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Paulo Cotias OS INCAS A construção e compreensão de seu império 2015 Introdução As grandes civilizações americanas, dentro do debate historiográfico, ainda são fontes de diversas especulações e polêmicas. Defrontamos-nos muitas vezes com afirmações de que os Incas, objeto do estudo em questão, não se caracterizariam como um império, ou que talvez até seja visto como tal devido ao seu caráter expansionista e da extensão territorial que conseguiram acumular durante os anos de conquista. O presente trabalho tem como pressuposto que os Incas formaram um verdadeiro império, ao qual faremos referência como Império Incaico. Tal afirmativa é de suma importância para validar a tese central aqui trabalhada. Dentro desta perspectiva, não estudaremos o Império Incaico sob a ótica da luta ou das contradições de classes dos componentes deste império, descartando igualmente uma tese consagrada na historiografia cuja tentativa de aplicação no estudo das sociedades pré- colombianas é freqüente, o da evolução das sociedades segundo idades econômicas e políticas. Isto na prática equivale a dizer que nossa tese central, a Construção do Imaginário de Império entre os Incas e sua consolidação prática, se desviará de uma interpretação exclusivamente material para se estabelecer no terreno das manifestações de poder através de aspectos religiosos, culturais, sem desprezar, contudo, os elementos do econômico que estão presentes no processo de formação do Império Incaico. Os incas estabeleceram um domínio concreto estabelecido a partir da cidade imperial de Cuzco, centralizando o poder na pessoa do Inca, o filho do sol, autoridade máxima reconhecida dentro do império, estabelecendo através da conquista, da anexação de outros povos, relações de controle e dependência. Podemos ir mais além, analisando comparativamente e de maneira mais minuciosa a definição encontrada no Dicionário de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas: “O termo império é aplicado aos Estados caracterizados por: magnitude em área, população e poder, abrangendo várias nações, povos ou Estados, étnico ou culturalmente distintos.”1 1 Dicionário de Ciências Sociais. Fundação Getúlio Vargas – MEC. Rio de Janeiro. 1986. Pg 576, 577. Em relação ao critério de área, os Incas possuíram um território consideravelmente vasto, com suas 1.200 léguas de extensão, abrangendo os mais variados espaços geográficos, incorporando vários povos que apresentam grande diversidade cultural, dos mais desenvolvidos em matéria de conhecimento, aos que ainda se encontravam nas formas mais elementares de subsistência. “Origem na dominação desses vários povos por uma tribo ou nação que os submete e [...] uma estrutura política em que a autoridade suprema é investida por uma única pessoa, de quem derivam os demais poderes.”2 Na gênese da dominação temos uma elite fechada, os Incas, que são o ponto de partida da anexação de outros territórios e povos, pois ainda que se utilizasse nos exércitos, colonos de diferentes regiões, o comando e a autoridade emanavam de um general Inca, sendo que todas as conquistas eram efetuadas em nome da autoridade cuzquenha, o filho do sol, cujas ordens submetiam a todos, incluindo a elite a qual pertencia. “A teoria de uma possível universalidade sob a forma de alguma religião, ideologia ou lei capaz de proporcionar uma estrutura política e moral que poderia instaurar a paz e harmonia entre todos os homens.”3 No caso da formação do Império Incaico, tal universalidade é alcançada através do aspecto religioso, sendo este o principal mecanismo de significação, coesão e consolidação do Império, alcançado no reinado de Viracocha. Contudo, nos reinados anteriores havia, ainda que de maneira incompleta, certa ideologia de coesão que continha tanto elementos materiais quanto alguns traços místicos e forte conteúdo moral, com proibições e admoestações sobre alguns aspectos da vida cotidiana. Decerto que ao falarmos de império, as comparações com a matriz romana é inevitável. O Império Incaico traz consigo algumas marcas comuns com o Império de Roma, sem que com isso se deseje afirmar quer houve alguma correlação entre as duas civilizações, uma vez que uma enorme diferença cronológica os separou. Uma primeira semelhança é a própria configuração da montagem espacial do império. Se “Todos os caminhos levavam a Roma”, o mesmo pode ser dito com relação aos Incas, em que “Todos os caminhos levavam a Cuzco. Tal comparação se dá devido a característica de 2 IDEM. Pg 576, 577. 3 IDEM. Pg 576, 577 expandir o império a partir de uma localidade específica, fonte da autoridade e do poder central, interligando em função dela, as diversas províncias anexadas. O mesmo fenômeno se apresenta entre os Incas que faziam suas conquistas obedecendo a quatro direções ou os Quatro Caminhos do Mundo”, cada um deles devidamente demarcado e com suas estradas de acesso e comunicação. As semelhanças se estendem também em outros elementos, tais como o da superioridade do conquistador e os argumentos de progresso e civilidade, ambos baseados num conceito de inevitabilidade da conquista. Certamente os melhoramentos materiais efetuados nas províncias conquistadas também são comuns às duas experiências. Ambos podem se caracterizar como grandes difusores de cultura, de conhecimentos e de universalizarem certos padrões de comportamento e culto religioso, centradas na figura divinizada do imperador, que por sua vez, pertence a uma espécie de casta que se instala e permanece no poder, perpetuando a dominação através do mecanismo da hereditariedade. Podemos destacar ainda outra similitude, guardadas as proporções, entre os dois impérios, no tocante à manutenção da autoridade tribal local, devidamente “incaizada”, e a de manter a identidade da província conquistada. A diferença é que não existe uma nacionalidade Inca que possa ser estendida, como a romana, para os povos conquistados. Porém, o sentimento de pertencimento à essa grande comunidade, de submissão a autoridade de Cuzco e a coesão, são meticulosamente aplicados. “Dessa forma, o império foi sendo instrumento para conciliar realidades políticas cada vez mais conflitantes e divergentes na vida interna do Estado. [...] Foi uma instituição que sempre repetiu, até no nome, a experiência romana, que considerava como um modelo perfeito.”4 Sendo assim, entendemos a experiência incaica como um império, pois por analogia, temos que ela se configurou na instalação primária de uma elite fechada no poder (Incas)5, cuja expansão inicia-se tendo como referência a cidade de Cuzco, verdadeiro símbolo material do Império, obtendo com isso uma considerável vastidão territorial, com o poder sendo 4 Dicionário de Política. N. Bobbo, N. Matteucci, G. Pasquino. Editora Universidade de Brasília. Gráfica Editora Hamburgo LTDA. 2a. Edição. 1986. Pg 621 a 624. 5 Esta elite fechada em que se configurou os Incas, encontrava-se ligada por laços de sangue, perpetuados através de casamentos endógenos, sendo que procuravam se diferenciar dos demais povos conquistados seja pela clareza de sua pele e roupas cerimoniais, ou pela deformação de suas orelhas através de furos e usos de pesadas argolas entre outros artefatos, o que levou os espanhóis a descreve-los como Orejones (orelhões). passado de pai para filho, exercendo domínio territorial, religioso e ideológico sobre outro povos anexados, centradasna figura do imperador, o soberano de Cuzco, cuja divinização se completa no reinado de Inca Viracocha. Trata-se de um processo que se desenvolve durante todas as etapas de conquista e manutenção dos povos. O imaginário se deve ao fato de que não basta reunir todos os atributos de domínio e territorialidade se de fato não há um reconhecimento tácito e manifesto por parte dos colonos de que pertenciam a uma unidade, ainda que sua identidade estivesse preservada. Isto é o que diferencia um império de uma confederação ou uma união de povos. Trabalharemos a Construção do Imaginário a partir três mecanismos, o de Conquista, o de Conservação e o de Significação, que juntos formam um tripé, ou seja, as partes se interligam de forma a estabelecer um conjunto equilibrado e completo. Contudo, a hipótese reside fundamentalmente no mecanismo de Significação, pois é nele em que a construção do imaginário se desenvolve e, por conseguinte é a partir de sua consolidação que podemos afirmar que a experiência incaica se configurou num império. Os outros dois mecanismos são bases materiais e operam no sentido de reunir as condições necessárias para que o terceiro mecanismo se desenvolva e consolide. Sendo assim, no primeiro capítulo trabalharemos com o Tawantisuyu, ou seja, analisaremos as diversidades físicas e culturais em que foi se formando o Império Incaico, as possibilidades de ocupação territorial e como se definiam as estratégias de produção, e de organização das províncias em particular e do império como um todo. No segundo capítulo trabalharemos com uma minuciosa descrição da formação do Império Incaico, os povos conquistados, os melhoramentos empreendidos, as características gerais das batalhas, das regiões e das relações entre conquistador e conquistado, obedecendo à ordem sucessória dos Incas. Finalmente, no terceiro capítulo, a partir de todo este conjunto definido, trabalharemos com a definição dos três mecanismos presentes na Construção do Imaginário de Império, de