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SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação acadêmica de trabalhadores do campo na UFRJ e UECE Liana Brito de Castro Araújo 1 Maristela dal Moro 2 Elaine Martins Moreira 3 Jana Alencar Eleutério 4 Francisca Geneide de Sousa 5 A Mesa Temática Coordenada se propõe a apresentar as experiências da UFRJ e UECE na formação em Serviço Social, voltados para os trabalhadores do campo. São duas turmas constituídas através da parceria Universidade, Movimentos Sociais Rurais e INCRA/ PRONERA - Programa Nacional de Educação em Áreas de Reforma Agrária. Este Programa é resultado da luta dos movimentos sociais rurais pelo direito à educação, que responda à realidade das áreas de reforma agrária. Garantindo a Proposta de Formação de acordo com as Diretrizes Curriculares da ABEPSS em sintonia com o Projeto Ético Político, estas experiências apresentam algumas particularidades. A formação ocorre dentro das Políticas Afirmativas e com uma formação baseada na Pedagogia da Alternância, que se organiza em dois tempos educativos: o Tempo Escola e o Tempo Comunidade com períodos de vivência dos estudantes na universidade e tempos transcorridos no meio onde vivem, o que dá um novo ordenamento aos currículos. Destacaremos a construção do processo pedagógico, que nas duas universidades ocorreu através de um permanente diálogo com os movimentos sociais do campo envolvidos. Essas experiências tem se desdobrado em diversas práticas político-pedagógicas inovadoras, das quais destacamos: aproximação entre Universidade (cursos do Serviço Social/ ABEPSS/ CFESS/ CRESS), ENFF e Movimentos Sociais do Campo, em destaque, o MST; aproximação com outras instituições de formação e intelectuais colaboradores; diálogo entre professores universitários e estudantes militantes, bem como a criação de novos ritos em sala de aula e no ambiente universitário; construção do estágio supervisionado em Serviço Social buscando inová-lo a partir das demandas postas, preservando o acúmulo da profissão nesse âmbito, garantindo a formação sem o afastamento da realidade em que vivem os estudantes, aprofundando a relação teoria e prática; a construção coletiva de uma convivência estudantil para além do Tempo Escola. A mesa será constituída por quatro trabalhos e terá a seguinte dinâmica: A profa. Liana Brito abrirá os trabalhos apresentando a proposta e a forma como será organizada. A profa. Maristela Dal Moro apresentará a experiência da Escola de Serviço Social da UFRJ ressaltando a forma como foi implementada, a relação com os movimentos sociais e com a ENFF, as potencialidades e desafios dessa proposta para o Serviço Social e para os movimentos sociais. A profa. Liana Brito apresentará a experiência da estruturação do projeto de formação turma de Serviço Social “da Terra” na UECE, com ênfase na coordenação coletiva com o MST e ENFF, nos desafios do processo ensino- aprendizagem e nas novidades provocadas pelas relações construídas com os estudantes/ militantes dos movimentos sociais do campo; a profa. Jana Eleutério discorrerá sobre a experiência do Tempo Comunidade como momento fundamental no processo de formação acadêmica; a estudante Geneide de Sousa apresentará as reflexões dos estudantes no processo de formação, evidenciando os desafios vivenciados no Tempo Escola e no Tempo Comunidade.. 1 Doutora. Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: liana.brito@uece.br 2 Doutora. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: dalmororj@uol.com.br 3 Mestre. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: elainemoreiradv@gmail.com 4 Mestranda. Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: janaalencar@gmail.com 5 Militante Social do MST/Ceará; Universidade Estadual do Ceará (UECE). SERVIÇO SOCIAL DA TERRA NA UECE: desafio da formação profissional em parceria com os Movimentos Sociais do Campo Liana Brito de C. Araújo 6 Cristina Ma.Nobre 7 Adinari Moreira de Sousa 8 Resumo: O trabalho apresenta a experiência da formação da turma de Serviço Social “da Terra” na UECE, convênio PRONERA/ INCRA. Muitos são os desafios enfrentados na construção da proposta como parte da Educação do Campo do MST com a Pedagogia da Alternância. As conquistas coletivas de um trabalho com os Movimentos Sociais do Campo (MST, MAB, MPA, CPT e Comunidades Quilombolas), reafirmam o Projeto Pedagógico do Serviço Social sintonizado com as diretrizes curriculares nacionais. Essa formação demarca uma singularidade posta no permanente diálogo entre estudantes e coordenação pedagógica (professores da UECE, MST e ENFF), objetivando novas relações na universidade. Palavras Chave: Serviço Social; movimentos sociais campo; formação acadêmica; PRONERA; universidade; Abstract: The paper presents the experience in the formation of a class of "Social Workers of the Earth" on UECE, PRONERA / INCRA agreement. There are many challenges faced in the construction of the proposal as part of the MST’s Rural Education with the Pedagogy of Alternation. The collective achievements of a work with the Rural Social Movements (MST, MAB, MPA, CPT and Quilombo Communities) endorse the Social Work Pedagogic Project tuned with national curriculum guidelines. This experience defines a singularity placed in permanent dialogue between students and teaching coordination, aiming new relations at the university. Keywords: Social Work; peasants’ social movements; academic education; PRONERA; university; 6 Doutora. Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: liana.brito@uece.br 7 Doutora. Universidade Estadual do Ceará (UECE). 8 Doutora. Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: adinarisousa@gmail.com 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma agrária, ou da conquista do território. Embora diversas concepções e bandeiras tenham sido construídas nos últimos anos, fica evidente a estratégia da luta também pela conquista da educação em todos os níveis, principalmente, dos espaços das universidades brasileiras, uma luta manifestada nas palavras de ordem como: “pelo fim do latifúndio do conhecimento” e “quebrando as cercas do conhecimento e os muros da universidade”. O que os Movimentos Sociais do Campo (MSC), dentre eles o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em especial, têm feito neste processo de luta de classe, é construir uma concepção de Educação do/ no campo. O PRONERA (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária), mesmo com todos os seus limites e contradições, revela o nível de conquista dos movimentos sociais no processo de consolidação de políticas públicas voltadas para parte de suas demandas, o que expressa a realidade de um Estado como síntese das relações de coerção e hegemonia entre as classes. Em outros termos, um Estado que promulga a necessidade das classes dominantes incorporarem demandas dos setores subalternos a fim de manter seu poder econômico, político e ideológico. Isto ocorre como resultado da luta de classes, porque esses setores subalternos evidenciaram capacidade de resistência, de organização e mobilização em torno de suas demandas (GRAMSCI, 1968). Nessa dinâmica, temos diversos cursos de graduação já realizados no Brasil e vários em execução nas diversas áreas acadêmicas. Além desses, há também a conquista e ampliação da pós-graduação (Especialização em Extensão Rural e Mestrado). Todos esses espaços de formação superior contam com financiamento próprio, o que garante uma estrutura específica, construídasob a direção dos MSC em parceria com as Universidades e o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). De modo geral, é essa estrutura e a proposta pedagógica da alternância que permitem, em última instância, o acesso de estudantes (trabalhadores do campo, militantes e jovens) à universidade pública. A conquista do ingresso nas Universidades brasileiras pelos Movimentos tem se expandido a cada ano, tornando-se uma estratégia importante na ampliação tanto da formação dos seus sujeitos quanto de novos espaços de ocupação, atuação e de realização de sua práxis revolucionária, pois trazem em sua raiz a crítica ao posto e apontam elementos emancipatórios (BARROCO, 2008). São novos territórios (FERNANDES e MOLINA, 2001) que são objetivados nos mais diversos espaços da formação, são partes essenciais da construção coletiva de outra sociabilidade cuja base se funda no trabalho associado (MÉSZÁROS, 2002) e na solidariedade dos povos. Tal realidade não prescinde das múltiplas mediações necessárias, demarcadas por processos sócio-genéricos objetivados por teleologias que conferem, em sua essência, uma direção política de ruptura e de negação à práxis fetichizada e de afirmação da “crítica revolucionária da práxis da humanidade” (KOSIK, 1995, p. 23). A Universidade é também um novo e velho território, ao mesmo tempo em que se materializa como uma dessas mediações, no qual os movimentos sociais do campo constroem outras relações - de formação, de troca, de crítica e de objetivação de outro jeito de tornar-se educando e educador. Nossa experiência na UECE (Universidade Estadual do Ceará) tem representado parte dessa dinâmica complexa dos processos de ocupação, demarcação e construção de novos territórios nos velhos