O art. 2º, §3º, da Lei de Introdução ao Código Civil admite a repristinação desde que haja regra expressa (“Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”). É claro que a repristinação, ainda que haja regra legal expressa, não poderá atingir o direito adquirido, o ato jurídico e a coisa julgada (art. 5º, XXXVI, CF – “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”).29 A circunstância de a nova 29 Como ressalta Luis Roberto BARROSO, o princípio da não-retroatividade das leis somente condiciona a atividade jurídica do Estado nas hipóteses expressamente previstas na Constituição: “São elas: a) a proteção da segurança jurídica no domínio das relações sociais, veiculada no art. 5º, XXXVI, já citado; b) a proteção da liberdade do indivíduo contra a aplicação retroativa da lei penal, contida no art. 5º, XL (‘a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu’), c) a proteção do contribuinte contra a voracidade retroativa do fisco, constante do art. 150, III, a ( é vedada a cobrança de tributos ‘em relação a fatos Cibele Fernandes Dias 21 Constituição revogar a Constituição anterior não terá, a princípio, o condão de restaurar a eficácia das leis que foram revogadas pela Constituição antiga. Todavia, como o Poder Constituinte Originário é inicial, ilimitado e incondicionado, ao elaborar uma nova Constituição, pode ressuscitar leis anteriores que já haviam sido revogadas pela Constituição velha. Todavia, para que isso aconteça, é necessário (1) expressa previsão no texto da nova Constituição, (2) esta repristinação poderá até prejudicar direitos adquiridos e atos jurídicos perfeitos, já que realizada pelo Poder Constituinte Originário, mas também nessa circunstância deverá haver regra constitucional expressa (como a irretroatividade é a regra, não há retroatividade tácita). 30 CONCLUSÃO LEI ANTERIOR EM VIGOR (constitucional em face da Constituição velha) COMPATÍVEL COM O CONTEÚDO DA NOVA CONSTITUIÇÃO = É RECEPCIONADA, AINDA QUE HAJA INCOMPATIBILIDADE FORMAL. LEI ANTERIOR (constitucional em face da Constituição velha) INCOMPATÍVEL COM O CONTEÚDO DA NOVA CONSTITUIÇÃO = NÃO É RECEBIDA, AINDA QUE HAJA COMPATIBILIDADE FORMAL. e) APLICABILIDADE DA NORMA CONSTITUCIONAL APLICABILIDADE das normas constitucionais (teoria de José Afonso da Silva) EFICÁCIA PLENA EFICÁCIA CONTIDA EFICÁCIA LIMITADA As normas constitucionais de eficácia plena são normas de aplicabilidade DIRETA, IMEDIATA E INTEGRAL. Sozinhas, ou seja, sem necessidade de lei regulamentadora, já As normas constitucionais de eficácia contida são normas de aplicabilidade DIRETA, IMEDIATA, MAS POSSIVELMENTE NÃO INTEGRAL. Embora sozinhas já consigam produzir todos os seus efeitos (positivos e negativos), autorizam ao Já as normas constitucionais de eficácia limitada têm aplicabilidade INDIRETA, MEDIATA E REDUZIDA. Sozinhas, só produzem efeitos negativos (capacidade da norma constitucional para servir de parâmetro para invalidar atos contrários ao seu conteúdo). No entanto, precisam de lei que as regulamente e complete o seu comando normativo para produzirem geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado’). Fora dessas hipóteses, a retroatividade da norma é tolerável.” BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 53. Logo, a Constituição admite a retroatividade da lei desde que não atinja o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Também admite a retroatividade da lei penal mais benéfica. Nesse sentido, a questão da ESAF: (Gestor Fazendário 2005 – ESAF) A Constituição em vigor expressamente admite a possibilidade de leis retroativas no ordenamento brasileiro. (certa) 30 “O princípio da não-retroatividade, todavia, não condiciona o exercício do poder constituinte originário. A Constituição é o ato inaugural do Estado, primeira expressão do direito na ordem cronológica, pelo que não deve reverência à ordem jurídica anterior, que não lhe pode impor regras ou limites. Doutrina e jurisprudência convergem no sentido de que ‘não há direito adquirido contra a Constituição.’” BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 55. Cibele Fernandes Dias 22 produzem todos os seus efeitos (positivos e negativos). legislador a restrinção, diminuição, contenção dos seus efeitos, prevendo exceções ou restrições, condicionamentos à sua incidência. efeitos positivos e assegurarem o exercício do direito ou da competência nelas previsto. 