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Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB36 Aula 4 - O papel da escravidão na estrutura e dinâmica do antigo sistema colonial Objetivos da Aula Apresentar e discutir o papel da escravidão na estrutura e dinâmica do antigo sistema colonial. Ao final desta aula, você deverá ser capaz de compreender e interpretar os modelos de exploração colonial implantados durante a colonização do continente americano, além de identificar suas características diferenciais e seus objetivos mercantilistas. Até o momento, duas questões foram colocadas a você a partir dos textos oferecidos para leitura. Agora, vamos sintetizar as principais conclusões que podemos obter a partir de uma leitura de caráter reflexivo? A frase de Celso Furtado, então citada, resume, com efeito, o ciclo econômico da cultura da cana-de-açúcar. Em primeiro lugar, tratava- se de uma produção monocultora, isto é, uma economia que privilegia um só produto. Tudo nessa economia tinha como base a produção do açúcar; e todo o restante era acessório, quando não dispensável, mesmo que fosse essencial para a reprodução da vida das pessoas, como no caso das chamadas lavouras de subsistência – a mandioca -, por exemplo. Lembre-se do texto de Antonio Mendes Jr, em que ele relembra o fato de que a própria coroa portuguesa ter obrigado os senhores de engenho a produzirem esta raiz como base da alimentação da sua colônia. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB37 Depois, estava-se diante de um produto que exigia um empreendimento de vulto para a época: recursos materiais, financeiros e humanos. Em relação à terra, a solução encontrada foram as doações em troca do investimento. Daí, por exemplo, o sistema das sesmarias¹, doadas pelos próprios capitães hereditários. Os recursos de mão-de-obra foram solucionados com o surgimento da escravidão negra. Como já foi referido, Portugal dominava os mercados de tráfico de escravos. Houve tentativas anteriores de escravidão dos índios, sem muito êxito. Quanto aos investimentos financeiros, comerciantes portugueses financiavam ou entravam no próprio negócio com os chamados senhores de engenho. A coroa portuguesa, por sua vez, concedia incentivos como isenção de impostos, por determinado período, para que os colonos se interessassem pelo empreendimento açucareiro. Em terceiro lugar, tratava-se de uma economia voltada para o mercado externo, e estava inserida no pacto colonial-mercantilista² europeu dos séculos XVI e XVII. 1 “SESMARIAS. Grandes extensões de terras devolutas à Coroa portuguesa e que eram doadas pelo monarca, ficando os beneficiados na obrigação de cultivá-las dentro de um prazo de três anos, sob pena de revogação da doação. A instituição das sesmarias veio por uma lei promulgada em 1375 por D. Fernando I e serviu para beneficiar a burguesia não proprietária de terras. A instituição das sesmarias foi transferida ao Brasil, onde assumiu forma mais abrangente com o estabelecimento das Capitanias Hereditárias: as doações das sesmarias eram feitas aos colonos pelos donatários e pelos governadores-gerais. O sistema, extinto em 1822, deu origem à grande propriedade rural, beneficiando apenas uma minoria dos habitantes da colônia.” 2 SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, 1987, p. 398) “MERCANTILISMO. Doutrina econômica que caracteriza o período histórico da Revolução Comercial (séculos XVI-XVIII), marcado pela desintegração do feudalismo e pela formação dos Estados Nacionais. Defende o acúmulo de divisas em metais preciosos pelo Estado por meio de um comércio exterior de caráter protecionista. Alguns princípios básicos do Mercantilismo são: 1) o Estado deve incrementar o bem-estar nacional, ainda que em detrimento de seus vizinhos e colônias; 2) a riqueza da economia nacional depende do aumento da população e do aumento do volume de metais preciosos no país; 3) o comércio exterior deve ser estimulado, pois é por meio de uma balança comercial favorável que se aumenta o estoque de metais preciosos; 4) o comércio e a indústria são mais importantes para a economia nacional que a agricultura. Essa concepção levava a um intenso protecionismo estatal e a uma ampla intervenção do Estado na economia. Uma forte autoridade central era tida como essencial para a expansão de mercados e a proteção dos interesses comerciais. O Mercantilismo era constituído por um conjunto de concepções desenvolvidas, na prática, por ministros, administradores e comerciantes, com objetivos não só econômicos como também político-estratégicos. Sua aplicação variava conforme a situação do país, seus recursos e o modelo do governo vigente. Na Holanda, o poder do Estado era mais subordinado às necessidades do comércio, enquanto na Inglaterra e na França a iniciativa econômica estatal constituía o outro braço das intenções militares do Estado, geralmente, agressivas em relação a seus vizinhos. O Mercantilismo inglês foi reforçado pelo Ato de Navegação de 1651. Os mercantilistas, limitando sua análise ao âmbito da circulação de bens, aprofundaram o conhecimento de questões como as da balança comercial, das taxas de câmbio e dos movimentos de dinheiro. Entre os principais representantes da doutrina estão os ingleses Thomas Mun e Josiah Child, os franceses Barthélemy de Laffemas e Antoine de Monchretien (ambos seguidores de Colbert na época de Henrique IV) e o italiano Antonio