modo a estabelecer gradualmente a passagem da conquista e da manutenção para a efetiva consolidação de um império através de sua significação alcançada na figura de Viracocha. Para desenvolver esta hipótese, temos como principal fonte as crônicas de Garcilaso de La Vega. A importância deste cronista reside primeiramente em sua descendência, pois era filho de pai espanhol e de mãe Inca, possuindo, portanto, o sangue das duas culturas, que na época em que De la Vega produz suas crônicas, eram os componentes do mundo em que se encontrava dividido nosso cronista. Essa angústia se expressa em sua preocupação de a um só tempo retratar com a máxima exatidão possível as características físicas, políticas, econômicas e culturais do Império Incaico, valorizando esta experiência; e a de contemplar aos ditames sociais, políticos e religiosos da Espanha e da Igreja Católica. No decorrer de nosso trabalho, a viagem ao mundo dos Incas que nos proporciona a crônica de Garcilaso de La Vega, será o ponto de partida do universo que compreende a Construção do Imaginário de Império. Capítulo I - O Tawantisuyu Falar da formação do império incaico requer uns conhecimentos prévios dos imensos contrastes tanto físicos como populacionais que formam este conjunto. A vastidão da dominação Inca pode ser mais bem compreendida se levarmos em consideração estes aspectos. A construção do império se deu lentamente, Inca após Inca, anexando territórios e povos, num movimento constante que somente se encerra com o fim do próprio império incaico. Porém as estratégias de conquista variam conforme o terreno e o clima, bem como o tipo populacional que habita o território. A política a ser adotada na região dominada também sofrerá todas estas influências, orientando a ação do Inca conforme as necessidades apresentadas, tornando o governo incaico flexível quanto as características de suas regiões, porém coeso ideologicamente. Seja como for, este grupo de caracterizou por uma forte coesão étnica devido a política de casamentos endógenos, e passou a estabelecer sua rota de conquistas a partir da cidade de Cuzco, dividindo o espaço em quatro direções, que dariam origem a quatro caminhos que norteariam as conquistas empreendidas. Ao conjunto do império chamou-se Tawantisuyu. A conquista iniciou-se com as regiões circunvizinhas a Cuzco, estendendo seu raio de dominação cada vez mais distante, como ao deserto chileno, ao Altiplano Andino, a Costa e à Amazônia Peruana. As linhas imaginárias que dividem o império em quatro partes, que dão origem aos quatro caminhos reais tendo como referência central a cidade imperial de Cuzco, formam o Tawantisuyu, e as regiões referentes a esta divisão são Chinchasuyu ao norte, Collasuyu ao sul, Antisuyu a leste, e Cuntisuyu a oeste. Os grupos familiares que habitavam as diferentes regiões imperiais organizavam-se administrativamente em grupos de base dez, com as chefias correspondentes a cada divisão estabelecida da população. O cerne da organização populacional do império incaico residia na configuração do ayllu. O ayllu, como forma de organização social é um fenômeno um tanto complexo para se chegar a uma definição específica. Os debates dentro da produção historiográfica apontam diferentes maneiras de se interpretá-lo e defini-lo. Não é nosso objetivo confrontar as diferentes opiniões, sendo, contudo válido inferir uma opinião a respeito. Temos por ayllu uma forma organizacional de comunidades, unidas por laços de parentesco, de aliança ou dominação, cuja produção é dirigida conforme as especificidades da região em conformidade com a distribuição da mão de obra e dos recursos disponíveis; abrange as esferas das manifestações da religiosidade e da cultura, sendo reflexo das diretrizes gerais que provêem da matriz de poder que é a cidade Imperial de Cuzco. É chefiada por curacas, que além de zelar pela organização e funcionamento da produção e da vida em geral, é também um elemento de disseminação da ideologia de dominação incaica. Para termos idéia da diversidade natural do império incaico ao longo de suas aproximadas 1.200 léguas de extensão, iniciaremos um breve panorama comparativo no que se refere tanto as características naturais quanto populacionais. Em relação as terras altas peruanas, temos a formação de cordilheira, mais especificamente, a Cordilheira dos Andes, que entre elevações desérticas e picos nevados, a neve constante e o frio, além da características da topografia, que formam a região mais alta do Peru, se caracterizam por ser um ambiente inóspito, e de dificílima probabilidade de se desenvolver vida humana. Na parte ocidental da cordilheira, aproximadamente entre as regiões que compreendem Túmbez e Taparacá, temos a formação natural composta por extensos areais, ou seja, uma região desértica de aparente inexistência de vida vegetal e animal, mas que através da alteração do trabalho humano, possibilitou a vida produtiva dos grupos humanos que ali habitavam. Podemos inferir que um dos elementos indispensáveis á vida humana, a água, é relativamente escassa ao longo de grande parte das regiões que compreendem o Império, sendo então um elemento estratégico, cujo uso tanto para o beneficiamento de regiões inóspitas quanto o seu controle exercido para a dominação e anexação de novas províncias, será detalhado nos capítulos subseqüentes. “Tinham os índios e ainda tem em grande conta o fato de tirar a água e lança-la por meio destes canais [...], porque como os rios não sequem, está na mão destes índios lançar a água pelos lugares que quiserem...”66 Cieza de Leon. In O Soldado Cieza de Leon e o Império Incaico. Pedro Freire Ribeiro. Editora Uerj. Rio de Janeiro. 2000. Pg 34. Os vales que se formavam entre as extensas cadeias montanhosas se configuravam como verdadeiros oásis de fertilidade, ou seja, apresentavam estreitas faixas de terra em que era possível, graças, sobretudo ao fornecimento de água advinda do degelo de certas camadas das montanhas nevadas, organizar e empreender uma produção agrícola. As diferentes técnicas aplicadas pelos Incas de beneficiamento e de configuração do terreno são, contudo, determinantes para entendermos o sucesso da permanência de grupos humanos nestas regiões. Técnicas como a de construir terraços especialmente concebidos para o cultivo, as técnicas de irrigação através de aquedutos, o deslocamento de terras férteis, entre outras medidas, contribuíram sobremaneira para o sucesso da sobrevivência. A parte mais oriental da região andina apresenta uma configuração do terreno em forma de selva, onde prevalece o cultivo da coca pelos naturais que por sua vez, de acordo com as crônicas de Cieza de Leon, são “atrasados”por possuírem atributos como uma inteligência e entendimento menores. Podemos compreender através da leitura de seus relatos que a atividade principal dos povos que habitavam esta região, ao contrário da natureza agrícola relativamente variada e consolidada dos que habitavam nos vales das montanhas nevadas e as adjacências modificadas, vivia-se basicamente do plantio da coca, da caça não especializada, da coleta silvestre: “La coca preserva el cuerpo de muchas enfermidades [...], placar la hinchazón de las llagas; para fortalecer los huesos quebrados; para sacal el frio del cuerpo o para impedirle que no entre.”8 Aparentemente, se as regiões agrícolas se consolidavam como uma organização mais estável em termos habitacionais e produtivos, os habitantes desta região selvagem não formavam uma comunidade organizada, sem territorialidade permanente ou autoridade definida. Nos vales e nas regiões desérticas modificadas, o milho era o principal produto, utilizado desde a alimentação do dia-a-dia como para a elaboração de beberagens cerimoniais, além da mandioca, da batata-doce, de outros tipos de batatas, de feijões e diversas raízes comestíveis. 8 A coca preserva o corpo de muitas enfermidades [...], para aplacar o inchaço das feridas, para fortalecer os ossos quebrados, para tirar a friagem do corpo ou para impedi-la de entrar. DE LA VEGA. Garcilaso Inca. Comentarios Reales de Los Incas. Terceiro Volume. Universidad Nacional Mayor de San Marcos. Lima. 1959. Pg. 142. Frutas como o pepino, a goiaba, abacate, guavas, guanabanos, abacaxi, entre outras, completavam este quadro de prosperidade e de fertilidade que pouco a pouco se tornavam parte integrante do complexo de mecanismos de dominação incaica. “Los que los españoles llaman batatas y los indios del Peru apichu, las hay de cuatro o cinco colores, que son unas coloradas, otras blancas y otras amarillas y otras moradas, pero en el gusto difieren poco unas de otras”9 O clima também era um fator determinante na distribuição dos gêneros de produção, onde encontramos variadas características climáticas inclusive nos mesmos meses, em regiões relativamente próximas; seja na região dos vales das cadeias montanhosas ou nas planícies próximas ao mar, as chuvas distribuíam-se em diferentes graus de constância e densidade, o mesmo podemos dizer sobre as horas de incidência de raios solares e do regime de ventos. Seja como for, nos momentos de maior seca, o plantio fica circunscrito ao que se pode irrigar artificialmente, deixando as regiões mais áridas aos espinhais até que se mude o regime das chuvas. As terras baixas são as mais atingidas pela irregularidade das chuvas. A região alta de Collao merece destaque por ser a mais fria e uma das menos produtivas do