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1 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação Programa de Pós-graduação em Desenho Industrial AVALIAÇÃO DE FORÇAS MANUAIS EM ATIVIDADES FUNCIONAIS COTIDIANAS: UMA ABORDAGEM ERGONÔMICA Bruno Montanari Razza Prof. Dr. Luis Carlos Paschoarelli (Orientador) Bauru – 2007 Livros Grátis http://www.livrosgratis.com.br Milhares de livros grátis para download. I Bruno Montanari Razza AVALIAÇÃO DE FORÇAS MANUAIS EM ATIVIDADES FUNCIONAIS COTIDIANAS: UMA ABORDAGEM ERGONÔMICA Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós- graduação em Desenho Industrial (área de concentração: Desenho do Produto; linha de pesquisa: Ergonomia), da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, campus de Bauru, como exigência para a obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Luis Carlos Paschoarelli. Bauru – 2007 II DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO UNESP – BAURU Razza, Bruno Montanari. Avaliação de forças manuais em atividades funcionais cotidianas: uma abordagem ergonômica / Bruno Montanari Razza, 2007. xv, 136 f. il. Orientador: Luis Carlos Paschoarelli. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru, 2007. 1. Design. 2. Ergonomia. 3. Biomecânica. 4. Preensão digital. 5. Mãos – Tração. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. II – Título. Ficha catalográfica elaborada por Maricy Fávaro Braga – CRB-8 1.622 III BANCA DE AVALIAÇÃO Prof. Dr. Luis Carlos Paschoarelli Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” Orientador Prof. Dr. José Carlos Plácido da Silva Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” Profa. Dra. Rosimeire Simprini Padula Universidade São Francisco Prof. Dr. José Alfredo Covolan Ulson Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” Prof. Dr. Itiro Iida Universidade de Brasília IV Nossa função como pesquisadores é a geração de conhecimento. No Design e na Ergonomia, buscamos propor soluções aos problemas que identificamos à nossa volta, com o máximo de eficiência, segurança e conforto. Não podemos negligenciar essa oportunidade. V Este trabalho é dedicado à minha família, expandida muito além dos laços consangüíneos. VI AGRADECIMENTOS Agradeço especialmente ao prof. Dr. Luis Carlos Paschoarelli, meu orientador, um amigo e um exemplo, tendo me assistido em vários momentos difíceis em todos esses anos. Minha sincera gratidão aos professores: Dr. José Alfredo Covolan Ulson, pelo grande auxílio técnico no desenvolvimento desta pesquisa; Dr. José Carlos Plácido da Silva pelos valiosos ensinamentos durante toda a minha vida acadêmica; Dr. Itiro Iida e Dra. Rosimeire Simprini Padula, pelas preciosas contribuições a este trabalho. Aos professores: João Cândido Fernandes, Marizilda dos Santos Menezes, João Eduardo Guarnetti dos Santos, Abílio Garcia dos Santos Filho e Raquel dos Santos, pela grande contribuição para o desenvolvimento deste trabalho e para minha formação pessoal. A todos os funcionários da Unesp, especialmente da biblioteca e da Seção de Pós-graduação da FAAC: Helder Gelonezi e Silvio Carlos Decimone, pela competência e prontidão. A todos os amigos da Pós-graduação e do Laboratório de Ergonomia e Interfaces pelos ótimos momentos que passamos juntos. Lembrarei de todos com especial carinho. A todos os voluntários que gentilmente se dispuseram a participar da coleta de dados viabilizando o desenvolvimento desta pesquisa. À FAPESP – Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo, por ter financiado esta pesquisa fornecendo bolsa de estudos e equipamentos. Às instituições: Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação e Programa de Pós-graduação em Desenho Industrial. Especialmente à minha família que sempre me apoiou e partilhou dos meus objetivos, vibrando a cada uma das minhas conquistas – família esta que não mais se limita aos laços hereditários, mas se expande além deles, conquistando o parentesco pelos laços do amor. E a tantos outros que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste trabalho. A todos o meu muito obrigado. VII LISTA DE FIGURAS Figura 1. À esquerda, pedra lascada do Paleolítico (LOUBOUTIN, 1998, p. 71); à direita, aborígine australiano manuseando pedras semelhantes (CLARK, 1969, p. 35). ....................... 1 Figura 2. Esquema ilustrando a oposição do polegar em relação aos demais dedos. Adaptado de Kapandji (1987, p. 257 e 263). .......................................................................................... 2 Figura 3. À esquerda e acima à direita: pinturas rupestres datadas de aproximadamente 10.000 anos a.C., encontradas na Caverna das Mãos, do Alto Rio Pinturas, Província de Santa Cruz, Argentina (CUEVAS..., 2004). À direita e abaixo: representação de homem primitivo empregando instrumentos para obter alimento (CLARK, 1969, P. 85). ............................................................................................................ 3 Figura 4. Dinamômetros de Desaguliers (à esquerda) e de Regnier (à direita). Imagens das referências originais dos autores (PEARN, 1978). .................................................................. 7 Figura 5. Tipos de preensão. Adaptado de Kapandji (1987, p. 267, 273, 277, 279 e 281).. ................... 9 Figura 6. Músculos responsáveis pelo ato preênsil. Adaptado de Tortora e Grabowski (2002, p 320). ................................................................................................................................... 9 Figura 7. À esquerda: força de preensão palmar (FPP) sendo mensurada pelo dinamômetro Jamar® padrão - adaptado de PROAKTIVO (2006). À direita: medição da força de preensão digital (FPD) pelo dinamômetro de pinça B&L® (pinch gauge). .............................. 13 Figura 8. Movimentos mais comuns do ombro. Imagens adaptadas de Kapandji (1987, p. 13, 15 e 19). .............................................................................................................................. 33 Figura 9. Desvios de punho (flexo-extensão e radio-ulnar) e desvios de antebraço (prono- supinação). Adaptado de Kapandji (1987, p. 109 e 143). ..................................................... 33 Figura 10. Ossos da mão, vista dorsal. Adaptado de Sobotta (1984, p. 364). ......................................... 37 Figura 11. Divisão da superfície palmar da mão em regiões. Adaptado de Aldien et al. (2005). ............ 40 Figura 12. Preensões palmares: à esquerda, preensão dígito-palmar e à direita, preensão palmar plena. Adaptado de Kapandji (1987, p. 273). ........................................................... 41 Figura 13. Equipamento empregado para a medição da FPP indicando os dois vetores componentes da força. Adaptado de EDGREN etal. (2004). ................................................ 42 VIII Figura 14. Preensões digitais mais comuns: A) preensão bidigital subterminal de oposição do polegar ao indicador; B) preensão bidigital subterminal de oposição do polegar ao médio; C) preensão bidigital terminal de oposição do polegar ao indicador; D) preensão tridigital de oposição do polegar aos dedos indicador e médio; E) preensão de oposição do polegar à face lateral do indicador; e F) preensão pentadigital. Adaptado de Kapandji (1987, p. 265, 267 e 271). ............................................ 46 Figura 15. Posições assumidas pelos dedos em diversas preensões em pegas cilíndricas e ângulos em relação ao polegar. Adaptado de Kinoshita et al. (1996, p. 1168). ..................... 49 Figura 16. Condições da avaliação de Imrhan e Sundararajan (1992). ................................................... 50 Figura 17. Puxadores utilizados para avaliação de tração manual. Adaptado de Fothergill et al. (1992). ................................................................................................................................. 51 Figura 18. Atividades manuais com associação da preensão ao torque. Adaptado de Kapandji (1987, p. 267, 269, 275 e 281) e Shih e Wang (1997, p. 376). A e B – desvios radial/ulnar (abrir frascos, acionar torneiras e válvulas horizontais); C – pronação/supinação do antebraço (uso de chaves de fenda, girar maçanetas); D – flexão/extensão do punho (empregada, por exemplo, no acionamento do acelerador de uma motocicleta); E e F – torque realizado com movimentos dos dedos (manejos delicados, acionamento de botões ou na abertura de pequenas tampas). .................................. 52 Figura 19. Formatos de pega avaliados por Cochran e Riley (1986). ..................................................... 56 Figura 20. Estrutura da pesquisa. ........................................................................................................... 63 Figura 21. Pegas utilizadas para a medição da tração associada à preensão digital. À esquerda, imagem indicando a pega de 40 mm posicionada no equipamento de medição. ................. 66 Figura 22. Dinamômetro digital AFG 500. ............................................................................................ 67 Figura 23. Imagem da tela do software SADBIO – Sistema de Aquisição de Dados Biomecânicos....................................................................................................................... 