Serra.” SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, 1987, p. 272) Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB38 Portanto, faz sentido a frase de Furtado, sobre implantação de uma monocultura - a cana-de-açúcar -, a qual era baseada no trabalho escravo, e produzida em grandes extensões de terra – nos chamados latifúndio³ -. Pois, a base de sua economia era toda centralizada no engenho produtor do açúcar e da cachaça, e visava exclusivamente o mercado exportador, direcionado aos interesses da metrópole. Neste sentido, pode-se dizer que o verdadeiro significado do termo colônia de exploração deve ser entendido dentro da sua própria acepção, ou seja, tirar o máximo proveito da terra para satisfação do sistema colonial. Duas eram, pois, as classes sociais primordiais provenientes deste sistema: os senhores de engenho (originários da oligarquia agrária brasileira – os chamados homens bons), e os escravos negros. Evidentemente, outras frações sociais também conviviam no espectro deste sistema social. Deve-se salientar que, a grande diferença das colônias de exploração em relação às colônias de povoamento oriundas do norte dos Estados Unidos, é que nestas prevaleceu sobretudo a pequena propriedade, ocupada por imigrantes europeus (notadamente ingleses, franceses ou holandeses), que fugiam de perseguições religiosas nos seus países de origem, e do empobrecimento crescente destas camadas sociais no século XVII. Houve ainda outras espécies de colônias de povoamento também nas Antilhas, principalmente antes da penetração posterior da economia canavieira nessas regiões. A bem dizer, da economia canavieira, participavam, também, outras atividades, chamadas de complementares, embora em muito menor escala, tais como: I As Culturas de Subsistência, especialmente a mandioca e seu processamento em farinha; ³ LATIFÚNDIO. Tipo de grande propriedade rural caracterizada pela existência de vasta área inculta ou cultivada com tecnologia primitiva e baixo investimento de capital. Já existia na Roma Antiga, onde as terras confiscadas aos povos vencidos nas guerras eram entregues a aristocratas e a oficiais do exército que, não podendo explorá-las plenamente, mantinham-nas como sinal de nobreza. SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia.São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, 1987, p. 230) Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB39 II A Pecuária: importante para o fornecimento de tração animal e carne para o consumo. Segundo Caio Prado Junior4 , o panorama da pecuária nordestina, dos séculos XVI e XVII, caracterizado pelo predomínio da economia canavieira, era desolador, pois a densidade animal não passava de duas cabeças por quilômetro quadrado; III O Tabaco: não era cultura de subsistência, mas sim produto de exportação, e em menor escala do que o açúcar. Era utilizado, como a aguardente, e moeda de troca no tráfico de escravos; IV E, finalmente, o Algodão, que tem grande relevância para exportação na segunda metade do século XVIII, impulsionada pela Revolução Industrial que, naquele momento, se operava fortemente na Inglaterra. Como você bem pode ter percebido, a colonização européia das terras americanas não foi um fenômeno linear, isto quer dizer, que, em outras palavras, o processo de colonização realizado pelas metrópoles européias não foi um processo inteiramente homogêneo, mas sim muito mais complexo, multifacetado, dotado de inúmeras variáveis econômicas e culturais. É possível, de acordo com os autores citados, dizer que houve basicamente dois tipos de colônias: I colônia de exploração; II colônia de povoamento. Em primeiro lugar, é necessário dizer que, no caso da empresa açucareira brasileira, a metrópole portuguesa encontrou em seu produto a forma adequada de ocupar as terras descobertas, mesmo NOTA 04:” PRADO JR, CAIO. Historiador da economia brasileira, pioneiro na aplicação do marxismo à análise da realidade nacional. Escreveu também obras teóricas sobre Economia Política e Filosofia. Participou da fundação do Partido Democrático de São Paulo (1926) e da criação da Aliança Liberal (1929). Foi presidente da seção paulista da Aliança Nacional Liberal, e deputado estadual em São Paulo na legenda do Partido Comunista (1947). Durante vários anos editou a Revista Brasiliense, voltada para os estudos de economia, sociologia, filosofia e política. Publicou: Evolução Política do Brasil (1933), Formação do Brasil Contemporâneo (1942), História Econômica do Brasil (1943), Dialética do Conhecimento (1952), Notas Introdutórias à Lógica Dialética (1959), A Revolução Brasileira (1966), Estruturalismo e Marxismo (1971) e História e Desenvolvimento (1972), além dos opúsculos O que é Filosofia (1981) e O que é Liberdade (1983)”. SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, 1987, p. 342). Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB40 que o principal objetivo fosse meramente a procura dos famosos metais preciosos. E, em segundo lugar, como vamos perceber em estudos subseqüentes, esta atividade produtiva foi uma empresa altamente lucrativa. Povoar as terras americanas, tanto para Portugal como para a Espanha, era, praticamente, impossível, dada a escassez de mão-de-obra nesses países no século XVI. Já no século XVII, a situação econômico-política européia começa a se transformar significativamente, com o surgimento de outras potências competitivas: França, Inglaterra e Holanda. Em todos os casos, a idéia essencial sempre foi a mesma: a busca do Eldorado, isto é, do lugar imaginário e abundante da riqueza tão sonhada naquela época: o ouro. Por isso, certas potências como a França e a Inglaterra resolvem ocupar militarmente algumas ilhas do Caribe. A ocupação militar por parte desses países tinha como objetivo estratégico o seu fortalecimento militar nas Antilhas, para que, posteriormente, eles pudessem invadir terras próximas pertencentes a outras potências, muito abundantes em metais preciosos. Bem, e, quais eram as condições sociais, encontradas nestes países naquele momento histórico? Especialmente, na Inglaterra, as transformações do setor agrícola desde o século anterior, havia levado à expulsão de enorme contingente de servos da gleba5, que agora, estavam disponíveis para a emigração em massa para as colônias fundadas militarmente, nas Antilhas. Há, ainda, um outro fator importante a ser considerado, o das perseguições religiosas no continente europeu, as quais impulsionaram a expulsão de grandes massas de protestantes, especialmente, para as colônias do Norte (a chamada Nova Inglaterra, berço dos Estados Unidos). Vejamos, agora, uma distinção entre colônia de povoamento, e colônia de exploração, proposta por Celso Furtado (op.cit., p. 32): 5 SERVIDÃO DA GLEBA. “Vinculação perpétua e hereditária dos camponeses à terra senhorial, uma modalidade de relação de produção que predominou nos primeiros séculos do feudalismo europeu. Os camponeses tinham a obrigação de não abandonar as terras e o direito de não serem delas despejados. Podiam cultivar uma pequena porção de terra em seu proveito e em troca viam-se obrigados a trabalhar gratuitamente a terra do senhor feudal.” SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, 1987, p. 397) Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB41 “A colonização de povoamento que se inicia na América no século XVIII constitui, portanto, seja uma operação com objetivos políticos, seja uma forma de exploração de mão-de-obra européia que um conjunto de circunstâncias tornara relativamente barata nas ilhas britânicas.” Observe que, segundo o que o autor menciona, o transporte do contingente humano com destino às colônias americanas era feito por companhias estimuladas pelo próprio governo, as quais obtinham privilégios sobre as colônias que viessem a fundar. Muitas vezes, a população das colônias era submetida a condições extremamente deprimentes, e em muitos casos, excediam até mesmo o péssimo tratamento desumano dado aos escravos negros. Conforme, o próprio Furtado salienta em sua obra: “A pessoa interessada assinava um contrato na Inglaterra, pelo qual se comprometia a trabalhar para outra por um prazo de cinco a sete anos, recebendo em compensação o pagamento da passagem, manutenção e, ao final do contrato, um pedaço de terra ou uma indenização em dinheiro. Tudo indica que essa gente recebia um tratamento igual ou pior ao dado aos escravos africanos”. (FURTADO, op.cit., 33) Em suma, pode-se compreender que o objetivo político era o povoamento da colônia, realizado da seguinte maneira: distribuía-se pedaços de terra que deveriam ser cultivados, e pagos com o próprio trabalho. A organização dessas colônias de povoamento – tanto as do Caribe como as da América do Norte – tinha como característica essencial: a estrutura da pequena propriedade. Nestas circunstâncias, colocava- se a questão de qual produto se tirar da terra. Como se tratava de pequena propriedade, não se poderia pensar jamais na monocultura de exportação, uma vez que esta exigia um outro tipo de relação de produção. Mas, especialmente, no caso das colônias da América do Norte, dado o clima semelhante ao europeu, não se poderia cogitar jamais na produção de mercadorias já propiciadas pelo próprio Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB42 solo metropolitano. Estas economias, portanto, ao contrário das colônias de exportação (açucareira, no caso brasileiro), voltaram-se exclusivamente para o mercado interno. Mais tarde, quando a produção do açúcar penetrou nas Antilhas, levada pelos holandeses após sua expulsão do Brasil pelos portugueses, houve o desenvolvimento de um intercâmbio comercial com as colônias do Norte, as quais iniciaram a exportação de seus excedentes. Mas esta é uma história que veremos mais adiante. O resumo das duas questões que fiz acima serve como subsídio para quevocê rememore, e até compare-as com as manifestações que você me enviou na semana passada a respeito das considerações que fiz das suas leituras. Nesta aula, temos mais dois textos para serem lidos. Peço-lhe uma leitura atenta, e que procure entender que estamos caminhando no estudo de um processo histórico que vai se desenrolando a olhos vistos. São grandes as linhas que servem para traçar o processo da formação econômica de nosso país. Como nossa economia nasceu atrelada ao mercado internacional, é necessário sempre se reportar ao cenário mais amplo do jogo encenado entre as potências coloniais da época. Referência Bibliográfica REGO, José Márcio & MARQUES, Rosa Maria. Formação Econômica do Brasil. Escravismo e Tráfico Negreiro. São Paulo: Saraiva, 2003. pp. 65- 68. FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Capítulo IX, Fluxo de Renda e Crescimento. Brasil/Portugal: Editora Fundo de Cultura, 1959. (bibliografia básica).
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