império, sendo constantes as políticas de transferência de mão de obra e de melhoramentos, para esta região que se especializou inicialmente na pequena agricultura de uma espécie de batata consumida seca (chuno) e da quínua, uma semente. Aos habitantes do Peru, de modo geral, as crônicas de Cieza de Leon os caracteriza como bastante semelhantes entre si, com algumas diferenças ou variantes de província para província. Cieza de Leon tem conhecimento, principalmente dos índios que habitam as regiões da atual Colômbia, os quais usa como parâmetro de comparação em relação aos grupos indígenas 9 As que os espanhóis chamam batatas e os índios do Peru apichu, existem de quatro ou cinco cores, umas que são vermelhas, outras brancas e outras amarelas e outras escuras, porém o gosto pouco difere umas das outras. DE LA VEGA. Garcilaso Inca. Comentarios Reales de Los Incas. Volume III. Universidad Nacional Mayor de San Marcos. Lima. 1959. Pg. 132. encontrados nas regiões de domínio incaico. Contudo, em suas andanças pelas regiões da atual Colômbia, Cieza de Leon não encontrara nenhum tipo de organização indígena que se assemelhasse ao Império Inca, pois ainda que desenvolvessem certas aptidões para o artesanato, cultivo e se organizassem em torno de certas lideranças, não possuíam o diferencial incaico da “civilidade”, praticando largamente, inclusive a antropofagia. Iniciando sua análise comparativa entre os tipos humanos encontrados na Colômbia (Popayán) e nas diferentes regiões do império incaico, temos nos próprios relatos de Cieza de Leon: “Os do Peru, servem bem e são domáveis porque tem mais inteligência que estes (os de Popayán) e porque todos foram sujeitos pelos reis Incas, aos quais deram tributo servindo-lhe sempre e com aquela condição nasciam e se não o quisessem fazer, a necessidade os constrangeria a isto, porque a terra do Peru é toda despovoada, cheia de montanhas, serras e campos nevados.”10 Os tipos físicos dos índios do Peru não variavam tanto quanto àqueles que habitam a região colombiana, onde podemos destacar os homens morenos e as mulheres formosas de Tacunga, os notáveis índios flecheiros Cañares, a beleza e o destaque da pele clara dos Chachapuyas. Quanto a parte oriental dos Andes, região selvagem que havíamos descrito anteriormente, Cieza tece um comentário especial: “Bem dentro dessas montanhas e espessuras, afirmam que há gente tão rústica que não tem casa nem roupa, antes andam como animais, matando com flechas aves e bestas, as que podem, para comer e que não tem senhores nem capitães.”11 As deformações cranianas dos Colla também nos chama a atenção, da mesma forma em que vale assinalar as habilidades em construção, artesanato, caça, pesca e cultivo a que se dedicam os povos que habitam Tumbéz e Cajamarca: “[...]Além disso, tem esses índios naturais de Túmbez grandes pescarias, do que lhes vêem grande proveito...”12 10 Cieza de Leon. In O Soldado Cieza de Leon e o Império Incaico. Pedro Freire Ribeiro. Editora Uerj. Rio de Janeiro. 2000. Pg. 49. 11 Cieza de Leon. In O Soldado Cieza de Leon e o Império Incaico. Pedro Freire Ribeiro. Editora Uerj. Rio de Janeiro.2000. Pg. 51. 12 IDEM. Pg. 53. E ainda em relação aos de Cajamarca: “[...] e têm grande habilidade em fazer aquedutos e para construir casas e cultivar as terras e trabalhar prata e ouro...” 13 Temos, enfim, em meio a esta multiplicidade de características naturais e humanas, uma ação organizada empreendida pela elite incaica, que agindo tanto como classe conquistadora, como mantenedora, teve como principal desafio a circulação constantede idéias e engenhos, além de estratégias de povoamento, que possibilitassem a sobrevivência de grupos humanos, e, por conseguinte, do próprio império. Vale destacar ainda, que sendo uma elite fechada, os Incas diferenciavam-se da maioria dos povos submetidos, tanto pelo seu tom claro de pele, como pelos ornamentos e vestes, o tipo de corte de cabelo, entre outros diferenciais. Podemos destacar, finalmente, que os povos conquistados deveriam manter, com a permissão do Inca, certos padrões de vestir ou outras maneiras de diferenciar-se dos outros povos componente do império de alguma forma, o que facilitava à Cuzco identificação dos grupos humanos submetidos. As especificidades de produção eram também preservadas em muitos casos, ampliando o leque de circulação de bens e serviços do Império. O processo de formação física do império incaico será analisado a seguir, onde serão detalhadas as ações relativas a conquista territorial empreendida em cada reinado incaico, destacando também outras características gerais da formação do Império. 13 IDEM.Pg. 53. Capítulo II – Formação do Império Inca O Império Incaico, com sua extensão, monumentos e infra-estrutura, tornou-se, ao longo da produção historiográfica motivo de admiração e consenso em relação à sua magnitude. Porém a própria origem desse império ainda é motivo de estudos, embates, pesquisas e até mesmo uma gama de especulações que podem envolver, não raro, elementos do maravilhoso. Segundo o cronista Garcilaso de La Vega, em sua coletânea de memórias acerca de seu povo de origem, o aparecimento do primeiro Inca fundador e responsável pela expansão dos domínios e dos povos, é descrito segundo o costume incaico, numa abordagem mítica. Os povos habitantes da região anterior aos Incas são descritos pelo cronista, como dominados pela barbárie, tomados pela idolatria, pelos sacrifícios hediondos, pelo atraso visível em que se encontravam nos mais elementares meios de sobrevivência. A figura do Inca emerge então eivada de um imaginário de salvação, de redenção, de doutrinação. Ao primeiro “filho do sol” chamaram Manco Cápac, e sua aparição vem acompanhada de diversas lendas. Primeiramente vamos observar que nos coloca Garcilaso em relação ao estado em que se encontrava a terra e os povos e o advento de Manco Cápac, o primeiro Filho do Sol: “Nuestro Padre el Sol, vindo los hombres tales como te he dicho, se apiadó y hubo lástima dellos y envió del cielo a la tierra un hijo y una hija de los suyos para que los doctrinasen...” 14 Sendo assim, a origem de Inca Manco fica obscurecida pelo caráter lendário, onde se procura realçar mais exatamente a que veio esse representante direto do deus sol. O que sabemos hoje sobre o Império Incaico é que se trata de um império recente em termos históricos, porém possuidor de elementos de todo um complexo cultural que havia se desenvolvido ao redor do lago Titicaca, mais precisamente a civilização de Tiahuanaco. 14 Nosso pai o sol, vendo os homens tais como te havia dito, se compadeceu e teve lástima deles e enviou do céu para a terra um filho e uma filha dos seus para que os doutrinassem. In DE LA VEGA. Garcilaso Inca. Comentarios Reales de Los Incas. Primeiro volume. Universidade Nacional Mayor de San Marcos.Lima. 1959. Pg. 99. Os Incas dentro dessa estrutura estariam em posição de subordinação, ou pelo menos se afiguravam como uma minoria que de longe poderia exercer influência direta nas decisões daquele mosaico cultural, e o fato de terem se deslocado da região que ocupavam para iniciar seu processo de expansão e conquista também é motivo de discordância e pesquisa, sendo que uma dos cortes definidos seja em virtude de fatores climáticos, ou seja, a própria ação da natureza. O motivo da migração dos Incas para a região de Cuzco, portanto, ainda não pode ser definido com exatidão. Henri Favre15, assumindo a posição acima descrita desenvolve brevemente a posição dos Incas após de sua chegada a Cuzco. Ele descreve a formação de uma frágil confederação entre os povos que habitavam essa região denominada “Confederação Cuzquenha”16 onde os então recém chegados Incas tomariam parte nessa organização de maneira que a balança de poder não pendia a seu favor, ocupando uma região denominada como Hurin, a metade mais fraca da confederação, sendo Hanan à parte de cima e, por conseguinte, centro dominante. A metade controlada pelos Incas ficava responsabilizada pelas funções militares, sendo Hanan a responsável pelas decisões políticas e religiosas. É a partir desse momento que o autor define o início da expansão do grupo Inca, quando da conquista da parte superior da confederação de povos e do subsequente fortalecimento que agora credenciava os Incas a exercerem ascendência sobre ou outros povos e civilizações, em terras gradativamente mais distanciadas. Nesse primeiro momento podemos então perceber a necessária união ou convivência, e não discordância e afastamento pleno, das escolhas interpretativas quanto à origem dos Incas e de sua posterior expansão. Os acontecimentos que puderam ser relatados constituem para nós uma fonte mais favorável e segura de análise, como a confederação e a conquista de Hanan. Porém de forma alguma a interpretação mítica dos fatos não podem ser desprezadas ou deixadas em segundo plano, pois são essas justamente que cumprem sua função de agente significante para os contemporâneos da expansão Inca, ou seja, é o maravilhoso que também funciona como sendo um dos elementos de coesão, de justificativa e de razão de ser do 15 FAVRE, Henri. A Civilização Inca. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro. 1998 16 Idem. Pg. 14 crescimento e da consolidação da idéia de império. Temos em De La Vega a descrição segundo o costume incaico, da fundação da cidade imperial de Cuzco. Da mesma forma redentora e apoteótica, piedosa em que é estruturada a chegada à terra do primeiro rei Inca Manco, é delimitada a fundação da cidade. Ela é apresentada como escolhida pelo deus sol para ser a sede e ponto de partida para a expansão do império, sempre sob a égide de espalhar o bem comum e anexar ou trazer para o gozo dos benefícios da estrutura de vida incaica, os povos que se encontram na barbárie e nos mais abjetos costumes e idolatrias conforme descrito. Porém é deixado claro ao longo dos escritos do cronista, que nem sempre é pacífica a anexação ainda que os objetivos possam ser apresentados como de beneficiar e desenvolver as regiões circunvizinhas sob o comando da casa do sol, cada vez mais claro se tornava a realidade de que o Império Inca tem sua sobrevivência intimamente ligada à sua capacidade de expansão e coesão das regiões anexadas. O símbolo que representa o início do expansionismo sistemático dos Incas é Manco Cápac que havia reduzido vários povos sob sua autoridade (possivelmente os núcleos de povoamento mais próximos) onde “pasados los primeros seis o siete años, el Inca tenía gente de guerra armada e industriada para se defender de quien quisiese ofenderle, y aun para traer por fuerza los que no quisiesen venir de grado”.17 Como resultado das campanhas empreendidas por Inca Manco temos a pacificação,ou seja, a imposição de uma ordem, até o rio Paucartampu, extendendo-se a oeste para a região do rio Apurímac, tendo dominado também parte da região de Quequesana. Por essa área teria o primeiro Inca distribuído e organizado os primeiros núcleos de povoamento, que uma vez estabilizados e operativossegundo os critérios de administração incaica, criavam a oportunidade de uma expansão futura, empreendida no mesmo reinado ou se este preferir apenas manter as conquistas obtidas, ou ainda legada ao próximo herdeiro real. 17 Passados os primeiros seis ou sete anos, o Inca tinha gente de guerra armada e equipada para se defender de quem quisesse ofendê-lo, e ainda para trazer pela força os que não quisessem vir de bom grado”. In DE LA VEGA. Garcilaso Inca. Comentarios Reales de los Incas. Universidad Nacional Mayor de San Marcos. Lima. 1959. Pg. 104. Entre os povos conquistados nesta primeira etapa podemos destacar a presença das nações: Masca, Chillqui, Pap’ri, Mayu, Zancu, Chinchapucyu, Rimactampu, Ayarmaca, Quespicancha, Muina, Urcos, Quéhuar, Huarúc, e Cauiña. Com a morte do Inca Manco Capác assumiu o controle do império seu filho Sinchi Roca, com definida determinação de expandir os domínios que seu pai havia estabelecido. Cumprida a solenidade ritualística e estando ciente do grau de controle e fidelidade dos escalões administrativos dos povoados e das próprias tropas arregimentadas, de início à expansão. Os núcleos onde se encontravam as nações Puchina e Canchi na direção de Collasuyu foram reduzidos com facilidade, sem necessidade de luta por não terem apresentado resistência. Da mesma forma conquistou os Chuncara e a outras pequenas e médias tribos que se encontravam nos caminhos da marcha. Seu reinado prosseguiu sem maiores perturbações, sendo destacado o sucesso de suas investidas contra as localidades circunvizinhas. Estendeu as fronteiras do reino que havia herdado até o rio Callahuaya, na região dos Andes, (importante jazida de ouro de impressionante qualidade) e dominou os povos que se encontravam entre esse rio e o caminho real de Umasuyu, sendo eles, os Cancalla, Cacha, Rurucanchi, Assillu, Asacantu, Huancani até a região dos Pucara, que em linguagem Inca significa “fortaleza”, onde possivelmente teriam os conquistadores Incas erigido uma fortificação como marco de seus domínios. Terminou seu reinado com a preocupação da manutenção dos domínios do império em formação, da coesão e da garantia de controle absoluto sobre terras e gentes. Com sua morte assume seu filho Lloque Yupanqui, o terceiro rei Inca. Tendo tomado posse do controle sobre o império, teve como primeira medida à visitação das províncias e o arregimento de guerreiros para empreender o que já vimos ser uma das características marcantes de todo Filho do Sol, o expansionismo. Reunidos os homens de guerra (cerca de seis a sete mil homens, segundo Garcilaso), partiu em direção a uma grande província de nome Cana. Não foi necessário derramamento de sangue para a redução dessa província uma vez que a intimidação e os argumentos incaicos surtiram efeito imediato, onde após tomar seus procedimentos de conquista, o Inca desloca-se para o povoado de Ayuiri. Aqui temos um comportamento diferente do encontrado em diversas campanhas, a rebeldia e a reação dos Ayuiri em relação às propostas de anexação, tomam as vias de um ataque às posições Incas para a defesa do território, o que desencadeia uma batalha campal que será sortida de escaramuças, ataques e recuos e forte resistência. Com isso, manda o Inca Yupanqui reforços para a região com o objetivo de disseminar os focos onde estouravam os conflitos e submeter de vez os revoltosos para o estabelecimento da anexação. Houve muitos mortos e feridos de ambas as partes. Desarmado o adversário tomam-se os procedimentos de conquista, ou seja, um conjunto de medidas tais como melhoramentos físicos na região e estratégias para a consolidação do poder através da cooptação das autoridades locais e a doutrinação da população. Após a derrota dos Ayuiri ordenou o Inca que fosses as tropas para Púcara visando reforçar as posições na fronteira e estabelecer melhoramentos com igual intuito. A tarefa conquistadora do reinado de Yupanqui continua anos depois com a organização de uma nova expedição, agora movimentando em torno de oito a nove mil homens de guerra, seguindo até a região dos Paucarcolla e Hatuncolla onde sombra da sangrenta conquista anterior dos Ayuiri teve sua parcela de contribuição para que a conquista se efetivasse mais rapidamente. A ampliação dos domínios incaicos prossegue com mais uma expedição de conquista organizada, agora contando com cerca de dez mil homens de guerra, que partiram por ordens do Inca para o oeste, na província de Hurin Pacasa. A conquista é fácil, não sendo necessário recorrer ao uso de armas e de estratégias de ataque e defesa, pois se um fator contribuiu para a redução desse povoado, foi o de se encontrarem dispersos, sem a coesão social que lhes possibilitasse sistematizar uma resistência. Contudo, esse mesmo caráter disperso da população de Hurin Pacasa levaria os Incas a um desgaste maior em relação à doutrinação, a ordenação e organização fundamental do território conquistado. Estima-se que foram necessários quase três anos somente dedicados a essa tarefa. A expansão de Lloque Yupanqui alcançou as regiões de encosta, chegando também à região das serras nevadas, ampliando assim consideravelmente as fronteiras imperiais. Encerrando o ciclo que lhe cabia das conquistas, mandou que seu filho e herdeiro Maita Cápac fizesse a igualmente rotineira visitação às províncias reduzidas. Conforme a tradição incaica a morte de Lloque Yupanqui foi motivo de grande comoção e ao seu funeral se seguiram os rituais de passagem do poder materializado no Manto Vermelho, símbolo do poder incaico para seu filho Maita Capac. Em termos organizacionais, o Império Inca se estabelecia tomando como referência principal à cidade imperial de Cuzco, de onde se traçavam linhas imaginárias que percorressem a todo o território estabelecido, dividindo-o em quatro partes. Ao norte temos Chinchasuyu, ao sul Kollasuyu, Antisuyu ao leste e Kuntisuyu ao oeste. Ao conjunto estabelecido por essas quatro regiões deu-se o nome de Tawantinsuyu, a organização estrutural ou física do império. A própria expansão das fronteiras obedecia ao critério de divisão do império, onde ao longo das quatro regiões foram criados “caminhos reais”, um sistema de estradas que possibilitasse ao mesmo tempo estabelecer uma certa comunicabilidade e acessibilidade às terras conquistadas, da mesma forma que possibilita uma organização, eficiência e controle sobre as tropas enviadas para as reduções e, por conseguinte sobre o povoado a que se buscava conquistar. Após as visitações e a chegada da primavera, Inca Maita organiza sua primeira expedição de conquista com vistas à ampliação do império. Reuniu dessa feita um contingente maior de homens de guerra, que chegavam aproximadamente a doze mil homens, além de toda a sorte de oficiais e de outros componentes das caravanas. Partira em direção ao grande lago Titicaca, mais precisamente a Região de Tiahuanaco. A caracterização da conquista dessa região que Garcilaso De La Vega, através das descrições de Pedro de Cieza de León nos apresenta, pode nos levar a algumas conclusões posteriores. Acerca da região afirma que “de cuyos grandes e increíbes edificios será bien que digamos algo.” 18E ainda : “Vése también una muralha grandísima, de piedras tan grandes que la mayor admiracíon que causa és imaginar que fuerzas humanas pudieram llevarlas donde 18 Que de cujos grandes e incríveis edifícios será bom que digamos algo. In De La Vega. Garcilaso Inca. Comentarios Reales de Los Incas. Universidad Nacional Mayor de San Marcos. Lima. 1959. Pg. 216. están... 