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A aura da ironia David Foster Wallace

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A AURA DA IRONIA 
David Foster Wallace – Tradução de Sergio Rodrigues. 
 
É fato amplamente reconhecido que a televisão, com sua bateria de estatísticos e 
pesquisadores de aros de tartaruga, sai-se terrivelmente bem na tarefa de discernir 
padrões no fluxo das ideologias populares, absorvendo-os, processando-os e em seguida 
reapresentando-os como estímulos para assistir e comprar. Anúncios dirigidos aos filhos 
do pós-guerra que prosperaram nos anos 1980, por exemplo, ficaram famosos por usar 
versões processadas de melodias da cultura rock dos anos 60 e 70, tanto para evocar o 
desejo que acompanha a nostalgia quanto para atrelar o consumo de produtos àquela 
que, para os yuppies, foi uma época perdida de convicção genuína. Vans esportivas da 
Ford são anunciadas como “Esta é a aurora da era de Aerostar”; a Ford recentemente 
envolveu-se com Bette Midler num litígio sobre a apropriação indébita de seus velhos 
vocais em Do you wanna dance; as passas de argila animada da California Raising 
Board dançam ao som de Heard through the grapevine, etc. Se a reutilização cínica das 
canções e dos ideais que elas costumavam simbolizar parece de mau gosto, não se pode 
dizer que os músicos pop sejam eles próprios epítomes do não-comercialismo, e de todo 
modo ninguém jamais disse que vender era bonito. Os efeitos de qualquer caso isolado 
de absorção e trivialização de símbolos culturais pela TV parecem razoavelmente 
inócuos. A reciclagem de tendências culturais como um todo – e das ideologias que as 
informam – é outra história. 
A cultura popular americana é exatamente igual à cultura americana séria num aspecto: 
sua tensão central sempre se deu entre a nobreza do individualismo e o calor do 
sentimento comunitário. Em seus primeiros vinte anos, parecia que a televisão buscava 
apelar sobretudo para o lado grupal dessa equação. Comunidades e laços eram exaltados 
na infância da TV, embora a própria TV, e especialmente sua publicidade, tenham desde 
o início se dirigido ao espectador solitário, João Bobão, de forma isolada. (Os anúncios 
televisivos sempre apelam a indivíduos, não a grupos, um fato que parece curioso à luz 
do tamanho sem precedentes do público telespectador – mas só até ouvirmos 
vendedores talentosos explicarem que as pessoas estão sempre mais vulneráveis, 
portanto assustadas, logo passíveis de persuasão, quando são abordadas sozinhas.) 
Os comerciais clássicos da televisão eram todos sobre o Grupo. Tomavam a 
vulnerabilidade de João Bobão – sentado lá, olhando para uma peça de mobília, solitário 
– e a capitalizavam, relacionando a compra de determinado produto com a inclusão de 
João B. em alguma comunidade atraente. É por isso que aqueles que têm mais de 21 
anos nos lembramos de tantos velhos anúncios intercambiáveis estrelados por turmas de 
gente bonita em algum contexto festivo, todos se divertindo muito mais do que qualquer 
pessoa tem o direito de se divertir, e todos unidos como Grupo Feliz pelo fato conspícuo 
de que tinham nas mãos certa garrafa de refrigerante ou marca de salgadinho – o apelo 
altissonante, aqui, é que aquele importante produto pode ajudar João Bobão a se 
integrar: “Somos a Geração Pepsi…”. 
Mas desde os anos 80, pelo menos, o lado Individualista da grande conversa americana 
tem predominado na publicidade televisiva. Não estou bem certo de por que ou como 
isso ocorreu. É provável que haja grandes correlações a serem traçadas – com o Vietnã, 
a cultura jovem, Watergate, a recessão e a ascensão da Nova Direita – mas o que 
importa é que grande parte dos mais eficazes comerciais de TV dirige-se agora ao 
espectador solitário de modo dramaticamente distinto. Os produtos são frequentemente 
louvados como capazes de ajudar o telespectador a “expressar seu eu”, afirmar sua 
individualidade, “destacar-se da multidão”. O primeiro exemplo dessa tendência que eu 
vi foi o de um perfume do início dos anos 80, ardorosamente anunciado como capaz de 
reagir à “química corporal única” de cada mulher para criar “sua própria fragrância 
individual”. O comercial mostrava uma fila indiana de modelos lânguidas que, amuadas 
e sem expressão, aguardavam o momento de, uma a uma, terem seus pulsos borrifados, 
cada modelo aspirando então seu pulso individual úmido com uma espécie de revelação 
bioquímica e se afastando do borrifador numa direção que uma tomada de cima 
revelava ser diferente das demais. (Podemos ignorar as óbvias conotações sexuais, o 
borrifamento e tal; algumas táticas nunca mudam.) Ou pense naquela série recente de 
anúncios de Cherry 7-Up, rodada num preto e branco excessivamente sombrio, em que 
os únicos personagens que têm cor e se destacam do ambiente são as pessoas rosadas 
que se tornam rosadas no exato instante em que se embebem do bom e velho Cherry 7-
Up. Exemplos de comerciais do gênero “destaque-se” são hoje praticamente 
onipresentes. 