68 Figura 24. Suporte que possibilita o posicionamento do dinamômetro à altura do cotovelo de cada indivíduo. Detalhes à esquerda mostram fita métrica que orientará o posicionamento e o carro móvel do suporte. À direita, imagens da base de apoio do dinamômetro digital AFG. ............................................................................................... 70 Figura 25. Preensões digitais avaliadas no estudo. À esquerda: preensão bidigital; no centro: preensão tridigital; e à direita: preensão pulpo-lateral, com a pega de 20 mm. ..................... 72 Figura 26. Variáveis antropométricas manuais. ..................................................................................... 74 IX Figura 27. Posicionamento anatômico dos sujeitos adotado no experimento ....................................... 75 Figura 28. Mapa da distribuição geográfica da população deste estudo. ................................................ 79 X LISTA DE TABELAS Tabela 1. Variação das forças de preensão digital e palmar de acordo com desvios de punho (valores em kgf). .................................................................................................................. 34 Tabela 2. Medidas antropométricas médias dos sujeitos. ..................................................................... 80 Tabela 3. Amplitudes das medidas antropométricas de cada gênero da amostra. ................................. 81 Tabela 4. Análise estatística ANOVA da antropometria ....................................................................... 82 Tabela 5. Medidas de força realizadas pelos sujeitos (média de 3 segundos) ....................................... 83 Tabela 6. Medidas de força realizadas pelos sujeitos (valor máximo). .................................................. 84 Tabela 7. Intervalo de abrangência dos valores de força. ..................................................................... 84 Tabela 8. Teste ANOVA para identificar diferenças entre as pegas....................................................... 85 Tabela 9. Resultados da ANOVA para a variável Preensão. ................................................................. 86 Tabela 10. Resultados da ANOVA para a variável Mão. ........................................................................ 87 Tabela 11. Resultados da ANOVA para a variável Gênero. .................................................................... 87 Tabela 12. Valores médios da avaliação subjetiva da percepção de esforço. .......................................... 88 Tabela 13. Resultado do teste Willcoxon. .............................................................................................. 89 Tabela 14. Valor p (Pearson) para correlações entre força e antropometria. ........................................... 90 Tabela 15. Valor do R2 para correlações entre força e antropometria. .................................................... 91 Tabela 16. Comparação de antropometria com estudo inglês, faixa etária de 16 a 20 anos. ................... 92 Tabela 17. Comparação de antropometria com estudo inglês, faixa etária de 21 a 30 anos. ................... 92 Tabela 18. Comparações com o estudo de Imrhan e Sundararajan (1992). ............................................ 94 XI Tabela 19. Comparações com o estudo de Peebles e Norris (2000), faixa etária de 16 a 20 anos. .................................................................................................................................... 94 Tabela 20. Comparações com o estudo de Peebles e Norris (2000), faixa etária de 21 a 30 anos. .................................................................................................................................... 95 XII LISTA DE ABREVIAÇÕES AVD Atividades da vida diária ASHT American Society of Hand Therapist Bi Preensão bidigital DC1 Dimensão corpórea 1 - Massa corpórea DC2 Dimensão corpórea 2 - Estatura DC3 Dimensão corpórea 3 - Distância cotovelo-chão DM1 Dimensão da mão 1 - Comprimento da mão DM2 Dimensão da mão 2 - Comprimento palmar DM3 Dimensão da mão 3 - Comprimento do polegar DM4 Dimensão da mão 4 - Comprimento do indicador DM5 Dimensão da mão 5 - Comprimento do médio DM6 Dimensão da mão 6 - Comprimento do anelar DM7 Dimensão da mão 7 - Comprimento do mínimo DM8 Dimensão da mão 8 - Largura metacarpal DM9 Dimensão da mão 9 - Largura palmar DORT Distúrbio ósteo-muscular relacionado ao trabalho FPP Força de preensão palmar FPD Força de preensão digital Kgf Quilograma-força (unidade de força equivalente a um quilograma). mm Milímetros Pu Preensão digital pulpo-lateral s Segundos Tri Preensão tridigital XIII RESUMO AVALIAÇÃO DE FORÇAS MANUAIS EM ATIVIDADES FUNCIONAIS COTIDIANAS: UMA ABORDAGEM ERGONÔMICA. A manipulação de objetos faz parte do cotidiano e da cultura do ser humano, tendo contribuído expressivamente para o seu desenvolvimento. Com a ampliação do conhecimento científico, especialmente nas áreas da ergonomia e biomecânica, foi possível o reconhecimento de que muitas atividades manuais apresentam problemas de interface com o homem,levando ao surgimento de doenças ocupacionais. Esses problemas ocorrem, dentre outros fatores, devido à falta de parâmetros biomecânicos e antropométricos confiáveis do público a que esses projetos são destinados. Desta forma, muitas pesquisas têm sido realizadas com o intuito de investigar as capacidades biomecânicas do homem com relação a forças manuais, entretanto, poucos estudos estão voltados para o design e avaliação de produtos, e dados sobre a população brasileira são escassos. Esta pesquisa teve por objetivo a geração de parâmetros biomecânicos das forças manuais de indivíduos brasileiros e a investigação da possibilidade de emprego de uma base de dados inglesa para o projeto de produtos destinados à população nacional. A metodologia empregada envolveu a mensuração da tração manual, realizada por meio de três tipos de preensões digitais, em pegas que representam três alturas, juntamente com análise subjetiva da percepção do esforço do indivíduo. A medição realizada consistiu na contração isométrica voluntária máxima e a amostra representa indivíduos destros, jovens adultos, de ambos os gêneros. Os resultados indicaram uma forte influência do tipo de preensão digital empregada na realização da ação mecânica, e o tamanho do objeto apresentou uma influência secundária e dependente do tipo de preensão. Características individuais como o gênero e a dominância manual também afetaram a capacidade biomecânica dos indivíduos, conforme já havia sido estabelecido pela literatura precedente. A comparação deste estudo com pesquisa similar realizado no Reino Unido indicou que as populações brasileira e inglesa são antropométrica e biomecanicamente diferentes, não podendo ser empregados os parâmetros de uma população em produtos que são destinados à outra. Os resultados deste estudo podem ser utilizados no dimensionamento de diversas atividades em que é envolvida tração com preensão digital, como o design de produtos e ferramentas manuais, projeto de tarefas no ambiente ocupacional, geração de modelos biomecânicos para avaliações ergonômicas, dentre outros. Palavras-chaves: design, ergonomia, biomecânica, preensão digital, mão - tração. XIV ABSTRACT HAND STRENGTH EVALUATION IN FUNCTIONAL DAILY-LIVING ACTIVITIES: AN ERGONOMIC APPROACH. The manipulation of objects is part of human quotidian and culture, and it has contributed expressly to their development. With the expansion of scientific knowledge, especially in the fields of ergonomics and biomechanics, it was possible to recognize that many handling activities present problems in the interface with the user, leading to the manifestation of occupational diseases. These problems occur due to the lack of reliable biomechanical and anthropometrical parameters about the population these products are designed for. Thus, many studies have been developed aiming to investigate human biomechanical capabilities in relation to hand strength. However, few studies are focused on design and product evaluation, and data about the Brazilian population is scarce. This research had as its objective to generate biomechanical parameters about the hand strength of Brazilian subjects and to investigate whether it is possible to use British database of strength in products designed for the inhabitants of Brazil. The methods adopted consisted of the measurement of pulling strength associated with three different pinch grips in handles that represented three grip heights. Subjective perception analysis of the exerted effort was also carried out. The data collected consisted of the maximum isometric voluntary contraction and the sample is representative of right-handed individuals, young adults, from both genders. The results indicated that the pinch grip type used caused a strong influence on the mechanical action; and the size of the object showed an influence that is weaker and dependent on the type of the pinch grip. Personal characteristics such as gender and hand dominance also affected the biomechanical capabilities of the subjects, as the revision of previous studies has already shown. The comparison between this research and a similar study carried out in the United Kingdom indicated that the Brazilian and British samples are different in both anthropometric and biomechanical measurements, which means that the dada from one population cannot be used to design products for the other. The results of this study can be applied in the design of several activities where pulling strength with pinch grips are required; for example, in design of products and hand tools, in handling tasks in occupational environments, in the generation of biomechanical models to ergonomic evaluations, among others. Key-words: design, ergonomics, biomechanics, pinch grip, hand - pull strength. XV SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 1 1.1 As mãos e a manipulação de objetos no desenvolvimento humano ........................................ 