19descrevendotambém que “vénse tambíen en outra parte otros edificios bravos, y lo que más admira son unas grandes portadas de piedra...”20 O que inicialmente nos chama a atenção nessa etapa do expansionismo incaico é a chegada a uma região, cujas características monumentais impressionasse a todos os componentes da campanha, o que incluía além dos soldados os homens de confiança do Inca, a maioria de homens experimentados e conhecedores da diversidade de costumes que compõe o império. As posteriores descrições, juntamente com certas indicações geográficas, nos leva a crer que nesse momento o expansionismo incaico se defronta com o que restou da cultura de Tiahuanaco, de caráter bem avançado, constituindo-se não raro, berço comum de algumas desenvolvidas culturas. Esse deslumbramento em relação ao caráter monumental da região reduzida será repetido quando da posterior conquista do grandioso Império Chimu, onde no momento estabelecemos um pequeno parêntese dedicado a essa cultura, retomando mais adiante a mecânica de sua conquista por parte das tropas Incas. O Império Chimu formou uma grandiosa organização cujas origens são consideravelmente anteriores ao do incipiente Império Incaico. Essa organização, segundo as tradições explicativas, se fundou através da migração de grupos oriundos da baía de Guaiaquil que passam a ocupar a região dos vales de Chicama e Moche, absorvendo o que restara da anterior cultura dos Mochicas, antigos ocupantes da região. Com o passar dos tempos dominaram as técnicas de irrigação, de aproveitamento das águas, ampliando os canais que abasteciam o núcleo de povoamento e estabelecendo consideráveis melhorias e avanços nas áreas de agricultura e construção, tornando-se desta forma um grande atrativo para os Incas, eficientes distribuidores de conhecimento. Tudo isso controlado por uma poder central fortemente estabelecido, na grandiosa capital Chanchan. 19 Vê-se também uma muralha grandíssima, de pedras tão grandes que a maior admiração que causa é imaginar que forças humanas puderam levá-las onde estão. Idem. Pg. 217. 20 Vê-se também em outra parte outros edifícios magníficos, e o que mais admira são os grandes portais de pedra. Idem. Pg. 217. A capital, onde se especula que possuía o maior aglomerado populacional das antigas civilizações, conhecia também a beleza dos ornamentos de metais e minerais preciosos, da mesma forma que merecem destaques a cerâmicas e demais construções artesanais utilitárias ou com fins de culto e adorno. Mas certamente o que mais encantava, semelhante ao que foi anteriormente descrito, era a arquitetura da cidade, com seus portais de adobe e a grandiosidade e imensidão de seus edifícios. Ora, uma cultura que conseguiu tamanha magnitude em termos quantitativos, pode-se presumir que possuíssem um considerável grau de conhecimento, guardadas as devidas proporções do corte histórico. O fato é que em torno do século XIV, os Chanchas iniciaram a expansão do império Chimu. Com tamanha eficiência tal como encontramos no expansionismo incaico, inclusive com a preocupação de fortificar e guarnecer as fronteiras e áreas conquistadas, sendo que ao rumarem em direção a leste, estariam os dois impérios fadados a um encontro, a um choque de imperialismos. Em suma, o encontro das duas grandes civilizações era apenas uma questão de tempo e ainda uma necessidade, tendo em vista o próprio objetivo de estabelecer uma hegemonia nas regiões ocupadas ou a ocupar. Do encontro, como descreveremos mais adiante, resultou a queda do Império Chimu onde nos cabe uma série de interrogações tais como a por que de um império tão poderoso ser anexado sem a necessidade de uma invasão armada (da qual certamente teriam no mínimo um quantitativo de braços para a defesa). Esse e outros questionamentos tentarão elucidar quando desenvolvermos os mecanismos de conquista incaica e subsequente formação da idéia de império entre os Incas. É imagináveis todo o manancial de informações e toda a sorte de aprendizado e fortalecimento do Império Inca com a anexação de Chancha. Ganham os Incas em hegemonia e em experiência para as conquistas ulteriores. Após submeter à província de Tiahuanaco, as tropas de Manco Capac conquistam, ainda que com um certo esboço de resistência por parte dos conquistados, a maior parte da província vizinha de Hatunpacasa. Os mecanismos utilizados nessa conquista, tais como número de expedições, prazos, deslocamentos, são motivos de algumas interpretações, mas o fundamental reside na gradual conquista deste território. A próxima campanha, em continuidade da anterior, foi dirigida à região do povo chamado Cac-yauiri. A população da região, avisada da aproximação das tropas incaicas, apressou-se em reformar e fortificar o “lugar santo” da aldeia, onde faziam oferendas e prestavam cultos. Ali edificaram uma espécie de forte e aglomerando dentro dele os moradores e as provisões necessárias a uma sobrevivência em médio prazo. Uma das características do povo Cac-yauiri é o estado de dispersão em que se encontravam os naturais dessa região, sendo controlados por algumas autoridades que se destacariam provavelmente devido ao seu caráter belicoso. Os relatos dentro dos recursos do cronista De la Vega, contam do estado de selvageria desse povo, e da fragilidade em termos organizacionais. Contudo, relutaram obstinados às propostas iniciais de anexação por parte das hostes incaicas, sendo necessário estabelecer o cerco do povoado. O impasse permanece até que os naturais, percebendo que as tropas dos Incas tardavam em atacar, interpretaram esse fato como sinal promissor a uma investida, um ataque. Porém, os confrontos iniciaram por iniciativa dos Cac-yauiri de maneira tímida, com pequenas, mas sangrentas incursões às tropas Incas. Gradativamente, a intensidade dos ataques aumenta, levando naturalmente a uma batalha campal, onde segundo os relatos da batalha, o atraso e o caráter primário das tropas dos naturais era tamanho que conseguiam a façanha de ferirem-se uns aos outros. O resultado final foi a conquista do povoado e a captura dos beligerantes, que passariam posteriormente pelos métodos utilizados nas conquistas Incas. O fato dos beligerantes levados até a cidade imperial e submetidos aos procedimentos de submissão efetuados por parte dos Incas, ou seja, um trabalho de educação e cooptação dos curacas locais findou por gerar uma propaganda em forma de contos ou fábulas acerca da conquista dos Cac-yauiri. De certa forma esse “agente de propaganda” atuou de forma a facilitar o trabalho de anexação de outras localidades pelas tropas de Maita Capac, não sendo necessário o empreendimento de cruentas batalhas ou o desgaste de um cerco que se estabeleça por muito tempo. Entre os povos anexados, podemos destacar três por sua relativa importância em relação às outras áreas conquistadas. São as regiões onde se estabelecem os Cauquicura, Mallama e Huarina. Com o sucesso dessa investida, ordenou o Inca que suas tropas retornassem em direção ao Titicaca, até a parte de Cuzco, para a organização do novo trajeto da expedição. De lá, as tropas foram mandadas para oeste, onde deveriam passar por terras praticamente despovoadas, devido provavelmente por sua característica de encosta. Lembramos que a região foi anexada no reinado de Lloque Yupanqui. A missão de transpor as serras nevadas, com o objetivo tácito de expandir o Império Incaico até o oceano, ou seja, as vertentes do Mar do Sul. A travessia da Serra Nevada certamente foi efetuada com grande dificuldade devido primeiramente a adversidade natural que impõe a condição naturale climática da Serra. Em segundo lugar pelo abandono da região que se refletia em não haver caminho algum já preparado para passagem das tropas e também sem nenhum ponto onde poderiam contar com parada e abastecimento de provisões. Empreendida a travessia chegaram a uma província chamada Cuchuna, onde entraram em contato com uma comunidade relativamente dispersa e sem um forte caráter organizacional, que, porém desconfiava das intenções incaicas e começavam a empreender estratégias de resistência e defesa. A primeira medida concreta efetuada por parte dos Cuchuna foi a construção de um forte, onde às pressas recolheram-se homens, mulheres e crianças com alguma provisão, dispostos a resistir aos chamamentos e propostas de anexação por parte dos Incas. Não foi necessária a adoção de técnicas de batalha direta e efetiva, pois somente o cerco ao forte que durou aproximadamente um pouco mais de cinqüenta dias, se encarregou de quebrantar pela fome a resistência dos naturais. Conquistaram os Incas aos Cuchuna sem maiores dificuldades. O alargamento das fronteiras continua com nova investida agora partindo de Pucara, com alguns homens de guerra, em direção ao leste, mais precisamente chegando na província de Llaricasa. Não houve necessidade de batalha, sendo essa conquista rapidamente anexada ao império. Sendo assim, partiram em direção a província de Sancauan encontrando as mesmas facilidades para a conquista dessa região, que não demonstrou resistência ou relutância sistemática contra os Incas. A anexação dessas duas províncias foi de relativa importância para o império, devido a pecuária desenvolvida ali, compensando um pouco o despovoamento. O próximo passo foi deslocar os contingentes de guerra para a região de Pacasa, que em momento anterior já havíamos assistido a sua conquista por parte de Lloque Yupanqui, porém, como se trata de uma região grande, seu filho e sucessor Maita Capac teve a necessidade de finalizar a conquista iniciada. Nesse caso encontramos alguma resistência para parte dos conquistados, sendo necessário por vezes, recorrer à batalha direta. Em outros pontos as contradições foram expressas de maneira