A não ser pelo fato de serem mais tolinhos (produtos alegadamente capazes de 
distinguir os indivíduos da multidão são vendidos para imensas multidões de 
indivíduos), esses anúncios não são, na verdade, mais complicados ou sutis do que os 
velhos comerciais do tipo Entre-para-o-Grupo-Feliz que hoje parecem tão antiquados. 
Contudo, a relação do gênero Seja-Diferente-da-Manada com sua massa de 
espectadores solitários é mais complexa e mais engenhosa. Os melhores comerciais da 
atualidade ainda são centrados no Grupo, mas agora o apresentam como uma coisa 
temível, algo que pode engoli-lo, anulá-lo, impedi-lo de “ser notado”. Mas notado por 
quem? As multidões ainda têm importância vital nas teses sobre identidade dos 
comerciais individualistas, mas hoje a multidão de um determinado anúncio, longe de 
ser mais atraente, segura e vivaz do que o indivíduo, funciona como uma massa de 
olhos idênticos e sem personalidade. A multidão é hoje, paradoxalmente, tanto (1) a 
“manada” em contraste com a qual a identidade distintiva do telespectador deve ser 
definida quanto (2) o grupo de testemunhas cujo olhar, e só ele, pode lhe conferir tal 
identidade distintiva. O isolamento do espectador solitário diante de sua mobília é 
implicitamente aplaudido – é melhor e mais real, insinuam esses anúncios solipsistas, 
seguir em voo solo – e ao mesmo tempo tem implicações ameaçadoras, confusas, pois 
no fim das contas João Bobão não é um idiota que, sentado ali, ignore ser culpado, 
como espectador, dos dois graves pecados que o anúncio condena: ser um observador 
passivo (da TV) e fazer parte de uma grande manada (de telespectadores e compradores 
de produtos Seja-Diferente-da-Multidão). Tudo muito estranho. 
Na superfície, os comerciais Seja-Diferente ainda apresentam o recado “compre isto” 
em estado relativamente puro, mas a mensagem profunda da televisão no que diz 
respeito a esses anúncios parece ser a de que o estatuto ontológico de João Bobão como 
mais um na massa reativa de espectadores é, em algum nível primordial, periclitante e 
contingente, e que a verdadeira realização do ser consistiria em última análise na 
transformação de João numa daquelas imagens que são objetos da audiência de massa. 
Ou seja, o verdadeiro discurso da televisão nesses comerciais é o de que é melhor estar 
dentro da TV do que do lado de fora, assistindo. 
Isso quer dizer que a nobreza solitária do Seja-Único não se limita a vender produtos. 
Ela é capaz de garantir de forma brilhante – mesmo em comerciais que a TV cobra para 
veicular – que no fim das contas seja a própria TV, e não qualquer produto ou serviço 
específico, que João Bobão tomará como árbitro definitivo do valor humano. Um 
oráculo que deve ser consultado sem parar. O estudioso de publicidade Mark C. Miller 
formula isso de forma sucinta: “A televisão foi além da celebração explícita das 
mercadorias para promover oreforço implícito da postura de espectador que exige de 
nós”. Anúncios solipsísticos são uma das formas pelas quais a TV acaba por apontar 
para si mesma, mantendo ao mesmo tempo alienada e dependente a relação do 
espectador com sua mobília. 
No entanto, talvez a relação do espectador contemporâneo com a televisão 
contemporânea seja menos um paradigma de infantilismo e vício do que da familiar 
postura dos Estados Unidos diante de toda tecnologia, que equiparamos a liberdade e 
poder e, ao mesmo tempo, a escravidão e caos. Porque, assim como ocorre com a 
televisão, podemos adorar pessoalmente a tecnologia, odiá-la, tême-la ou todas as 
alternativas acima, mas ainda é a ela que recorremos sem cessar em busca de soluções 
para os problemas que a própria tecnologia parece causar – vejam-se p. ex. os 
catalisadores contra a poluição do ar, a “Guerra nas Estrelas” contra os mísseis 
nucleares, os transplantes contra diversos tipos de decadência física. 
Assim como a tecnologia, a Gestalt da televisão também se expande para absorver todos 
os problemas a ela associados. As pseudocomunidades de telenovelas do horário nobre 
como Knots Landing e thirtysomething são confortáveis para o espectador por serem 
produtos do mesmo meio cuja ambivalência a respeito do Grupo contribui para erodir o 
sentido de inserção comunitária das pessoas. A edição sincopada, as frases de efeito dos 
entrevistados e o tratamento sumário de questões intrincadas são a forma como o 
noticiário televisivo acomoda uma Audiência cujo arco de atenção e apetite pela 
complexidade encolheram um pouco, naturalmente, após anos de doses maciças de 
assistência. Etc. 