1 1.2 Reconhecimento da demanda por estudos .................................................................................. 3 1.3 Características de avaliações de força .......................................................................................... 6 1.3.1 Breve histórico ........................................................................................................................ 6 1.3.2 Avaliações estáticas e dinâmicas ............................................................................................. 7 1.4 O ato preênsil e os membros superiores ...................................................................................... 8 2. REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................................................ 10 2.1 Considerações metodológicas ..................................................................................................... 12 2.1.1 Equipamentos ....................................................................................................................... 12 2.1.2 Métodos de Medição ............................................................................................................ 14 2.1.3 Cuidados éticos ..................................................................................................................... 18 2.1.4 Critérios de exclusão, controle ambiental e outros cuidados ................................................. 19 2.2 Variáveis de influência nas forças manuais ................................................................................ 20 2.2.1 Características individuais ..................................................................................................... 21 2.2.2 Variáveis anatômicas, biomecânicas e da tarefa .................................................................... 30 2.3 Força de preensão ........................................................................................................................ 40 2.3.1 Preensão palmar.................................................................................................................... 41 2.3.2 Preensão digital ..................................................................................................................... 45 2.4. Preensão associada à tração ........................................................................................................ 48 2.4.1 Tipo de preensão .................................................................................................................. 49 2.4.2 Características da pega ou produto ........................................................................................50 2.5 Força de preensão conjugada a torque ...................................................................................... 51 2.5.1 Características da pega ou produto ........................................................................................ 53 2.5.2 Variáveis biomecânicas relacionadas ao torque ..................................................................... 57 3. JUSTIFICATIVAS E OBJETIVOS ................................................................................................ 60 3.1 Justificativas ................................................................................................................................... 60 3.2 Questão da pesquisa ........................................................................................................ 61 3.3 Hipótese ........................................................................................................................... 61 3.3 Objetivos ....................................................................................................................................... 62 3.3.1 Objetivo geral ....................................................................................................................... 62 3.3.2 Objetivos específicos ............................................................................................................ 62 3.5 Tipo, técnica e estrutura da pesquisa ................................................................................ 63 4. MATERIAIS E MÉTODOS ........................................................................................................... 64 4.1 Aspectos éticos ............................................................................................................................. 64 XVI 4.2 Perfil da amostra ........................................................................................................................... 65 4.2.1 Abordagem inicial ................................................................................................................. 65 4.2.2 Critérios de exclusão ............................................................................................................. 66 4.3 Materiais ........................................................................................................................................ 66 4.3.1 Pegas .................................................................................................................................... 66 4.3.2 Equipamentos de medição .................................................................................................... 67 4.3.3 Suportes e equipamentos de apoio ........................................................................................ 69 4.3.4 Equipamentos para a medição antropométrica........................................................................ 70 4.3.5 Protocolos .............................................................................................................................. 70 4.3.6 Registros audiovisuais ............................................................................................................. 71 4.4 Procedimentos .............................................................................................................................. 71 4.4.1 Local do experimento ........................................................................................................... 71 4.4.2 Preensões .............................................................................................................................. 72 4.4.3 Medidas antropométricas ...................................................................................................... 73 4.4.4 Posicionamento anatômico ................................................................................................... 75 4.4.5 Procedimentos de coleta das medições ................................................................................. 76 4.4.6 Instruções .............................................................................................................................. 76 4.4.7 Intervalo entre as medições ................................................................................................... 77 4.4.8 Análise da percepção do esforço ........................................................................................... 77 4.4.9 Seqüência dos procedimentos ............................................................................................... 78 5. RESULTADOS ........................................................................................................................... 79 5.1 Sujeitos ......................................................................................................................................... 79 5.2 Antropometria ............................................................................................................................... 80 5.3 Tração associada a preensões digitais ........................................................................................ 83 5.4 Percepção subjetiva do esforço ................................................................................................... 88 5.5 Cruzamento dos dados ..................................................................................................... 89 5.5.1 Correlações entre antropometria e força ................................................................................ 90 5.5.2 Comparações com estudos similares ..................................................................................... 91 6. DISCUSSÃO ................................................................................................................................... 96 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................... 105 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................... 110 GLOSSÁRIO ...................................................................................................................................... 121 APÊNDICES ....................................................................................................................................... 