cada vez mais branda, findando Inca Maita por efetivar a conquista terminando a obra deixada por seu pai. Dalí as tropas deveriam deslocar-se até o caminho real de Umasuyu até ir de encontro com um povoado de nome Huaichu. Os núcleos populacionais dessa região não estavam dispostos a ceder ao imperialismo incaico e com isso armou-se uma considerável resistência com cerca de quatorze mil indígenas de diferentes denominações tribais, mas com um elo comum a que se atribuía o nome Colla. A demora em anexar a região de Huaichu começa a causar certa inquietação dentro das tropas, pois a resistência já havia tocado naquilo que virtualmente era um dos temores do Império Inca, a perda da autoridade da casa do Filho do Sol. Não tardou muito para que o conflito fosse deflagrado. A conquista abrangeu a província de Huaichu até a de Callamarca, reduzindo pelo caminho dos Charcas as populações que por ali se encontravam ainda fora da autoridade incaica, fazendo o mesmo em relação à província de Caracollo. Após efetuar estas conquistas, ordenou o Inca que se dirigissem até a lagoa de Parra, em direção aos Andes. Nos Andes, mais precisamente no vale conhecido por Chuquiapu, havia a necessidade estratégica de estabelecer um posto avançado, uma ponta de lança para as conquistas posteriores, sobretudo em relação à região litorânea. Já havíamos anteriormente citado também a dificuldade de transpor ou movimentar-se por entre a cordilheira nevada que não contavam até então com um enclave sob a autoridade Inca que lhes possibilitasse usufruir os diversos serviços organizados pela administração imperial, tais como caminhos, fortes, correios. Para a ocupação efetiva da região, que se encontrava em virtual despovoamento, foi necessário recorrer ao transplante de contingentes de indígenas para a região. Esta estratégia não se caracterizava uma novidade entre os Incas, visto que já lançavam mão dela em outras oportunidades, porém o desafio aqui é maior tendo em vista tratar-se de um clima rigoroso e diferente do que muitos indígenas estavam acostumados. Era necessário oferecer as condições de sobrevivência e torcer pela boa adaptação por parte dos colonos. Foram necessários praticamente três anos para organizar e viabilizar essa nova região povoada, sendo que aos menos, rendeu bons frutos o esforço de colonização e de infra- estrutura aplicados pelo governo de Cuzco. Entre os benefícios especiais estava a construção de uma importante e grandiosa ponte sobre o rio Apurímac que serviria de passagem para os exércitos reais, tal como aconteceu posteriormente, quando o Inca ordenou que ali se reunissem para zelar pela integridade da construção em relação aos ataques inimigos, que podiam facilmente queimá-la, e especialmente para anexar novas localidades. As conquistas incaicas se sucedem, incorporando os povoados circunvizinhos, desejosos também de compartilhar da infra-estrutura e do suporte técnico que poderiam oferecer os conquistadores cuzquenhos. Foram arregimentados para essa campanha cerca de doze mil homens de guerra. Algumas conquistas que podemos destacar são as de Chumpiuillca que se processou de maneira “pacífica”, ou seja, sem a necessidade de se recorrer direta e efetivamente às armas. Outra é a do povo Uillilli que ofereceram uma certa resistência em relação à proposta de anexação incaica, recolhendo-se, todos que assim o podiam fazer, a uma espécie de fortaleza construída fora das imediações da cidade. Não havendo batalha campal e estabelecido o cerco militar do forte, a resistência não encontrou mais forças para prosseguir, tendo se passados aproximadamente treze dias de isolamento. Com isso a conquista dessa região foi tranqüilamente efetivada. Posteriormente seguem as tropas para a província de Allca onde foram travadas difíceis batalhas, pois os naturais se recusavam com veemência a prestar submissão aos Incas e estavam dispostos a defender essa posição. Porém os exércitos Incas conseguiram submeter os revoltosos e anexar a província. Ela possuía importância do ponto de vista estratégico, pois a partir da conquista da região de Allca foi possível reduzir os povoados de Taurisma, Cotahuaci, Pumatampu, Parihuana Cocha. Dessa última, os exércitos partem em direção a região despovoada de Coropuna, passando para a província de Aruni até Collahura chegando finalmente ao vale de Arequipa, reduzindo todas essas regiões e, por conseguinte os povos nela estabelecidos, para o controle do Império. A província de Arequipa localiza-se em um vale bastante fértil e de grande importância econômica e utilidade para o Inca. Sendo assim, mandou que edificassem casas e estruturou a região igualmente utilizando estratégias de povoamento, formando assim, cerca de quatro a cinco povos e alargando consideravelmente as fronteiras imperiais. Passadas as tradicionais comemorações pelas conquistas imperiais, morre o Inca Maita Capac, deixando por herdeiro seu filho primogênito Cápac Yupanqui, quinto rei da dinastia incaica tendo por esposa sua irmã Mama Cuca. Como primeira medida, empreendeu a visita aos territórios sob o domínio Inca, procurando informar-se, agora com a autoridade de entidade suprema, do funcionamento ou andamento do império em suas mais variadas esferas econômica, administrativa, religiosa e populacional. Retornando até a capital, Cápac Yupanqui ordena a organização de provisões e arregimenta homens de guerra para ampliar as fronteiras imperiais de seu reinado, pois a capacidade de expansãoe submissão de outros povos era um sinal incontestável, levando-se em conta a mentalidade de prestígio e grandiosidade do reinado e, por conseguinte da figura do imperador. Tendo tomado todas as medidas estruturais para o empreendimento da campanha de conquista, ordenou o Inca que se deslocasse um contingente de aproximadamente vinte mil homens de guerra em direção a Collasuyu. Chegaram a uma província de nome Yanahuara, que era habitada por diversos povos, ainda que não haja um relato que especifique ao menos a maioria deles. Sabe-se, porém que o primeiro povo com que os Incas entram em contato são os Piti, que receberam as tropas com “Grande alegria e regozijo” que para nós pode ser interpretado como um eufemismo da aceitação da posição de anexados e subordinados ao Império Incaico. Seja como for, os Piti desempenharam um importante papel no processo de conquista da região por parte dos Incas, pois serviram também de interlocutores frente às nações ainda não conquistadas, facilitando o trabalho Inca e evitando um desgaste maior na conquista pelo uso das armas e do recurso da batalha. De Yanahuara o séquito se desloca para a província de Aimara, chegando até a região de Mucansa, densamente povoada, rica em animais e em recursos tais como: ouro e prata. Porém, a chegada dos Incas já era esperada pois os habitantes dessa província estavam organizados e prontos para resistir. Ainda que não tivessem superior poder militar, toda a resistência se configura em um desgasta natural das tropas, tanto físico como das provisões, o que o Inca sempre procurava evitar quando dos deslocamentos de seus exércitos. Porém, se houve resistência, essa se deu de maneira desorganizada, sem uma estratégia definida senão a mínima necessária para a manutenção da vida da comunidade. Os Incas cercaram a região onde se concentrava a resistência durante aproximadamente um mês. A fome entre outras necessidades primárias se encarregou de baixar as armas do inimigo e anexá-los ao Império Incaico. Ainda na região de Aimara o Inca teve que resolver um problema envolvendo o povo recém conquistado da região e seus vizinhos mais próximos, os Huarquircas. Atraindo estes últimos para a sua esfera de influência, o Inca tratou de estabelecer leis expressas que deliberavam sobre a inviolabilidade dos territórios de um e outro povoado, bem como do usufruto da terra e dos recursos. Para tal empreendimento contou com a participação dos curacas da região 21numa campanha que, ainda que contasse com a virtual força das tropas incaicas e com algumas resistências e contratempos, se assemelhava mais a um esforço “diplomático” com vistas a evitar problemas para Cuzco que poderiam trazer uma região em efervescência. 