Mas a TV tem seus próprios problemas provocados pela tecnologia. O advento do 
consumidor de TV a cabo, frequentemente dono de pacotes de mais de quarenta canais, 
é uma ameaça tanto para as redes quanto para suas afiliadas locais. Isso é mais 
verdadeiro ainda quando o espectador está armado com uma engenhoca de controle 
remoto: João B. ainda consome suas seis horas totais de televisão por dia, mas o tempo 
que suas retinas dedicam a cada opção encolhe, pois ele cobre remotamente um espectro 
muito mais amplo. Pior ainda, o gravador de vídeo, com suas temíveis funções de 
avanço e zap, ameaça a própria viabilidade dos comerciais. A solução inteiramente 
sensata dos publicitários? Torne os anúncios tão atraentes quanto os programas. Ou pelo 
menos tente evitar que João B. desgoste tanto dos comerciais que sinta vontade de 
mover seu dedão e conferir dois minutos e meio de Hazel no Superstation enquanto a 
NBC vende um protetor labial. Faça anúncios mais bonitos, mais animados e cheios de 
suficiente informação visual rapidamente justaposta para que a atenção de João não 
chegue a se perder, mesmo que ele corte o volume. Como diz eufemisticamente um 
executivo publicitário: “Os comerciais estão ficando mais parecidos com os filmes de 
entretenimento”. 
Existe uma forma inversa, claro, de tornar os comerciais parecidos com os programas. 
Faça os programas se assemelharem a comerciais. Dessa forma os anúncios parecem 
menos interrupções do que marcadores de ritmo, metrônomos, comentários sobre a 
teoria da atração principal. Invente um Miami Vice, em que há bem pouca trama para 
irritar e distrair, mas uma ênfase sem precedente na aparência, no visual, na atitude, 
num certo “estilo”. Faça videoclipes com a mesma levada anfetamínica e as mesmas 
associações arquetípicas oníricas dos comerciais – ajuda bastante o fato de videoclipes 
serem basicamente longos anúncios musicais, de qualquer forma. Ou inaugure um 
híbrido de informação e publicidade bancado pelo patrocinador que finja ser, de forma 
despretensiosa, um noticiário leve, como Amazing Discoveries ou aquelas reportagens 
sobre queda de cabelo apresentadas por Robert Vaughn que assombram as horas mortas 
da TV. Apague – exatamente como fez a literatura pós-moderna – as linhas divisórias 
entre gêneros, interesses, arte comercial e comercial artístico. 
No entanto, a televisão e seus patrocinadores tinham uma preocupação de longo prazo 
ainda maior: suas delicadas relações diplomáticas com o psiquismo do espectador 
individual. Como a televisão precisa girar em torno das contradições básicas do ser e do 
assistir, da fuga da vida cotidiana, o espectador medianamente inteligente não tem como 
ficar lá muito feliz com sua vida cotidiana e seus altos teores de assistência. Talvez João 
Bobão seja até bem feliz quando está assistindo, mas é difícil imaginar que se sinta 
terrivelmente feliz por assistir tanto. Com certeza, lá no fundo, João fica desconfortável 
por fazer parte da maior multidão da história da humanidade, vendo imagens que 
sugerem que o sentido da vida consiste em se destacar visivelmente da multidão. O 
ciclo de culpa/complacência/conforto da TV dá conta dessa preocupação num certo 
nível. Mas não haveria um jeito mais profundo de manter João Bobão firme no meio da 
multidão de espectadores, associando de alguma forma sua própria assistência à 
superação dessa multidão de espectadores? Mas isso seria absurdo. É aí que entra a 
ironia. 
Eu já afirmei – por enquanto de maneira um tanto vaga – que o que torna a televisão tão 
resistente às críticas da nova Ficção da Imagem é o fato de que ela cooptou as formas 
distintivas da própria literatura cínica, irreverente, irônica e absurdista do pós-Segunda 
Guerra que os novos Imagistas usam como pedras de toque. Ocorre que a reciclagem, 
pela TV, do cool pós-moderno evoluiu como uma solução inspirada para o problema de 
manter-João-ao-mesmo-tempo-alienado-da-e-integrado-à-multidão-de-um-milhão-de-
olhos. A solução implicou uma gradual mudança de expressão, do excesso de candura 
para uma espécie de irreverência de menino mau, na Grande Face que a TV nos exibe. 
Isso por sua vez refletiu uma transformação mais ampla na percepção americana sobre 
como a arte deve funcionar, uma transição da arte como representação criativa de 
valores reais para a arte como rejeição criativa de valores fajutos. E essa transformação 
mais ampla, por seu lado, caminhou em paralelo ao desenvolvimento da estética pós-
moderna e a certas mudanças graves e profundas no modo como os americanos optaram 
por encarar conceitos como autoridade, sinceridade e paixão em termos de nosso desejo 
de satisfação. Não apenas a sinceridade e a paixão estão hoje “fora de moda” no que diz 
respeito à TV, mas a própria ideia de prazer foi minada. Como diz Mark C. Miller, a 
televisão atual “já não solicita nossa absorção enlevada ou concordância fervorosa, mas 
– como os comerciais que a financiam – na verdade nos congratula pelo próprio tédio e 
pelo próprio descrédito que nos inspira”. 