125 ANEXOS ............................................................................................................................................. 132 1. INTRODUÇÃO 1.1 As mãos e a manipulação de objetos no desenvolvimento humano Uma discussão recorrente na antropologia é a delimitação dos elementos que caracterizam o homem como tal, distinguindo-o dos animais. Segundo Shapiro (1972), a característica que mais precisamente define o ser humano é a geração e o emprego de tecnologia – a despeito de outros fatores como a habilidade de pensar, comunicar-se, manter-se ereto, etc. — nenhum outro ser vivo empregou ferramentas de maneira tão obstinada quanto o homem. De acordo com Flores (1992) a principal motivação para o ser humano ter iniciado a utilização/fabricação de ferramentas era a sua debilidade em relação à natureza, que o impeliu a desenvolver sua capacidade manipulativa para sua sobrevivência (Figura 1). Aghazadeh e Mital (1987) acrescentam que, apesar de o uso de ferramentas manuais mais primitivas ter iniciado há muito tempo, apenas há 10.000 anos atrás que se iniciou um processo de especialização e refinamento destes objetos. Figura 1. À esquerda, pedra lascada do Paleolítico (LOUBOUTIN, 1998, p. 71); à direita, aborígine australiano manuseando pedras semelhantes (CLARK, 1969, p. 35). Esse desenvolvimentotecnológico só foi possível graças a grandes transformações decorrentes do processo evolutivo, transformando o macaco em hominídeo, e este em ser humano. Merani (1972) explica que um dos principais fatores que permitiram esse progresso foi o uso das mãos para outros fins. Herdadas do modo de vida arborícola, as mãos permitiam ao símio predecessor do homem locomover-se habilmente entre os galhos (SHAPIRO, 1972). Com a 1 conquista do solo, o hominídeo passa por profundas transformações, ganhando um alinhamento vertical da coluna e dos membros inferiores, o que acabou por libertar as mãos da tarefa da locomoção e estimulou a especialização do movimento de oposição do polegar (Figura 2) (SHAPIRO, 1972). Desta forma, essas adaptações consolidaram as mãos como as principais estruturas para a manipulação de objetos entre os seres vivos (MERANI, 1972). Figura 2. Esquema ilustrando a oposição do polegar em relação aos demais dedos. Adaptado de Kapandji (1987, p. 257 e 263). Nota-se, pela observação das pinturas encontradas nas cavernas (Figura 3), que os seres humanos mais primitivos já reconheciam a relevância dos membros superiores para sua conservação (PASCHOARELLI; COURY, 2000). À parte a manipulação de objetos, as mãos também se caracterizam como importantes núcleos de captação sensorial e meios de expressão — é por meio das mãos que os cegos percebem o mundo e os surdos-mudos se comunicam. Figura 3. À esquerda e acima à direita: pinturas rupestres datadas de aproximadamente 10.000 anos a.C., encontradas na Caverna das Mãos, do Alto Rio Pinturas, Província de Santa Cruz, Argentina (CUEVAS..., 2004). À direita e abaixo: representação de homem primitivo empregando instrumentos para obter alimento (CLARK, 1969, P. 85). 2 Entretanto, as mãos em si não são as únicas protagonistas desse salto evolucionário. Segundo Napier (1956), esses órgãos apresentam uma simplicidade ancestral em sua função e estrutura, não sendo muito diferentes de alguns primatas – o que distingue o homem, desta forma, desses animais não é a capacidade manipulativa de seus membros superiores, mas sim a qualidade das ações desempenhadas. O cerne desta questão está, portanto, na configuração do sistema nervoso central e na especialização do cérebro. Embora pouco se saiba sobre a evolução humana, fica evidente a importância da manipulação de objetos nesse processo, sendo a mão e o cérebro os principais condicionantes do desenvolvimento do homem, sua cultura e civilização (SHAPIRO, 1972). Com o tempo, o homem passou a dominar cada vez mais a construção de ferramentas e objetos, iniciando o uso dos metais e chegando até a Revolução Industrial (READ, 1967). A partir dessa época iniciou-se uma aceleração do desenvolvimento das técnicas de produção, e a preocupação com a interação destes produtos com o homem começou a ser mais desenvolvida, principalmente, com o surgimento dos conceitos de ergonomia e usabilidade, respaldados pelos conhecimentos de antropometria e biomecânica (entre outras áreas do conhecimento científico). A antropometria pode ser entendida como “o ramo das ciências humanas que lida com as medidas do corpo: particularmente com medições das dimensões do corpo, forma, forças e capacidade de trabalho” (PHEASANT, 1996, p. 6, tradução nossa). No Brasil, é ainda pouco explorada e apresenta modesto corpo de conhecimento, especialmente quanto a variáveis mais específicas. A biomecânica, segundo Frankel e Nordin (1980 apud CHAFFIN; ANDERSSON, 1990), utiliza leis da física e conceitos da engenharia para descrever movimentos realizados por vários segmentos corporais, bem como as forças atuantes nestas partes do corpo durante atividades normais diárias. Com a contribuição do conhecimento biomecânico é possível compreender as inúmeras capacidades manipulativas das mãos, especialmente os diversos tipos de preensão. Desta forma, ambas as áreas do conhecimento, juntamente com o design e a ergonomia, ofereceram as bases fundamentais para a fundamentação da pesquisa em questão. 1.2 Reconhecimento da demanda por estudos Para desempenhar muitas atividades da vida diária, a preensão é aliada à aplicação de força muscular, permitindo a manipulação de objetos e a realização de tarefas cotidianas. No trabalho, a maior parte das atividades é realizada por meio da intervenção humana, e a realização destas 3 operações é determinada pela habilidade do trabalhador em realizar o trabalho mecânico, diretamente dependente de sua capacidade muscular (MITAL; KUMAR, 1998a). Entretanto, são comuns atividades que ultrapassam os limites da versatilidade dos membros superiores, fazendo com que as mãos excedam suas capacidades. Apesar da crescente automação no ambiente industrial, muitas tarefas ainda apresentam grandes demandas de esforços manuais, como por exemplo, certas atividades de manutenção, carregamento de cargas, transporte de pacientes em hospitais, operação de algumas máquinas e equipamentos, dentre outras (IMRHAN, 1991; KIM; KIM, 2000). O dimensionamento incorreto dessa variável (força) pode gerar limitações nas tarefas, tanto para os usuários mais fortes (de mãos menos sensíveis), podendo provocar acionamentos acidentais, quanto para os mais fracos, que trabalharão com sobrecarga de seus sistemas ósteo-musculares, sob risco de lesão, ou simplesmente não conseguir realizar a atividade (PHEASANT, 1996; MITAL; KUMAR, 1998a). Essas exigências inadequadas de força, além de outras variáveis como repetitividade, desvios extremos e freqüentes do punho, concentração de pressão, vibração e exposição ao frio, têm levado a um aumento nos diagnósticos de doenças ocupacionais em membros superiores, como Síndrome do Túnel do Carpo, Tenossinovites e Tendinites (KATTEL et al., 1996). Nos Estados Unidos, 45% do total de lesões na indústria estão relacionadas à aplicação de forças com as mãos, transporte manual de cargas e uso de ferramentas manuais, apresentando um custo anual de mais de 150 bilhões de dólares (AGHAZADEH; MITAL, 1987). As preensões digitais, particularmente, têm sido associadas a altos índices de DORT (Distúrbio Ósteo-muscular Relacionado ao Trabalho). Armstrong e Chaffin (1979) propuseram essa associação quando estudaram a incidência de Síndrome do Túnel do Carpo em costureiras. Dos dois grupos de costureiras avaliados, um sadio e o outro com a doença previamente diagnosticada, observaram que o grupo com a patologia fez uso de preensões digitais mais freqüentemente que o grupo sadio. Chao et al. (1976) também haviam indicado que as preensões digitais provocam, no segundo e terceiro tendões do músculo flexor digital profundo, cargas três a quatro vezes maiores que a força real efetuada, enquanto a preensão palmar incide tensões de apenas duas a três vezes. Essa tensão decorrente da preensão digital pode ser ainda mais intensificada se houver associação com desvios de punho (EKSIOGLU et al., 1996). Por esses motivos, Keyserling et al. (1993) incluíram o uso de preensões digitais como um fator de risco em seu método de avaliação ergonômica de tarefas manuais. Desta forma, é notável a importância da compreensão correta do funcionamento biomecânico dos membros superiores e dos órgãos preênseis, particularmente com relação a tarefas que exigem aplicações de força. Segundo Lowe e Freivalds (1999), dentre todos os fatores 4 de risco de desenvolvimento de DORT, a aplicação de forças é a variável mais complexa de avaliar, por envolver influências de inúmeras condições. Essas condições podem estar relacionadas a características dos indivíduos (gênero, idade, antropometria), da postura (desvios de punho, posição do antebraço),da tarefa e do ambiente (repetitividade, localização do objeto, ruído) e do objeto (forma, tamanho, acabamento superficial). Essas variáveis serão discutidas mais detalhadamente no referencial teórico. Além das doenças ocupacionais, são relatados também muitos problemas relacionados a demandas inadequadas de força em embalagens, principalmente em produtos fechados a vácuo ou que possuem lacres de