21 Chefes Administrativos Passado esse primeiro exercício de expansão e apascentamento do império, o Inca ocupou os quatro anos posteriores com as tarefas burocráticas e organizacionais, assistindo à população e às exigências e carências das províncias. Contudo, não tardou para que aparecesse a necessidade de prosseguir com a marcha expansionista. Mandou que se juntassem as provisões necessárias, elegeu dentre os de sua casa real os generais da campanha e arregimentou todos os homens necessários para a guerra e para o comando de funções. Deslocaram-se as tropas até a região habitada pelos povos de origem Quéchua na província de Cotapampa que foi conquistada sem esforço militar, mas ao que tudo indica tratou-se de uma aliança estratégica por parte do cacique de Cotapampa e de seu parente, autoridade da província de Cotanera, região da mesma forma incorporada ao Império Inca. Estratégica porque essas regiões, de força militares aparentemente débeis, sofriam com as incursões, ataques e razias levadas a cabo especialmente pelos ferozes Chancas e pelos Hancohuallu. E uma vez anexadas ao império, gozaria da proteção real e de guarnição de tropas e melhoramentos bélicos. Estratégica também para os Incas essa posição, pois estabeleciam assim, uma cabeça- de-ponte para um futuro ataque a essas beligerantes regiões circunvizinhas, ou apenas um polo estratégico de defesa contra os mesmos. Seja como for o efeito dessa aproximação não soará muito bem, especialmente ao ouvido dos Chancas. Efetuada a anexação, passaram para a província de Huamanpallpa, onde incorporaram sem maiores dificuldades ao povo que ali se estabelecia, sem ser necessário recorrer à força das armas. Após mais esta conquista, percorreram as regiões que permeiam as margens do rio Amáncay, anexando a todos os povoados que por ali se encontravam, todos sob a denominação de Quechua. Regiões ricas em ouro, gado, entre outros recursos naturais. Rumando em direção à costa do mar, a chamada Yunca, até o vale de Hacari, região densamente povoada e conquistada pelos Incas sem maiores dificuldades. Daí passaram pelos vales de Uuiña, Camana, Carauilli, Picta, Quellca entre outros localizados na costa norte-sul, conquistando a todos os povoados dessas regiões, sem a necessidade de recorrer à batalha campal. Alguns anos depois dessa conquista, Inca Cápac Yupanqui ordenou a organização de cerca de vinte mil homens de guerra para iniciar a jornada de expansão do Império, agora em direção de Collasuyu. Rumaram em direção a lagoa de Paria onde sujeitaram os povoados que ali habitavam. Ainda no processo de incorporação chega a notícia de que dois grandes curacas da região assumiram a posição de beligerantes, um em relação ao outro. Contenda antiga, transmitida de geração em geração, gerava batalhas renhidas e sangrentas. O Inca nesse sentido vem atuar como uma espécie de árbitro. Possuidor de um poder sensivelmente maior, o que lhe dá uma ampla margem de coerção, ordenou o Inca que se fizesse a paz e que se respeitasse os decretos do deus Sol, o que foi plenamente atendido por Cari e Chipana. Essa intervenção, mais do que uma missão pacificadora foi antes um agente facilitador da expansão imperial, visto que o Inca anexou diversas províncias que estavam sob o comando desses dois curacas, entre elas Pocoata, Murumuru, Maccha, Caracara, e toda a região que se estende à leste dessas províncias até a Cordilheira dos Andes. Anexaram também a região de Tapac-ri que ainda que seja praticamente despovoada, servia por sua extensão de pastagens e para a captação de água, entre outras finalidades. Do mesmo modo conquistou a região que se configura ao longo do rio chamado Cochapampa. De Cochapampa partiram para a província de nome Chayanta. Para chegar até lá atravessaram uma dura região desértica, onde não se podia aproveitar o solo para o cultivo ou pastagens e onde a travessia se configurava bastante difícil devido aos acidentes geográficos e a grande quantidade de pedras. Enviando os mensageiros com as ordenanças de costume, encontrou no povoado de Chayanta uma situação atípica: parte concordava com a presença e a anexação do território e outros desconfiavam dessa proposta de integração, receosos do que lhes poderia acontecer caso se submetessem às leis incaicas. A solução do impasse não se deu por meio das armas, ainda que o Inca possuísse poder mais do que suficiente para submeter sem maiores baixas aquela região. É claro que o peso das frentes incaico conta muito como agente coercitivo, uma espécie de último recurso para a conquista, que de qualquer forma iria se estabelecer. Estabeleceram que o Inca poderia entrar em seu território sem recorrer às armas e passar suas ordenanças, leis e costumes, mas se esses se apresentassem desnecessários ou inconvenientes, que se retirassem sem batalha. E assim foi feito, sendo que oresultado final foi a anexação de Chayanta partiu rumo a novas conquistas. De Chayanta partiram em direção da região de Charca, onde se concentram diversos núcleos populacionais em torno dessa denominação. Entre eles podemos citar os principais que são: Sipsipi, Chaqui, Tutura, etc. Havia também a província denominada Chamuru que possuía uma considerável importância devido ao seu principal produto, a coca. Chegou até a região de Sacasa, anexando a todas as províncias supracitadas, entre outras. Passados de seis a sete anos com o processo de expansão do império, o Inca Cápac Yupanqui passa a tratar da conservação dos domínios e de sua organização e funcionamento. Porém as medidas de conservação das fronteiras e da manutenção da ordem não obstam um novo exercício expansionista. Porém, nesse momento, quem dirigirá os cerca de vinte mil homens mobilizados para a campanha não seria Inca Yupanqui, mas o herdeiro, seu filho Inca Roca. Era sem dúvida um excelente exercício para o futuro soberano incaico. O roteiro inicialmente aponta em direção a Chinchasuyu até chegar na áspera região de Rimactampu, onde a prevalência Inca é consolidada entre os dispersos habitantes da região. Atravessando o rio Apurímac, alcançou as terras de Cuhahuaci e Amáncay, conquistando com facilidade aos agrupamentos ali existentes. Atravessando o despovoado de Cochacasa, adentraram na província dos chamados Sura, uma região que possuía duas riquezas úteis ao império, ouro e gado. Foram incorporados sem grandes dificuldades, bastando os procedimentos de costume. De lá passaram para Apucara onde foi apaziguando ânimos exaltados entre as províncias alguma já eram rivais antes da chegada dos Incas e estabelecendo como consenso o domínio e a ascendência da cidade imperial de Cuzco. De Apucara chegaram à região denominada Rucana, que por sua vez encontrava seu território e população divididos em Rucana e Hatunrucana, que na língua corrente significa Rucana, a grande. A conquista foi efetuada sem maiores esforços. Partindo em direção à costa sul chegaram até a província de Nanasca, onde seus naturais se submeteram rapidamente ao domínio incaico, o mesmo acontecendo com os povos habitantes da região dos vales que fica compreendida entre Nanasca e Arequipa. Os principais vales submetidos são os de Hacari e Camata em primeiro grau de importância, e outros secundários como Aticu, Ucuna, Atiquipa e Quelllca, todos, como vimos, submetidos, tendo inclusive abafadas as suas querelas circunvizinhas, sob o manto da autoridade da casa do sol. Com as posteriores medidas de conservação das fronteiras e da transumância com vistas a uma operacionalização de algumas regiões pouco povoadas ou pouco exploradas economicamente, termina o reinado de Cápac Yupanqui, deixando por herdeiro Inca Roca, o sexto governante da dinastia incaica. Por já estar imbuído no calor das conquistas, Inca Roca prossegue diretamente com a campanha de anexação reunindo algo em torno de vinte mil homens de guerra onde partiram em direção a Amáncay. De lá seguem pelo caminho que contorna a serra nevada, submetendo aos povos que por lá se encontravam. Tal conquista se efetuou sem maiores preocupações. Entre as nações conquistadas destacamos as de Tacmara e Quiñualla. A seguir passam por Cochacasa, até chegarem na região de Curampa, onde com igual facilidade foram conquistados os naturais, que se encontravam dispersos e em pouco número. De Curampa seguem para a província de Antahuailla, de grandes dimensões, riquezas e facções preparadas para combate. Estavam por entrar em contato com alguns Chancas, denominação genérica de que se apropriam as diversas nações ali estabelecidas. Entre elas podemos citar: Hancohuallu, Untusulla, Uramaca, Uilca, entre outras. Novamente os Incas se vêem defronte a uma situação difusa, pois uma parte dos povoados estava pronta para aderir ao império, atendendo ao requerimento dos Incas. Outra parte invoca suas tradições guerreiras e conquistadoras, além de suas lendas e crenças para fazer frente às propostas de anexação. Seria então essa resistência de parte dos nativos disposta a levar a resistência até as últimas conseqüências? Levaram diversos dias nesse impasse. Porém o Inca enviou mensageiros com informações que dessem idéia do poder que trazia consigo e dos castigos cortaria a garganta dos chefes ou dos rebeldes que infligiria em caso de insurgência. Pesou bastante a informação de que nos exércitos incaicos havia vários soldados cujas nações se encontravam sob o nome genérico de Quechua, inimigos dos Chancas e ansiosos por retribuir os anos de conquista em que estiveram submetidos ao domínio destes últimos. A conquista foi efetuada sem a necessidade de se recorrer ao combate. Todavia se a conquista prevaleceu, não conseguiu acalmar os ânimos dos Chancas, que mais adiante buscarão devolver aos Incas a experiência de serem submetidos. Partiram então em direção a Uramarca, de população que igualmente se encontrava sob a denominação Chanca. As tropas Incas encontraram dificuldade em anexar essa província, pois os índios se levantaram em ferrenha oposição armada. Contudo a conquista foi efetuada. As tropas incaicas se deslocam em direção a Hancohuallu e a Uillca, onde também suas populações eram Chancas e se organizaram para levantar oposição contra o Inca. Desenrolaram-se batalhas disputadas e exaustivas, onde os Chancas dessa região foram reduzidos em número ou vencidos, mas não totalmente submetidos visto que guardaram forte rancor e desejo de vingança. A próxima campanha se desenvolveria a oeste, na costa do mar, onde se encontrariam as tropas Incas com diversas nações sob diversas denominações, que se compreendem nas regiões de Sulla e Utunsulla. Eram regiões densamente povoadas, com uma circunvizinhança de cerca de quarenta mil índios, e apresentando