espaços ocupados. O artigo apresenta, em primeiro lugar, um pouco do percurso histórico da construção da proposta, com as escolhas da estruturação pedagógica, administrativa e política do projeto de formação dessa turma especial em Serviço Social, que identificamos como Serviço Social “da Terra”. A denominação “da terra” para esta turma é política, caracterizando a formação voltada para estudantes do campo. Temos apenas um Projeto Pedagógico do Serviço Social na UECE. Para efeito de consolidação do convênio apresentamos ao INCRA e órgãos colegiados da Universidade o Projeto com algumas adequações segundo exigência do PRONERA, considerando temas transversais, Pedagogia da Alternância, financiamento próprio, dentre outras questões burocráticas. Evidenciamos os aspectos históricos, burocráticos e administrativos que, embora tenham se configurado como obstáculos no início dos trabalhos, contraditoriamente, objetivaram uma causalidade posta favorável a um maior envolvimento dos professores e militantes do MST e da ENFF (Escola Nacional Florestan Fernandes) na dinâmica da coordenação do curso. Em segundo lugar, discutimos os processos construídos na dinâmica da formação diante dos diversos desafios tais como: a intensidade de conteúdos ministrados em tempo integral; a heterogeneidade da turma e de suas experiências políticas; o desafio da produção escrita, necessária à formação acadêmica; as atividades de suporte da formação nos horários extraclasse; o processo de apropriação/ objetivação (LUKÁCS, 2013) da vida acadêmica; processos de avaliação dos conteúdos ministrados; relação Tempo Escola e Tempo Comunidade; a construção da proposta de estágio Supervisionado, dentre outros. Estes têm sido aspectos constantes em nossas discussões e análises acerca dos limites e das possibilidades de uma formação acadêmica voltada para as demandas dos Movimentos Sociais do Campo, considerando o não afastamento de seus estudantes da sua realidade campesina. Em síntese, apontamos os avanços que reconhecemos ter conquistado nessa dinâmica desafiadora de coordenar a formação em Serviço Social de estudantes militantes de diversos Movimentos. 2. “Todo começo é difícil”: um aprendizado mútuo A realização da turma de Serviço Social “da Terra” na UECE não foi sem conflitos. Como parte do processo de luta de classe dos MS do campo, a concretização do convênio, que viabilizou a formação dessa turma, ocorre em meios a diversas estratégias, desde o diálogo com os técnicos do INCRA, professores da UECE, negociações para a construção do Projeto e aprovação do Convênio pelas instâncias superiores das duas instituições, realização do vestibular específico e tramitação da licitação para a garantia da logística do projeto. Além de todo esse percurso político-administrativo tivemos a iminência da ocupação da UECE pelos estudantes aprovados no vestibular, fato que determinou o início das aulas em 2013. Uma demonstração de que “quem sabe faz a hora, não espera acontecer” (Geraldo Vandré). A historicidade do início de nossos trabalhos foi revelando que o tempo da luta impulsionado pela necessidade não é o mesmo do tempo da materialização da demanda apresentada – formação de uma turma de Serviço Social, considerando a lógica burocrática do estado burguês no qual fazemos parte. É importante destacar que foi um tempo marcado pelo contexto bastante delicado e complexo da assinatura do Acórdão TCU 9, como meio de controle sobre a política do PRONERA e de mudanças nas regras de seu funcionamento, inclusive tirando as universidades públicas como parceiros centrais do Programa e passando a exigir processos licitatórios para a efetivação dos projetos. De fato, esse 9 Este Acórdão TCU no. 3.269/2010 representou uma ofensiva do Estado sobre as atividades do PRONERA, considerando sua relação de aproximação com os Movimentos Sociais do Campo, principalmente contra o MST, e com as Universidades públicas, constituindo-se como uma estratégia repressiva do Estado sobre uma política pública com nítido compromisso com a classe camponesa. processo representa mais uma das estratégias da ofensiva do capital sobre a classe trabalhadora, da qual o MST tem sido objeto das diversas formas de pressão e violência executada pela sociedade burguesa, ora pela mediação das instituições públicas do estado de direito, ora pelos meios de comunicação que não se esquivam de apresentar uma visão distorcida do Movimento. Na aproximação de militantes do MST e da ENFF com alguns professores do curso de Serviço Social, pudemos apresentar o Projeto Político Pedagógico, a estrutura organizativa da categoria e a defesa do PEP (Projeto Ético-Político), através da história de luta do Conjunto CFESS/ CRESS/ ENESSO e ABEPSS. Assim os militantes foram conhecendo o SS e a base teórico-metodológica que sustenta a formação. Ocorreu daí um processo de sensibilização de ambas as partes para o desafio posto: formar 60 estudantes de áreas de reforma agrária do Nordeste do Brasil em Bacharelado em Serviço Social (contemplando uma demanda do Estado do Pará). Nesse período, de 2008 a 201110, além de não haver a possibilidade do estabelecimento do sistema de bolsas de estudos para os estudantes, como forma de garantia de acesso aos recursos do PRONERA, o grupo de professores e militantes após algumas discussões a cerca dessa questão, considerou que o sistema de bolsas não seria favorável à perspectiva coletiva que se pretendia construir. Diante disso, a posição política escolhida foi a defesa de uma gestão coletiva dos recursos. Outro fator determinante para a definição da questão financeira, por exemplo, foi a impossibilidade de o corpo docente efetivo do Curso de Serviço Social da UECE assumir todas as disciplinas da turma, considerando o processo de precarização e sobrecarga em que se encontra. Dessa forma oProjeto tinha que garantir orçamento para o pessoal técnico e pedagógico. Essa escolha aponta uma direção clara: garantir uma estrutura coletiva de gestão e coordenação dos trabalhos, tanto nos aspectos político-pedagógicos quanto da estrutura de formação da turma de estudantes, nos espaços coletivos que teriam para além da sala de aula durante o TE (Tempo Escola). Dessa forma a turma de estudantes ficaria em um local durante os períodos do TE, o que terminou acontecendo na sede da ENFF em Fortaleza. 10 Em abril de 2008 tivemos uma reunião do Colegiado do Curso, quando apresentamos a demanda do MST de constituir uma turma especial de Serviço Social para áreas de reforma agrária; em abril de 2009 estávamos com o Projeto concluído em tramitação nos órgãos institucionais da UECE. Temos aí um longo período (de 2008 a 2013), demarcado pelo início das negociações para a construção do Projeto, assinatura do convênio (dezembro de 2011), realização do Vestibular (março de 2012) e início do primeiro semestre do curso (abril de 2013). Considerando que tivemos que estabelecer um convênio entre UECE e INCRA, passamos a depender da abertura de processos de licitações para a gestão dos recursos, desde a compra de material pedagógico à contratação de pessoal e deslocamento dos estudantes. Os estudantes, por estarem hospedados na sede da ENFF em Fortaleza, construíram, em conjunto com a coordenação do MST e da ENFF uma forma própria de organização. Desse modo são permanentes as discussões e reuniões nos Grupo de Base (GB) para as definições do usufruto do espaço coletivo, do tempo de estudo e do tempo livre, nos momentos extra-sala de aula. Há uma prática constante de reunião nos GB, de assembléias deliberativas ou não, inclusive a preparação e realização das místicas que acontecem na Universidade e na sede da ENFF, onde ficam hospedados. Observamos que os estudantes estão construindo uma convivência coletiva, uma forma de ser que se opõe à cultura individualista, com o desafio de objetivarem “novos costumes e valores mais livres, despreconceituosos e, portanto, revolucionários” (BEZERRA, 2012, p. 117). 