Deride and Conquer (Ridicularize e Conquiste), de Miller, de 1986 – de longe o melhor 
ensaio já publicado sobre a publicidade das grandes redes – detalha vividamente um 
exemplo de como funciona o tipo de apelo que a TV contemporânea exerce sobre o 
espectador solitário. Refere-se a um anúncio de 1985-86 que ganhou o prêmio Clio e 
ainda vai ao ar de vez em quando. Trata-se daquele comercial da Pepsi em que um carro 
de som especial da Pepsi estaciona junto a uma praia lotada sob o sol escaldante e, 
dentro dele, um rapaz de ar maroto liga um luxuoso sistema de som antes de abrir uma 
Pepsi e virá-la num copo perto do microfone. Quando o denso som efervescente do 
líquido gasoso se espalha no ar ressequido da praia, as cabeças voltam-se na direção da 
van como se fossem puxadas por cordinhas, enquanto os ruídos do rapaz que bebe, seus 
goles e aaahs de frescor, são transmitidos pelos alto-falantes. A tomada final revela que 
o carro de som é também um caminhão de venda, ao redor do qual a bela população da 
praia está agora inteiramente reduzida a umamassa ululante, todo mundo pulando e 
implorando para ser servido primeiro, enquanto o ponto de vista da câmera recua para 
uma tomada de cima da multidão e o slogan é enunciado em tom neutro: “Pepsi: a 
escolha de uma nova geração”. Sem dúvida, um esplêndido comercial. Mas será preciso 
dizer – como faz o ensaio de Miller com certa medida de detalhismo – que o slogan 
final é uma gozação? Há tanta “escolha” envolvida nesse comercial quanto no canil de 
Pavlov. O uso da palavra “escolha” é uma tirada de humor negro. Na verdade, toda a 
peça de trinta segundos é gozadora, irônica, autodepreciativa. Como argumenta Miller, 
não é uma escolha que o anúncio está vendendo a João Bobão, “mas a completa 
negação das escolhas. Na verdade, o próprio produto é, no fim das contas, incidental no 
discurso vendedor. O comercial não exalta a Pepsi em si, mas a recomenda ao sugerir 
que muita gente foi convencida fraudulentamente a comprá-la. Em outras palavras, a 
mensagem central desse anúncio de sucesso é que a Pepsi foi anunciada com sucesso.” 
Há coisas importantes a se compreender aqui. Em primeiro lugar, esse comercial é 
profundamente informado pelo medo do controle remoto, do zapping e do desdém do 
telespectador. Anúncio publicitário sobre anúncios publicitários, ele usa a 
autorreferência como forma de parecer descolado demais para que o odeiem. Protege-se 
do desprezo que os iniciados televisivos de hoje devotam tanto aos comerciais de venda 
direta com locução acelerada que Dan Aykroyd parodiou à exaustão no Saturday Night 
Live quanto aos anúncios quixotescos que associam o consumo de refrigerante com 
romance, beleza e inclusão comunitária, anúncios que o espectador antenado de hoje 
considera antiquados e “manipuladores”. Em contraste com um despudorado “compre 
isto”, o comercial da Pepsi vende a paródia. O anúncio é inteiramente escancarado a 
respeito daquilo que leva os anúncios televisivos a serem desprezados, i.e., lançar mão 
de apelos primais enganadores para vender lixo açucarado a pessoas cuja identidade não 
vai além do consumo de massa. O comercial consegue simultaneamente rir de si 
mesmo, da Pepsi, da publicidade, dos publicitários e da grande multidão americana de 
consumidores. Na verdade, é untuoso na bajulação de apenas uma pessoa: o espectador 
solitário, João B., que mesmo tendo um cérebro mediano não pode deixar de discernir a 
contradição irônica entre a “escolha” do slogan (som) e a orgia pavloviana ao redor da 
van (imagem). O comercial convida João a “ver através” da manipulação que a horda 
praiana engoliu furiosamente. Demanda cumplicidade entre sua própria ironia 
espirituosa e o reconhecimento cínico dessa ironia pelo veterano espectador João, que 
não é homem de se deixar enganar tão facilmente. Convida João a compartilhar de uma 
piadinha interna às custas da Audiência. Parabeniza João Bobão, em outras palavras, 
por transcender a própria multidão que o define. Multidões inteiras de Joões 
corresponderam: o anúncio impulsionou o crescimento da participação de mercado da 
Pepsi por três trimestres consecutivos. 
A campanha da Pepsi não é um caso isolado. A Isuzu Inc. descobriu um bom filão no 
fim dos anos 80 com a série de comerciais “Joe Isuzu”, estrelada por um vendedor 
melífluo de aparência satânica que mentia deslavadamente sobre o estofado de pele de 
lhama do Isuzu ou sua capacidade de rodar com água da bica no tanque de gasolina. 
Embora os comerciais nunca dissessem quase nada sobre por que os Isuzus são de fato 
bons carros, as vendas e os prêmios se acumularam. Eram bem-sucedidas paródias dos 
melífluos e satânicos anúncios de automóveis. Convidavam os espectadores a 
parabenizar os anúncios da Isuzu por serem irônicos, parabenizar-se a si mesmos por 
entender a piada e parabenizar a Isuzu Inc. por ser suficientemente “destemida” e 
“irreverente” para reconhecer que a publicidade de carros é ridícula e que a Audiência é 
idiota de acreditar neles. Os anúncios instavam o espectador solitário a dirigir um Isuzu 
como uma espécie de manifesto anti-publicidade. Associavam com êxito a compra de 
um Isuzu ao destemor, à irreverência e à capacidade de desmascarar fraudes. Hoje, para 
qualquer lado que se olhe, é possível encontrar comerciais de TV bem-sucedidos que 
zombam das convenções da publicidade televisiva, dos anúncios de Settlemeyer para o 
Federal Express e o Wendy’s, com seus personagens publicitários mofados de fala 
burlescamente acelerada, àquelas peças espertinhas de Doritos à base de colagens de 
locutores comerciais e clipes ironicamente cafonas de Beaver e Mr. Ed. 