segurança contra crianças. O processo de fechamento destas embalagens, além do objetivo de preservar alimentos perecíveis, tem o intuito de prevenir aberturas acidentais e evitar que os consumidores experimentem os produtos antes de comprá-los (VOORBIJ; STEENBEKKERS, 2002). A solução ideal seria projetar embalagens e produtos que possam ser utilizados pela maioria da população, incluindo todos os indivíduos adultos que vivem independentemente. Entretanto, por diversos motivos (dentre eles a falta de normas reguladoras), esses produtos chegam ao consumidor com as mais variadas demandas de força (VOORBIJ; STEENBEKKERS, 2002). Ilustrando esses argumentos, Crawford et al. (2002) relatam que, no Reino Unido em 1994, houve 550 acidentes com a abertura de frascos de vidro e 610 acidentes com a abertura de frascos de plástico, sendo estas ocorrências atribuídas ao uso de ferramentas cortantes, empregadas para auxiliar a abertura de tampas duras e lacres difíceis de serem retirados apenas com as mãos. Imrhan (1994) acrescenta que esses índices poderiam ser ainda mais graves, pois, muitos produtos onde é notória a dificuldade de uso são evitados pelos consumidores; e o simples fato de terem um consumo mais restrito por determinado grupo de pessoas já deveria ser considerado um índice relevante. Voorbij e Steenbekkers (2002) realizaram uma análise de forças em indivíduos da terceira idade e afirmaram que 16,2% dos sujeitos relataram sentir muitas dificuldades ao abrir embalagens de vidro e 3,8% relataram que não conseguem abri-las. Segundo os autores, esses dados são importantes porque os idosos apresentam uma tendência em consumir mais produtos desta natureza que outras faixas etárias. No atendimento a essas ocorrências, muitos produtos foram projetados para assistir pessoas com reduzida capacidade muscular na realização de diversas atividades cotidianas, mas o seu uso é pouco freqüente. Apesar de auxiliarem substancialmente a realização de força, os usuários freqüentemente reclamam de sua aparência marginalizadora, da dificuldade cognitiva de uso e da inconveniência de ter que recorrer a esses produtos sempre que necessitar realizar uma tarefa simples, preferindo sistemas que não necessitem de tais acessórios (IVERGARD et al., 1978 apud IMRHAN, 1994). Esses 5 equipamentos devem ser considerados soluções de curto prazo, e adaptações mais fundamentais e o projeto de produtos que atendam a esses indivíduos devem ser considerados (IMRHAN, 1994). Segundo Dempsey e Ayoub (1996), para minimizar a incidência de DORT, prevenir a ocorrência de acidentes e reduzir as exigências de esforço de uma tarefa deve-se repensar no projeto de ferramentas e postos de trabalho. A conquista destes objetivos demanda primeiramente referências que estabeleçam parâmetros seguros das variáveis envolvidas na atividade em questão. Entretanto, pela observação da incidência de lesões e acidentes mencionados anteriormente, pode- se notar ainda uma lacuna de dados paramétricos para o projeto de produtos que apresentem essa interface mão/objeto. Segundo Mital e Kumar (1998b), essa deficiência de conhecimento é um dos fatores responsáveis pelo aparecimento de sobrecargas no sistema músculo-esquelético e, desta forma, também ao surgimento de fadiga e lesões. Para suprir parte desta necessidade, torna-se necessária a realização de levantamentos da capacidade biomecânica das mãos ao desempenharem tarefas cotidianas, principalmente aquelas onde há exigência de força muscular. Tendo em vista a quantidade de produtos manipuláveis disponíveis em nosso entorno material, essa necessidade fica cada vez mais evidente, exigindo esforços conjuntos das áreas do design, da ergonomia, da fisioterapia, da engenharia de produção, dentre outras. É possível reconhecer esse perfil multidisciplinar ao se observar os enfoques específicos dados a cada pesquisa nesta área, proporcionando, a partir de contribuições especializadas, a formação de conhecimento nesta área do conhecimento biomecânico que ainda está em processo de formação. 1.3 Características de avaliações de força 1.3.1 Breve histórico A capacidade de realização de força é um tópico tradicional de interesse para diversas áreas do conhecimento, como ortopedia, medicina de reabilitação, fisioterapia, fisiologia do exercício, dentre outras. Pearn (1978) conta que o início das avaliações de força remonta ao fim do século XVII – antes disso, a capacidade muscular humana era medida pelo levantamento de pesos conhecidos. Entretanto, essa tarefa era difícil por três razões principais: ainda não havia padronização internacional de pesos e medidas, impossibilitando a comparação de um grupo de indivíduos com outro; apenas alguns grupos musculares podiam ser avaliados e a postura dificilmente era padronizada; o método de medição limitava-se à quantidade de pesos disponíveis, deixando a avaliação grosseira (PEARN, 1978). 6 Pearn (1978) continua seu relato afirmando que, para suprir a necessidade de conhecimento sobre forças, tanto por necessidades militares quanto por curiosidade científica, surgiram, na segunda metade do século XVIII, instrumentos que mediam a força de forma contínua, permitindo padronização e reprodutibilidade. As principais referências da época são os equipamentos de John T. Desaguliers (datado de 1763) e de Edme Regnier (datado de 1798), ilustrados na Figura 4. Estes cientistas foram importantes para a dinamometria por vários motivos, dentre eles: tornaram a medição quantitativa de força prática e factível pela primeira vez na história; ratificaram a importância de posicionamentos padronizados; realizaram comparações de força entre povos distintos; estabeleceram métodos de medição que continuam como a base da dinamometria até os dias atuais (PEARN, 1978). Figura 4. Dinamômetros de Desaguliers (à esquerda) e de Regnier (à direita). Imagens das referências originais dos autores (PEARN, 1978). Entretanto, principalmente no século XX, com o aumento da produção industrial, a ergonomia volta suas atenções a essa questão, preocupando-se especialmente em como os produtos e tarefas devem ser projetados para respeitar as capacidades e limites dos diferentes indivíduos. Chaffin e Andersson (1990) relatam que as avaliações de força ganharam destaque com a percepção de que muitas tarefas da indústria demandavam esforços além da capacidade dos indivíduos, necessitando assim de intervenção no posto de trabalho ou na seleção de pessoas fortes o suficiente para realizar a tarefa. 1.3.2 Avaliações estáticas e dinâmicas As avaliações biomecânicas de força dividem-se em avaliações estáticas e dinâmicas. Nas avaliações estáticas, também conhecidas como isométricas, a força é exercida sem haver movimento articular nem alteração no comprimento dos grupos musculares que realizam a 7 contração. As avaliações dinâmicas, também chamadas isocinéticas ou isotônicas, são associadas a movimento, havendo alteração do comprimento muscular e dos ângulos das articulações; são mais difíceis de serem mensuradas devido aos efeitos da aceleração e velocidade do movimento (SANDERS; McCORMICK, 1993). Como não é possível medir a força real dentro do músculo, a capacidade muscular é avaliada pela medição da força aplicadaem um objeto externo (equipamento); também ainda não se compreende com clareza a relação entre a força mensurada e a força real gerada no músculo (SANDERS; McCORMICK, 1993). Segundo Mital e Kumar (1998a) a definição de força, tratada nestas avaliações, pode ser entendida como o resultado da contração máxima que um músculo pode exercer isometricamente em um esforço voluntário único. Entretanto, como a contração é voluntária, esse esforço não representa a capacidade máxima do sistema músculo-esquelético do indivíduo. Mesmo o indivíduo mais motivado não poderia exercer força no limite de sua capacidade muscular devido ao que Chaffin e Andersson (1990) chamam de “fator de segurança”. Esse fator impede que o limite de força seja atingido; sua extensão é indefinida, mas os autores estimam que possa chegar a ser 30% da capacidade total do grupo muscular, ou seja, em atividades cotidianas utiliza-se por volta de 70% desta capacidade. 