3. Construção coletiva da formação acadêmica: quem educa quem? Será o conhecimento necessário para transformar em realidade o ideal da emancipação humana, em conjunto com a determinação sustentada e a dedicação dos indivíduos para conduzir a auto-emancipação da humanidade até à sua conclusão com êxito, apesar de todas as adversidades, ou é, pelo contrário, a adoção por indivíduos particulares de modos de comportamento que apenas favorecem a realização dos fins reificados do capital? (Mészáros, 2007, p. 117) Na dinâmica dessa experiência de formação dos estudantes de áreas de reforma agrária, observamos muitos aprendizados, tanto da estrutura institucional da Universidade e do seu modus operandi presente na práxis dos docentes e estudantes em geral, quanto da práxis própria dos Movimentos Sociais do Campo. Esse encontro tem sido fértil e nos ensinado que estamos, de fato, engendrando um processo de ensino-aprendizagem singular, no qual se objetivam trocas efetivas de saber entre educadores e educandos (FREIRE, 2000; 2001). Nessa dinâmica, construímos ricas relações, sem perder de vista as particularidades objetivas da Universidade e dos Movimentos Sociais. Esta relação tem permitido vivenciarmos uma unidade na diversidade, cujo resultado é que já não somos mais os mesmos como diria Heráclito. No início dos trabalhos com a coordenação ampliada composta por professores, militantes do MST e da ENFF, tentávamos trabalhar com os estudantes na dinâmica da Universidade, com certa rigidez (que lhe é própria), espaços e papéis bem definidos e separados. Porém o movimento do real tem sua predominância e, aos poucos, formos reformulando nossa forma de coordenar no diálogo permanente. Muitas vezes expondo as nossas “teimosias”, mas também identificando as “teimosias” dos estudantes e dos Movimentos Sociais ali representados. Revelam-se nesses momentos de diálogo não apenas o distanciamento de uma cultura urbana em contraste com outros ritmos e modos de ser do campo (BAGRI, 2010), mas também um significativo distanciamento da Universidade e de sua cultura acadêmica com a dinâmica dos militantes de movimentos sociais. Nesse espaço coletivo, muitas relações foram acontecendo e engendrando novas formas de pensar e fazer o espaço universitário. Reuniões de planejamento e avaliação foram constantes para pensarmos a interdisciplinaridade e a garantia de uma didática de ensino que melhor se adequasse à forma intensiva do ensino no TE. Discussões e reuniões permanentes são realizadas com os estudantes avaliando a dinâmica universitária e de sala de aula. Nos dois primeiros semestres observamos um desconforto em relação à didática de alguns professores frente às expectativas do grupo com conteúdos ministrados, isso porque tinham um relativo acúmulo nos diversos cursos de formação política que haviam experimentado em seus processos organizativos e de luta nos Movimentos. Identificamos dois modelos de formação que se entrecruzavam provocando o fazer universitário. A heterogeneidade da turma e suas experiências políticas tiveram impactos na dinâmica da sala de aula e fora dela. A turma é formada por estudantes militantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), CPT (Comissão Pastoral da Terra) e Comunidades Quilombolas, com tempos diferenciados de participação política nos seus movimentos de origem. Observamos diferentes intervenções em sala de aula, inclusive quando alguns educandos e educandas silenciam diante dos mais experientes que se sobressaem em suas análises e oratórias. Observamos algumas dificuldades de assimilação da dinâmica e de responderem às exigências do cotidiano acadêmico; um relativo estranhamento que vai para além do choque entre o urbano e o rural, mas se manifesta na conciliação ou não de demandas da formação acadêmica e da militância. Tanto professores quanto estudantes foram trocando saberes, foram se metamorfoseando, objetivando outras possibilidades de apropriação e construção do conhecimento. Na didática do ensino, contamos com a participação de professores efetivos do colegiado do curso de Serviço Social e de outros departamentos, inclusive de outras instituições de ensino superior no processo de ensino-aprendizagem, portanto, na socialização de seus conhecimentos científicos com a turma, ao lado dos professores contratados. A dinâmica de ensino foi ocorrendo sem grandes percalços, na busca de tornar esse momento mais rico e envolvente: aulas expositivas reflexivas e dialogadas (os estudantes participam bastante das discussões); momentos de estudos dirigidos com sistematização escrita; aulas de campo com períodos de debate e produção escrita do observado; seminários de apresentação dos conteúdos apreendidos; avaliações individuais escritas, como mediação necessária de sistematização do saber. Destacamos o desafio presente nos processos de avaliação dos conteúdos ministrados, considerando a relação TE (Tempo Escola) e TC (Tempo Comunidade) que se constituem em dois momentos da unidade da proposta pedagógica, cuja função é garantir a continuidade e fortalecimento do processo ensino aprendizagem. As dificuldades observadas na apropriação dos conteúdos e produção escrita tem sido enfrentadas com o fortalecimento do acompanhamento da equipe pedagógica, em especial, no TC, inclusive com a realização de oficinas permanentes de leitura e produçãode textos acadêmicos. A sala de aula tem representado, além de um espaço desafiador de aprendizagem, com a intensidade de conteúdos em pouco tempo e com o desafio se sair da oralidade para a produção escrita, um espaço de descobertas e trocas dialogadas. O apoio da equipe de professores do TC e dos estudantes monitores em atividades de leitura, estudo, produção textual em momentos em sala de aula e nos tempos extraclasse tem sido fundamental. Para isso, esse grupo foi se apropriando da dinâmica do curso e de seus conteúdos, para garantir o diálogo com os estudantes. Neste campo, temos realizado oficinas de texto e de português como suporte a esta dificuldade. Contamos com uma equipe de duas assistentes sociais (com especialização e mestrandas) e uma pedagoga e mestra, militante do MST, com uma formação na questão ambiental. Esse grupo tem engendrado uma metodologia de trabalho com os estudantes que se inicia no TE, estendendo-se para o TC. O trato com os conteúdos ministrados, na perspectiva de garantir tanto a interdisciplinaridade quanto a clareza da relação teoria/prática como parte constitutiva do processo de apropriação de um conhecimento claramente, tem sido centro de nossas preocupações (SEVERINO, 2008). A construção da proposta de Estágio Supervisionado temido outro momento de aprendizado mútuo, tivemos importantes discussões durante o Semestre IV, uma vez que este antecede o semestre do estágio. Esses momentos da coordenação, em diálogo com os estudantes, e a preocupação com a garantia da qualidade desse momento da formação acadêmica foram se delineando fortemente para a defesa de realização do estágio no TE. Esse tema estava presente nas preocupações de parte dos estudantes que tencionaram algumas vezes a coordenação, mantendo inclusive conversas permanentes entre os colegas nos corredores da Universidade e da ENFF. Nessa perspectiva fomos construindo algumas possibilidades do estágio, o que não ocorreu sem ricos debates e embates. No entanto, coletivamente foram sendo apresentadas as diversas posições e, através dessa construção coletiva, construímos o consenso possível: tanto no Semestre V quanto no Semestre VI, os estudantes cumprirão 80hs do Estágio Supervisionado durante o TE e 158hs no TC, com a garantia da supervisão acadêmica para todos os estados envolvidos.11 Tivemos uma experiência interessante de articulação com a Universidade via Pro reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE) negociando a possibilidade de os estudantes terem acesso ao Programa de Bolsa de Estudo e Permanência, argumentando a necessidade de suporte financeiro durante a realização do estágio supervisionado, considerando o baixo custo aluno/ano do PRONERA e a não previsão de gastos para essa atividade. Conquistamos 24 bolsas, deixando 29 estudantes de fora do Programa. Diante dessa realidade propomos uma discussão nos NBs para que analisassem a situação e pudéssemos construir coletivamente uma alternativa. A proposta construída após essas rodas de discussões foi o usufruto coletivo do recurso e o encaminhamento imediato de outras possibilidades de apoio financeiro que venha complementar. Articulações foram feitas com a SECITECe (Secretaria de Ciência e Tecnologia do Ceará), com apoio político de um deputado vinculado ao Movimento; um projeto foi discutido e construído pela coordenação e encaminhado para esta secretaria. 11 Durante a construção dessa proposta realizamos uma reunião de articulação com o CRESS e CFESS, apresentando as particularidades da Pedagogia da Alternância e das nossas preocupações com a garantia da qualidade do Estágio neste contexto. A realização de Seminários, em geral no início dos semestres, com convidados de outras instituições de ensino, tem permitido uma maior interação entre todos os estudantes de graduação em Serviço Social e do Mestrado Acadêmico de Serviço Social, Trabalho e Questão Social. Esses momentos também possibilitam uma maior visibilidade à turma do Serviço Social “da Terra” no contexto da UECE, e o fortalecimento da parceria com o CRESS - Ceará. A experiência com a Monitoria se constitui em outro elemento interessante. No primeiro semestre, ainda sem a liberação dos recursos de financiamento, tivemos 20 (vinte) estudantes que se colocaram voluntariamente para contribuir com as atividades, alguns bolsistas dos Laboratórios e outros do Movimento Estudantil. Experiências políticas extra-sala de aula tem sido outro espaço de aprendizado para todos os envolvidos nesse trabalho; destacamos os períodos das greves em 2013 e 2014 dos docentes e estudantes, quando observamos o engajamento político da turma do Serviço Social “da Terra” nas atividades de greve. Outra experiência política que vivenciaram, foi durante o processo eleitoral do Centro Acadêmico em 2013, embora marcado por tensões e estranhamentos, foram momentos de rico aprendizado, tanto para o movimento estudantil, quanto para os estudantes da turma do Serviço Social da Terra. O que estava posto era uma concepção de curso apartado da dinâmica própria interna da Universidade. Nesses dois anos de trabalhos voltados para a formação dessa turma observamos alguns processos delicados: há um desgaste físico e emocional muito grande dos estudantes no período de TE, considerando que ficam em sala de aula por 8hs com uma sobrecarga de conteúdos que devem dar conta diante das atividades de aprendizagem, síntese e de avaliação; temos enfrentado um processo de evasão, posto hoje por 7 estudantes que desistiram do curso, dentre os quais observamos diversos motivos: migração para outro curso em outra universidade, a incapacidade de continuar, e problemas pessoais e familiares. Observamos ainda um relativo estranhamento na relação dos estudantes do Serviço Social “da terra”, “do PRONERA” com os estudantes em geral, embora percebamos momentos de identidades, neste sentido, a relação com alguns monitores, por exemplo, tem contribuído positivamente na direção da superação dessa questão. Não podemos deixar de destacar que temos construído um diálogo interessante com a reitoria da UECE, através da vice-reitoria, que tem estado conosco nos momentos de negociação com as empresas licitadas e com os departamentos internos relacionados aos processos burocráticos da gestão do Projeto. Esse diálogo tem garantido uma relativa tranquilidade na coordenação, pois temos todo o apoio para os encaminhamentos necessários em nossos diálogos com o INCRA. 