Além disso, pode-se ver essa tática de zombar das pretensões à virtude da autoridade e 
da sinceridade exibidas por aqueles velhos comerciais – desse modo (1) blindando 
contra a zombaria o autor da zombaria e (2) felicitando o decodificador da zombaria por 
se destacar da massa que ainda acredita nessas pretensões fora de moda – empregada 
com grande êxito em muitas das atrações televisivas que os comerciais financiam. 
Programa após programa, há anos, tem sido uma de duas coisas: uma suposta 
celebração pós-moderna de alusões e poses, imagética e vazia, ou, o que é ainda mais 
comum, uma guerra discursiva desigual entre algum ineficaz porta-voz da autoridade 
oca e seus filhos precoces, sua esposa mordaz ou seus colegas sarcásticos. Compare-se 
o tratamento televisivo dado a figuras de autoridade nos programas pré-irônicos – 
Erskine de The FBI, Kirk de Jornada nas Estrelas, Beaver de Ward, Shirley da Família 
Dó-Ré-Mi, McGarrett de Havaí 5-0 – ao retrato que a TV faz de Al Bundy em 
Married… with Children, do Sr. Owens em Mr. Belvedere, de Homer nos Simpsons, de 
Daniels e Hunter em Hill Street Blues, de Jason Seaver em Growing Pains, do Dr. Craig 
em St. Elsewhere. 
O sitcom moderno, em particular, baseia quase inteiramente seu humor e seu tom no 
ataque feroz – inspirado em M*A*S*H – a algum porta-voz caricatural de valores 
hipócritas, pré-descolados, empreendido por insurgentes de língua afiada. Do mesmo 
modo que Hawkeye foi atacado ferozmente por Frank e depois por Charles, Herb é 
atacado ferozmente por Jennifer e Carlson por J. Fever em WKRP, o Sr. Keaton por 
Alex em Family Ties, o chefe pela equipe de secretárias em Nine to Five, Seaver por 
toda a família em Pains, Bundy por todo o planeta em Married… (sitcom que é a 
paródia definitiva do gênero sitcom). Na verdade, pode-se dizer que os únicos 
personagens de autoridade que retêm alguma credibilidade nos programas pós-80 (além 
daqueles como o Furillo de Hill Street e o Westphal de Elsewhere, acossados de forma 
tão incansável por pressões e todo tipo de sordidez que o simples fato de se aguentarem 
semana após semana os torna heroicos) são aqueles que, sendo bastiões de valores, 
conseguem comunicar alguma medida de auto-ironia, rindo de si mesmos antes que 
algum Grupo impiedoso lhes pule em cima – como Huxtable em Cosby, Belvedere em 
Belvedere, o agente especial Cooper em Twin Peaks, Gary Shandling da Fox TV (cujo 
show tem uma música-tema que diz: “Esta é a música-tema do show do Gary”) e o 
verdadeiro Anjo da Morte dos anos 80, o irônico Sr. D. Letterman. 
A institucionalização do cinismo diante da autoridade trabalha a favor da televisão em 
diversos níveis. Em primeiro lugar, na medida em que consegue ridicularizar 
convenções antiquadas e varrê-las do mapa, a TV é capaz de criar um vácuo de 
autoridade – e adivinhe o que o preenche depois disso. A verdadeira autoridade num 
mundo que agora vemos como construído, e não mais retratado, passa a ser o meio que 
constrói nossa visão de mundo. Em segundo lugar, na medida em que consegue se 
referir apenas a si mesma e expor os padrões convencionais como ocos, a TV fica 
invulnerável aos críticos que atacam seu conteúdo comosuperficial, grosseiro ou ruim, 
uma vez que tais julgamentos remetem a padrões convencionais e extratelevisivos de 
profundidade, gosto e qualidade. Além disso, o tom de ironia autorreferencial da TV 
significa que ninguém pode acusá-la de tentar impor nada a ninguém. Como aponta o 
ensaísta Lewis Hyde, a autodepreciação é sempre “sinceridade com um motivo”. 
Ademais, para voltar ao argumento original, quando a televisão consegue atrair João 
Bobão para dentro dela pela porta das piadas cifradas e da ironia, alivia aquela dolorosa 
tensão entre a necessidade que João sente de transcender a multidão e sua condição 
inescapável de membro da Audiência. Na medida em que a TV é capaz de congratular 
João por “enxergar através” da pretensão e da hipocrisia dos valores antiquados, 
consegue induzir nele precisamente o sentimento de superioridade astuta em que o 
viciou, mantendo-o dependente de uma assistência televisiva que detém a exclusividade 
na indução de tal sentimento. 