1.4 O ato preênsil e os membros superiores Muitos estudos estão sendo realizados com o objetivo de avaliar a capacidade manipulativa das mãos, principalmente com relação à aplicação de forças. Napier (1956), uma das primeiras referências nesse campo, estudou os movimentos da mão e classificou as preensões em dois grupos: as preensões de força (preensões palmares) e as preensões de precisão (preensões digitais). As primeiras compreendem o envolvimento dos objetos por todos os dedos (incluindo ou não o polegar) pressionando-o contra a palma da mão. As últimas, comumente chamadas de pegas de pinça, se caracterizam por apresentar o movimento de oposição do polegar aos demais dedos. Segundo o autor, vários elementos podem interferir na escolha da preensão, como tamanho e forma do objeto, textura, peso, etc., sendo o principal fator o grau de precisão/força da tarefa. Outra referência importante nesse campo é o estudo de Kapandji (1987), que ampliou a gama das preensões para: preensões puras (preensões palmares, preensões digitais e preensões centradas), preensões com peso (auxiliadas pela gravidade) e preensões-ações (preensões associadas a movimentos) (Figura 5). Outras nomenclaturas foram propostas por Cutkosky e Wright (1986 apud KINOSHITA et al., 1996). Analisando operações realizadas com apenas uma das mãos, classificaram as preensões com múltiplos dedos em preensões circulares, onde os dedos 8 Tales Pinheiro Realce são posicionados radialmente em torno do objeto, e preensões prismáticas, onde o polegar se opõe aos demais dedos para segurar objetos planos. Neste estudo será adotada a nomenclatura definida por Kapandji (1987). Figura 5. Tipos de preensão. Adaptado de Kapandji (1987, p. 267, 273, 277, 279 e 281). Chao et al. (1976) explicam que as preensões são controladas por dois grupos musculares concomitantemente: os músculos intrínsecos (localizados na própria mão, responsáveis pela maleabilidade e precisão) e os músculos extrínsecos (localizados no antebraço, responsáveis pela aplicação de forças e estabilidade do movimento) (Figura 6). Os músculos intrínsecos têm a função de auxiliar a distribuição da força gerada pelos músculos extrínsecos – flexores e extensores dos dedos (Hazelton et al., 1975). Apesar de não serem responsáveis diretos pela aplicação de força na preensão, a ineficiência dos músculos intrínsecos foi observada em gerar perdas de até 85% na força aplicada, especialmente para as preensões digitais (KOZIN et al., 1999). Figura 6. Músculos responsáveis pelo ato preênsil. Adaptado de Tortora e Grabowski (2002, p. 320). 9 Tales Pinheiro Realce 2. REFERENCIAL TEÓRICO Alguns pesquisadores se propuseram a realizar estudos com o objetivo de gerar dados normativos de força, formando uma base de dados de normalidade para tratamentos clínicos e de parâmetros para o projeto de produtos e equipamentos (HANTEN et al., 1999; MATHIOWETZ et al., 1985a; CROSBY et al., 1994; THORNGREN; WERNER, 1979). Pesquisas desta natureza caracterizam-se por envolver um número grande de indivíduos e por englobar uma faixa relativamente ampla da população. Um dos primeiros estudos nesse sentido foi realizado por Kellor et al. (1971) que, apesar de apresentar alguns problemas metodológicos (ver subseção 2.1.2), gerou dados de força e destreza para diagnósticos mais seguros de lesões na fisioterapia. Alguns estudos também se preocupam em explorar padrões de comportamento da força com o intuito de propor modelos biomecânicos capazes de estimar a capacidade muscular de um indivíduo com base em dados pré-existentes (idade, gênero, antropometria, lateralidade, etc.) mais fáceis de serem obtidos (HANTEN et al., 1999; VOORBIJ; STEENBEKKERS, 2001; ROMAN-LIU; TOKARSKI, 2005; EKSIOGLU et al., 1996). Entretanto, Peebles e Norris (2000, 2003) e Pheasant (1996), ao afirmarem que as variáveis da tarefa influenciam mais acentuadamente a força manual que as características individuais, apontam dificuldades na tentativa de estimar a força de um indivíduo, especialmente quando se conhece a força em um tipo de atividade (preensão palmar, por exemplo) e se quer estimar a força em outra atividade (tração, por exemplo). Um desses modelos biomecânicos que considera diversas variáveis da tarefa é a equação do NIOSH (National Institute for Occupational Safety and Health) para o projeto e avaliação de atividades de levantamento de carga (NIOSH, 1981), posteriormente revisada por Waters et al. (1993). Esta equação utiliza variáveis conhecidas ou facilmente mensuráveis, como peso a ser transportado, distância da carga em relação ao indivíduo, freqüência da tarefa, etc., para estimar o peso recomendado a ser transportado pelos trabalhadores sem risco de lesão ou desconforto. A partir dessas referências de dados de normalidade, as forças manuais têm sido comumente mensuradas em análises clínicas como uma forma de diagnosticar, pela redução da capacidade muscular, a presença de doenças ou lesões nos membros superiores, bem como avaliar o progresso de tratamentos e a reabilitação de pacientes (KIRKPATRICK, 1956; HANTEN et al., 1999; SU et al., 1994). A eficácia do uso da força manual para diagnósticos clínicos foi comprovada por Czitrom e Lister (1988). Os autores investigaram pacientes com dores crônicas no punho, 10 comprovadas por meio de inúmeros exames (radiografia, cintilografia, cinerradiografia, tomografia, etc.) e observaram que os sujeitos com distúrbios diagnosticados apresentaram significativamente menor força que os indivíduos sadios. Nestes casos, além dos testes instrumentais quantitativos, realizados com o emprego de dinamômetros, é ainda comum o emprego do Teste Muscular Manual, baseado em análises subjetivas do profissional de saúde (KENDALL; MCCREARY, 1983 apud VIDRICH FILHO et al., 2005). O estudo das capacidades biomecânicas do homem, principalmente quanto aos limites de força e resistência, é muito amplo e complexo, e a maior parte dos esforços está ainda concentrada na avaliação das forças de preensão, tanto palmares quanto digitais. Entretanto, alguns autores têm proposto novas abordagens nesse campo, buscando reproduzir em laboratório algumas interfaces comumente encontradas nas tarefas ocupacionais ou em atividades da vida diária (AVD). Com o objetivo principal de gerar parâmetros ergonômicos para o design de produtos e tarefas (e não necessariamente uma base de dados para avaliação clínica), estes estudos vêm abordando forças de tração, compressão e torque aliadas a preensões digitais e palmares sob diversas interfaces. No campo do design, a principal referência até o presente momento é o trabalho desenvolvido pelo Departamento de Comércio e Indústria doReino Unido em conjunto com a Universidade de Nottingham, que teve por objetivo gerar parâmetros de forças manuais para o design de produtos mais seguros e adequados ao uso (PEEBLES; NORRIS, 2000, 2002, 2003). De acordo com os autores, a maior parte dos dados de força disponíveis não pode ser aplicada diretamente para o design de produtos, pois seguiram posicionamentos padronizados não relacionados com tarefas cotidianas e não correspondem com a real interação entre indivíduos e produtos. Para conseguirem analisar quais variáveis seriam prioritárias, solicitaram que profissionais de diversas áreas (designers, industriais, ergonomistas, etc.) detalhassem, por meio de um questionário, as informações que haviam necessitado para seus projetos e não conseguiram encontrar. Apesar de terem obtido um retorno de apenas 10% (80 respostas), os autores conseguiram estabelecer quais variáveis abrangeriam os mais variados dados de projeto, como por exemplo, força de compressão com os dedos indicador e polegar; torque simulando a ação de abertura da tampa de um frasco; tração com preensão digital, torque do antebraço simulando acionamento de torneiras e maçanetas; dentre outras. O maior mérito deste estudo é, sem dúvida, a busca por variáveis mais realistas e próximas da necessidade projetual do designer. Entretanto, os seus dados devem ser utilizados com certa reserva, pois o número de sujeitos é bastante restrito (150 em média) para a grande amplitude da 11 população (2 a 90 anos), o que acabou fornecendo poucos indivíduos em cada grupo etário (8 em média por gênero). Para facilitar a compreensão dos diversos aspectos relacionados à avaliação de forças manuais, a revisão da literatura foi dividida em alguns tópicos. Primeiramente foi realizada uma análise das variáveis metodológicas compreendidas nestas abordagens, devido à crescente especialização conquistada e à necessidade de confiabilidade dos resultados. Em seguida, foram discutidas todas as variáveis de influência comuns para todas as avaliações de forças manuais e, por último, foram analisadas as variáveis específicas de cada abordagem, a saber: preensões puras (palmares e digitais), tração associada a preensão e torque associado a preensão. 2.1 Considerações metodológicas O planejamento metodológico das avaliações de forças manuais tem grande influência nos resultados do experimento; portanto, apesar da grande complexidade, muito rigor e cautela são imprescindíveis para a obtenção de dados seguros, confiáveis e aplicáveis. Apesar de se tratar de uma atividade onde há a presença de inúmeras variáveis, as forças estáticas foram amplamente investigadas e a padronização de procedimentos têm evoluído. A seguir serão discutidas algumas variáveis metodológicas imprescindíveis em abordagens desta natureza, sendo observada a sua atuação nos resultados dos estudos. 