4. Concluindo o Inconcluso Neste empreendimento as tarefas imediatas e os seus enquadramentos estratégicos globais não podem ser separados, e opostos, uns aos outros. O êxito estratégico é impensável sem a realização das tarefas imediatas. (MÉSZÁROS, 2007, p. 129) Nossa experiência está em processo. Enfrentamos grandes desafios postos pela burocracia de um Estado Burguês em tempo de capital fetiche (IAMAMOTO, 2007), sob um controle rígido financeiro posto por uma estrutura de Convênio que trata a diversidade de projetos sociais sem considerar suas particularidades. Isto fica mais crítico, considerando que a turma de Serviço Social “da Terra” é resultado de convênio envolvendo vários órgãos estatais. Este projeto está voltado para a formação crítica de militantes de Movimentos Sociais do Campo que tencionam o poder político com suas demandas que constrangem as bases da acumulação capitalista: transformar o latifúndio improdutivo em propriedades familiares produtivas, condenar o agronegócio e seus métodos agressivos ao meio ambiente, lutar contra as desapropriações nos contextos de construção de barragens para fins energéticose de irrigação das monoculturas, dentre outras (ARAÚJO e ACCIOLLY, 2014). Para além dessas lutas e de sua radicalidade, esses movimentos sociais compreendem o caráter contraditório do Estado capitalista, se apropriam de sua dinâmica na organização de políticas e programas sociais e trazem para o interior de sua estrutura burocrática suas formas de luta, resistência, diálogo e conciliação (STÉDILE, 2000). No contexto particular da UECE e do Curso de Serviço Social, com suas dificuldades de recursos humanos, financeiros e burocráticos, observamos que o processo de formação da turma especial do Serviço Social “da Terra” tem vivenciado no espaço acadêmico tanto receptividade, quanto estranhamento. Possivelmente isto ocorre por tratar- se de uma experiência que se materializa, em primeiro lugar, dentro de um contexto da política de cotas das universidades públicas brasileiras e, em segundo lugar, por apresentar um processo pedagógico com inovações, uma vez que envolve sujeitos sociais tradicionalmente excluídos da formação universitária, que estão impactando no cotidiano acadêmico com seu modo de ser e de sua experiência militante que apresentam no espaço universitário. Enfim, temos vivenciado diversos e múltiplos processos e contradições que tornam esse projeto, ao mesmo tempo, desafiador, instigante e apaixonante; principalmente considerando as direções políticas que o caracterizam Projeto como: uma coordenação compartilhada entre universidade, MS do Campo e ENFF; a vivência coletiva de estudantes universitários e militantes construindo uma organicidade e unicidade coletiva, através do estabelecimento de regras de convivência e do usufruto dos espaços de formação na UECE e na sede da ENFF. Podemos também destacar que essa experiência tem nos ajudado a rever nossos espaças na UECE, muitas vezes rígidos e frios. Como exemplo, temos as festas que os estudantes organizam no encerramento de cada semestre. Trata-se de um momento político de reafirmar a luta de classe, a conquista do espaço de formação acadêmica e de participação/ intervenção no espaço universitário. Esse momento é também da mística, revelando que somos seres sociais amplos, que temos na cultura, na arte e nos tempos lúdicos formas de exteriorizarmos nossas relações sócio-genéricas. Assim, em cada encerramento de semestre a turma apresenta sua alegria por mais uma etapa vencida, por novos desafios a serem enfrentados; seu agradecimento mútuo pelo processo construído por corpos, mentes e corações comprometidos com um projeto social emancipatório. Assim, se despedem uns dos outros, reconhecendo novos vínculos que construíram no TE e celebram a alegria do retorno às suas comunidades e familiares, com seus desafios e esperanças de dar continuidade ao curso da vida voltada para a luta permanente contra a barbárie. Referências ARAÚJO, L. B. C. e ACCIOLY, M. S. Questão Agrária e Luta pela Terra no Brasil: análise fundamentada nas categorias questão social e movimentos sociais rurais. IN. CUNHA, A. M. e SILVEIRA, I. M. M. Expressões da Questão Social no Ceará. Fortaleza: EdUECE, 2014. BARROCO, M. L. S. Ética e Serviço Social: os fundamentos ontológicos. Ed. São Paulo: Cortez, 2008. BAGLI, Priscila. Terra e território: a questão camponesa no capitalismo. São Paulo. Expressão Popular, 2010. BEZERRA, C.S. Cultura e Hegemonia: a construção do debate cultural em Gramsci e os desafios contemporâneos. IN. ENFF. Gramsci e a Formação Política. Cadernos de estudos ENFF. Guararetama-SP: ENFF, 2012. FERNANDES, B. M. e MOLINA, M. Questão Agrária, pesquisa e MST. S. Paulo: Cortez, 2001. 2001). FREIRE. P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. ________. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2001. GRAMSCI, A. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. IAMAMOTO, M. V. Serviço Social em Tempo de Capital Fetiche. Capital financeiro, trabalho e questão social. São Paulo: Cortez. 2007. KOSIK, K. Dialética do Concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. MÉSZÁROS, I. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2002. ______ . Educação para além do capital. IN Revista THEOMAI. Estudos sobre Sociedade y desarrolho. No. 15, 2007. (p. 107- 130). Site: http://revista- theomai.unq.edu.ar/NUMERO15/ArtMeszaros_15.pdf; acesso em 01/03/2015; SEVERINO, A. J. O Conhecimento Pedagógico e a Interdisciplinaridade: o saber como intencionalidade da prática. IN. Ivani C. A. Fazendo (org). Didática e Interdisciplinaridade. Campinas, SP: Papirus, 2008. STÉDILE, J. P (org). A Questão Agrária no Brasil. O debate na década de 2000. São Paulo: Ed. Expressão Popular, 2013. A FORMAÇÃO EM ENSINO SUPERIOR PARA TRABALHADORES DO CAMPO: analisando uma experiência em Serviço Social Maristela Dal Moro 12 Elaine Martins Moreira 13 Glaucia Lelis Alves 14 Resumo Esse trabalho tem como objetivo apresentar o projeto de formação profissional para trabalhadores do campo implementado pela Escola de Serviço Social da UFRJ. Pretende apontar os avanços que essa proposta representa para o Serviço Social e para os movimentos sociais e os desafios enfrentados na sua execução. Essa experiência que teve início em 2011 e tem previsão de término para 2015, vem se tornando uma expressão de amadurecimento profissional e de fortalecimentos dos princípios que fundamentam o projeto profissional crítico. Palavras chaves: movimentos sociais, questão agrária, formação profissional. Abstract This work aims to present the vocational training project for rural workers implemented by the School of Social Work at the UFRJ. Aims to present the advances that this proposal is to social work and social movements and the challenges faced in implementation. This experience started in 2011 and has scheduled for completion in 2015 is expression becoming a professional maturity of and invigoration of the principles underlying the critical professional design. Keywords: social movements, agrarian question, vocational training. 12 Doutora. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: dalmororj@uol.com.br 13 Mestre. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: elainemoreiradv@gmail.com 14 Doutora. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: glelisas@yahoo.com.br 1- INTRODUÇÃO A constituição de uma turma especial de Serviço Social para assentados da reforma agrária na Universidade Federal do Rio de Janeiro nasce a partir do envolvimento de segmentos do quadro docente e discente com movimentos sociais do campo, com o debate acerca da questão agrária e da teoria social crítica. O projeto se consolida com o apoio dos movimentos sociais que lutam pela terra, especificamente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) e, através da celebração do Termo de Cooperação entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). A sua implementação que ocorreu de 2011 e tem previsão de término em dezembro de 2015, vem se apresentando como uma experiência fecunda e de fortalecimento da relação do Serviço Social com os movimentos sociais. A forma como está sendo executado vem demonstrando que há uma afinidade entre o projeto profissional crítico e os princípios defendidos pelos movimentos sociais. Essa experiência,no entanto, está permeada por desafios e o seu enfrentamento é imprescindível para o avanço desta relação e é a garantia da materialização dos princípios que fundamentam o projeto ético-político do Serviço Social. O objetivo desse texto é apresentar essa experiência e debater sobre ela. Pretende- se nesse trabalho apontar os avanços que essa proposta representa para o Serviço Social e para os movimentos sociais e os desafios enfrentados na sua implementação. 2- O PROJETO: A TURMA DE SERVIÇO SOCIAL PARA ASSENTADOS DA REFORMA AGRÁRIA O amadurecimento da proposta educacional defendida pelos movimentos sociais do campo, ancorada na defesa da educação pública e de qualidade, a consolidação da ENFF e a constituição do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA15, foram fundamentais para o estreitamento da relação dos movimentos sociais com as universidades públicas. As primeiras experiências de formação superior para trabalhadores do campo implementadas pelas universidades, através do convênio com o INCRA via PRONERA, tinham como objetivo a qualificação de professores na área de educação para 15 Esse Programa, foi uma conquista da luta dos movimentos sociais, principalmente o MST e foi criado em 1998, e instituído pelo Decreto Federal nº 7.352, de 04 de novembro de 2010, é responsável pelo financiamento dos projetos de educação para assentados da reforma agrária, através de convênios com universidades. atender as escolas dos assentamentos rurais. O êxito dessas experiências e a demanda de ampliação do nível de escolaridade dos jovens trabalhadores beneficiários da reforma agrária, impulsionaram a implementação de novos projetos de formação superior em várias áreas do conhecimento. O Serviço Social ingressou tardiamente nesse debate e, deu-se em grande parte, pela a inserção de docentes da área em atividades e projetos realizados pela ENFF e pela realização de projetos de extensão e pesquisa junto aos movimentos sociais do campo e em assentamentos rurais. A demanda pela elaboração de projetos de formação superior em Serviço Social para atender segmentos da militância veio através dos movimentos sociais e foi impulsionado, principalmente, pela necessidade de qualificação de seus quadros. O início do diálogo foi motivado pela identidade entre os princípios que fundamentam a proposta educacional defendida pelos movimentos sociais com o projeto de formação do Serviço Social. Na Escola de Serviço Social da UFRJ o primeiro movimento para a realização desse projeto ocorreu em 2005, momento em que se realizam algumas reuniões e eventos com o intuito de debater a proposta e avaliar a sua viabilidade. As dificuldades para sua efetivação retardaram o seu início e somente em 2009 esse projeto foi retomado e teve como idealizadores uma equipe de professores da Escola que já realizava atividades de extensão e contou com a efetiva contribuição de integrantes do MST e da ENFF. O primeiro debate realizado pela equipe concentrou-se na definição da estrutura do projeto pedagógico e a forma como seria organizado para atender as demandas dos movimentos sociais e dos trabalhadores do campo. As discussões apontaram para a necessidade de preservar a proposta do currículo do Curso de Serviço Social garantindo uma formação nos mesmos moldes das demais turmas e resguardando o princípio básico do Projeto Pedagógico que é a garantia de uma formação crítica e de qualidade a todos os estudantes. O estreito diálogo entre os representantes dos movimentos sociais e a equipe responsável pela elaboração do projeto foi fundamental para esclarecer os pressupostos os e fundamentos que constituem o projeto ético-político do Serviço Social diminuindo, com isso, a resistência de parte dos militantes que tinham uma imagem do Serviço Social atravessado por elementos tradicionais fundado nos princípios do caritativismo e do assistencialismo. O intenso trabalho coletivo culminou na elaboração do projeto o qual preserva a lógica das Diretrizes da ABEPSS e do Projeto Pedagógico da ESS que, pautado na teoria social crítica, reafirma a centralidade do trabalho como atividade central da constituição do ser social e tem a questão social como eixo ordenador, pois é ela que dá concretude à profissão por ser sua base de fundação histórico-social na realidade (ABESS, 1997). Se essa experiência de formação em Serviço, para trabalhadores do campo preserva os princípios e estrutura do Projeto Pedagógico do curso dessa Escola, a diferença mais marcante é a forma de organização das atividades acadêmicas. Referenciado na proposta metodológica denominada de “Pedagogia da Alternância”, ou regime de alternância, o curso organiza-se em dois tempos educativos: Tempo Escola e Tempo Comunidade. Metodologia oriunda das experiências das Escolas Familiares Agrícolas, experiências iniciadas na França, no início do século XX e incorporadas por algumas Escolas no Brasil a partir de 1960, a maior parte delas implementadas por entidades ligadas à Igreja Católica, e que tinham como objetivo conciliar o estudo e o trabalho na lavoura da família, essa proposta procura combinar, no processo de formação do jovem, períodos de vivência na escola com tempos transcorridos no meio onde vive. A elaboração de uma proposta educacional a partir dos anos 80, o MST incorpora essa metodologia na medida em que essa favorece o acesso e a permanência dos jovens e adultos do campo nos processos escolares, antes dificultada por sua característica seriada e estanque, sem articulação com a realidade e os modos de vida rural. (CORDEIRO, REIS, HAGE, 2006) Atualmente essa metodologia foi incorporada em vários projetos governamentais voltados a educação do campo, entre os quais está o PRONERA que se refere a ela como uma metodologia constituída por um tempo escola e um tempo comunidade que: não podem ser compreendidos de forma separada, mas sim distintos no que diz respeito ao espaço, tempo, processos e produtos [...]. Estão intrinsecamente ligados à forma de morar, trabalhar e viver no campo. Falam- nos de limites e possibilidades para organização da educação escolar, mas muito mais do que isto, anunciam outra forma de fazer a escola, de avaliar, de relação com os conteúdos, das ferramentas de aprendizagem, da relação entre quem ensina e quem aprende. (Brasil. MDA, PRONERA, 2010, p. 1). Os desafios e potencialidades dessa estratégia metodológica estão presentes na experiência da Escola de Serviço Social, na medida em que esta supõe alterações significativas na operacionalização do curso, na relação com o espaço universitário e na forma de socialização do conhecimento. Essa metodologia define o processo de aprendizagem tanto no ambiente escolar quanto no espaço onde o estudante vive, como momentos da reflexão teórico-prática das temáticas discutidas no decorrer do tempo-escola e estas deverão subsidiar as intervenções na realidade. Estabelece-se, com isso, uma relação entre teoria e prática dentro da assertiva defendida por Vázquez, ao afirmar que, a teoria se tornando prática permite despertar consciências. Segundo esse autor, “o conhecimento surge da prática, a ela serve, ao mesmo tempo, em que a própria prática é parte necessária e indissolúvel” (VÁZQUEZ, 2007, p. 215). A adoção dessa proposta metodológica foi largamente debatida pela equipe de trabalho e houve consenso que a sua implementação seria radicalmente distinta da modalidade de curso à distancia ou semi presencial. A inserção dos estudantes na universidade, embora em tempos diferentes não deveria comprometer a qualidade do curso e os estudantesdessa turma deveriam ter a mesma formação que os demais estudantes da Escola de Serviço Social. Esse pressuposto inicial levou a necessidade de ampliar o tempo de permanência dos alunos na universidade. A organização da proposta curricular contendo todas as atividades acadêmicas do curso deveria ser cumprida em dez semestres, nos mesmos moldes do curso noturno. O Tempo Escola deveria ocorrer em, no mínimo dois meses a cada semestre, tempo necessário para o cumprimento da carga horária das disciplinas e para a participação de outras atividades acadêmicas no âmbito da pesquisa e da extensão, condição fundamental para uma formação de qualidade. O Tempo Comunidade assume o papel de complementação da formação e se daria através da realização de trabalhos de caráter teórico, de pesquisas sobre a realidade dos estudantes e da realização de atividades de extensão em parceria com as universidades próximas da residência dos estudantes. Após a elaboração do projeto e sua aprovação nas instâncias da universidade e do INCRA, culminou na assinatura do Termo de Cooperação entre essas duas instituições em dezembro de 2010, a partir de então se constitui uma nova equipe de trabalho que seria responsável pela sua implementação. 