Na medida em que consegue adestrar os espectadores para rir dos intermináveis foras 
que os personagens dão uns nos outros, para encarar o ridículo como modelo de 
interação social e forma de arte definitiva, a televisão reforça sua própria e estranha 
ontologia da aparência: para o telespectador bem condicionado, a perspectiva mais 
ameaçadora passa a ser abrir o flanco ao escárnio dos outros pelo uso de expressões que 
traiam valores, emoção ou vulnerabilidade. Os outros viram juízes; o crime é a 
ingenuidade. O espectador treinado fica então ainda mais alérgico às pessoas. Mais 
solitário. O exaustivo treinamento de João nas angústias da impressão que pode 
provocar nos outros, de como será visto por olhos vigilantes, torna ainda mais 
assustadores os encontros humanos genuínos. Mas a ironia televisiva tem a solução para 
isso: assistir mais TV começa a ser quase como uma pesquisa obrigatória, aulas sobre as 
expressões faciais vazias, entediadas, já-vi-de-tudo-neste-mundo que João precisa 
decorar para usar amanhã em sua viagem penosa no metrô fortemente iluminado, onde 
multidões de pessoas de expressão vazia e entediada têm pouco a fazer além de olhar 
umas para as outras. 
O que a institucionalização televisiva da ironia descolada tem a ver com a ficção 
produzida nos Estados Unidos? Bem, em primeiro lugar, a literatura americana de 
ficção sempre tematizou a cultura do país e as pessoas que o habitam. Em termos 
culturais, será que devo gastar muito do seu tempo apontando o grau de influência dos 
valores televisivos sobre a atmosfera contemporânea de entediada melancolia, 
materialismo autodepreciativo, indiferença apática e ilusão de que o cinismo e a 
ingenuidade são mutuamente excludentes? Seremos capazes de negar as conexões entre, 
de um lado, um meio de comunicação de poder consensual sem precedentes que sugere 
não haver diferença real entre imagem e substância e, do outro, a ascensão de 
presidentes Teflon, a consolidação de mercados nacionais para o bronzeamento artificial 
e a lipoaspiração, a popularidade de um estilo “Vogue” cinicamente sintetizado na 
ordem “faça pose”? Acaso diremos, sobre a arte contemporânea, que o desdém 
televisivo por retrovalores “hipócritas” como originalidade, profundidade e integridade 
não tem nada a ver com aqueles estilos de “apropriação” e recombinação em arte e 
arquitetura nos quais o “passado vira pastiche”, ou com as solmizações repetitivas de 
um Glass ou um Reich, ou com a catatonia contrafeita de um batalhão de sonhadores de 
Raymond Carver? 
Na verdade, a postura de tédio anestesiado e sem expressão – aquilo que um amigo meu 
chama de cara-de-garota-que-está-dançando-com-você-mas-obviamente-preferia-estar-
dançando-com-outra-pessoa” – que se tornou a versão da minha geração para o cool tem 
tudo a ver com a TV. “Televisão”, afinal, significa literalmente o ato de “ver longe”; e 
nossas seis horas diárias não só nos ajudam a sentir proximidade e envolvimento 
pessoal com os Jogos Pan-Americanos ou a Operação Escudo do Deserto como, 
inversamente, nos adestra para lidar com aquilo que é realmente pessoal e próximo da 
mesma forma que lidamos com o distante e o exótico, como se estivesse separado de 
nós pela física, por uma chapa de vidro, válido apenas como performance, aguardando 
nossa resenha cool. A indiferença é na verdade, para os jovens americanos, apenas a 
versão anos 90 da frugalidade: cortejados muitas deliciosas horas por dia em troca de 
nada além de nossa atenção, consideramos tal atenção nossa principal mercadoria, nosso 
capital social, e relutamos em gastá-la. Da mesma forma, considere-se que, nos anos 90, 
a neutralidade apática e a postura cínica tornaram-se formas claras de transmitir a 
atitude televisiva de “destacar-se e transcender” – neutralidade e apatia transcendem o 
sentimentalismo, enquanto o cinismo anuncia que o sujeito sabe como as coisas são e, 
se um dia foi ingênuo, isso deve ter ocorrido pela última vez ali em torno dos quatro 
anos de idade. 
Mesmo que você não considere a cultura jovem dos anos 1990 tão desoladora assim, 
nós certamente podemos concordar num ponto: o de que a ética pop da cultura, 
conforme definida pela TV, aplicou um estupendo golpe mortal na estética pós-moderna 
que queria originalmente cooptar e redimir o pop. A televisão virou do avesso a velha 
dinâmica de referência e redenção: hoje é ela que pega elementos do pós-moderno – a 
metalinguagem, o absurdo, a fadiga sarcástica, a iconoclastia e a rebelião – e os 
remodela para fins de assistência e consumo. Isso vem ocorrendo há algum tempo. Já 
em 1984, um crítico do capitalismo como Frederic Jameson alertava que “o que 
começou como um espírito de vanguarda foi ganhando corpo e virou cultura de massa”. 
Mas o pós-modernismo não “ganhou corpo” na televisão de um momento para o outro 
em 1984. Tampouco foram de mão única os vetores de influência entre o pós-moderno e 
o televisivo. A principal conexão entre a televisão e a ficção contemporânea é histórica. 
Ambas têm raízes comuns. A ficção pós-moderna – escrita quase exclusivamente por 
jovens brancos do sexo masculino e de alto nível educacional – evoluiu claramente 
como expressão intelectual da “cultura jovem rebelde” dos anos 60 e 70. E como toda a 
Gestalt da rebelião jovem americana foi possibilitada por um veículo nacional que 
apagou as fronteiras de comunicação entre regiões e substituiu uma sociedade dividida 
em localidades e etnias por aquilo que os críticos do rock batizaram de “consciência 
nacional estratificada por geração”, o fenômeno da TV teve tanto a ver com a ironia 
rebelde do pós-modernismo quanto com as passeatas de protesto dos Peaceniks. 