31 ESPÉCIES DE NORMAS DE EFICÁCIA LIMITADA: a) PROGRAMÁTICAS b) PRINCÍPIOS INSTITUTIVOS ALERTA: Doutrina e jurisprudência referem-se, muitas vezes, a normas constitucionais auto- aplicáveis (são as de eficácia plena e contida que não dependem do legislador para a produção de efeitos positivos) e a normas constitucionais não auto-aplicáveis (são as de eficácia limitada, que dependem do legislador para produção de efeitos positivos). Exemplo de utilização dessa classificação: Súmula 24, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: “São auto-aplicáveis os parágrafos 5º e 6º do art. 201 da Constituição Federal de 1988”; Súmula 648, do STF: “A norma do §3º, do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar”; Súmula vinculante n. 7, do STF: “A norma do §3º do artigo 192 da CONSTITUIÇÃO, revogada pela Emenda Constitucional 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar.” Súmula 13, do TSE: “Não é auto-aplicável o §9º, do art. 14, da Constituição, com a redação da emenda constitucional de revisão nº 4/94.” Essa nomenclatura merece críticas porque as normas de eficácia limitada são auto-aplicáveis no que se refere à eficácia negativa, podendo servir, imediamente, como parâmetro para declaração de inconstitucionalidadede leis posteriores e revogação de leis anteriores com ela colidentes (imediatamente já produzem uma eficácia reduzida, que é a eficácia negativa ou paralisante). Exemplo de eficácia negativa de norma constitucional é o que mostra a Súmula 280 do STJ: “O art. 35 do Decreto-Lei n. 7661, de 1945, que estabelece a prisão administrativa, foi revogado pelos incisos LXI e LXVII do art. 5º, da Constituição Federal de 1988.” 5. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS (TÍTULO I DA CF): são princípios fundamentais todos aqueles dispostos no Título I da Constituição, dos artigos 1º a 4º, que compreendem: (1) FUNDAMENTOS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (1º, CF); (2) PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES (art. 2º, CF) (3) OBJETIVOS FUNDAMENTAIS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (art. 3º, CF) (4) PRINCÍPIOS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DO BRASIL (art. 4º, CF) 31 DIAS, Cibele Fernandes Dias. Direito constitucional didático. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2012. Cibele Fernandes Dias 23 PRINCÍPIO REPUBLICANO FORMA DE GOVERNO (modo como se organiza a Chefia de Estado num país): a forma de governo adotada no Brasil é a republicana. A República constitui princípio constitucional fundamental, pois atua como fonte inspiradora para várias regras constitucionais. Não é por acaso que a parte permanente começa com a expressão “A República” (art. 1º, da CF). O art. 2º do ADCT previu a realização de plebiscito para escolha da forma e do sistema de governo, resultando na decisão popular pela manutenção da república e do presidencialismo, constantes da Constituição na sua redação originária. a) Diferenças entre Chefia de Estado e Chefia de Governo O Chefe de Estado (i) representa o Estado na sua unidade (povo, território e governo), (ii) comanda as Forças Armadas e (iii) defende e preserva os objetivos de Estado (presidir). Exemplos na CF de 1988: incs. VII, VIII, IX, XII, XIII, XIX, XX, XXI do art. 84, que elenca as competências do Presidente da República. O Chefe de Governo (i) representa, no máximo, o partido dominante (uma parte do Estado, o governo, responsável pela consecução de políticas públicas), (ii) comanda uma equipe de políticos e (iii) executa a plataforma do partido (governar). Exemplos: incs. I, II, III, VI, XI, XXIII, XXIV, XXV, XXVI, do art. 84, da CF. Três são as características centrais que distinguem a República da Monarquia e estão baseadas nas prerrogativas inerentes à Chefia de Estado (CE): REPÚBLICA 1. Chefe de Estado eleito - Não se admite sucessão hereditária, o Chefe de Estado tem legitimação popular direta (escolhido pelo povo mediante sufrágio, voto direto) ou indireta (escolhido por representantes do povo reunidos no Parlamento), pois só a eleição lhe confere justo título para o exercício do poder. 