2.1. A Constituição do Projeto e sua implementação O primeiro desafio enfrentado pela nova equipe foi a seleção dos estudantes que comporiam a turma de Serviço Social. As formas tradicionais de ingresso na universidade, que naquele momento restringia-se basicamente ao vestibular, não poderiam ser utilizadas para esse projeto, pois as vagas deveriam ser exclusivas aos beneficiários da reforma agrária, conforme estava definido na Resolução do INCRA/PRONERA e instituído no Termo de Cooperação. As negociações com as instâncias deliberativas da UFRJ culminaram na aprovação de uma nova Resolução que instituía o ingresso através de seleção especial. A inscrição dos candidatos e a seleção dos estudantes que deveriam preencher as 60 vagas previstas no projeto, ficou a cargo de uma comissão de técnicos da Pró-reitoria de graduação da UFRJ e a coordenação do curso. A seleção foi realizada no mês de fevereiro de 2012 e constituiu-se em uma prova elaborada pela coordenação do curso e versava sobre temas relativos à questão agrária. Essa seleção possibilitou o ingresso de estudantes trabalhadores do campo e na sua maioria militantes do MST. Estão representados, também, nessa turma, o Movimento de Mulheres do Campo e o Movimento de Pequenos Agricultores (MPA). Precede a isso a sua condição de acampado ou assentado em projetos de reforma agrária, critério indispensável para ser reconhecido como beneficiário do PRONERA, por parte do INCRA. Os 60 trabalhadores que passam a constituir essa turma de Serviço Social são provenientes de assentamentos e acampamentos da reforma agrária, de 19 estados do Brasil. Vale ressaltar a sua heterogeneidade, a começar pela faixa etária que se distribui na faixa de 17 até 50 anos. Quanto ao sexo, é significativo o número de homens, que atinge 40% do total dos alunos, contrastando com o perfil dos estudantes de Serviço Social constituído essencialmente por um público feminino. Outro fator importante é a trajetória desses trabalhadores. Se alguns estão se inserindo na militância ou tem uma participação pontual nos movimentos, vários desses estudantes têm uma intensa participação e fazem parte dos quadros dirigentes do MST. Grande parte destes estão inseridos em assentamentos da reforma agrária em diversos municípios e tem uma participação efetiva nas organizações políticas aos quais estão vinculados. Suas experiências têm servido para o bom desenvolvimento do curso e enriquecido os debates tanto em sala de aula, como nos demais espaços universitários, servindo de referência para os demais estudantes da Escola de Serviço Social. O início do curso ocorreu em março de 2011 e sua finalização está prevista para dezembro do corrente ano. Concluíram-se até o momento 90% das disciplinas teóricas, já foram realizados três níveis de estágio, e, deu-se inicio na última etapa de 2014, a elaboração dos Trabalhos de Conclusão de Curso – TCC. No decorrer do curso ocorreram algumas desistências decorrentes principalmente da dificuldade de conciliar os tempos educativos com as demandas de seus cotidianos de trabalho e militância. Atualmente a turma está constituída por 53 estudantes o que significa um percentual de desistência em torno de 12%. No que se refere à experiência do Estágio Supervisionado, assim como nas demais dimensões da formação profissional, a inserção dos estudantes pautou-se pelos princípios preconizados nas Diretrizes curriculares e Política Nacional de Estágio, garantindo os mesmos requisitos quanto à supervisão acadêmica e de campo, carga horária de estágio supervisionado e da disciplina de supervisão (na ESS-UFRJ denomina-se Orientação e Treinamento Profissional). A experiência do estágio teve início com um processo de articulação da Coordenação de Estágio e Extensão para efetivar uma proposta de assessoria aos campos de estágio, tendo como referência a discussão da PNE, das Diretrizes Curriculares, mas sobretudo, reflexões sobre a pedagogia da alternância, as particularidades da turma do PRONERA e a inserção dos movimentos sociais de modo mais orgânico ao âmbito da universidade e formação profissional. A proposta de assessoria envolve uma produção coletiva e eixos norteadores tais como: Defesa da educação superior pública como direito do cidadão “tanto pela ampliação de sua capacidade de absorver sobretudo os membros das classes populares, quanto pela firme recusa da privatização dos conhecimentos” (Chauí, 2003, p. 12). Autonomia universitária como possibilidade de construção das políticas acadêmicas e pelo diálogo com a sociedade civil organizada e o compromisso com os movimentos sociais. A indissociabilidade, no processo de formação e exercício profissional do Serviço Social, entre as dimensões teórico-metodológica, técnico-operativa e ético-política, primando por um processo democrático que envolve as entidades representativas da categoria: ABEPSS, CRESS, ENESSO. Pela assessoria aos campos de estágio buscou-se construir estratégias contínuas de reflexão teórico-crítica entre docentes, discentes estagiários, assistentes sociais, acerca da relação universidade-sociedade, direito social-política social-assistência estudantil, entre outras dimensões definidas coletivamente, tendo em vista consolidar um processo ético- político de formação continuada. Esse processo vem se consolidando a partir de encontros com assistentes sociais e docentes de outras instituições, tendo em vista ampliar as vagas de estágio e mapear as demandas por aperfeiçoamento e qualificação profissional dos assistentes sociais. Vale lembrar que essa construção não se restringe aos estudantes vinculados ao PRONERA e sim é extensiva aos estudantes trabalhadores. Envolve ainda a construção de estratégias de qualificação a aprimoramento das experiências profissionais no âmbito da formação e da intervenção profissional que ultrapasse as dimensões imediatas do cotidiano, demarque o campo de suas atribuições e competências na instituição e fortaleça projeções e intencionalidades vinculadas aos princípios ético-políticos profissionais. Possibilita ainda a abertura de campo de estágio e supervisão de campo e acadêmica articulada com os profissionais. A assessoria vem possibilitando o acompanhamento de projetos articulados as áreas de atuação do Serviço Social: Assistência, Saúde, Previdência, Habitação, Educação, Infância e Juventude, Envelhecimento, Sócio Jurídico, Movimentos Sociais,Gênero, Cultura, Trabalho, entre outros. Dessa forma os estudantes do PRONERA foram inseridos em diferentes espaços sócio-ocupacionais do Serviço Social, abarcando instituições governamentais e não governamentais. Destacam-se algumas peculiaridades, pois a inserção dos estudantes no estágio foi precedida de um amplo processo de discussão junto às instituições campos de estágio, envolvendo a pedagogia da alternância, a efetivação da carga horária de estágio de modo mais condensado e a própria inserção dos estudantes em temporalidade diferenciada e com um processo político-pedagógico diferenciado que trouxe, dentre outras dimensões, um debate profícuo sobre os temas que envolvem a experiência, assim como propiciou aos estudantes vivenciar o cotidiano do trabalho profissional nos espaços sócio-ocupacionais em que são implementadas diferenciadas políticas públicas – educação, saúde, assistência social, no âmbito do sócio-jurídico, entre outras. Outro elemento que se apresenta como uma potencialidade quando se refere ao estágio é a extensão universitária. A Política Nacional de Estágio da ABEPSS recomenda a extensão como um espaço de realização do estágio. Parece-nos que diante da precarização dos serviços promovida pelo avanço do capital nas distintas dimensões da vida social, e que neste aspecto especificamente, cada vez mais transforma os estágios em forma mais barata de contratação de mão de obra com a capitulação ou mesmo adesão empolgada de diferentes áreas acadêmicas, cabe intensificar a entrada de estagiários na extensão como forma de enfrentamento dessa lógica instrumental da formação profissional. A prática extensionista comprometida com as organizações sociais de trabalhadores, com sua formação, instrumentação, passa a ser fortalecida. A crítica que setores universitários vêm fazendo ao produtivismo na pesquisa, às cobranças “irreais” por produção dos professores não podem ser absorvidas “de forma acrítica”, Essa experiência vem fortalecendo outra concepção de extensão e poderá contribuir para uma “virada”, um redimensionamento do trabalho docente colocando mais dedicação na extensão fortalecendo, ainda, a articulação das atividades acadêmicas junto aos movimentos sociais. Apesar da desvalorização histórica da extensão na universidade, sobretudo se comparada a pesquisa, (e isso se reproduz no interior do Serviço Social) tem-se um importante desafio que é tirar a extensão de “um segundo plano” na academia. Para a experiência dessa turma a extensão se mostrou decisiva e, principalmente pela sua articulação com o estágio. Em virtude da entrada diferenciada desta turma ao longo do semestre fica inviabilizada a sua participação em seleções públicas e impede entrada desses estudantes em instituições que tenham um contrato de estágio mais rígido. Projetos e Programas de extensão da própria unidade e de outras áreas da universidade foram decisivos para a efetivação do estágio destes estudantes e contribuíram para a qualificação dessas atividades teórico-práticas na medida em que possibilitaram a intensificação do acompanhamento docente ao campo de estágio e permitiram a realização de ações em conjunto com os supervisores de campo. As experiências extensionistas desenvolvidas pela universidade ocorreram em diversas áreas e pode-se citar como as mais importantes os projetos de extensão ligados aos direitos humanos, educação, cooperativismo e assentamentos rurais do estado do Rio de Janeiro, previdência social e saúde. 3- CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo de sua implementação, especialmente agora que vai chegando as suas etapas finais de realização, a avaliação dessa experiência é extremamente pertinente. Não apenas em seus aspectos quantitativos no que tange à permanência, índices de aprovação, conclusão do curso, entre outros, mas fundamentalmente no que se refere aos rebatimentos da efetivação dessa turma para pensarmos a formação em Serviço Social e a relação da profissão com os movimentos sociais. Algumas questões ficaram latentes e devem ser profundamente analisadas como forma de avançarmos no amadurecimento da profissão e da sua relação com os movimentos sociais e a questão agrária. Inicialmente é necessário ressaltar algumas questões que demonstram que essa experiência vem apontando algumas lacunas e desafios ao Serviço Social e, principalmente a formação profissional. Um significativo número dos estudantes que compõe esta turma é procedente de movimentos sociais do campo, vindos em sua maioria, de pequenos municípios e chegam ao curso desconhecendo o Serviço Social, especialmente em sua prática crítica a essa ordem social, compreendendo ainda a profissão como garantidora da ordem social e dos interesses da classe social hegemônica. Essa questão deve impulsionar a reflexão, pois se trata de segmento organizado dos trabalhadores aos quais o Serviço Social já deveria ter explicitado o objeto de intervenção e os fundamentos do projeto profissional crítico. Se não conseguimos a que se deve? A incapacidade individual dos assistentes sociais de tornar público o seu trabalho e de se engajar nas lutas locais? Pode haver aqui alguma lacuna da formação que não consegue dar elementos para que estes profissionais possam ter tal inserção? Como garantir que a formação ético-política, dimensão que estrutura as diretrizes curriculares da ABEPSS, dê elementos para a ação concreta dos assistentes sociais no seu cotidiano profissional? É conhecida, todavia, a adesão profissional a projetos de outras matrizes teórico- metodológicas, os quais definem outra postura diante dos movimentos sociais e podem estar servindo para obscurecer os princípios que fundamentam o projeto ético-político do Serviço Social perante os segmentos da classe trabalhadora com os quais se relaciona profissionalmente. Porém, parece que este não é único elemento já que o atual projeto de formação tem forte incidência na formação de um grande segmento de profissionais que se inserem no mercado de trabalho, mesmo em cursos que não se localizam na universidade pública. Isso reforça a ideia que destacamos acima de que há algum “imbróglio” na formação profissional que não consegue aportar uma ação mais engajada e politizada dos assistentes sociais, sem obviamente cair no politicismo e militantismo simplesmente. Sabe-se que ao entrar para a graduação em Serviço Social os estudantes, em sua maioria, reproduzem a imagem tradicional do Serviço Social, vinculado à caridade cristã, e, muitas vezes essa não é superada; convivendo de forma “harmônica” com debate crítico da profissão. Por outro lado, os mesmos chegam à formação sem um histórico de vinculação com as lutas sociais, e muitos, passam pela graduação sem participar do movimento estudantil o que fragilizará a sua ação adiante. A ação política não poderá vir a ser exercida na vida profissional só com o conteúdo teórico estudado na universidade ela precisa estar articulada com a prática política. Debater sobre essa questão é de grande urgência e a inserção de um número significativo de profissionais provenientes das experiências de formação profissional para militantes, poderá contribuir para alterar a imagem da profissão junto a esses movimentos sociais. O ingresso no mercado de trabalho, ou nos quadros das organizações sociais da classe trabalhadora, de assistentes sociais que vivenciam a experiência militante acumulada à formação em Serviço Social poderá ser extremamente fecundo na articulação da prática militante com a prática profissional, preservando as particularidades de cada uma. Nesta mesma linha argumentativa e que merece destaque neste processo de avaliação, e queficou evidente com a implementação desse curso na UFRJ, é o escasso debate sobre a questão agrária na formação acadêmica dos assistentes sociais, e, o insuficiente estudo acerca da formação social do Brasil, especialmente: sua particularidade histórica, a diversidade em relação a outros países da América Latina, os elementos dessa formação que permanecem e influenciam a sociedade contemporânea, entre outros. Com a realização desta turma originária de organizações camponesas se observou uma demanda adicional pelo debate específico das lutas, demandas e dos direitos dos trabalhadores do campo, mas que já se sabe, não foi possível abordá-las satisfatoriamente. As diretrizes curriculares da ABEPSS, todavia, dispõe sobre os conteúdos relacionados a este tema, sendo integrantes do “Núcleo de Fundamentos da Formação Sócio-histórica da Sociedade Brasileira” que aborda os conteúdos relacionados à constituição social, política e econômica do Brasil, sua configuração dependente e as expressões na dimensão urbano-industrial e na questão agrária e agrícola. Portanto, essa ausência do debate acerca da questão agrária vai à contramão das Diretrizes Curriculares e deixa lacunas para a compreensão da inserção dependente do Brasil no contexto do capital internacional, como bem analisou Florestan Fernandes, e sua “vocação” para a produção agrícola sustentada na grande propriedade, monocultora de exportação (PRADO JUNIOR 2000, pág. 20) A análise atenta destes elementos não é somente para conhecimento histórico, mas fundamental para o tempo presente. A economia brasileira nos últimos anos retoma projetos dos anos 50 do século XX como as grandes obras de infraestrutura, usinas hidrelétricas, a produção de cana e etanol, para ficar em alguns exemplos apenas, os quais afetam os camponeses, as populações tradicionais, os indígenas em particular, mas para, além disso, afetam o meio ambiente, e, portanto, à humanidade, além de reproduzir um modelo econômico arcaico. Essa política gestada pelo governo federal afeta as instituições estatais em sua organização e cultura política, bem como, no financiamento das políticas sociais e logo rebate também no trabalho do assistente “lá na ponta” como nos habituamos a denominar. Sendo assim, precisamos inserir estes assuntos relacionados à condição climática, à soberania alimentar, à reforma agrária como temas integrantes, permanentemente, dos currículos, se pretendermos que nossa formação e nossa ação estejam sintonizadas com as lutas que se colocam no horizonte da emancipação humana. O ingresso de trabalhadores e militantes dos movimentos sociais do campo na universidade e no curso de Serviço Social, não garantiu a superação de tais lacunas, mas vem servindo para no curso de Serviço Social trabalhadores do campo e militantes de movimentos sociais que lutam pela reforma agrária. Se a implementação desse projeto na Escola de Serviço Social contribuiu para elucidar essas já conhecidas lacunas na formação e na prática do assistente social é imprescindível, também, avaliarmos a sua efetivação tendo em conta a formação desses estudantes com um perfil diferenciado se comparado com os demais estudantes de Serviço Social e com uma proposta de formação ancorada na modalidade de alternância. O balanço dessa experiência é imprescindível e está em andamento na Escola de Serviço Social. Os primeiros esforços vêm se concentrando na análise da proposta e as contribuições do curso para a formação desse segmento de militantes, buscando avaliar a qualidade da formação profissional tendo em conta as expectativas, perfil e a sua realização via regime de alternância. O que se conclui até o momento, que embora os desafios e as dificuldades na sua execução, os resultados são positivos tanto para o Serviço Social como para os movimentos sociais envolvidos. A continuidade e a ampliação dessas experiências que aprofundam a relação entre a profissão e os movimentos sociais devem entrar na pauta de debate das entidades da categoria socializando para o conjunto do corpo profissional para que sirvam de estímulo para que propostas como esta sejam consolidadas e expandidas no âmbito da formação e da intervenção profissional. REFERÊNCIAS ABESS/CEDEPSS. Diretrizes gerais para o curso de serviço social: Com base no currículo aprovado em assembléia geral extraordinária de 8 nov. 1996. Cadernos ABESS, São Paulo, n° 2, p. 58-76, 1997. BRASIL. Decreto n° 7352, de 4 de nov. 2010. Dispõe sobre a política de educação do campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007- 2010/2010/Decreto/D7352.htm> Acesso em: 30 nov. 2011. CHAUI, Marilena. A universidade pública sob nova perspectiva. In: Revista Brasileira de Educação, 2003. p.5-15. http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n24/n24a02.pdf. Acesso em: 15.01.2013 CORDEIRO, Georgina; REIS, Neila da Silva, HAGA, Salomão. Pedagogia da Alternância e seus desafios para assegurar a formação humana dos sujeitos e a sustentabilidade do campo. Revista Em Aberto, Brasília, v. 24, n. 85, p. 115-125, abr. 2011. Disponível em http://emaberto.inep.gov.br CORAGGIO, José Luis. Propostas do banco mundial para a educação. In: Tommasi, Livia De; Mirian Jorge Warde; Sérgio Haddad (Orgs). O banco mundial e as políticas educacionais. 