Na verdade, ao oferecer a escritores jovens de alto nível educacional uma visão 
abrangente do quão hipócrita era a imagem que os Estados Unidos tinham de si mesmos 
por volta de 1960, a televisão dos primórdios ajudou a legitimar o absurdismo e a ironia 
não apenas como recursos literários, mas como respostas sensatas a um mundo ridículo. 
Pois a ironia – a exploração do descompasso entre o que é dito e o que se quer dizer, 
entre o que as coisas parecem ser e o que elas realmente são – é o velho e respeitável 
modo pelo qual os artistas tentam expor e detonar a hipocrisia. E a televisão de 1960, 
com seus faroestes de pistoleiros solitários, seus sitcoms paternalistas e seus policiais 
durões, celebrava o que àquela altura era uma auto-imagem americana profundamente 
hipócrita. Miller descreve bem como os sitcoms dos anos 1960, a exemplo dos faroestes 
que os precederam, 
negavam a progressiva impotência dos homens de classe média com imagens de força 
paternal e individualismo viril. No entanto, no momento em que esses sitcoms foram 
produzidos, o mundo dos pequenos negócios [cujas virtudes eram,à la Hugh Beaumont, 
“contenção, probidade e capacidade de julgamento”] havia sido… superado por aquilo 
que C. Wright Mills chamou de “demiurgo gerencial”, e as virtudes personificadas 
por… Papai estavam na verdade ultrapassadas. 
Em outras palavras, a TV americana dos primeiros tempos fazia uma apologia hipócrita 
de valores cuja realidade tornara-se atenuada num período dominado por grandes 
corporações, entrincheiramento burocrático, aventureirismo além-fronteiras, conflito 
racial, bombardeios secretos, assassinatos, escutas telefônicas etc. Não se trata de 
nenhum acidente que a ficção pós-moderna tenha ajustado sua mira irônica sobre o 
banal, o ingênuo, o sentimental, o simplista e o conservador, pois essas eram 
precisamente as características que a TV dos anos 60 parecia celebrar como 
distintamente americanas. 
A ironia rebelde da melhor ficção pós-moderna não era apenas plausível como arte; 
parecia ter plena utilidade social em sua capacidade de fazer o que os críticos da 
contracultura definiram como uma “negação crítica que deixasse evidente para todos 
que o mundo não é o que parece ser”. A sombria paródia dos hospícios feita por Kesey 
sugeria que os árbitros de nossa sanidade eram frequentemente mais malucos que seus 
pacientes; Pynchon reorientou nossa visão da paranoia, promovendo-a de desvio 
psicológico marginal a fibra principal no tecido corporativo-burocrático; DeLillo expôs 
a imagem, o signo, a informação e a tecnologia como agentes do caos espiritual e não da 
ordem social. As doentias investigações de Burroughs sobre o torpor americano 
detonavam a hipocrisia; a denúncia de Gaddis do papel deformador do capital abstrato 
detonava a hipocrisia; as repulsivas farsas políticas de Coover detonavam a hipocrisia. 
A ironia da arte e da cultura do pós-guerra começou da mesma maneira que a rebelião 
jovem. Era algo difícil, doloroso, mas produtivo – o soturno diagnóstico de uma doença 
longamente negada. As premissas por trás daquela primeira ironia pós-moderna, por 
outro lado, ainda eram francamente idealistas: supunha-se que a etiologia e o 
diagnóstico apontassem para a cura, que a exposição do cativeiro conduziria à liberdade. 
Então como foi que a ironia, a irreverência e a rebeldia se tornaram debilitantes, em vez 
de libertadoras, na cultura sobre a qual a vanguarda de hoje tenta escrever? Uma pista 
pode ser encontrada no fato de que a ironia ainda está aí, maior do que nunca, depois de 
trinta anos como modo dominante de expressão dos artistas antenados. Não é um 
recurso retórico que envelheça bem. Como diz Hyde (de quem eu obviamente gosto), “a 
ironia tem uso apenas emergencial. Estendida no tempo, é a voz do prisioneiro que 
passou a gostar de sua cela”. Isso se deve ao fato de que a ironia, embora prazerosa, tem 
uma função quase exclusivamente negativa. É crítica e destrutiva, boa para limpar o 
terreno. Com certeza era assim que nossos pais pós-modernos a viam. Mas é 
particularmente inútil quando se trata de construir alguma coisa para por no lugar das 
hipocrisias que expõe. Eis por que Hyde parece acertar ao dizer que a ironia renitente é 
cansativa. Eu acho perversamente divertido ouvir o discurso de ironistas talentosos em 
festinhas, mas sempre saio com a sensação de ter sido submetido a várias intervenções 
cirúrgicas radicais. Sem falar em atravessar o país de carro ao lado de um ironista 
talentoso, ou ler um romance de trezentas páginas em que não há nada além de 
sarcasmo espertinho, experiências que nos deixam não apenas vazios mas, de alguma 
forma… oprimidos. 