comportamentos alternados em relação às propostas de anexação ao Império Inca. O Inca levou vários meses para sugestionar e conquistar efetivamente a extensa população dessas regiões, sendo que passaram por momentos de grande instabilidade, onde ora estabeleciam negociações, ora abriam-se tensões que quase culminavam em um ataque frontal contra as tropas incaicas. Com a efetivação da conquista conseguiram importantes mananciais de prata e absorveram, por conseguinte os responsáveis pela técnica de fundição da mesma. A seu filho, o príncipe que futuramente assumiria o reinado dos Incas, mandou consolidar a conquista de algumas províncias que se localizam na região de Antisuyu. Tarefa não muito difícil pois as populações eram poucas e dispersas. Mandou ainda povoar algumas regiões e organizou as regiões dessa província responsáveis pelo cultivo da coca. A última campanha sob o reinado de Inca Roca foi a do término da conquista dos Chancas empreendida em parte por seu pai Capác Yupanqui. Mandou que se organizasse um exército de trinta mil homens de guerra, o maior contingente visto até aqui. Conquistou as nações com alguma dificuldade, visto que os homens, sobretudo os mais jovens, estavam dispostos a morrer em combate por sua liberdade. Com a morte de Inca Roca o poder passa para seu filho Yáhuar Huacác, sétimo rei Inca, que por muitos dos seus governados era conhecido por Inca Chora Sangue. Essa alcunha tem origem em histórias de que o Inca Yáhuar, quando pequeno, tinha chorado sangue, além de outras características físicas ou trejeitos peculiares. O conjunto de condições que se reuniam no dia de seu nascimento lhe conferiram o status de nascido em mau agouro, o que os traços e acontecimentos posteriores contribuirão para enriquecer e fortalecer cada vez mais as especulações sobreas maldições que cercavam o sétimo soberano da cidade de Cuzco. A característica básica do reinado de “Chora Sangue” é todo o conjunto de lendas e crenças a respeito de seu nascimento e vida que vai determinar a linha de atuação de seu reinado. Por temer que os agouros e previsões se tornassem realidade e que se pai o deus sol o castigasse com algum infortúnio, não empreendeu a princípio nenhuma grande campanha militarista, com vistas à ampliação dos domínios imperiais. Dedicou-se, contudo a visitar seu reino umas duas vezes como medida cautelar para a garantia da paz das fronteiras e para salvaguardar a ordem interna das províncias, em suma, afastar toda e qualquer possibilidade de explosões de confrontos que pudessem ameaçar a sua busca pela paz, quietude e boa vizinhança. Porém, para evitar que se difundisse uma mancha de covardia que, uma vez espalhada e assimilada por todas as categorias e estamentos incaicos lhe pudesse ameaçar seu reinado, mandou que se empreendesse uma campanha militar, mais com caráter “publicitário” do que um verdadeiro projeto de expansão imperial. Enviou os generais Incas e cerca de vinte mil homens de guerra em direção a sudoeste de Cuzco, para as regiões que se localizam depois de Arequipa, onde os Incas anteriores deixaram uma estreita faixa de terra a ser conquistada. A conquista foi fácil, o mais difícil foi justamente chegar até a província, caminhar por ela até chegar a região pouco povoada a ser anexada. Com isso submeteu os povos de Arequipa até Tacama. Terminado os trabalhos militares, retornaram para Cuzco para prestar contas ao Inca. Ao saber do sucesso da conquista e provavelmente por saber a medida dela e seu valor frente às conquistas de seus antepassados, ordenou uma campanha militar de maior vulto, em direção a províncias maiores e mais densamente povoadas, em direção a Collasuyu. Partiram em direção respectivamente para as províncias chamadas Caranca, Ullaca, Llipi, Chicha e Ampara, densamente habitadas e de gente preparada para a guerra, para oferecer reação a toda e qualquer intenção de conquista por parte dos Incas. A conquista se desenrolou de maneira apreensiva, ora com boas notícias e esperanças, ora com a sombra das lendas e maus agouros quando dos reveses sofridos pelos exércitos incaicos sendo efetuadas em diversas incursões, sem aparentemente alcançar a um resultado decisivo ou definitivo. É no reinado de Yáhuar Huácac que se esboçam as primeiras rachaduras no poder do soberano de Cuzco. Isso se torna patente com o desterro dado ao seu filho primogênito, que segundo anunciam as histórias de seu tempo, tinha um temperamento bastante agressivo, e se configurava um verdadeiro guerreiro. Além disso, não se entendia com seu pai pois possuía um temperamento longe de combinar com a passividade dele e maneira de ver o império de uma forma distinta. Provavelmente por enxergar no filho uma ameaça futura a seu poder – Garcilaso justifica em seus relatos que se trata apenas de um afastamento em virtude de seu temperamento distoante da tradição de mansidão dos Incas – o Inca desterra seu filho, mandando-o para a região de Chita, tradicionalmente voltada para a criação de gado, onde o príncipe se encarregaria de apascentar os rebanhos reais. Com isso, decidiu o Inca interromper as campanhas militares e voltar a se dedicar somente à manutenção da paz de seu reino. Porém em certo tempo o Príncipe Inca, que havia sido desterrado, retorna à presença de seu pai e perante seus amautas narra a aparição de seu tio o deus Viracocha que lhe advertia das iminentes invasões e ataques que posteriormente realizariam os Chancas, que como havíamos visto foram reduzidos, mas guardavam forte desejo de vingança. Seu pai não acreditou no suposto oráculo de seu filho, mas a narrativa da aparição juntamente com outras lendas e histórias incaicas dividiram opiniões dentro da casa real. Foi mandando embora com grande fúria por seu pai, e retornou deixando a mensagem que mais tarde iriam conhecer de perto. O que de fato pode ter acontecido é presumível pela posição que ocupa o príncipe Inca em seu desterro. Como pastor, percorre certas extensões de terras e também tem acesso a informações, de levantes, por exemplo, numa velocidade maior do que os habitantes de Cuzco. Mas trata-se apenas de uma suposição, já que a história é eivada de elementos maravilhosos, que será a tônica de todo o período de governo de Viracocha. Os Chancas, que é uma denominação genérica para vários povos que possuía alguns traços de similaridade e de passado comum, se agruparam e organizaram uma investida militar para dominar a cidade de Cuzco, que seria pega de surpresa, e destruir o poder do imperador Inca, pois além de todas as provisões que possuíam, sabiam da fragilidade do Inca e das histórias de azar que lhe cercavam. Sendo assim, se organizaram e empreenderam a marcha em direção a Cuzco. Recebendo a notícia da aproximação das hostes Chancas, Inca Yáhuar não sabia o que fazer ou que medida tomar, visto que desde o início da expansão incaica com Manco Cápac, nenhuma província havia se rebelado com tanta intensidade e pior, em direção a Cuzco. A saída encontrada pelo imperador veio combinar com as histórias de fragilidade em torno de sua pessoa, pois decidiu fugir com sua família real, amautas e funcionários próximos para a região de Muina, distrito de Collasuyu. Cuzco ficou desamparada, e sem comando um comando forte que pudesse agregar a reação. Mas a reação não tardaria a aparecer. Sabendo da fuga de seu pai, o príncipe Inca vai a Cuzco e procura organizar a resistência inicialmente com cerca de mil homens. Nascia o mito de Viracocha nome que todos atribuíram ao príncipe Inca. Porém o aparente número reduzido de soldados foi só temporário, pois as notícias da iminente invasão dos Chancas e da resistência que se organizava em torno do Inca Viracocha, fez com que tropas se organizassem e viessem se juntar as que já se encontravam com o príncipe. Os reforços são, sobretudo das nações que se reúnem sob a denominação Quéchua, tradicional inimigos dos Chancas. Cerca de vinte mil homens entre Quéchua, Cotapampa e Cotanera e Aymara. Com isso, pôde o Inca Viracocha organizar a resistência surpresa aos Chancas, que esperavam pegar Cuzco desprevenida. Traçou uma estratégia de combate que lhe possibilitava atacar frontalmente os adversários contando posteriormente com um súbito acréscimo em seus exércitos, de soldados oriundos de outras regiões que estavam a caminho do campo de batalha. Esse acréscimo inesperado nas tropas do Inca, que estava envolvida em uma intensa e sangrenta batalha, ainda que os Chancas estivessem surpresos, estavam confiantes e dispostos a lutar pela vitória. A vitória rendeu mais uma lenda, entre tantas outras que cercarão o reinado de Viracocha, de que o Inca havia convocado as pedras para a batalha e prontamente elas se consubstanciaram em soldados. Seja como for, esse acréscimo às tropas do Inca no meio da batalha, atacando o inimigo pelos flancos, obrigou os Chancas a recuarem, fugirem, e finalmente a serem submetidos. Com a vitória consolidada, Inca Viracocha envia mensageiros até o imperador Inca para que não voltasse a Cuzco, mas que permanecesse onde estava pois ele iria a seu encontro. Nesse episódio, Viracocha, já consagrado pela vitória e pela manutenção do império, exorta seu pai a lhe entregar o poder. Diante da legitimidade em que repousava as pretensões de Viracocha Inca, não pode tomar solução diferente da de lhe entregar o símbolo de poder, a Maskapaicha22. 22 Manto Vermelho que simboliza
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