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São Paulo: Expressão popular, 2007. PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA NO SERVIÇO SOCIAL: A experiência do Tempo Comunidade na Turma Eldorado dos Carajás na UECE Jana Alencar Eleuterio 16 Pâmela Santos da Silva 17 Maria de Lourdes Vicente da Silva 18 Francisca Geneide de Sousa 19 RESUMO: O presente artigo traz elementos para reflexões acerca do Tempo Comunidade inserido na proposta metodológica da Pedagogia da Alternância da formação da turma de Serviço Social da Terra da UECE/PRONERA, a partir da experiência da Turma Eldorado dos Carajás que, em parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes, tem o objetivo de formar bacharéis em Serviço Social, tendo como parâmetros os marcos legais da formação acadêmica do Assistente Social, as Diretrizes Curriculares da Abepss (1996) e o Projeto Político Pedagógico do Curso de Serviço Social – UECE. Palavras-chave: Serviço Social da Terra, Pedagogia da Alternância, Tempo Comunidade. ABSTRACT: This article provides elements for reflections on the Community Time inserted into the methodological approach of the Pedagogy of Alternation in the group of Social Work of “Earth” UECE / PRONERA, whichis called Eldorado dos Carajás, in partnership with the Florestan Fernandes National School, aims to graduation Social Work, with the parameters legal frameworks of academic training of the social worker, the Curriculum Guidelines Abepss (1996) and the Political Pedagogical Project of the Course of Social Work - UECE. Keywords: Earth Social Work, Pedagogy of Alternation, Community Time. 16 Mestranda. Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: janaalencar@gmail.com 17 Mestranda. Universidade Estadual do Ceará (UECE). 18 Mestre. Universidade Estadual do Ceará (UECE). 19 Militante Social do MST/Ceará; Universidade Estadual do Ceará (UECE). 1. Turma de Serviço Social “da Terra” – Turma Eldorados dos Carajás A educação do campo, a questão agrária e a luta pela reforma agrária no país, protagonizada pelos movimentos sociais do campo, representa uma ação que se materializa para além do direito a terra e ao trabalho. Configura-se um processo reivindicatório dos trabalhadores e trabalhadoras do campo organizados em assentamentos para fins de encaminhamentos de suas demandas sociais pelo acesso aos direitos sociais via políticas públicas. A reforma agrária é tida, portanto, como uma política pública que visa garantir a permanência do homem e da mulher no campo e, para tanto, é direcionada para que se criem condições objetivas que permitam aos trabalhadores camponeses e suas famílias as condições de acesso no que se refere aos direitos sociais reconhecidamente fundamentais. Nessa perspectiva, a defesa pelo direito à educação básica e superior compõe a luta pela reforma agrária e esta tem sido imprescindível para a formação de profissionais do campo para atuarem no enfrentamento da questão social. Os movimentos sociais do campo têm lutado pelo direito à educação superior e conquistado, em parceria com várias Universidades Públicas do Brasil, cursos de graduação que têm permitido a formação profissional dos trabalhadores e trabalhadoras do campo, bem como da juventude assentada, sinalizando a possibilidade de permanência dessa população no campo para que possa atuar profissionalmente, como é o caso do Programa Nacional de Educação em Reforma Agrária – PRONERA. A turma de estudantes do curso de Bacharelado em Serviço Social da Terra foi constituída a partir de uma aproximação entre os professores do curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e os movimentos sociais do campo, a saber: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Comunidades Quilombolas e Comissão Pastoral da Terra (CPT), através de diálogo para a construção da Proposta de Convênio entre a Fundação Universidade Estadual do Ceará (FUNECE), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e o PRONERA, assinado desde dezembro de 2011, porém, em virtude de questões burocráticas, foi executado somente a partir de 2013. O Convênio tem como objeto a “formação de Bacharelado em Serviço Social de estudantes provindos das áreas de reforma agrária do território brasileiro; uma graduação que capacitará uma parcela da população rural em serviço Social, que serão assistentes sociais capazes de enfrentar as diversas manifestações da questão social, que se apresentam no cotidiano dos assentamentos rurais através de problemáticas nas relações de gênero, violência doméstica, alcoolismo, relações geracionais etc. na defesa dos direitos sociais e do acesso às políticas sociais” (Projeto Político Pedagógico, UECE, 2011). A Meta era formar 60 bacharéis em Serviço Social provindos das áreas de reforma agrária do território brasileiro. Em parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes – ENFF, a turma foi constituída através de realização de vestibular específico para este objeto, por estudantes de áreas de reforma agrária dos Estados do Nordeste e Região Amazônica, vinculados aos Movimentos Sociais do Campo. Atualmente contamos com 53 estudantes, considerando as desistências ocorridas por motivos variados. A turma está distribuída da seguinte forma: 28 estudantes do Ceará e 25 dos outros Estados (Pará, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas, Bahia e Rio Grande do Sul). Atualmente a turma está concluindo, em 2015.1, o Semestre IV e se preparando para o Semestre V (previsto para 2015.2), quando realizará o Estágio Supervisionado Obrigatório. Cabe destacar, que a escolha do nome da turma se deu por meio de debate coletivo entre os Núcleos de Base (NB)20, os quais representam a forma de organização dos estudantes. Inicialmente foram elencados doze nomes significativos para os educandos, a partir do agrupamento dos NBs, as discussões entre estes permitiram chegar num consenso de três nomes: Herdeiros da Resistência, Semeando a Revolução; Resistência Camponesa e Eldorado dos Carajás. As místicas foram realizadas pelos NBs com a apresentação de elementos de defesa de cada um destes nomes e, nesse caso, a mística mais significativa e simbólica para a turma foi a de Eldorado dos Carajás, pois lembrou com emoção o episódio do massacre de Eldorado que, até hoje, não houve justiça no que tange à punição dos mandantes deste fato histórico que, na compreensão dos estudantes do Curso de Serviço Social da Terra, marcou o processo de luta e resistência vivenciadas na busca pela conquista do direito a reforma agrária no Brasil. 20 Os alunos da turma de Serviço Social da Terra estão organizados em 06 Núcleos de Base, a saber: Xique-Xique do Sertão, Patativa do Assaré, Maria Bonita, Resistência do Sertão, Olga Benário e Egídio. 2. Curso de Serviço Social e a pedagogia da alternância A turma de Serviço Social da Terra fundamenta sua proposta pedagógica e metodológica na Pedagogia da Alternância21 contemplando dois momentos no processo de aprendizagem e formação: o Tempo Escola e o Tempo Comunidade. O primeiro refere-se à experiência da sala de aula e a vivência da universidade. As disciplinas são ministradas em módulos, com carga-horária de 8h/a diárias, de segunda a sexta-feira. O que corresponde a 70% da carga-horária do semestre. Já o Tempo Comunidade visa o desenvolvimento de estudos e pesquisas nos assentamentos onde os educandos residem. O tempo destinado às pesquisas e aos estudos na comunidade corresponde a 30% da carga-horária. Alternando-se o tempo em que os jovens permaneciam na escola com o tempo em que estes ficavam na propriedade familiar, desde meados de 1935 que a ideia básica da Pedagogia da Alternância era conciliar os estudos com o trabalho na propriedade rural da família. (Nosella, 1977; Pessotti, 1978; Azevedo, 1999; Gimonet, 1999; Estevam, 2003; Magalhães, 2004). No Brasil, a Pedagogia da Alternância foi aplicada em 1969, por meio da ação do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES), o qual fundou a Escola Família Rural de Alfredo Chaves, Escola Família Rural de Rio Novo do Sul e Escola Família Rural de Olivânia, essa última no município de Anchieta. O objetivo primordial era atuar sobre os interesses do homem do campo, principalmente no que diz respeito à elevação do seu nível cultural, social e econômico (Pessotti, 1978). Cordeiro; Reis; Haja (2013) ao discutirem a experiência da educação no campo pautada na Pedagogia da Alternância chamam atenção para a importância do projeto político pedagógico aliar a prática da pesquisa como forma de conhecimento e
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