2.1.1 Equipamentos Uma correta escolha dos equipamentos é fundamental no planejamento de pesquisas desta natureza, pois pode comprometer a comparação dos resultados com outros estudos. Um exemplo deste caso é o estudo de Kellor et al. (1971), uma das referências de dados normativos de força mais utilizadas na década de 1970. Segundo Trombly (1983, apud MATHIOWETZ et al., 1984), o equipamento utilizado por Kellor (dinamômetro de pinça Osco®) registra valores de força menores que os dinamômetros atuais, reduzindo a confiabilidade dos resultados. Outros problemas com equipamentos foram relatados por Kirkpatrick (1956). O autor relata que a Associação Médica da Califórnia avaliara três instrumentos que eram utilizados para o registro das forças manuais: um instrumento pneumático que dependia da compressão do ar por meio de um tubo de borracha; um equipamento que media a pressão exercida pela mão por meio da compressão de uma mola de aço; e um sistema hidráulico selado que registrava a força em libras. O comitê não aprovou os equipamentos avaliados porque podiam medir apenas a pressão 12 da preensão e não a força. Posteriormente, este mesmo comitê avaliou o dinamômetro Jamar® e declarou-o adequado à medição da força de preensão palmar (FPP). O estudo de Thorngren e Werner (1979) pode ser utilizado como exemplo desta situação. Com o objetivo de gerar parâmetros de normalidade para a fisioterapia e medicina de realibilitação, empregaram um dinamômetro (Martin Vigorimeter® – Gebrüder Martin, Germany) que mede a pressão (kPa) exercida pela mão na preensão palmar por meio da deformação de um balão de borracha. Os resultados deste estudo são dificilmente comparáveis a outros, pois, além da unidade de medida ter sido em pressão e não em força, o fato do balão de borracha ser deformável pode alterar a relação comprimento-tensão dos músculos flexores e comprometer os resultados. A grande maioria dos estudos de FPP empregou o dinamômetro Jamar® em suas avaliações (AGER et al., 1984; CAPORRINO et al., 1998; HÄRKÖNEN et al., 1993); todavia, são também encontradas menções de outros equipamentos similares, como o Stoelting® (IMRHAN; LOO, 1989), o LaFayette® (IMRHAN, 1991) e o Collin® (FIUTKO, 1987). Para as forças de preensão digital, os equipamentos mais empregados são B&L® (ARAÚJO et al., 2002; MATHIOWETZ et al., 1985a) e Preston® (IMRHAN; LOO, 1989; YOUNG et al., 1989). Mathiowetz et al. (1984) relatam uma avaliação da precisão de calibração de dinamômetros manuais, onde foram comparados os equipamentos Jamar® padrão e Jamar® digital, e os dinamômetros de pinça dos fabricantes B&L® e Preston®. Os dinamômetros Jamar® padrão e B&L® mostraram as mais altas precisões (Figura 7). Figura 7. À esquerda: força de preensão palmar (FPP) sendo mensurada pelo dinamômetro Jamar® padrão - adaptado de PROAKTIVO (2006). À direita: medição da força de preensão digital (FPD) pelo dinamômetro de pinça B&L® (pinch gauge). Entretanto, esses dinamômetros são analógicos e, desta forma, não permitem o registro de forças continuamente (durante determinado intervalo de tempo), o que demandou o 13 desenvolvimento de instrumentos cada vez mais especializados (DEMPSEY; AYOUB, 1996). Desta forma, em muitos estudos foram utilizados equipamentos de fabricação própria, com a finalidade de melhor adequá-los aos objetivos e procedimentos desejados (IMRHAN; SUNDARARAJAN, 1992; SHIH; OU, 2005). Por exemplo, Dempsey e Ayoub (1996) empregaram células de carga (Beckman 4803) adaptadas, para proporcionar cinco diferentes aberturas de preensão digital e permitir a coleta de dados ao longo do tempo. Tendo em vista as dificuldades encontradas em muitas pesquisas para a escolha e preparação dos equipamentos, alguns autores propuseram diretrizes e recomendações para garantir maior confiabilidade dos resultados (CALDWELL et al., 1974; CHAFFIN; ANDERSSON, 1990; MITAL; KUMAR, 1998a). Analisando essas referências, pode-se discriminar alguns critérios que os equipamentos destinados a essas avaliações deveriam contemplar: O equipamento deve proporcionar uma área de contato suficiente para evitar desconforto localizado (evitando-se, portanto, cantos vivos e superfícies cortantes); A força deve ser medida em uma direção e sentido determinados; O equipamento deve facilmente acomodar indivíduos de diferentes antropometrias; Deve ser maleável, permitindo ser ajustado para a medição de diferentes tipos de forças (tração, compressão, etc.); A estrutura que suporta o equipamento deve ser forte o suficiente para resistir à aplicação de altas cargas (com um superdimensionamento de segurança); e O sistema de leitura deve permitir a coleta da força máxima obtida, a média de ao menos 3s de aplicação de forças e apresentar interface compatívelcom computadores. 2.1.2 Métodos de medição Tão importante quanto saber quais variáveis se quer analisar é saber como serão coletadas – os procedimentos de coleta e análise de dados são de grande importância nessa avaliações. Uma das primeiras referências é a diretriz da ASHT (FESS; MORAN, 1981 apud MATHIOWETZ et al., 1984) recomendando a realização de três medições sucessivas para cada variável e a utilização da média das três medições como resultado. Mathiowetz et al. (1984), investigando vários métodos de coleta e avaliação de força manual, afirmaram que os procedimentos indicados pela ASHT apresentam a mais alta confiabilidade. Entretanto, Crosby et al. (1994) não recomendam a realização de mais de uma medição, alegando que essa prática pode gerar confusões na interpretação dos resultados e, no caso de ser 14 empregada, deve-se utilizar o valor máximo e não a média como resultado. Por outro lado, Bechtol (1954) e Caldwell et al., (1974) afirmam que a segunda medição pode corroborar a eficácia da primeira, pois, se os dados apresentarem uma variação maior que 10%, pode ser um indicativo de que o indivíduo falhou ao tentar realizar sua força máxima no primeiro teste. Como pode ser observado, não há consenso quanto à melhor forma de coleta de dados entre os estudos de forças manuais, sendo difícil a proposição de uma padronização. A partir das recomendações da ASHT e dos resultados de Mathiowetz et al. (1984), vários estudos optaram por realizar três testes para cada variável, tomando-se a média desses resultados (ARMSTRONG; OLDHAM, 1999; NICOLAY; WALKER, 2005; YOUNG et al., 1989). Entretanto, em outros estudos ainda foram tomadas uma ou duas medições, sendo considerado o maior resultado delas (FOTHERGILL et al., 1992; IMRHAN; LOO, 1989; HÄRKÖNEN et al., 1993; KIM; KIM 2000). Mais recentemente, com o surgimento de novos equipamentos, tornou-se comum haver a medição da força muscular estática máxima ao longo de um determinado tempo, havendo a coleta de muitos de valores. Nestas abordagens, normalmente solicita-se que os sujeitos iniciem a contração muscular até atingir sua força máxima num intervalo de não mais de 2 segundos, mantendo essa força por 2 a 5 segundos (ARMSTRONG; OLDHAM, 1999; EDGREN et al., 2004; VOORBIJ; STEENBEKKERS, 2001). Kroemer (1970 apud CHAFFIN; ANDERSSON, 1990) recomenda que, neste tipo de avaliação, a medição de força não deve ultrapassar mais de 10s, pois a fadiga muscular pode ser grande, dificultando a recuperação muscular. Para essas avaliações, alguns autores propuseram como diretriz que a duração da contração deve ser de 4 a 6 segundos, sendo tomados como resultado a força máxima, a média de 3s e eliminados o primeiro e o último segundos (CHAFFIN; ANDERSSON, 1990; MITAL; KUMAR, 1998a; EDGREN; RADWIN, 2000). Mesmo com essas recomendações, alguns pesquisadores propuseram outras intervenções nos dados, objetivando resultados mais homogêneos. Voorbij e Steenbekkers (2001) e Adams e Peterson (1988) optaram por excluir os dados dos dois primeiros segundos, e há autores que eliminaram os valores que excederam em 10% ou 15% o valor médio obtido em todo o período avaliado (DEMPSEY; AYOUB, 1996; IMRHAN; SUNDARARAJAN, 1992; HÄRKÖNEN et al., 1993). Há ainda pesquisadores que investigaram o comportamento da força manual durante um intervalo de tempo maior (30 segundos), analisando a curva de crescimento e declínio dos valores obtidos (LINDAHL et al., 1994; NICOLAY; WALKER, 2005). 15 2.1.2.1 Posicionamento anatômico dos sujeitos Um dos fatores que mais afetam a força de um indivíduo é a postura, tanto por razões fisiológicas quanto biomecânicas (PHEASANT, 1996). A força aplicada é dependente da relação entre os músculos esqueléticos e as articulações que, sob diferentes posicionamentos, causam alterações no momento aplicado na junta (fator biomecânico); o comprimento e a posição do músculo em relação à articulação e a direção das fibras musculares também apresentam influência na capacidade de geração de esforço muscular (CHAFFIN; ANDERSSON, 1990). Por essas razões, Mital e Kumar (1998a) afirmam que é necessário um planejamento metodológico específico para a definição correta da postura a ser avaliada. Destacam atenção também para distância entre o local de aplicação da força (equipamento ou pega) e o corpo do sujeito, pois, sabe-se que quanto maior essa distância, menor a vantagem da ação mecânica. Tendo em vista estas questões, a American Society of Hand Therapists (ASHT) estabeleceu um posicionamento padronizado para a medição de forças manuais: o sujeito deve estar sentado, seu ombro levemente abduzido e neutralmente rotacionado, o cotovelo flexionado em 90º e o antebraço e punho em posturas neutras (FESS; MORAN, 1981 apud MATHIOWETZ et al., 1984). Mathiowetz et al. (1984) observaram que os sujeitos posicionados segundo essas recomendações tendem a manter os punhos entre 10-30º de extensão (postura não neutra), o que, segundo os autores, não deve alterar significativamente a geração de força. Su et al. (1994) ressaltam que o posicionamento recomendado pela ASHT restringe a ocorrência de compensações indesejadas realizadas por outros grupos musculares. Chaffin e Andersson (1990) recomendam ainda que a postura empregada para a avaliação seja detalhadamente descrita, para que seja possível ser facilmente replicada. Como uma forma de reiterar essa recomendação, pode-se citar a conclusão de Kramer et al. (1994) de que pequenas mudanças no ângulo de rotação do antebraço podem levar a grandes alterações na força gerada pelos movimentos de pronação e supinação. Daams (1993), entretanto, lançou questionamentos quanto à utilidade de aplicar posicionamentos padronizados. Apesar de importantes para a reprodutibilidade das variáveis da pesquisa, especialmente em áreas clínicas, o autor afirma que posturas padronizadas não são representativas da realidade e podem gerar menor força que posturas livres. Assim, realizou um estudo avaliando a força de tração e compressão em duas posturas padronizadas, uma postura livre e uma postura “funcional” (estabelecida pela observação das posturas livres adotadas). Como resultado, Daams (1993) esperava obter uma alta reprodutibilidade na postura funcional sem apresentar diferenças na magnitude de força em relação à postura livre. Entretanto, a postura 16 funcional não apresentou a contribuição esperada (relativa padronização e alta confiabilidade nos resultados), pois reduziu significativamente a força, em comparação a postura livre, e apresentou a mesma reprodutibilidade que esta. Como conclusão, recomendou a adoção de posturas livres para os sujeitos, pois, além de apresentarem maiores forças que todas as posturas padronizadas, apresentaram poucas variações entre os indivíduos. Os autores comentam ainda a adoção de posturas livres pode ainda contribuir para identificar a quantidade de espaço necessário para os trabalhadores nos postos de trabalho. 