Pense, por um momento, nos rebeldes do Terceiro Mundo e seus golpes de Estado. 
Rebeldes do Terceiro Mundo são ótimos na tarefa de denunciar e por abaixo regimes 
hipócritas e corruptos, mas parecem consideravelmente piores no trabalho mundano e 
não-negativo de estabelecer em seguida uma alternativa superior de governo. Rebeldes 
vitoriosos, na verdade, parecem se sair melhor quando usam seus talentos de força e 
cinismo para evitar que outros se rebelem contra eles – em outras palavras, tornam-se 
apenas tiranos mais competentes. 
E não resta dúvida: a ironia nos tiraniza. A razão pela qual nossa difusa ironia cultural é 
ao mesmo tempo tão poderosa e tão frustrante é que é impossível saber com clareza o 
que quer um ironista. Toda a ironia americana se baseia num argumento implícito: “Na 
verdade eu não quero dizer o que estou dizendo”. Mas então o que a ironia como norma 
cultural quer dizer? Que é impossível querer dizer o que se diz? Que talvez seja mesmo 
uma pena ser impossível, mas acorde para a vida e pare de sonhar? Acredito que no fim 
das contas a ironia de hoje está provavelmente dizendo o seguinte: “Que coisa 
absolutamente banal você me perguntar o que eu quero dizer”. Qualquer um que tenha a 
petulância herética de perguntar a um ironista o que ele na verdade defende acaba por 
parecer histérico ou careta. Eis o caráter opressivo da ironia institucionalizada, do 
rebelde bem-sucedido demais: a capacidade de interditar a questão sem se reportar a seu 
conteúdo é, quando exercida, tirania. Trata-se da nova junta de governo, usando a 
própria arma que devastou seu inimigo para se encastelar. 
É por isso que o uso do cinismo entediado feito por nossos amigos viciados em TV 
como tentativa de parecerem superiores à TV é tão patético. É por isso também que o 
cidadão que escreve ficção em nossa cultura televisiva está tão, mas tão ferrado. O que 
fazer quando a rebeldia pós-moderna vira uma instituição cultural pop? Aí está, é claro, 
a segunda resposta à questão de por que a ironia de vanguarda e a rebeldia perderam 
potência e se tornaram malignas. Elas foram absorvidas, esvaziadas e reaproveitadas 
pelo mesmo sistema televisivo que originalmente buscavam combater. 
Não que a televisão seja culpada de alguma maldade aqui. Apenas de ter feito sucesso 
tão desmedido. É isso, afinal, que a TV faz: identifica, suga e então reapresenta o que 
imagina que a cultura americana quer ver e ouvir sobre si mesma. Ninguém e todo 
mundo tem culpa pelo fato de a televisão ter começado a coletar exemplos de rebeldia e 
cinismo como imago populi dos filhos antenados do pós-Segunda Guerra. Mas foi um 
colheita macabra: as formas de nossa melhor arte rebelde tornaram-se meros gestos, 
bordões, não apenas estéreis mas perversamente escravizantes. Como poderia a própria 
ideia de rebelião contra a cultura corporativa conservar algum sentido quando a 
Chrysler Inc. anuncia caminhões invocando “A rebelião Dodge”? Como ser um 
iconoclasta genuíno quando o Burger King vende anéis de cebola com o slogan “Às 
vezes você precisa quebrar as regras”? Como um autor de Ficção da Imagem pode ter 
esperança de aguçar o senso crítico das pessoas para a cultura televisiva por meio de 
paródias da TV como um empreendimento comercial voltado para os próprios 
interesses, quando as paródias da Pepsi, da Subaru e da FedEx sobre comerciais 
voltados para os próprios interesses rendem tanto dinheiro? É quase uma lição de 
história: estou começando a entender exatamente por que os americanos da virada do 
século 20 temiam o anarquismo e os anarquistas acima de tudo. Se a anarquia chega a 
vencer, se a falta de regras vira a regra, o protesto e a mudança se tornam não só 
impossíveis, mas incoerentes. Seria como votar em Stalin: um voto para acabar com 
todos os votos. 
Eis, assim, o quebra-cabeça diante do escritor americano que respira nossa atmosfera 
cultural e, ao mesmo tempo, vê-se como herdeiro do que quer que houvesse de bacana e 
valioso na literatura de vanguarda: como se rebelar contra a estética televisiva da 
rebelião, como fazer os leitores acordarem para o fato de que nossa cultura televisiva se 
transformou num fenômeno cínico, narcisista eessencialmente vazio, quando a 
televisão celebra com regularidade precisamente essas características em si e em seus 
espectadores? São as mesmas perguntas que o pobre popologista idiota de DeLillo já se 
fazia em 1985 [em “Ruído Branco”] sobre a América, o mais fotografado dos celeiros: 
“Como era o celeiro antes de ser fotografado?”, disse ele. “Qual era sua aparência, em 
que aspectos ele diferia dos outros celeiros, em que pontos era semelhante aos outros 
celeiros? Não podemos responder essas perguntas porque lemos as placas, vimos as 
pessoas tirando fotografias. Não conseguimos nos colocar fora da aura. Somos parte da 
aura. Estamos aqui, somos agora.” 
Ele pareceu imensamente satisfeito com isso.

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