2. Chefe de Estado temporário Não se admite a vitaliciedade no cargo, pois a República implica eleições periódicas a fim de assegurar a alternância no poder. Para evitar que as eleições reiteradas de um mesmo indivíduo criassem um paralelo com a monarquia, é costume, nas repúblicas presidencialistas, estabelecer a proibição de reeleições sucessivas. O art. 14, § 5º, da CF, acrescentado pela Emenda Constitucional 16/97, que permite a reeleição do Presidente da República, dos Governadores e dos Prefeitos e de quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos para um único período subsequente está inspirado no princípio republicano. 3. Chefe de Estado responsável Responde pelos seus atos. A República exige a responsabilidade ampla do Estado e serve de fundamento à regra do art. 37, § 6º, da CF, que estabelece a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos. Na monarquia, por sua vez, o Chefe de Estado é HEREDITÁRIO, VITALÍCIO e IRRESPONSÁVEL (“The King can do not wrong”, o Rei não pode errar, justamente porque não responde pelos seus atos). REPÚBLICA (combina com os dois sistemas de governo): pode ser PARLAMENTARISTA OU PRESIDENCIALISTA Cibele Fernandes Dias 24 MONARQUIA (não combina com o sistema presidencialista de governo): pode ser ABSOLUTISTA OU PARLAMENTARISTA PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO REGIME POLÍTICO OU REGIME DE GOVERNO: “complexo estrutural de princípios e forças políticas que configuram determinada concepção política do Estado e da sociedade, e que inspiram seu ordenamento jurídico”32: REGIME DEMOCRÁTICO REGIMES AUTOCRÁTICOS: autoritários e totalitários a) Para Karl Loewenstein, duas são as diferenças entre o regime autocrático e o democrático. No regime democrático, há uma real e efetiva separação de poderes (com os mecanismos inerentes ao sistema de checks and balances) e um autêntico pluralismo político. Nos regimes autocráticos, predomina a concentração de poderes nas mãos de uma autoridade, grupo, classe ou partido com ausência de controles efetivos sobre o exercente do poder. Há uma aparência de pluralismo político (mimetismo politico típico deste tipo de regime) enquanto no regime totalitário não há pluralismo político (regime de partido único). b) Adoção do regime democrático na Constituição brasileira: (i) o art. 1º estabelece que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito; (ii) entre os fundamentos da República estão a cidadania e a dignidade da pessoa humana (segundo a filosofia kantiana de que o homem é um fim em si mesmo); (iii) democracia pluralista: pluralismo político como fundamento republicano (art. 1º, inc. V, CF), pluralismo partidário respeitados os limites constitucionais (art. 17, caput, CF), pluralismo econômico (livre-iniciativa e livre concorrência – art. 170, CF), pluralismo de idéias e de instituições de ensino (art. 206, III, CF), pluralismo cultural (arts. 215 e 216, CF), pluralismo de meios de informação (art. 220, caput, CF); (iv) o art. 2º, da CF fixa a soberania popular (todo o poder emana do povo), com a adoção da democracia indireta ou representativa (que encontra no sufrágio universal seu principal instrumento – aliás, voto direto, secreto, universal e periódico é cláusula pétrea) ao lado da adoção de instrumentos de democracia quase direta: (i) plebiscito (art. 14, I, CF), (ii) referendo (art. 14, II, CF), (iii) iniciativa popular (arts. 14, III, CF; 61, § 2º, CF – iniciativa popular em projetos de lei federal; 27, § 4º, CF – determina que o legislador deve dispor sobre a iniciativa popular no processo legislativo estadual e 29, inc. XIII, CF – prevê a iniciativa popular para projetos de lei municipal) e (iv) ação popular (art. 5º, LXXIII, CF). Todavia, não existe, no direito brasileiro, o mecanismo do veto popular, em que o povo é consultado para revogar uma lei já existente e o recall, quando o povo é chamado para votar sobre a revogação do mandato de um representante. 32 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2001.