2.1.2.2 Intervalo entre os experimentos Sabe-se que a atividade muscular contínua gera fadiga e desconforto, especialmente sob solicitações intensas, como durante as avaliações de forças manuais. A partir disso, alguns autores recomendam a aplicação de intervalos de 30s a 2 min. entre as medições (MITAL; KUMAR, 1998a; CHAFFIN; ANDERSSON, 1990). Mital e Kumar (1998a) ainda mencionam que para poucas medições os intervalos de 30s são suficientes, mas a partir de 15 contrações musculares deve-se elevar-se o intervalo para 2 min. Já Caldwell et al. (1974) afirmam que o intervalo mínimo deve ser de 2 min., mesmo para poucas contrações. Há ainda diretrizes informando que intervalosmaiores devem ser permitidos se os sujeitos assim requisitarem (MITAL; KUMAR, 1998a; CHAFFIN; ANDERSSON, 1990). Nas pesquisas revisadas há referências citando intervalos de 30 segundos até 1 minuto (FOTHERGILL et al., 1992; SWAIN et al., 1970; KIM; KIM, 2000; HABES; GRANT, 1997; ESSENDROP et al., 2001), de 2 a 3 minutos (ADAMS; PETERSON, 1988; FRANSSON; WINKEL, 1991) e intervalos de 5 minutos ou mais (ARMSTRONG; OLDHAM, 1999; MITAL, 1986). Kim e Kim (2000) providenciaram, além do intervalo de 1 min. entre as medições, um intervalo de 5 minutos após 30 min. de coleta de dados, para evitar surgimento de fadiga acumulada. 2.1.2.3 Instruções As instruções podem ter influência nos resultados das avaliações. Exemplificando isso, Caldwell et al. (1974) identificaram que quando foi pedido aos sujeitos para aumentarem sua força até o máximo e manterem, apenas 3% atingiram a força máxima no primeiro segundo enquanto que, quando foi solicitado que aplicassem força rapidamente, 38% dos sujeitos conseguiram atingir a máxima em 1 segundo. Ainda, segundo esse estudo, a diferença obtida 17 parece ser mais notável quando estão sendo avaliados grandes grupos musculares em comparação a pequenos, como é o caso das preensões. Como conclusão, Caldwell et al. (1974) estabeleceram que se deve instruir os sujeitos a aumentar a força até a contração máxima (sem apertões súbitos) em aproximadamente um segundo e manter essa contração durante quatro segundos. O estudo de Mathiowetz et al. (1984) é um dos poucos que apresenta detalhadamente as instruções fornecidas no experimento. Consiste em breve explicação dos procedimentos seguida de expressões verbais que estimulavam os sujeitos a exercerem mais força. No estudo de Voorbij e Steenbekkers (2001), os indivíduos também foram encorajados verbalmente durante as avaliações, entretanto, faltaram detalhes a respeito do conteúdo destes estímulos. Esses encorajamentos verbais foram recomendados por alguns autores, com a condição de que fossem generalizados e não informassem sobre o desempenho dos sujeitos (CALDWELL et al., 1974; CHAFFIN; ANDERSSON, 1990). Entretanto, Mital e Kumar (1998a) condenam essa prática. Caldwell et al. (1974) complementam que as instruções devem ater-se aos fatos e não incluir apelos emocionais. O controle das informações que chega até o indivíduo também foi considerado nas avaliações biomecânicas. A grande maioria dos experimentos não permite aos sujeitos tomarem conhecimento dos valores de força que estão realizando ou que foram realizados pelos demais indivíduos para evitar competições no ambiente de teste (IMRHAN; LOO, 1989; IMRHAN; SUNDARARAJAN, 1992; NICOLAY; WALKER, 2005; ESSENDROP et al., 2001). Se os sujeitos tomassem conhecimento das forças que estão realizando poderiam sentirem-se estimulados a superar os resultados precedentes, comprometendo a avaliação. Como exceção, podem ser citados os estudos de Welcome et al. (2004) e Aldien et al. (2005) que, avaliando quantidades de forças previamente definidas, optaram por deixar visível o mostrador para os sujeitos manterem, de maneira mais estável, a força estática estabelecida. Vários estudos também permitem que os sujeitos conheçam e utilizem os equipamentos antes das avaliações, para acostumarem-se às atividades que serão realizadas (ALDIEN et al., 2005; IMRHAN; LOO, 1989; SHIH; OU, 2005). 2.1.3 Cuidados éticos Além dessas medidas encontradas na literatura, não se pode deixar de considerar os aspectos éticos em pesquisas que envolvem seres humanos, descritos pelo Conselho Nacional de Saúde (1996), sob Resolução 196-1996 e da Norma ABERGO de Deontologia ERG BR 1002 (ABERGO, 2003). As considerações a tomadas a este respeito devem atender a quatro princípios básicos definidos pelo Conselho Nacional de Saúde: 18 Autonomia: consentimento livre e esclarecido dos indivíduos e proteção dos grupos vulneráveis e legalmente incapazes; Beneficência: ponderação entre riscos/benefícios, atuais e potenciais, individuais e coletivos, objetivando o aumento nos benefícios e a minimização extrema dos riscos; Não Maleficência: plena garantia de que danos previsíveis serão evitados; e Justição e Eqüidade: relevância social da pesquisa com vantagens significativas para os sujeitos, com igual consideração dos interesses. Também é de fundamental importância a aplicação de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e a submissão do projeto de pesquisa a um Comitê de Ética em Pesquisa. Abaixo foi feita uma seleção das principais recomendações encontradas na literatura no que trata dos cuidados a serem tomados às instruções e questões éticas (CALDWELL et al., 1974; CHAFFIN; ANDERSSON, 1990; MITAL; KUMAR, 1998a): É importante relatar completamente as condições do teste, dados biográficos dos sujeitos e estatística dos resultados. Devem ser evitadas coações aos sujeitos e sempre alertar os voluntários de possíveis riscos envolvidos com a avaliação; Informar os sujeitos da finalidade dos dados, dos procedimentos da pesquisa e da aplicação dos resultados obtidos na pesquisa; Devem ser evitadas condições que alterem a motivação dos sujeitos, como recompensas, espectadores, definição de objetivos a serem atingidos, etc., garantindo um ambiente livre de competição. 2.1.4 Critérios de exclusão, controle ambiental e outros cuidados De acordo com os critérios de exclusão da maior parte dos estudos, são excluídos os indivíduos que apresentem qualquer sintoma de problema músculo-esquelético nos membros superiores (ARMSTRONG; OLDHAM, 1999; KONG; LOWE, 2005a, 2005b; PETERSEN et al., 1989), ou indivíduos com histórico desses problemas nos últimos seis meses ou mais (IMRHAN; LOO, 1989; NICOLAY; WALKER, 2005; YOUNG et al., 1989). Nas pesquisas envolvendo idosos, são utilizados critérios de exclusão menos rigorosos, como não possuir limitações de movimentos e/ou não apresentar doenças severas nos membros superiores (IMRHAN; LOO, 1989; MATHIOWETZ et al., 1985a). Outras variáveis incluíam a não administração de medicamentos, níveis altos de pressão sangüínea, gravidez, não estar sob 19 tratamento médico (LINDAHL et al., 1994; MATHIOWETZ et al., 1985a; VOORBIJ; STEENBEKKERS, 2002; ESSENDROP et al., 2001). As recomendações para o controle das condições ambientes do estudo implicam em minimizar todas as distrações ambientais (barulho, calor, iluminações intermitentes). No entanto, poucos estudos demonstram alguma preocupação com um controle ambiental durante a coleta dos dados. Um exemplo de controle térmico é o estudo de Armstrong e Oldham (1999), que controlaram a temperatura das mãos dos sujeitos mergulhando-as numa banheira com água aquecida a 40ºC, durante 10 minutos. Os autores acreditam que os músculos, sob temperaturas mais baixas, podem realizar menores forças que sob temperaturas elevadas, característica essa indesejada nessas avaliações. Alguns estudos também se preocuparam com a influência da umidade e oleosidade da pele nas avaliações de força, solicitando aos sujeitos utilizarem toalhas de papel (SWAIN et al., 1970; VOORBIJ; STEENBEKKERS, 2002) ou lavarem e secarem as mãos (IMRHAN; JENKINS, 1999; KINOSHITA et al., 1996). Cochran e Riley (1986), para igualar condições de atrito entre as diferentes pegas avaliadas e evitar influências do acabamento superficial, aplicaram um filme de deslizamento nas pegas e os sujeitos utilizaram luvas de borracha descartáveis cobertas com um fluido de deslizamento. Outras considerações dizem respeito à alimentação ingerida pelos sujeitos antes das avaliações. Kattel et al. (1996), em uma avaliação da FPP sob diversas posturas dos
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